Rede de atenção à violência contra a mulher em foco: o lugar dos fluxos de informação e comunicação na construção de trajetórias de mulheres de Salvador.

Abstract

A violência contra a mulher é um fenômeno que ocorre em todas as fases da vida e acomete mulheres de todas as classes sociais. É um fenômeno multifacetado, que envolve relações desiguais de gênero e construções culturais fortemente enraizadas e que ainda é cercada pelo silêncio e invisibilidade. Muitos avanços foram possíveis graças à articulação dos movimentos de mulheres junto ao poder público no enfrentamento ao problema, propiciando o surgimento de políticas e serviços específico de atenção às mulheres vítimas de violência. A criação desses serviços pressupõe um trabalho articulado, em uma perspectiva intersetorial, com definição de fluxos de atendimento e de comunicação que viabilize o funcionamento em rede. Em Salvador, os serviços de atendimento a mulher em situação de violência doméstica estão organizados em uma Rede de Atenção, abarcando diferentes políticas públicas, como segurança pública, justiça, políticas para as mulheres, saúde e assistência social. Este trabalho teve como objetivo identificar os fluxos de informação e comunicação que incidem nas trajetórias das usuárias atendidas na Rede de Atenção às mulheres em situação de violência em Salvador. Tomando a Rede de Atenção em sua complexidade e diversidade de participantes, a questão da informação e da comunicação se configura como um nó crítico central para seu bom funcionamento, interferindo diretamente na trajetória das mulheres e na resolução dos seus problemas. Trata-se de um estudo qualitativo que adotou como estratégia as entrevistas semi-estruturadas em profundidade, sendo a análise de dados realizada à luz na Análise de Conteúdo de Bardin. Teve como sujeitos dez mulheres entre 32 e 58 anos, abordadas dentro dos serviços que acolhem especificamente os casos de violência doméstica na cidade de Salvador, a saber: Centro de Referência de Atendimento à Mulher Loreta Valadares, Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher de Periperi, a Vara de violência doméstica e familiar contra a mulher e o Serviço Viver. Todas as participantes foram vítimas de violência doméstica cujo agressor foi o próprio companheiro. Percebeu-se que os fluxos de informação e a comunicação são imprescindíveis no trabalho em rede, incidindo diretamente na tomada de decisão por busca de ajuda e na construção das trajetórias das mulheres na Rede de Atenção. Destaca-se a não articulação entre os serviços dessa Rede, perceptível na ausência de encaminhamentos formalizados, na falta de comunicação entre os serviços, o não acompanhamento da mulher na Rede e o não delineamento conjunto dos planos de ação. A baixa resolutividade, a morosidade dos processos e os movimentos de idas e vindas aos serviços são questões levantadas pelas mulheres que se refletem diretamente nas trajetórias construídas, gerando descrenças e até mesmo desistências por seguir adiante, aliada a sentimentos de culpa e medo que a acompanham ao longo de todo o processo. Faz-se necessário tomar o tema da violência doméstica contra a mulher como um fenômeno intersetorial, que abarca as mais variadas dimensões da vida da mulher, que deve ser encarada para além da esfera estritamente criminal. Nesse sentido, os operadores dos serviços têm papel primordial na circulação da informação de modo a direcionar as mulheres para os serviços de acordo com as suas necessidades de vida, pelo acompanhamento das mesmas na Rede e pelo empoderamento acerca dos seus direitos, tendo como objetivo fim a emancipação das vidas dessas mulheres.