Bonja: os processos de produção do patrimônio cultural e a apropriação do lugar na Ilha de Bom Jesus dos Passos, Ba

Abstract

Por meio desta etnografia, analiso processos de produção do patrimônio cultural na ilha de Bom Jesus dos Passos – Bonja (Salvador/BA) a partir do embate entre eventos culturais locais e um grande projeto de investimento municipal na orla marítima da ilha. Assim, ao se considerar o “patrimônio cultural” como categoria de pensamento, é possível investigar de forma polifônica os conflitos decorrentes entre habitantes e a Prefeitura dessa cidade, caracterizados por táticas, estratégias e rebeldias locais. Esta etnografia propõe-se a descrever, associar, traduzir, representar e experenciar “cenário, atores e regras” naquele sítio e suas “Artes de Fazer e Ser”. A metodologia foi constituída em três etapas a saber: 1. Pesquisa documental em instituições da área da Salvaguarda do Patrimônio Cultural (Federal, Estadual e Privada), Cadastro de Imóveis (Municipal), Estatística Federal), Arquivo, Biblioteca e Meio Ambiente; 2. Mapeamento do Calendário de Eventos da Ilha e seus processos intensos durante 08 meses, o que resultou em uma visão sistêmica dos períodos, tempos de organização e execução daqueles acontecimentos, muitos deles centenários; e 3. Ação de “caminhar vivenciado” com, em e entre o lugar-lar, as coisas, os seres (materiais e imateriais) e a cosmologia daqueles que são habitantes dessa simultaneamente ilha-bairro e ilha-cidade situada na Salvador-insular. Esta investigação revela componentes que permitem refletir sobre os discursos desses agentes culturais, os quais compreendem o patrimônio cultural como “pontes” para continuar existindo e resistindo; as ações coletivas de salvaguarda que os ajudam suportar a invasão de seu lugar-lar por lógicas externas e que servem de base para as pessoas lutarem pela preservação de suas identidades; a imposição da Prefeitura e parceira privada de uma gentrificação baseada em certo tipo de classe, gosto e habitus social, dinâmica que estabelece historicamente descompassos socioeconômicos atrelados ao racismo estrutural que aflige essa ilha-bairro (igualmente verificável em outras coletividades na Baía de Todos os Santos), Nesse cenário, os moradores são entregues de forma perversa à miséria, a atrasos e a constantes pilhagens. As considerações desta investigação ressaltam a noção de patrimônio cultural como elemento vital para destacar as ações desviacionistas e as artes de fazer, o que presenciei nas ruas de Bonja com seus habitantes realizando o “processo de produção” do patrimônio cultural, o que De Certeau nomina como “economia do lugar próprio”. Assim, revela-se um Estado cada vez mais violento, perturbador, entregue à domesticação e à gentrificação dos lugares a partir de seus pactos com os “parceiros do lucro”. Tal fato conduz os habitantes dessa ilha ao seu saber-fazer anônimo como referencial para a construção simbólica e prática do cotidiano, desenvolvendo modos de como fazer, quando fazer, com quem fazer as práxis culturais que surpreendem os próprios agentes culturais e revelam singular Salvador esteticamente insurgente.

Through this ethnography, I analyze cultural heritage production processes on the island of Bom Jesus dos Passos – Bonja (Salvador/BA) based on the clash between local cultural events and a major municipal investment project on the island's waterfront. Thus, when considering the “cultural heritage” as a category of thought, it is possible to investigate in a polyphonic way the conflicts arising between inhabitants and the City Hall of this city, characterized by tactics, strategies and local rebellions. This ethnography proposes to describe, associate, translate, represent and experience “scenery, actors and rules” on that site and its “Arts of Doing and Being”. The methodology consisted of three stages, namely: 1. Documentary research in institutions in the area of Safeguarding Cultural Heritage (Federal, State and Private), Property Registry (Municipal), Statistics (Federal), Archive, Library and Environment; 2. Mapping of the Island's Events Calendar and its intense processes during 08 months, which resulted in a systemic view of the periods, times of organization and execution of those events, many of them centenary; and 3. Action of “experiential walking” with, in and between the home place, things, beings (material and immaterial) and the cosmology of those who are inhabitants of this islandneighborhood and island-city located in the island-Salvador. This investigation reveals components that allow reflecting on the speeches of these cultural agents, who understand cultural heritage as “bridges” to continue to exist and resist; the collective safeguard actions that help them to support the invasion of their home place by external logics and that serve as a basis for people to fight for the preservation of their identities; the imposition of the City Hall and a private partner of a gentrification based on a certain type of class, taste and social habitus, a dynamic that historically establishes socio-economic discrepancies linked to the structural racism that afflicts this island-neighborhood (equally verifiable in other communities in the Bay of Todos os Santos). In this scenario, residents are exposed in a perverse way to misery, delays and constant looting. The considerations of this investigation emphasize the notion of cultural heritage as a vital element to highlight deviationist actions and the art practice, which I witnessed in the streets of Bonja with its inhabitants carrying out the “production process” of cultural heritage, which De Certeau calls as “economy of the proper place”. Thus, the increasingly violent and disturbing State proves to be committed to the domestication and gentrification of places based on its pacts with the “partners of profit”. This fact leads the inhabitants of this island to their anonymous know-how as a reference for the symbolic and practical construction of everyday life, developing ways of doing, when to do it, with whom to do the cultural praxis that surprise the cultural agents themselves and reveal an aesthetically unique and insurgent Salvador.