Asma e determinantes psicossociais: a contribuição das alterações internalizantes e da violência comunitária para ocorrência e curso dos sintomas de asma na infância e adolescência

Abstract

A investigação da asma implica em importantes desafios, particularmente devido à ausência de consenso sobre sua definição fenotípica, etiologia e fatores que influenciam no seu curso. Embora as primeiras descrições da doença já relatassem a importância dos fatores psicológicos e psicossociais para ocorrência e prognóstico dos sintomas asmáticos, apenas recentemente foram identificadas evidências epidemiológicas dessa associação, sendo sua causalidade ainda controversa. Além disso, sugere-se que esses fenômenos ocorrem em conjunto por compartilharem exposições de fonte comum, particularmente estressores ambientais, como a violência comunitária. A identificação dos mecanismos associados à asma na adolescência pode contribuir substancialmente para formulação de políticas de prevenção e cuidado, num país caracterizado por elevadas prevalências desse fenômeno. O objetivo da presente tese foi identificar a contribuição dos problemas internalizantes e de outros fatores psicossociais no surgimento e evolução dos sintomas de asma, assim como investigar os potenciais mecanismos imunológicos e de alergia envolvidos nessa relação. Especificamente, buscou-se: (1) descrever o panorama geral das pesquisas sobre o curso da asma, buscando identificar os principais fatores de risco para remissão descritos na literatura; (2) avaliar o efeito dos sintomas de ansiedade e depressão, expressos através dos problemas internalizantes sobre a incidência, remissão e curso dos sintomas de asma em adolescentes; (3) identificar os possíveis mecanismos imunológicos e alérgicos mediadores da associação entre violência comunitária, sintomas internalizantes e a ocorrência de asma em adolescentes. Visando responder à lacuna sobre a escassez de informações sobre o curso da asma da infância para a adolescência, foi realizada uma revisão sistemática da literatura, a qual identificou elevada variabilidade no tamanho amostral dos estudos, nos fatores de risco avaliados e nas metodologias empregadas, particularmente nas estratégias de definição de remissão. A severidade dos sintomas foi o mais importante preditor da remissão da asma da infância para a adolescência, e não foram identificadas investigações sobre o efeito dos fatores emocionais/psicossociais sobre o curso da asma. Seguiu-se então com a análise dos dados da coorte SCAALA (Social Changes Asthma and Allergies in Latin America), composta por aproximadamente 1.200 adolescentes de 12 a 19 anos, avaliados através de entrevistas domiciliares e coleta de material biológico em dois momentos distintos: durante a infância, na linha de base, em 2005, e posteriormente em 2013. Questionário adaptado do International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC) foi utilizado para avaliação dos desfechos asmáticos. O Child Behavior Checklist (CBCL) e Youth Self-report (YSR) foram aplicados na linha de base e no acompanhamento para avaliação dos sintomas internalizantes. Foram utilizados modelos de regressão logística multivariada com efeitos aleatórios e modelo de análise de caminhos (Path analysis) para identificar as associações entre exposições e desfechos. Identificou-se forte evidência do efeito dos sintomas internalizantes, particularmente na infância, na remissão da asma na adolescência, mesmo levando em consideração o efeito de potenciais confundidores (OR: 0,29; IC95%: 0,12-0,53). As associações com a incidência foram limítrofes (OR:2,7 IC95%: 0,94-7,63). Os sintomas internalizantes também estiveram associadas à ocorrência de asma na adolescência (p=0,009), particularmente asma não-atópica e sem envolvimento das variáveis imunológicas ou marcadores de alergia (p>0,05). Identificou-se evidência de um possível efeito mediador dos problemas internalizantes na relação entre violência comunitária e ocorrência de sintomas de asma em adolescentes. Os achados sugerem que os problemas internalizantes contribuem significativamente para a ocorrência e curso dos sintomas de asma, sem envolvimento de mecanismos alérgicos e imunológicos nessa relação. Reforça-se a necessidade de implementação de estratégias para redução da violência e promoção de saúde mental em crianças e adolescentes, assim como de estudos que abordem modelos alternativos para investigação dos mecanismos envolvidos na relação entre fatores psicossociais e asma.