Reminiscências de uma coleção. As peças do candomblé do IGHB: apreender, ofertar e exibir

Abstract

Os objetos apreendidos nos terreiros de candomblés pela polícia, quando não destruídos ou recolhidos por seus respectivos donos, possibilitou que algumas instituições, como o Museu Estácio de Lima, alimentassem suas coleções durante a primeira metade do século XX. É dentro desse contexto que a coleção de peças do candomblé do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia foi constituída. Esses objetos foram submetidos a um processo que, no início, os apresentava como provas de crime nas delegacias e, seguidamente, os musealizava, conferindo-lhes um novo valor. Sendo assim, a identificação do perfil dos doadores auxilia a entender o sentido de tal doação: se apreender objetos afro-religiosos demonstra o poder da polícia, salvaguardá-los e exibi-los de modo exemplar, como se fossem troféus de diligências punitivas, não deixa de ser outra forma de controle social. A cadeira do pai de santo Severiano Manoel de Abreu, o Jubiabá, é tratada como um estudo de caso, partindo da apreensão, até sua saída do IGHB, em comodato, para o terreiro remanescente Mokambo, liderado por tata Anselmo Santos. Ao requerer a cadeira-trono ao IGHB, o Mokambo tornou-se o primeiro terreiro na Bahia a recuperar uma peça apreendida pela força policial. A dissertação apresenta o contexto de formação da coleção de peças do candomblé do IGHB, uma coleção que demonstra o poder repressivo da polícia sobre as manifestações afro-religiosas e que inverte essa afirmativa quando um dos seus objetos é recuperado por líderes religiosos do candomblé.

The objects seized by the police from the Afro-Brazilian temples of candomblé (terreiros), when they were not immediately destroyed or claimed back by their respective owners, allowed some institutions such as the Estácio de Lima Museum to expand their collections during the first half of the 20th century. It is within this context that the collection of candomblé pieces from the Geographical and Historical Institute of Bahia (IGHB) was created. These objects were submitted to an initial process of apprehension and presentation as evidence of crime in police stations, followed by their musealization in which they acquired a new value. In this sense, the identification of the donors’ profiles helps to understand the donation process: if seizing afro-religious objects demonstrates the power of the police, safeguarding and displaying them in an exemplary manner, as if they were trophies of punitive diligences, constitutes still another form of social control. The chair of a candomblé spiritual leader named Severiano Manoel de Abreu, also known as Jubiabá, will be treated as a case study, starting from its seizure to its transfer to the IGHB, and from there to the Mokambo terreiro, under the leadership of tata Anselmo Santos. This Afro-Brazilian temple became the first one in Bahia to recover a seized piece from the police. In this dissertation, I present the context of the formation of the IGHB’s collection of Candomblé pieces, a collection that demonstrates the power of police repression over afro-religious manifestations as well as how such power dynamic is reversed when objects are recovered by Candomblé religious leaders.