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Adaptado por: Beatriz Meneses

Adaptado em: Outubro de 2023

PAZELLO, Ricardo Prestes. Direito insurgente: para uma crítica marxista ao direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021. p. 35-127.

Capitulo 1

Crítica Marxiana ao Direito

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O presente capítulo pretende desenvolver uma análise crítica sobre o direito, a partir do próprio Marx. É neste sentido que definimo-la como crítica marxiana ao direito. Apesar de nossa postura tipicamente marxista, neste momento da reflexão procuraremos extrair, de interpretações as mais diretas possíveis, o entendimento de Marx acerca do direito. Por isso, análise marxiana - uma vez que voltada quase que exclusivamente para a compreensão daqueles que tomamos como textos centrais em que a pena de Marx enfrentou a problemática jurídica. Assim, Sobre a questão judaica, O capital e Crítica do Programa de Gotha são três momentos exemplares da crítica marxiana ao direito.

Nossa abordagem não deixa de ser marxista, porém, na medida em que reavalia o método. Enquanto a análise marxiana se debruça sobre os textos de Marx, a marxista procura criativamente reconsiderá-la em outros contextos e conforme questões novas. Daí termos sentido ser necessária a discussão metodológica em que o direito não pode ser profundamente compreendido se tomado por uma pesquisa que desconsidere a totalidade concreta na qual se insere, a historicidade categorial que representa e, sob uma linguagem dialética, o movimento que desenvolve entre a aparência do fenômeno e sua essência. Portanto, totalidade, historicidade, essencialidade e dialética representam o cerne do método cujo ponto de vista adotamos.

Levando isto em conta, na sua radicalidade, buscamos compreender o direito, a partir das categorias da teoria do valor-trabalho, como relação social expressa em formas subsumidas ao processo de desenvolvimento do capitalismo. Daí termos podido falar em formas jurídicas essencia, aparentes e transitivas, baseadas em uma forma fundante. Aquestão das relações sociais - mercantis, capitalistas e jurídicas - assume centralidade neste debate, importando uma reformulação crítica da análise do direito, a partir de Marx.

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A análise das formas jurídicas, em suas essência e aparências, não desfaz a existência de outros pólos interpretativos do direito em Marx. Da crítica à emancipação política, em que as formas jurídicas aparentes, em suas feições declaratórias ou constitutivas, jogam papel importante na ruptura filosófica de Marx em direção a uma perspectiva crítica fundamental, à formulação de um princípio comunista para realizar uma nova sociedade, na qual o estreito horizonte jurídico e burguês deve ser ultrapassado, encontramo-nos com discussões complementares da crítica marxiana ao direito.

Finalizaremos, a partir deste leito de inquirições, construindo o questionamento sobre os possíveis vínculos entre crítica ao direito e sociologia dos movimentos sociais, na esfera das obras dos fundadores do marxismo. Tanto Marx quanto Engels esboçam tentativas de explicação da mobilização social dos trabalhadores, a partir de considerações objetivas e subjetivas de sua localização no interior da totalidade capitalista. Dentro e fora da ordem, a movimentação operária constituirá a forma do movimento social subsumida ao capital, ainda que não estagnada sob seu jugo, já que entre a legalidade e a ilegalidade se apresentam as formas de revolta do proletariado, indicando que a insurgência é o vínculo que torna possível o contato entre reivindicações e contestações e, portanto, entre direito e movimentos populares.

  1. O lugar do direito no método

Toda a crítica que Marx desenvolveu sobre a realidade esteve ligada a um rigoroso processo de investigação e de apresentação de seus resultados. Não é incomum, inclusive, que seus intérpretes tomem esta crítica como produto de um método cujas características diferenciariam o próprio Marx de toda a tradição teórica que o antecedeu ou o circunvizinhou. O curioso disto é que, apesar de vasta produção teórica, publicada ou não, Marx pouco se deteve em explicar o problema do método explicitamente se tomarmos em conta a aplicação dele frente a problemas específicos.

Nesse sentido, até mesmo a denominação dada ao método em sua obra é equívoca, tendo ocorrido vários debates, com implicações práticas bastante sérias, sobre se se tratava de um método apenas dialético, de um materialismo dialético, de um materialismo histórico ou mesmo de um materialismo histórico-dialético.

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Não gostaríamos, aqui, de enfrentar esta problemática sob o ângulo da diferenciação entre método, teoria e realidade, ou entre lógica e gnosiologia ou ainda entre explicação das ciências sociais ou das ciências naturais. Sobre isto muita pena se gastou [Nota 60] e não é nosso intuito fazer tal resgate, ainda que vez ou outra seja inevitável seu reaparecimento. O que podemos assegurar, por ora, é que o método marxiano é muito mais complexo do que a noção pura e simples de dialética pode expressar.

Fundamentalmente, a obra de Marx não admite que se “autonomize o método em face da teoria”. [Nota 61] Esta compreensão, ao invés de defesa de um autor que não buscou senão secundariamente tornar objeto de sua exposição a questão do método, expressa seu próprio sentido metodológico, qual seja, o de que apenas sob o prisma da totalidade concreta se poderá dar conta de explicar a realidade. Vejamos os porquês, para depois entendermos de que maneira o direito pode ser localizado no contexto marxiano do método.

Marx dedicou poucas reflexões especiais sobre o seu método, ainda que este esteja presente, de maneira aplicada, em toda sua obra. O mais significativo dos textos em que o autor se debruça sobre o tema é a famosa Introdução, de 1857. Trata-se de texto comumente apresentado como introdução aos Grundrisse, escritos entre 1857 e 1858, mas que pode ser lido, pela sua não reutilização posterior, como um texto à parte. Ali, Marx esboça aquilo que tomamos como o primordial para o entendimento do seu sentido do método. Assim, sua proposta se nucleia em três grandes aspectos os quais podemos chamar de “totalidade”, “historicidade” e "essencialidade". Exporemos, a partir daqui, nossa compreensão.

  1. Totalidade

Bastante difundida é sua frase, no início do item dedicado ao “método da economia política” em sua Introdução de 1857, em que se afirma: “o concreto é concreto porque é a síntese de múltiplas determinações, portanto, unidade da

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diversidade”. [Nota 62] Esta “síntese” é crucial para compreendermos referido método. A partir desta noção, Marx apresenta a relação entre as categorias construídas pelo pensamento e a própria realidade, assim como desenha o movimento que leva ao entendimento desta última. Por isso, concebe a síntese como um processo que é resultado, ou seja, “um produto do pensar, do conceituar”, o que não significa dizer, porém, que é “um produto do conceito”. [Nota 63] Neste passo, fica marcada uma elaboração que há muito (em termos biográficos, desde 1843) havia rompido com o hegelianismo e, portanto, com o idealismo que lhe é subjacente. Isto significa dizer que é da totalidade que se extrai o materialismo de Marx, uma vez que aquela está fundamentada no “ato de produção efetivo” e não no “conceito” mesmo.

Portanto, a relação entre categorias e a realidade exige uma muito complexa codeterminação entre o real e o humano. Com isso, seguimos a interpretação lúcida de Enrique Dussel, para quem, em Marx, “primeiro está o sujeito histórico como 'trabalho' e depois a natureza como matéria”, ainda que “a matéria (como massa física, astronômica, cosmológica) [seja] anterior ao sujeito histórico". [Nota 64] Esta complexa codeterminação é importante de ser evidenciada na medida em que, com ela, afastamos qualquer tipo de materialismo vulgar.

A complexidade do método de Marx - que, desde logo, afasta as críticas a supostos determinismos - se percebe também pelo fato de que a codeterminação entre real e pensado, a qual exige uma outra, entre sujeito e matéria, só é passível de apreensão se percebida processualmente.

Se podemos dizer que pelo menos dez anos antes da Introdução Marx já havia estabelecido, ainda que em seus primeiros passos, os nexos necessários à explicação materialista da realidade - quando em sua polêmica com Proudhon criticou-o: “a partir do momento em que não se persegue o movimento histórico das relações de produção, de que as categorias são apenas a expressão teórica, [...] é forçado a considerar o movimento da razão pura como a origem

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desses pensamentos" [Nota 65] - é com sua jornada rumo à crítica da economia política que se tornam definitivos os passos característicos para sua explanação metódica. Portanto, neste âmbito se encontram os movimentos internos à totalidade, imprescindíveis para a compreensão dela como resultado e processo.

Daí toda a ênfase que se procura dar à passagem do simples ao complexo e do abstrato ao concreto. Entendemos que aqui reside um grande eixo de confusões para os que procuram se inspirar no método de Marx para levarem adiante sua práxis. Marx mesmo dissera, na continuidade da assertiva que se referia ao concreto como “síntese de múltiplas determinações”, que o ponto de partida do método não é o concreto (totalidade concreta), “não obstante seja o ponto de partida efetivo”. [Nota 66] Assim, na diferença entre “ponto de partida” e “ponto de partida efetivo", encontra-se uma rica problemática que nos permite distinguir o método da realidade, ainda que esteja esta codeterminando-o por via do sujeito histórico.

Como dissemos que não era de nosso interesse enfrentar os detalhes desta problemática, preferiremos apenas apontar para o fato de que o ponto de partida não é o concreto, mas uma sua parcela. Neste sentido, portanto, é preciso “ascender do abstrato ao concreto”, assim como elevar-se do simples ao complexo. Daí a necessidade do reparo que deve ser feito sempre que se busca lançar mão de uma lógica dialética e dizer que o caminho do método vai do particular concreto ao universal concreto, passando pelo universal abstrato. A contraposição abstrato/concreto e particular/universal é, entrementes, antimetódica. Só se pode conceber a mercadoria, por exemplo, como um elemento concreto desde que este não seja complexo. Logo, há um concreto simples que se distingue do concreto complexo e isso tudo dificulta nossa compreensão. A mercadoria, descolada da totalidade, é uma abstração e, portanto, podemos chegar à contradição segundo a qual a concretude simples é abstrata - ainda que logicamente explicável, expressamente confusa (ou confundível).

Este debate encapsula importantes desdobramentos atingíveis a partir da tentativa de aplicar ao objeto “direito” este método - que, por enquanto, estamos chamando de método materialista da totalidade concreta. Por exemplo,

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segundo Henri Lefebvre, em texto bastante divulgado, o método “representa o universal concreto”, mas, “entre o universal e o concreto, é impossível suprimir a mediação do particular”. [Nota 67] Assim, o apelo se destina ao todo que “representa” sumariamente a concretude das coisas, o que é substancialmente correto. Entretanto, encontrar leis para este apelo, fundadas em uma “lógica” dialética, pode nos fazer incorrer em erro. Lefebvre cita várias leis da lógica dialética (lei da interação universal; lei do movimento universal; lei da unidade dos contraditórios; transformação da quantidade em qualidade; e lei do desenvolvimento em espiral) e, assim como ele, vários outros marxistas buscaram elencá-las, a começar por Engels [Nota 68] (lei da transformação da quantidade em qualidade; lei da interpenetração dos contrários; e lei da negação da negação). No entanto, se o ponto de partida e o ponto de partida efetivo estão distinguíveis na proposta de Marx e significam que não há equivalência absoluta entre método e realidade, ou seja, que se apresenta “a totalidade concreta como totalidade de pensamento, como um concreto de pensamento” [Nota 69], mesmo que entendamos as leis da dialética em toda sua historicidade, permanecem elas conduzindo ao abstrato, ao invés de nos elevarem do abstrato ao concreto.

É certo que, com isso, estamos destacando a totalidade concreta como algo mais profundo, em termos de método, que leis lógicas ou dialéticas, ainda que este debate seja de arriscado posicionamento. Se pensarmos, por exemplo, em Lukács, que inspira todo um legado de marxistas ortodoxos (quer dizer, não dogmáticos), seremos colocados diante de sua indicação de que a totalidade é a “essência do método” [Nota 70] de Marx, atribuindo-a, inclusive, a Hegel. O mesmo Lukács, porém, irá trabalhar com uma “relação ontológica entre natureza e sociedade”, [Nota 71] a partir da qual o “ser social” tem por pressuposto tanto o “ser da natureza inorgânica” quanto o “ser da natureza orgânica” e aí restaria a dúvi

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da: são possíveis leis dialéticas naturais? A resposta lukácsiana, para seguirmos no exemplo, continua sendo complexa, uma vez que a despeito de todas as pressuposições que uma análise ontológica impõe, a totalidade é a “reprodução ideal do realmente existente”. [Nota 72] A princípio, parece que assiste razão aos defensores da lógica dialética, contudo se recorrermos às mediações necessárias ao estudo da totalidade, as categorias, perceberemos que “as categorias não são puras idéias que surgem das idéias; nem são a realidade mesma”. [Nota 73] E, sendo esta última consideração um lastro para a compreensão da própria resposta lukacsiana, pode ríamos arrematar com o próprio filósofo húngaro:

[Inicio da citação] não se pode considerar o ser social como independente do ser da natureza, como antítese que o exclui, o que é feito por grande parte da filosofia burguesa quando se refere aos chamados “domínios do espírito”. De modo igualmente enérgico, a ontologia marxiana do ser social exclui a transposição simplista, materialista vulgar, das leis naturais para a sociedade, como era moda, por exemplo, na época do "darwinismo social". [Nota 74] [Final da citação]

Dessa forma, na relação entre social e natural, prevalece a totalidade concreta, na qual o lugar privilegiado é destinado às "categorias econômicas como categorias de produção e reprodução da vida humana” – palavras de Lukács, não de Dussel, como poderia parecer aos leitores marxistas latino-americanos. [Nota 75] Como o sujeito é anterior à matéria, em termos de método, vemos que as relações sociais prevalecem neste exame tipicamente marxista.

  1. Historicidade

Com a aparição das relações sociais, chegamos à porta de entrada para a localização do direito na problemática do método. A totalidade concreta, como

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"teoria da realidade" [Nota 76] e não a detalhada realidade em si, tem uma estrutura, que se produz e se desenvolve, para lembrarmos de outro importante pensador que refletiu sobre a questão do método em Marx. Para Kosik, assim, a “unidade do real” (como “unidade da diversidade”, para retomar Marx) implica aprofundar o conhecimento científico relacionado à totalidade mas também à “especificidade de cada campo do real e de cada fenômeno". [Nota 77] Isto porque, em sua visão, a pergunta fundamental é sobre o que é a realidade. E, desse jeito, há que se compreender o real como totalidade orgânica e concreta, complexa, na qual os fatos incidem, como especificidades que se reordenam conforme a estrutura existente. Por isso, a conclusão de que “justamente porque o real é um todo estruturado que se desenvolve e se cria, o conhecimento de fatos ou conjuntos de fatos da realidade vem a ser o conhecimento do lugar que eles ocupam na totalidade do próprio real”. Portanto, conhecer o direito é saber o lugar que ele toma nesta totalidade.

Teremos oportunidade de ver, mais adiante, que o direito é expressão categorial de relações sociais específicas, as quais desdobram-se a partir das descobertas de Marx acerca da produção de riquezas sob o jugo do capitalismo. Nesse sentido, não nos seria possível alcançar o entendimento do jurídico se não o expuséssemos dentro dos limites da totalidade vigente e, portanto, da ontologia do capitalismo (aqui, não nos remetemos a uma ontologia do ser social em geral). Como diria Roman Rosdolsky, o método de Marx, que nos leva do abstrato ao concreto, é, como aliás já vimos, um processo de síntese que se traduz pela “reconstrução progressiva do concreto a partir de suas determinações abstratas mais simples”. [Nota 78] Assim, pensar o direito em Marx exigirá partir das formas jurídicas nas quais os sujeitos, como sujeitos de direito dentro do capitalismo, se inserem, em conformidade com a relação capital-trabalho, relação que exprime um antagonismo de classe o qual redunda em organização política. Daí adotarmos o caminho que leva da crítica da economia política à crítica da emancipação política, seguida da problemática da organização do operariado em movimentos sociais.

O direito, como relação social jurídica, deve ser entendido como condicionado pelo processo de produção. Só neste sentido a totalidade se revelará

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em sua concretude. No entanto, o segredo desta análise residirá na percepção de que, como decorrência do processo de produção, o direito não encontra análogo na história. Para Marx, não há produção em geral, com caracteres eternos, mas, aí sim, "em todas as épocas, a produção tem algumas características comuns”, as quais só podem ser encaradas como abstrações, sendo que “o 'esquecimento' das diferenças essenciais sob a unidade é responsável pela eternização das categorias da economia política”. [Nota 79]

A totalidade é uma das categorias nucleares do método, em Marx, [Nota 80] e esperamos que, em confronto com os próximos itens deste capítulo, ela ganhe vida no desenvolvimento da reflexão sobre o direito a partir da crítica marxiana. Ao mesmo tempo, porém, a análise da totalidade concreta, para o estudo do direito, exige que demos um segundo passo em direção ao entendimento daquilo que é sua especificidade ou historicidade, envidando aqui a anotação de Kosik sobre o método: a localização dos fatos na realidade total.

Conceber o método de Marx a partir da totalidade concreta implica compreender a relação entre universal e particular. Esta relação nos leva, segundo Kosik, à questão da mediação. Em termos do direito mesmo, o debate assume importância central, porque, em certo sentido, se costuma conceber a juridicidade como uma universalidade, assim como a economia política tomava por universal a economia burguesa.

De volta à Introdução de 1857, podemos fundamentar o entendimento de que a totalidade é processo. Segundo Marx, as categorias, mesmo “as mais abstratas", só podem ser interpretadas como “produtos de relações históricas” E mais: “têm sụa plena validade só para essas relações e no interior delas”. [Nota 81] Assim, mercadoria, valor de troca ou concorrência devem ser compreendidas nesta dinâmica. Não poderia ser diferente com direito, norma jurídica ou estado democrático.

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Trata-se, aqui e portanto, de abarcar a discussão acerca da historicidade das relações sociais como categorias que “expressam formas de ser, determinações de existência”. [Nota 82] Agora, temos condições de afirmar a plenitude do sentido do materialismo histórico: o método que concebe a totalidade concreta, expressando as formas de ser específicas da realidade.

A historicidade, como condição de possibilidade para uma análise materialista crítica, encaminha a análise sobre o real para além de qualquer suposição de eternidade, imutabilidade e naturalidade. As relações nas quais os homens estão inseridos são obrigatoriamente humanas e, a partir do momento em que entra em cena este sujeito, não há condições para se naturalizar tais relações.

Em texto de 1847, Marx já recepcionava esta noção, afirmando que as categorias “são tão pouco eternas quanto as relações que exprimem” e, portanto, “são produtos históricos e transitórios". [Nota 83] Esta transitoriedade obriga todos os que pretendem compreender a unidade real a fazerem incidir uma análise que leve em conta aspectos conjunturais e sociológicos, podendo sedimentar o entendimento que consagra a noção mesma de classe social. Em outro excerto clássico para a discussão do método, o posfácio da segunda edição alemã de O capital, escrito em 1873, Marx indica a relação entre crítica e classe: “à medida que tal crítica [da economia burguesa] representa, além disso, uma classe, ela só pode representar a classe cuja missão histórica é a derrubada do modo de produção capitalista e a abolição final das classes - o proletariado”. [Nota 84]

Percebamos o quão longe nos leva esta assertiva, já que coloca lado a lado, historicidade e método, conjuntura e ciência. Sob esta clave, o já citado Lukács inferiu desta relação um “salto ontológico”, que se institui a partir da práxis: “um salto, com o pôr teleológico no trabalho, para o qual não pode haver nenhuma analogia na natureza". [Nota 85]

É certo que, como dissemos, Lukács vai mais adiante do que construir uma interpretação ontológica do capitalismo, uma vez que se lança a uma análise de longo alcance, sendo o trabalho a categoria mais abstrata possível dentro

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dos limites da historicidade. Ainda assim, as noções de práxis e trabalho, aqui, operam importante papel para a compreensão do método, inclusive no sentido de sua historicidade. Nenhuma idéia ou conceito, instituição ou estrutura, é passível de apreensão a não ser pela ação humana, vista como conjunto de relações e, para que isto ocorra, é preciso ter em mente a categoria trabalho.

  1. Essencialidade

Da categoria trabalho chegaremos ao valor e à dupla função da mercadoria no capitalismo. A partir disso, o valor de troca, como forma do valor, instaurará relações mercantis as quais terão no direito, e suas relações jurídicas, sua garantia de subsistência formal. Aqui, portanto, estaremos diante da differentia specifica - termos latinos realçados pelos comentadores de Marx - que o método baseado na historicidade permite ver. Segundo intérpretes, "o princípio fundamental da metodologia do jovem Marx” já era a busca “da lógica específica” das coisas ou da “lógica de sua differentia specifica": [Nota 86] Isto se acentua dentro de um quadro ordenado em que a totalidade concreta e suas mediações categoriais angariam conteúdo histórico. Assim como quando Marx enunciava alguma lei econômica o fazia no sentido de apresentá-la como “uma tendência histórica determinada, que pode ser travada ou contrarrestada por outras tendências”, [Nota 87] também o momento jurídico da totalidade concreta é uma “tendência histórica” que pode receber oposição assim que suas condições de existência deixem de subsistir (exploraremos com mais cuidado esta analogia no item a seguir). Aqui, abre-se o horizonte de toda uma teoria crítica do direito renovada a partir da força do método marxiano.

Como dissemos, a partir da Introdução de 1857, as categorias são históricas e expressam formas de ser. Sob o capitalismo, esta forma adquire um “caráter dúplice”, um “caráter antagônico”:

burguesia se move não têm um caráter uno, simples, mas um caráter dúplice; que, nas mesmas relações em que se produz a riqueza, também se produz a miséria; que, nas mesmas relações em que há desenvolvimento das forças produtivas, há uma força produtora de repressão; que essas

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relações só produzem a riqueza burguesa, ou seja: a riqueza da classe burguesa, destruindo continuamente a riqueza dos membros integrantes dessa classe produzindo um proletariado sempre crescente. [Nota 88]

É necessário desvelar este caráter que aparece uniformemente, sob o símbolo da naturalização: as coisas são como são porque sempre foram assim, diz a economia política. A crítica da economia política retruca: as coisas estão assim, mas não precisam sempre ser assim. A descoberta deste caráter antagônico deriva da perspicácia da totalidade concreta que exige um olhar histórico sobre as relações humanas. Apesar de estas poderem aparecer como imutáveis, elas são necessariamente transitórias. Daí que o método de Marx, ao passar do simples para o complexo, do abstrato para o concreto e do particular para o geral, deve retornar para o início de seu caminho demonstrando que a aparência não se confunde com a essência.

Assim como a assertiva atinente à síntese de múltiplas determinações, a relação aparência-essência em Marx tem um lugar decantado: “toda a ciência seria supérflua se a forma de manifestação e a essência das coisas coincidissem imediatamente”. [Nota 89] Com o intuito de extrair da relação entre estes dois pólos conteúdo central para as questões metodológicas da ontologia de Marx, Lukács assevera que “precisamente quando se trata das questões atinentes ao ser social, assume papel decisivo o problema ontológico da diferença, da oposição e da conexão entre fenômeno e essência”. [Nota 90] Neste sentido, é preciso que tomemos sempre a precaução de apontar o horizonte de nossa investigação para além de aquilo que está na superfície dos dados, informações e interpretações. Quanto ao direito, esta operação ganha destaque na medida em que é praxe vinculá-lo a alguma definição reducionista cujo enraizamento se deve ao fato de que guarda alguma relação com o existente: a norma jurídica não é um elemento que não tenha lastro concreto, assim como as decisões judiciais, o processo judicial, a argumentação, a interpretação e os sentidos da justiça. Em níveis maiores ou menores, são "coisas”. Ocorre, porém, que não são a expressão daquilo que explica o direito mesmo. São meras aparências, fenômenos, formas de manifestação.

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Sem uma apreensão de totalidade das relações sociais, entendidas em sua historicidade, as relações jurídicas se perdem nas mais superficiais teses de teoria do direito. O pesquisador fundamentado no método de Marx, todavia, deve lançar mão de sua arma crítica para chegar à profunda significação de tais relações, e é por isso que “o método de pesquisa que propicia o conhecimento teórico, partindo da aparência, visa alcançar a essencia do objeto”. [Nota 91]

Às apreensões que costumam reter-se na aparência dos fenômenos é comum se dar o nome de ideologia. Tarefa da práxis de quem faz uso do materialismo histórico é denunciar esta ideologia, ainda que não descurando de apresentar o que nela tem respaldo na realidade para, com isso, apontar seus limites explicativos.

A busca pela essencialidade, a essência das coisas, revela as determinações gerais das coisas mesmas. São tais determinações o "momento constitutivo essencial da coisa”, mas sem as quais, mesmo que em sua abstração, não se compreende a dinâmica da totalidade. Segundo Dussel, é preciso estar atento para o fato de que “o nível da abstração não é o nível histórico-concreto do real" [Nota 92] e se dedicar a conhecer a profundeza das relações reais. Neste aspecto, segue a trilha de Rosdoslsky de cuja exegese resgata a noção de determinação abstrata e a relocaliza na esfera da produção, em seu sentido lato e específico, e da circulação. Assim, método e realidade não se confundem, até porque a existência da essência fica adstrita a um processo de desenvolvimento a maior parte das vezes não linear.

Após toda essa discussão, em que o método se verifica pelas idéias fortes de totalidade, historicidade e essencialidade e com as quais deve dialogar a investigação sobre o direito é que temos condições de revalidar a linguagem dialética de Marx.

1.1.4 Linguagem dialética

Sobre o método dialético, no posfácio de 1873 de O capital, pronuncia-se: “meu método dialético não só difere do hegeliano, mas é também a sua antítese direta". Especialmente isto se dá porque Marx concebe uma disjuntiva

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entre método de exposição e de pesquisa segundo a qual o “movimento real” é uma artesania de expressão das formas de ser, pressupondo um vasto e caótico exercício de investigação. Portanto, sua dialética não é fundada na idéia, mas na concretude das relações sociais de produção, daí sua antítese a Hegel. E é só com este conjunto de pressupostos que tem vez uma exposição na qual “possa parecer que se esteja tratando de uma construção a priori”. [Nota 93]

Invertido o idealismo e adaptado aos horizontes da totalidade concreta, histórica e a partir da relação entre essência e aparência, Marx nos fornece ferramental propício a pensar a sociedade e, inclusive, o direito. Em 1857 projetara um plano em que exporia sua investigação da essência da produção capitalista, tendo por estofo a compreensão de que “as categorias mais simples [...] podem, por sua parte, constituir categorias mais complexas”. [Nota 94]

Em seu esboço de plano de estudos críticos sobre a sociedade regida pelo capital, [Nota 95] partiria de determinações universais abstratas para chegar à especificidade da sociedade burguesa (em um primeiro momento, na divisão trinitária ente capital, propriedade fundiária e trabalho assalariado) e, com isso, poder chegar a questões complexas como o estado, as relações internacionais e o mercado mundial. O direito teria seu lugar próprio nestas partes finais de sua projeção, o que, como se sabe, não conseguiu concretizar. De todo modo, assim como estado, relações internacionais e mercado mundial estão incubados na análise inicial sobre o capital, também o direito encontra várias críticas neste contexto. As inúmeras vezes em que a questão jurídica é atacada, sempre que a crítica ao capitalismo se ergue, serão os móveis de nossa argumentação na seqüência de nosso estudo.

  1. O direito achado n'O capital

Se há uma nota que dá unidade a quase toda perspectiva crítica do direito, na atualidade, é a de se buscar um “outro direito” que possa ser aplicado a partir de fontes e critérios cujos fundamentos não estejam atrelados a uma posição política conservadora, como via de regra são aquelas identificadas com o

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estado e suas normas positivadas. No entanto, esta "comunhão crítica” parece padecer de autocrítica e nos leva a importantes considerações. Destaquemos duas: o problema da aplicação de um “outro direito” e a questão do desatrelar-se da posição política conservadora.

No fundo, ambas as questões dizem respeito a uma concepção instrumental de direito. Em que sentido? Quando há procura por balizas encontradiças em um direito que se acha na “rua” se está a trabalhar com uma noção “política” do jurídico. E esta concepção leva, ou tende a, fundamentos táticos sobre a necessidade de se aplicar um "outro direito". Portanto, são dois debates - tática/estratégia e fundamento político/fundamento material - que ensejam uma dimensão do jurídico a qual aqui chamamos de instrumental. Ela, entrementes, pressupõe a seguinte verdade: a da cisão entre forma e conteúdo, na seara do direito, ou seja, é possível fazer uso do jurídico como forma, preenchendo-o de conteúdos diversos daqueles que imprimem uma dinâmica contrária às que lhe caracterizam no tempo presente.

A este ponto, já deve ter começado a se insinuar nossa perspectiva crítica ao direito. Ainda que seja importante uma politização do direito e, nesta esteira, se deva considerar a necessidade instrumental de seu uso tático, é preciso que não nos percamos no redemoinho da caótica aparência. E isso só é passível de compreensão se percebermos que, em sua totalidade, o fenômeno jurídico não admite esta cisão primária entre sua forma e seu conteúdo.

Aqui, os aspectos da historicidade do fenômeno tornam-se importantes. E, para ficarmos com uma aproximação geral, destaquemos referida historicidade como que expressando não só o que caracteriza uma determinada relação social em um momento histórico, como também a definição negativa dessa historicidade, quer dizer, o fato de que não é eterna nem universal.

Para uma crítica marxista ao direito, adiantemos, o fenômeno jurídico precisa ser entendido na sua especificidade e não-atemporalidade (duas conseqüências do que dissemos acima). E, desse modo, não pode ter sua estrutura cindida, ainda que sob o enfoque pragmático não possamos descuidar de suas características políticas e de sua dimensão tática. A implicação deste debate inicial é entender que devemos estudar o direito achado no capital, perspectiva de totalidade, que permite afastar o normativismo autossuficiente do direito achado na lei, mas que também permite, a um só tempo, negar e afirmar o direito achado nas ruas.

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Para isto, a via de acesso mais bem pavimentada é a da crítica ao direito a partir da crítica ao modo de produção capitalista, ou seja, das relações sociais capitalistas nas quais o direito ganha sua especificidade histórica e, frente à qual, se apresenta como temporalmente finito. Assim, o direito achado no capital pode ser entendido como o direito achado n'O capital, obra máxima e definitiva de Marx. Com isso, estamos defendendo a tese de que o conteúdo que admitimos como sendo próprio do direito só tem seu apogeu na forma jurídica burguesa, o que justifica a nossa discussão prévia acerca da indissociabilidade entre forma e conteúdo no âmbito do direito. Se o que este regula e assegura são relações sociais capitalistas, como pode vir a servir em sentido contrário daquele que o conforma? Toda utilização (tática) do direito em prol de relações que sejam opostas às das relações mercantis são desvios no sentido originário do fenômeno, quer dizer, valem tanto quanto as ações desencadeadas por uma caneta que faz as vezes de punhal nas mãos do carneador ao invés de ser utilizada como instrumento de escrita.

Em O capital, Marx desenvolve uma teoria para explicar a natureza das riquezas e sua produção sob a égide do capitalismo. A teoria que o explica é a teoria do valor. [Nota 96] Marx procura, portanto, a partir desta teoria explicar o conjunto de condições que levam às relações sociais capitalistas. Não poderia ser, por conseqüência, o lugar de procura pelo sentido do direito na obra marxiana senão na sua teoria do valor. Vejamos os porquês.

1.2.1 Sentidos do direito

Sobre a obra de Marx, vige um certo senso comum de que muito pouco teria escrito e, portanto, contribuído para se compreender o fenômeno jurídico. Gostaríamos de nos opor a este entendimento, demonstrando a grandeza de sua contribuição. Para realizar uma tal defesa, muitos são os caminhos possíveis, a começar pelo destrinchamento de seus escritos completos. Certamente, por ser árdua, a abandonamos para enfrentarmos vereda certeira: se em O capital não encontrássemos o direito, por decorrência poderíamos abandonar a iniciativa. Felizmente, no entanto e como veremos, é exatamente em O capital que as mais promissoras análises marxianas sobre o direito podem ser visualizadas

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Trabalhamos, aqui, com um levantamento, que redundou em uma sistematização classificatória, relativo a todas as vezes em que Marx faz uso de noções “jurídicas” no decorrer do primeiro volume de sua obra principal. Deste levantamento, percebemos que Marx utiliza várias expressões referentes ao jurídico e em vários sentidos. Deste modo, devemos ressaltar, como previa conclusão, a não irrelevância do problema do direito, como inspirador das reflexões de Marx, seja como fonte de pesquisa (as inúmeras referências a legislações e a seus impactos, a partir de relatórios governamentais, o que dá o tom de uma verdadeira sociologia do direito), seja como o espírito que anima sua obra. Assim, ousamos afirmar que se trata de reflexão que problematiza a “matéria das leis” em contraponto ao “espírito das leis” montesquieusiano, de algum modo prevalente no horizonte intelectual ocidental.

Nessa toada, não haveríamos de perceber outra coisa senão a múltipla utilização marxiana da idéia de direito e legalidade, resultando no que consideramos sejam os “sentidos do direito” em sua reflexão sobre e fundamentação da teoria do valor. Referida multiplicidade é de tamanha monta que, por vezes, extravasa o próprio sentido tradicional de direito. Conservamos, porém, a sua anotação para não perdermos de vista o pano de fundo que motiva a reflexão marxiana.

Construindo um mapa conceitual da incidência da idéia de direito/legalidade, chegaríamos aos seguintes sentidos utilizados por Marx, em O capital: 1) direito como relação jurídica, ou seja, referências própria e estritamente jurídicas; 2) direito como legislação e aparelho legislativo; 3) direito como sistema judiciário estatal; 4) princípios de justiça (via de regra, em sentido negativo, quer dizer, de injustiça); 5) referências a leis científicas ou ideológicas, naturais ou sociais; e 6) referências a todo tipo de regularidade e normalidade. Em todos os 25 capítulos, mais prefácio da primeira edição e posfácio da segunda edição alemãs, do volume 1 de O capital, pelo menos um destes sentidos aparece. É evidente que os sentidos 5 e 6 não têm nada de jurídicos, mas os arrolamos conjuntamente para não deixarmos de notar a reincidente utilização da idéia de “lei”, em Marx, em clara alusão a um imaginário em busca de explicações ontológicas sobre os fenômenos sociais. [Nota 97]

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Verificamos haver uma densidade maior ou menor em cada capítulo em conformidade com cada uma das dimensões trabalhadas, as quais, em uma singela contagem de aparições, somam quase mil menções.

QUADRO I

Contagem dos sentidos do direito n'O capital, volume 198

SENTIDOS

1

2

3

4

5

6

TOTAL

N° CAPITULOS

17

20

13

7

23

8

27

QUANTIDADES

84

516

133

15

176

35

959

[Inicio da descrição: o quadro é composto por oito colunas e três linhas, na cor branca. Na primeira coluna, tem os sentidos, número do capítulo e a quantidades; na segunda, os números: um, dezessete e oitenta e quatro; na segunda coluna contém os números dois, vinte e quinhentos e dezesseis; na terceira, os números: três, treze e cento e trinta e três; na quarta, os números: quatro, sete e quinze; na quinta, os números: cinco, vinte e três e cento e setenta e seis; na sexta, os números: seis, oito e trinta e cinco; na sétima, consta o total e, os números: vinte e sete e novecentos e cinquenta e nove. [Fim da descrição].

Assim, pudemos examinar a densidade interpretativa de Marx quanto à utilização da “matéria das leis”, em especial as quatro primeiras dimensões, observando que o autor enfrenta a especificidade do direito com a noção de relações jurídica, assim como a construção de uma sociologia do direito, a partir da análise da legislação e dos aparatos estatais do direito burguês, sendo bastante residual a existência de uma filosofia da justiça.

Adiantemos um autojulgamento sobre isto: não se trata de grande descoberta nem de caminho essencial para resgatar a análise de Marx sobre o direito, apenas é um caminho que evidencia elementos muitas vezes negligenciados em uma crítica marxista ao direito. Por exemplo: o que significam as majoritárias logia do direito? Se aparecem quantitativamente expressivas, merecem nossa atenção, ainda que isto não implique, necessariamente, dizer que Marx se restringe ao âmbito superficial do normativismo jurídico. Ao contrário, inclusive.

Para uma visão geral, construímos um quadro comparativo que diz respeito às aparições dos sentidos do direito, capitulo a capitulo, em O capital. O quadro serve, portanto, como ponto de partida de uma constatação, a de que Marx tinha em seu horizonte não só a busca por leis científicas mas também o diálogo direto disto com fontes jurídicas, legais e judiciais. Da crítica da economia política, conseqüentemente, emerge o fenômeno do direito sob variantes tão distintas quare o vinculadas. Considerando todas estas questões,

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vejamos a totalidade as menções ao direito, por Marx, comparando, por capítulos, a existência dos sentidos do direito no volume 1 de O capital:

QUADRO II

Comparação, por capítulos, dos sentidos do direito n'O capital, volume 1

[Início da descrição do Quadro II]. Quadro com 29 linhas e sete colunas.  Na primeira coluna contém os nomes dos capítulos do livro. Já as demais colunas, contém a ordenação dos sentidos numerados de 1 a 6 e quantas vezes estes sentidos são apresentados em cada capítulo, conforme apresentado abaixo:

Sentidos

1

2

3

4

5

6

Capítulos

PREFÁCIO

-

Sentido 2, 4 vezes

-

-

Sentido 5, 5 vezes

-

POSFÁCIO

-

Sentido 2, 2 vezes

Sentido 3, 1 vez

-

Sentido 5, 1 vez

-

CAP.I

Sentido 1, 1 vez

Sentido 5, 1 vez

-

CAP.II

Sentido 1, 5 vezes

Sentido 2, 3 vezes

Sentido 3, 2 vezes

Sentido 4, 4 vezes

Sentido 5, 2 vezes

-

CAP.III

Sentido 1, 1 vez

Sentido 2, 12 vezes

-

Sentido 4, 1 vez

Sentido 5, 9 vezes

-

CAP.IV

Sentido 1, 7 vezes

Sentido 2, 2 vezes

-

-

Sentido 5, 5 vezes

-

CAP.V

Sentido 1, 1 vez

Sentido 2, 1 vez

Sentido 3, 2 vezes

Sentido 4, 1 vez

Sentido 5, 4 vezes

-

CAP.VI

-

-

-

Sentido 5, 1 vez

-

CAP.VII

-

Sentido 2, 5 vezes

-

-

Sentido 5, 2 vezes

-

CAP.VIII

Sentido 1, 19 vezes

Sentido 2, 183 vezes

Sentido 3, 41 vezes

-

Sentido 5, 9 vezes

Sentido 6, 4 vezes

CAP.IX

Sentido 1, 2 vezes

Sentido 2, 2 vezes

-

-

Sentido 5, 10 vezes

-

CAP.X

-

-

-

-

Sentido 5, 1 vez

-

CAP.XI

-

-

Sentido 3, 1 vez

-

Sentido 5, 1 vez

-

CAP.XII

Sentido 1, 1 vez

Sentido 2, 6 vezes

Sentido 3, 2 vezes

Sentido 5, 12 vezes

Sentido 6, 3 vezes

CAP.XIII

Sentido 1, 11 vezes

Sentido 2, 158 vezes

Sentido 3, 25 vezes

Sentido 4, 2 vezes

Sentido 5, 18 vezes

Sentido 6, 14 vezes

CAP.XIV

-

Sentido 2, 1 vez

-

-

-

Sentido 6, 2 vezes

CAP.XV

Sentido 1, 1 vez

-

-

-

Sentido 5, 11 vezes

-

CAP.XVI

-

-

-

Sentido 5, 1 vez

-

CAP.XVII

Sentido 1, 3 vezes

-

-

-

Sentido 5, 3 vezes

-

CAP.XVIII

-

Sentido 2, 8 vezes

-

Sentido 5, 3 vezes

Sentido 6, 1 vez

CAP.XIX

Sentido 1, 1 vez

Sentido 2, 1 vez

Sentido 3, 2 vezes

-

Sentido 5, 1 vez

-

CAP.XX

-

Sentido 2, 1 vez

-

-

Sentido 5, 3 vezes

-

CAP.XXI

Sentido 1, 4 vezes

Sentido 2, 5 vezes

Sentido 3, 1 vez

-

-

-

CAP.XXII

Sentido 1, 9 vezes

Sentido 2, 3 vezes

Sentido 3, 5 vezes

Sentido 4, 4 vezes

Sentido 5, 22 vezes

Sentido 6, 3 vezes

CAP.XXIII

Sentido 1, 5 vezes

Sentido 2, 21 vezes

Sentido 3, 13 vezes

Sentido 4, 1 vez

Sentido 5, 38 vezes

Sentido 6, 9 vezes

CAP.XXIV

Sentido 1, 12 vezes

Sentido 2, 101 vezes

Sentido 3, 36 vezes

-

Sentido 5, 8 vezes

CAP.XXV

Sentido 1, 1 vez

Sentido 2, 3 vezes

Sentido 3, 2 vezes

Sentido 4, 2 vezes

Sentido 5, 6 vezes

Sentido 6, 2 vezes

TOTAL

84 vezes

516 vezes

133 vezes

15 vezes

176 vezes

35 vezes

Talvez os tempos de sua formação universitária tenham influenciado Marx de modo indelével no desenvolvimento de sua reflexão teórica. [Nota 99] E ainda que seu debate esteja, em termos sistemáticos, bastante afastado de uma preocupação científica com o problema jurídico, ele aparece renitentemente, sempre que uma crítica à economia capitalista começa a se esboçar sob sua pena. Imbuídos desta convicção é que elegemos três momentos de sua produção teórica, para evidenciar o caráter de uma crítica marxina ao direito: a crítica a Bruno Bauer e seu escrito sobre A questão judaica; acabada do volume 1 de O capital, como crítica a toda tradição da economia política de até então; e a Crítica ao Programa de Gotha, em face dos militantes da social-democracia alemã e a influência programática de Ferdinand Lassalle na constituição de um novo partido operário. Os textos são escritos em na 1843 (e publicado em 1844), 1867 (com uma segunda edição em 1873) e 1875 (só tendo se tornado público em 1891), respectivamente.

Em O capital, encontramos a problemática jurídica diluída em quase todos os seus capítulos. O vínculo deste fenômeno com o desenvolvimento de uma teoria do valor se faz desde o início. Dentre os trechos clássicos em que Marx aborda à questão do direito, está o parágrafo que inaugura o capítulo II, referente ao “Processo de troca”:

[Inicio da citação] as mercadorias não podem por si mesmas ir ao mercado e se trocar. Devemos, portanto, voltar a vista para seus guardiões, os possuidores de mercadorias. As mercadorias são coisas e, conseqüentemente, não opõem resistência ao homem. Se elas não se submetem a ele de boa vontade, ele pode usar da violência, em outras palavras, toma-las. Para que essas coisas se refiram umas às outras como mercadorias, é necessário que os seus guardiões se relacionem entre si como pessoas, cuja vontade de reside nessas coisas, de tal modo que um, somente de acordo com a vontade do outro, portanto cada um apenas mediante um ato de vontade comum a ambos, se aproprie da mercadoria alheia enquanto aliena a própria. Eles devem, portanto, reconhecer-se reciprocamente como proprietários privados. Essa relação jurídica, cuja forma é o contrato, desenvolvida legalmente ou não é uma relação de vontade,

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em que se reflete a relação econômica. O conteúdo dessa relação jurídica ou de vontade é dado por meio da relação econômica mesma. As pessoas aqui só existem, reciprocamente, como representantes de mercadorias e, por isso, como possuidores de mercadorias. Veremos no curso do desenvolvimento, em geral, que os personagens econômicos encarnados pelas pessoas nada mais são que as personificações das relações econômicas, como portadores das quais elas se defrontam. [Nota 100] [Final da citação]

Portanto, é no processo de troca de mercadorias que se torna possível analisar a forma jurídica como decorrência da análise do valor. Já no capítulo I, Marx citara a relação entre os compradores de mercadorias e seu conhecimento sobre elas, dando os contornos de uma fictio juris a respeito deste conhecer infinito. [Nota 101] Na verdade, apenas apontava para uma característica que iria desenvolver após imergir, indo da aparência à essência do valor, nas relações sociais de produção sob a égide do capital. Se “o escravo romano estava preso por correntes a seu proprietário, o trabalhador assalariado o está por fios invisíveis”, e, assim, “a aparência de que é independente é mantida pela mudança contínua dos patrões individuais e pela fictio juris do contrato”. [Nota 102] Quer dizer, a partir da troca de mercadorias podemos compreender não só a sociedade mercantil (ainda que, expositivamente, Marx considere esta sociedade de modo simples, no início de sua obra) mas também os significados do direito em seu contexto.

1.2.2. Valor e relação jurídica

Muito já se escreveu sobre a relação entre a teoria do valor, desenvolvida por Marx em O capital, e o direito. No próximo capítulo, buscaremos assinalar algumas dessas análises. Por ora, gostaríamos de reconstruir o percurso marxiano, a partir de sua teoria do valor, a fim de encontrarmos o direito neste percurso. Aqui, também é sabido, muito já se escreveu sobre a teoria do

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valor e, por isso, propor-nos-emos a encurtar as explicações a ela relativas, recuperando-as apenas na medida de nossas necessidades.

A investigação e os resultados de Marx acerca da riqueza produzida no capitalismo são incrivelmente mal-compreendidos. A incompreensão sobre o método e a desídia para com a teoria do valor talvez sejam os principais responsáveis. A noção mesma de “valor” acaba sendo alvo de muitas controvérsias, as quais geram dificuldades e equívocos; sem ela, porém, não vamos adiante em nossos objetivos. Por exemplo, sempre que, em tentativas didáticas, se procura explicar a teoria do valor, contrapondo valor de uso a valor de troca, incorre-se em grave erro, qual seja, o de tomar a forma pelo conteúdo, além de não se perceber distinções tão importantes entre pólos que expressam dimensões opostas, ensejando a dialética entre o universal e o particular.

Assim, quando em textos de divulgação da teoria marxista se conceitua “valor” como sendo “objetificação do trabalho abstrato” [Nota 103] ou quando se apresenta esta mesma questão fazendo menção ao fato de que “toda a mercadoria deve portanto ter, simultaneamente, um valor de uso e um valor de troca”,[Nota 104] damos sentido a vários problemas de ordem teórica que não fazem parte do espectro de explicações de Marx.

A idéia geral de “valor”, em O capital, gira em torno do trabalho como fonte de sua explicação. Segundo a interpretação de Paul Sweezy, “a exigência de que todas as categorias econômicas representem relações sociais levou Marx diretamente ao trabalho como o 'valor que permanece oculto' no valor de troca” [Nota 105] Isto quer dizer, metodologicamente, que o valor precisa refletir relações sociais, pois são estas que fazem parte da essência de uma explicação fiel à realidade humana. É neste sentido que as definições acima não correspondem à proposta marxiana, ainda que elas não estejam, de todo, invalidadas.

A exegese de Sweezy parece estar totalmente baseada na proposta clássica de interpretação da teoria do valor de Isaak Rubin, economista soviético, para

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quem esta teorização implica uma dimensão quantitativa (referente à magnitude do valor) e qualitativa (quanto a sua forma) e que tem na distinção entre trabalho concreto e trabalho abstrato seu correspondente imediato. O trabalho possui um “duplo caráter”, é técnica e relação social ao mesmo tempo. O que interessa propriamente à teoria do valor é o último e, logo, o seu respectivo valor, a dimensão qualitativa de sua forma social. Assim, distinguir, sem mais, valor de uso e valor de troca é não perceber que para uma teoria marxista do valor o que interessa é descobrir as determinantes do valor como expressão do trabalho abstrato. Daí, a definição geral de Rubin:

[Inicio da citação] todos os conceitos básicos da Economia Política expressam, como vimos, relações sociais de produção entre as pessoas. Se abordarmos a teoria do valor partindo desse ponto de vista, deparar-nos-emos então com a tarefa de demonstrar que o valor: 1) é uma relação social entre pessoas, 2) que assume uma forma material, e 3) está relacionado ao processo de produção. [Nota 106] [Final da citação]

De outro lado, a distinção fundamental do valor lastreada nos tipos de trabalho (concreto ou útil, geral a todos os tipos de trabalho na história; e abstrato, particular à sociedade mercantil) não se dá entre valor de uso e valor de troca, meramente. Antes, entre valor de uso (universal) e valor (particular) cuja forma, aí sim, está visível no valor de troca. Por isso, nos é defeso tomar a forma (valor de troca) pelo conteúdo particular (valor). E tudo isto tem impactos sensíveis para uma interpretação do direito em Marx.

Em uma explanação bastante incisiva, da qual nos socorremos por sua límpida formulação, temos, conclusivamente, que o valor apresenta-se como “relação social mercantil expressa nas coisas produzidas pelo trabalho como uma propriedade (ou qualidade específica delas), propriedade que consiste num determinado poder de compra sobre as demais coisas", [Nota 107] ou seja, não se trata de mera relação social, mas uma tal que ganha corpo “coisal” (com a licença da nitidez da expressão) e a característica do poder de compra. Nesse sentido, o pressuposto da noção marxiana de valor é de que se trata de “algo que está em permanente processo de desenvolvimento [..], o desenvolvimento

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das relações sociais mercantis no seio da humanidade” e, portanto, não é passível de conceituação. [Nota 108]

O trabalho abstrato, sob o modo de produção capitalista, expressa a forma social do valor que aparece na superfície dos fenômenos sociais como valor de troca. É quando uma troca se realiza entre pessoas individualizáveis que se pode estabelecer a gênese lógica do direito. Ainda que, historicamente, devamos acatar as indicações de existência de rudimentos jurídicos prévios ao capitalismo, é na sociedade guiada pela troca mercantil que o direito se realiza em sua especificidade. Portanto, o valor, essência das relações sociais burguesas, arrasta consigo um nível jurídico que se mostra fenomenicamente a partir da relação voluntária de troca de mercadorias. O parágrafo, citado acima, em que Marx inicia seu capítulo II, de O capital, denota justamente isto. O direito, assim, não pode ser visto como fenômeno universal, até porque destoa rasgadamente de todas as indicações não particulares das quais Marx faz uso, nomeadamente, o trabalho concreto e o valor de uso. Estamos, portanto, diante de uma chave-mestra para entender o significado do direito a partir da crítica da economia política, do modo de produção capitalista e da teoria do valor.

Esquematicamente-e, portanto, assumindo todos os riscos de uma esquematização como a que segue - poderíamos evidenciar, partindo da dialética universal-particular (e, por conseqüência, não enfatizando a dialética, tão importante quanto, entre essência e aparência), estas considerações da seguinte maneira:

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QUADRO III

Esquema do objeto teórico de O capital e o lugar do direito na teoria do valor

UNIVERSAL

PARTICULAR

(ao capitalismo)

Trabalho concreto (útil)

Trabalho abstrato

Riqueza

Mercadoria

Valor de uso

Valor

(forma: valor de troca)

?

Relações jurídica

[Inicio da descrição]: O quadro é composto por duas colunas e cinco linhas. Na primeira coluna, contém seu cabeçalho com as palavras: universal e particular (ao capitalismo). Para o objeto universal, as demais linhas apresentam: trabalho concreto (útil), riqueza, valor de uso e um sinal de interrogação. Na segunda coluna, onde contém o objeto particular as demais linhas apresentam:  trabalho abstrato, mercadoria, valor (forma: valor de troca) e relações jurídicas. [Fim da descrição]

Assim como Marx utiliza a mesma nomenclatura - valor - para representar circunstâncias diferentes - valor de uso e valor -, as correntes críticas do direito (por vezes, até mesmo autodeclaradamente marxistas) procuram chamar de “direito”, inclusive com ímpeto de projeção para um futuro emancipatório, tanto a relação jurídica (que só pode ter um cunho burguês), quanto eventuais princípios de justiça, mesmo que não metafísicos.[Nota 109] Justamente porque, como dissemos anteriormente, não é possível separar, nas análises jurídicas, a sua forma do seu conteúdo, que não pretendemos igualar um possível universal à particularidade do direito (ainda que o próprio Marx nos tivesse concedido metodologicamente condições para cairmos em erro, [Nota 110] não é possível justificarmos o mesmo equívoco para a análise da esfera jurídica).

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Voltemos ao direito achado n'O capital. Como as mercadorias, tipo de riqueza que caracteriza o mundo burguês, “não podem por si mesmas ir ao mercado e se trocar”, seus “possuidores” ou “guardiões” devem fazê-lo e, na medida em que realizam esta operação, ganham o status relacional de se reconhecerem como “proprietários privados”. Tudo isto está no parágrafo inicial do capítulo II. Pois bem, e repetindo o que já citamos, “essa relação jurídica, cuja forma é o contrato, desenvolvida legalmente ou não, é uma relação de vontade, em que sé reflete a relação econômica”. De pronto, podemos observar que o que interessa a Marx, neste ponto, é a configuração relacional do direito, o que significa dizer que o aspecto normativo tem menor importância para caracterizá-lo e, sendo assim, direito é uma relação social muito mais do que uma norma legal ou, até mesmo, costumeira.

Daí fazer sentido a ênfase que toda a tradição marxista dá (e veremos que o jurista soviético Evgeni Pachukanis é o grande representante desta formulação), ao estabelecer os liames para uma crítica ao direito, ao sujeito de direito: “as pessoas aqui só existem, reciprocamente, como representantes de mercadorias e, por isso, como possuidores de mercadorias”, ou seja, “os personagens econômicos encarnados pelas pessoas nada mais são que as personificações das relações econômicas”. Aqui, talvez fosse prudente seguir todo o caminho trilhado por Isaak Rubin ao defender que a “teoria do fetichismo é, per se, a base de todo o sistema econômico de Marx, particularmente de sua teoria do valor”. [Nota 111] No entanto, declinaremos deste convite, ao mesmo tempo em que o pressuporemos. Preocupado que esteve sempre com as categorias econômicas como expressões de relações sociais, Marx nos permite entender o direito sob estes quadrantes e proporciona, com lastro na crítica às descrições econômicas que se baseiam em relações entre coisas, compreender o direito como operação que iguala os sujeitos cambiantes em sua sujeição jurídica formal, ou seja, como "personificações das relações econômicas”.

Na redação de O capital, Marx fez uma utilização rigorosa do jurídico. Tendo já amadurecido sua crítica à filosofia do direito de Hegel por via da crítica à economia política, encontra a crítica ao direito na descrição das trocas mercantis. Toda a seção I do livro é dedicada a explicar a relação entre mer

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cadoria e dinheiro, passando pelo processo de troca, para só depois se compreender a “transformação do dinheiro em capital” (título da seção II). Segundo Marx, “as mercadorias entram no processo de intercâmbio” duplicando-se em “mercadoria e dinheiro”. [Nota 112] Neste ponto, inaugura um intrincado conjunto de análises enfatizando “relações contraditórias” [Nota 113] que permeiam o processo de troca. De nossa parte, queremos evidenciar o lugar do direito neste processo, correlacionando-o à visão crítica que Marx tem a respeito destas relações sociais mesmas. Para ele, a circulação teria uma “forma direta”, expressa na já bastante clássica fórmula algébrica M – D – M (ou seja, Mercadoria – Dinheiro – Mercadoria). Chega até ela após estudar de perto o que poderíamos chamar de a célula do “metabolismo social” do capitalismo: as mercadorias. [Nota 114]

A riqueza é produzida pelo trabalho humano e, sob o modo de produção capitalista, ainda que visto em sua forma mais simples, esta riqueza apresenta-se mercantilmente; como mercadoria, portanto. Já nos referimos, anteriormente, ao duplo caráter tanto do trabalho quanto das mercadorias, neste contexto. Eis a gênese das noções de valor e valor de troca, bem como de trabalho útil e abstrato. [Nota 115] A partir daqui, sua atenção se transfere totalmente para a forma mercantil, especialmente para o valor de troca, ainda que o trabalho, como substância do valor, não possa nunca ser olvidado desta explicação. Ocorre, porém, que a mercadoria só aparece como célula do metabolismo do capital porque, em sua natureza dúplice, é valor. Isto quer dizer que não prefigura como riqueza apenas por conta de sua utilidade (valor de uso), mas pelo fato de que enseja uma dimensão social específica, vale dizer, “sua objetivi

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dade de valor é puramente social e, então, é evidente que ela pode aparecer apenas numa relação social de mercadoria para mercadoria”. [Nota 116] Logo, as mercadorias capturam relações sociais porque magnetizam o processo de troca que aparece como relações entre coisas que pressupõem sujeitos “possuidores de mercadorias iguais por origem”, via de regra vendedor e comprador, enfim, “pessoas juridicamente iguais”. [Nota 117]

Como a análise de Marx sobre as mercadorias é sempre relacional, não devemos estranhar que tenha apresentado as várias formas do valor, do que resulta uma exposição processual. Por exemplo, a partir da descrição da chamada “forma singular de valor”, em que a troca de mercadorias é simples, Marx constrói os seus pólos internos. Até porque o valor se refere a relações sociais (de troca), somos levados a entendê-lo como uma equação que engloba uma forma relativa e uma forma equivalente. Estes átomos da célula mercadoria assumem posição nas várias formas de valor, as quais se metamorfoseiam -como é próprio do processo de desenvolvimento metabólico – até chegarem a formas mais complexas. [Nota 118] Do desdobramento da forma simples surge a forma geral de valor que antecede a forma dinheiro, sendo que referida forma geral já apresenta, entre os termos de sua equação social, produtos que passam, habitualmente, a comparecer como equivalentes, na relação intercambiante.

Pode nos chamar a atenção, aqui, o fato de o capítulo I de O capital, totalmente dedicado a descrever as mercadorias e suas características menos aparentes (como o valor), não trazer nenhum desenvolvimento da questão jurídica em sua especificidade. Mas, seguindo os passos de Marx, não devemos estranhar esta pertinente ausência: se o “direito” comparecesse neste momento da argumentação marxiana, estaria desnaturada sua visualização como relação jurídica, pois fatalmente seriamos conduzidos a vê-lo analogamente às mercadorias mesmas e, talvez, sua melhor expressão fosse a normativa. Assim, no máximo teríamos o direito como a forma equivalente geral de várias formas relativas simples de normatividade. Com os supostos normativistas do direito (âmbito ideológico e, portanto, não totalmente falso da explicação do fenômeno,

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mas essencialmente insuficiente), procuraríamos ver norma onde só pode haver relações. Desde logo, ante nossa recusa a isto, fica explicitado um de nossos enfrentamentos respectivamente às mais usuais leituras críticas do direito.

Tendo estas considerações como lastro, podemos retornar à circulação de mercadorias em sua forma direta (M – D – M). Como podemos ver, a circulação de mercadorias pressupõe o não intercâmbio direto. É o que a presença de D (dinheiro) nos diz. Trata-se, em última instância, de uma relação de compra-e-venda intermediada pela forma dinheiro. Este é tão importante que a forma direta de circulação costuma ser ocultada pela forma diferenciada desta mesma circulação. É comum encontrar o entendimento de que para se comprar é necessário dinheiro. Eis uma meia verdade, já que para se ter dinheiro é preciso vender uma mercadoria e a mercadoria que atua como fonte de toda a riqueza, para as grandes maiorias, é a força trabalho subsumida ao capital. A força de trabalho é a mercadoria logicamente primeira, comumente produzida como esquecimento pela ideologia burguesa. Deste “esquecimento” ideológico resulta a forma diferenciada de circulação: D-M-D. Marx nos diz que

[Inicio da citação] o ciclo M – D – M parte do extremo de uma mercadoria e se encerra com o extremo de outra mercadoria, que sai da circulação e entre no consumo. Consumo, satisfação de necessidades, em uma palavra, valor de uso, é, por conseguinte, seu objetivo final. O ciclo D-M-D, pelo contrário, parte do extremo do dinheiro e volta finalmente ao mesmo extremo. Seu motivo indutor e sua finalidade determinante é, portanto, o próprio valor de troca. [Nota 119] [Final da citação]

Ainda que não devamos fazer uma leitura radicalmente linear entre a forma direta de circulação e o valor de troca, por um lado, e a forma diferenciada e o calor de troca, por outro, a problemática adquire nova importância ao sublinhar-se que “o dinheiro constitui o ponto de partida e o ponto de chegada do movimento”, [Nota 120] conformando-se não mais uma circulação simples, mas a circulação do dinheiro como capital. É, portanto, neste movimento que passamos a encontrar com mais desprendimento, mesmo que como coadjuvante, o direito em sua especificidade.

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Assim, M – D e D – M são momentos da circulação metabólica do capital, representações de verdadeiras metamorfoses das mercadorias. A venda (M – D) decorre da relação entre trabalho e necessidades sociais. Quer dizer, o tema preferencial com que Marx maneja aqui é o da “divisão social do trabalho”: “nossos possuidores de mercadorias”, diz ele, “descobrem por isso que a mesma divisão de trabalho, que os torna produtores privados independentes, torna independentes deles mesmos o processo social de produção e suas relações dentro desse processo”. Desse modo, a produção da propriedade privada priva os proprietários de terem poder sobre o metabolismo da sociedade: “a independência recíproca das pessoas se complementa num sistema de dependência reificada universal”. [Nota 121] Por sua vez, a compra (M – D), uma identidade espelhada da venda, se vista na totalidade das relações sociais, traz o problema da alienação, com o dinheiro como “a mercadoria absolutamente alienável”. [Nota 122] Entre a divisão do trabalho e a alienação absoluta se constitui a metamorfose total da mercadoria circulante, sintetizando-se, na compra-e-venda, os compradores e vendedores. Como precisam de dinheiro, compradores e vendedores relacionam-se na aparência da forma diferenciada, tendo aquele como ponto de partida “o comprador retransforma dinheiro em mercadoria antes de ter convertido mercadoria em dinheiro ou realiza a segunda metamorfose da mercadoria antes da primeira”. Neste, contexto o direito ganha uma função importante, uma vez que, de mãos dadas com a segunda metamorfose da mercadoria deslocada da primeira, permite a autonomização do dinheiro. Daí que direito e dinheiro deixam de ser palavras parônimas para terem funções homônimas: “a mercadoria do vendedor circula, mas realiza seu preço somente sob a forma de um título de crédito de direito privado”. [Nota 123]

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1.2.3 Sociologia da legislação fabril

Ainda que os vínculos entre direito e teoria do valor sejam os mais promissores para construirmos uma visão do jurídico em Marx, acreditamos que O capital carrega consigo uma potencialidade analítica para o direito efetivamente negligenciada. Referimo-nos à construção de uma sociologia do direito, em Marx, entendido o direito não apenas em sua especificidade de relação jurídica mas também como dimensão legal e judicial que permite estabelecermos o que estamos chamando de outros sentidos do direito.

1.2.3.1 Direito contra direito e a lei da força

Neste diapasão, o capítulo VIII é referência obrigatória, por sua densidade em termos de apontamentos de fontes primárias de pesquisa. Se voltarmos os olhos para o Quadro II, apresentado acima, veremos que o capitulo VIII não é o único não momento em que Marx lança mão deste artificio investigativo, mas não resta dúvida de que ali esteja condensado o maior número de menções a estes aspectos sociológico-jurídicos.

Depois de expor o desenvolvimento da mercadoria, do processo de troca e do dinheiro assim como a transformação do dinheiro em capital, consistindo este no “quantum de trabalho social objetivado” [Nota 124] que acaba sendo item de venda, pelo trabalhador, e compra, pelo capitalista, Marx ataca não apenas os momentos da circulação que possibilitam constituir o processo de produção capital mas também a produção de mais-valia, decorrente do processo de trabalho que é simultâneo ao processo de valorização. O capital tem por fundamento o valor, que é uma relação social concretizável, que depende um processo autorrealizável, em que se assegura a existência do que já está dado com vistas a bjetiv-lo. O capital, portanto, utiliza a força de trabalho que não é sua proprietária para garantir a sua existência como capital (logo, valor) recriar-se (com mais valor).

Do processo de manutenção do capital (que se mantém constante) e de seu tino para estender-se (ou seja, tornar-se variável) é que surge a interpretação de Marx acerca da exploração da força de trabalho, representada na noção

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de mais-valia (ou mais-valor). Em meio a algumas tentativas de demonstração matemática, Marx apresenta a mais-valia como sendo “mera conseqüência da mudança de valor”, ou seja, “a parte do capital convertida em força de trabalho”. [Nota 125] Trata-se de uma mudança no sentido do “incremento” do valor, que é tributário da valorização do capital variável (quer dizer, da parcela do capital que não se refere a trabalho passado – instrumentos de produção, por exemplo -, mas trabalho presente, trabalho vivo).

Na esfera da produção de mais-valia é que Marx se preocupa, demoradamente aliás, com a questão da jornada de trabalho. Por ser a mediação temporal que quantifica a força de trabalho despendida, notoriamente para além de o necessário (o que quer dizer que sob o ponto de vista da valorização, trata-se de mais-valia, mas, do ponto de vista do processo de trabalho, trata-se de mais-trabalho, sobretrabalho ou trabalho excedente), a jornada de trabalho faz incidir uma história própria, com características sociológicas peculiares, assim como resulta em fonte, por excelência, para um pesquisa econômica e, no que nos interessa, jurídica.

Com o primado jurídico de que a relação de compra-e-venda da mercadoria “força de trabalho” dá ao comprador (capitalista) o valor de uso desta durante um tempo determinado, Marx começa observando que está em jogo aí “o direito de fazer o trabalhador trabalhar para ele”. [Nota 126] De onde vem este “direito”? Por resposta, poderíamos inicialmente dizer que o capitalista “é apenas capital personificado” e, por conseqüência, se vale da “lei do intercâmbio de mercadorias”. [Nota 127]

Deixemos assentado, desde logo, que a teoria do valor, em Marx, representa uma crítica à lei do valor, tal como formulada pela economia política clássica, como justificativa das relações sociais capitalistas. Ainda assim, porém, há uma conexão entre a lei do valor e o direito de propriedade. É certo que não quisemos dizer, em momento algum, que o sentido 5 (forma fundante), elencado em nossa sistematização, derive do horizonte jurídico marxiano. Nossa investigação, assim, não tem condições aqui de considerar os entre lei natural (na modernidade, leis científicas) e as leis sociais (dentre elas,

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a autonomização jurídica) e, desta forma, não concluiremos nada sobre isso com relação a Marx. Mas, sem dúvida, se trata de tema interessante, que vamos deixar em aberto, o que nos incita a trazer à tona o teor desta vinculação entre o horizonte da formulação da legalidade do valor e seu fundamento jurídico, ainda que apenas de passagem.

Pois bem, o direito ao valor de uso da força de trabalho, por parte do capitalista-comprador, tem uma codificação própria, baseada na pertinente analogia de que “o capital é trabalho morto, que apenas se reanima, à maneira dos vampiros, chupando trabalho vivo e que vive tanto mais quanto mais trabalho vivo chupa”. Trata-se da legalidade que garante existência aos vampiros. Toda e qualquer resistência a entrega de sangue significa um crime dentro desta legalidade: “o tempo durante o qual o trabalhador trabalha é o tempo durante o qual o capitalista consome a força de trabalho que comprou. Se o trabalhador consome seu tempo disponível para si, então rouba ao capitalista”. [Nota 128] Daí permanecer a pergunta ante uma concepção instrumental do direito: como pode o mundo dos mortos regular o mundo dos vivos?

Para além de qualquer maneirismo literário, gostaríamos de relembrar velho juízo marxista que concebe, ao nível de uma análise política lastreada em um entendimento da estrutura social, que “a história de todas as sociedades até hoje existentes é a história das lutas de classes”. [Nota 129] Isto é o que explica o direito dos vampiros ao sangue dos trabalhadores vivos. E quem no-lo diz é o próprio Marx, reafirmando seu entendimento no capítulo VIII de O capital:

[Inicio da citação] abstraindo limites extremamente elásticos, da natureza do próprio intercâmbio de mercadorias não resulta nenhum limite à jornada de trabalho, portanto, nenhuma limitação ao mais-trabalho. O capitalista afirma seu direito como comprador, quando procura prolongar o mais possível a jornada de trabalho e transformar onde for possível uma jornada de trabalho em duas. Por outro lado, a natureza específica da mercadoria vendida implica um limite de seu consumo pelo comprador, e o trabalhador afirma seu direito como vendedor quando quer limitar a jornada de trabalho a determinada grandeza normal. Ocorre aqui, portanto, uma antinomia, direito contra direito, ambos apoiados

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na lei do intercâmbio de mercadorias. Entre direitos iguais decide a força. E assim a regulamentação da jornada de trabalho apresenta-se na história da produção capitalista como uma luta ao redor dos limites da jornada de trabalho – uma luta entre o capitalista coletivo, isto é, a classe dos capitalistas, e o trabalhador coletivo, ou a classe trabalhadora. [Nota 130] [Final da citação]

Como já vimos se tratar de uma relação de “direitos iguais”, caber-nos-á a partir de agora entender o que significa a inexistência de qualquer limite à jornada de trabalho. É-nos possível dizer, ainda aqui, que o parágrafo acima adota, em alguma medida, a visão instrumental de direito, mas apenas sob o ponto de vista da superfície das relações sociais. A “antinomia”, o “direito contra direito”, só existe porque há também uma relação entre apropriação da força de trabalho alheia e uma desrealização da força de trabalho própria, ou seja, um “direito como comprador” (do capitalista) e “um direito como vendedor” (do trabalhador). A mediação política da “luta de classes” depõe a favor, inclusive, de que toda e qualquer defesa de um direito proletário (para usar formulação soviética posterior) é defesa do “direito como vendedor” da força de trabalho. Vista a totalidade do fenômeno jurídico (direito como vendedor mais direito como comprador), percebemos que “entre direitos iguais decide a força”, o que explica o sentido da não existência de “nenhum limite à jornada de trabalho”.

Repitamos que, segundo Marx, “o estabelecimento de uma jornada normal de trabalho é o resultado de uma luta multissecular entre capitalista trabalhador”. [Nota 131] A lei do valor, nesse caso, declara que quanto mais trabalho explorado melhor. Ocorre, entretanto, que se todo o sangue dos trabalhadores for sugado não haverá mais possibilidade de se nutrir o capitalismo. É aqui que incide uma inusitada formulação marxiana – a da sociedade que coage o capital: “o capital não tem, por isso, a menor consideração pela saúde e duração de vida do trabalhador, a não ser quando é coagido pela sociedade a ter consideração”. Marx está se referindo à rapidez com a qual a produção capitalista “afetou a força do povo em sua raiz vital”. [Nota 132] Daí a necessidade a própria “sociedade” forçar o capital a se conter. Por um lado, então, a dieta dos vampiros decorre de uma “hemoeconomia”; de outro, porém, representa a

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possibilidade de um desgaste menor da própria “energia” capitalista: “torna-se portanto necessário incluir custos maiores de depreciação na reprodução da força de trabalho, do mesmo modo como a parte do valor que tem de reproduzir-se diariamente de uma máquina é tanto maior quanto mais rápido seja o seu desgaste”. A conclusão não poderia ser outra: “parece, portanto, como sendo do próprio interesse do capital uma jornada normal de trabalho”. [Nota 133]

A perspicácia de Marx para o encontro de regularidades (no sentido 6 de nossa esquematização) é salutar, em especial se dermos destaque à história da luta pela regulação da jornada de trabalho. Diz-nos ele que “a história dessa luta mostra duas tendências opostas”: uma no sentido de aumentar a jornada de trabalho (temporalmente, entre os séculos XIV e XVII), ao tempo em que o trabalho assalariado era uma anomalia social; outra, com vistas a reduzir esta mesma jornada, com base no que expusemos antes. A atenção marxiana está voltada à Inglaterra e, portanto, estas tendências se referem a este contexto. Mesmo assim, nosso autor consegue também pincelar exemplos pertinentes a toda Europa continental e até a países não europeus.

Não seria de todo desmesurado afirmar que, sob a hegemonia do modo de produção capitalista, é a luta pela limitação e redução da jornada de trabalho o primeiro grande movimento popular de que se tem notícia. O movimento dos trabalhadores, em suas vertentes partidária e sindical (para não falarmos do moderno cooperativismo nascente), é desenhado, fortuitamente, em O capital e apresentado como a construção de resistência, dentro da ordem capitalista, em face da desmedida volúpia do processo de valorização. A “história da legislação fabril” é um importante dado dentro deste processo:

[Inicio da citação] logo que a classe trabalhadora, atordoada pelo barulho da produção, recobrou de algum modo seus sentidos, começou sua resistência, primeira na terra natal da grande indústria, na Inglaterra. Contudo, durante três decênios, as concessões conquistadas por ela permaneceram puramente nominais. O Parlamento promulgou, de 1802 até 1833, 5 leis sobre o trabalho, mas foi tão astuto que não voltou

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um tostão sequer para sua aplicação compulsória, para os funcionários necessários etc. Essas leis permaneceram letra morta. [Nota 134] [Final da citação]

Entre 1833 e 1864 é que reside a principal preocupação de Marx (que será complementada no capítulo XIII, quando discutirá as cláusulas sanitárias e educacionais) a respeito da legislação fabril inglesa como signo desta luta entre as classes que se polarizam no capitalismo. Como a “exploração da força de trabalho é o primeiro direito humano do capital”, [Nota 135] é razoável a contraposição dos trabalhadores buscando defender o seu direito de vendedores desta mercadoria fundamental. Aliás, na antinomia entre os direitos como vendedor e como comprador da força de trabalho, já reside o que hoje se convencionou chamar de pluralidade jurídica. No entanto, o que esta suposta episteme dos juristas mais “bem intencionados” não alcança – ou não quer alcançar – é a assimetria entre estes direitos como parte da própria estrutura geral do direito mesmo. Por isso, nunca é demais lembrar a conclusão marxiana: “entre direitos iguais decide a força”, portanto, direitos supostamente iguais, tanto que a força é sua juíza suprema.

“A história da regulamentação da jornada de trabalho”, para Marx, “em alguns modos de produção e a luta que ainda prossegue em outros por essa regulamentação demonstram palpavelmente” – e esta palpabilidade Marx a demonstrará por intermédio de uma sociologia do direito ou, mais propriamente, sociologia da legislação fabril – “que o trabalhador individual, o trabalhador como ‘livre’ vendedor de sua força de trabalho, a certo nível de amadurecimento da produção capitalista encontra-se incapaz de resistir”. Vejamos aqui que nosso autor faz uso intensivo da linguagem dialética e, se antes a jornada de trabalho foi considerada alvo de resistência, agora ela é percebida em lapsos de verdadeira impossibilidade de resistir, em especial porque individualmente o trabalhador não tem condições de criar a projeção de sua luta. O desfecho da idéia não é menos ousado: “a criação de uma jornada normal de trabalho é, por isso, o produto de uma guerra civil de longa duração, mais ou menos oculta entre a classe capitalista e a classe trabalhadora.” [Nota 136] A longa duração da ocultação desta

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guerra civil, que em outro lugar chegamos a chamar de “poder dual latente”, [Nota 137] tem por armas normas positivadas criadas pelos interessados em descrever o direito como um atributo dos proprietários privados. Neste arsenal, encontram-se artefatos de baixo poder lesivo aos proprietários dos meios de produção e ainda de destacada violência (mesmo que assim não seja se comparativamente à tendência legal anterior) em face dos não-proprietários destes mesmos meios de produção que só possuem sua força de trabalho:

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Destacamos, após esta breve enumeração, que aludidas legislações têm detalhes que não evidenciamos para não torna excessivamente longo nosso comentário, assim como não estão dispostas de maneira necessariamente sistemática, a ponto de Marx ter de esclarecer que, por exemplo, “para a compreensão do que segue deve-se recordar que as Leis Fabris de 1883, 1844 e 1847 estavam todas as três em pleno vigor, na medida em que uma não emendava a outra”. [Nota 139]

A partir destas indicações, queremos sugerir que Marx desenvolve os sentidos 2 e 3 de direito em sua obra, aportando as em uma sociologia da legislação. Nesse sentido, as fontes mais consultadas são as legislativas e, secundariamente, as jurisprudenciais. É digno de nota, também, que Marx se vale extensamente dos relatórios parlamentares e diplomáticos britânicos conhecidos como os Livros Azuis. Sobre eles, se pronuncia Engels no prefácio da terceira edição alemã de O capital, publicada cerca de oito meses após o falecimento de Marx: “quando se trata de informações e descrições apenas factuais, as citações, como, por exemplo, as dos Livros Azuis ingleses, servem evidentemente como simples elementos de comprovação”. [Nota 140] Entretanto, estes “simples elementos de comprovação”

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assomam uma quantidade considerável de menções, o que, juntado às fontes legislativas e jurisprudenciais, representa um significativo exemplo de pesquisa sociológica. Talvez o julgamento de Engels tenha diminuído, para toda a tradição marxista, o peso destas fontes, em especial para o âmbito jurídico. Daí nossa defesa de que se trata de momento importante no horizonte das pesquisas de Marx e de suas conclusões sobre o direito.

Fiquemos com um exemplo pontual que demonstra a importância do que acabamos de dizer: “o capital descobriu, com a ajuda de óculos jurídicos, que a lei de 1860, do mesmo modo que as outras leis parlamentares destinadas à ‘proteção do trabalho’, fora redigida em termos retorcidos e equívocos”. Segundo Marx, “a jurisdição inglesa, sempre fiel serva do capital, sancionou a chicana” [Nota 141] – o que não é fato isolado [Nota 142] para os olhos míopes do capital. Miopia consciente que se utiliza de “óculos jurídicos” bastante proveitosos a seus interesses.

1.2.3.2 Duplo caráter da lei

Dissemos, mais acima, que Marx complementaria sua análise da moderna legislação fabril no capítulo XIII, dedicado à grande indústria. Na verdade, é preciso tecer algumas considerações sobre a passagem do capítulo VIII ao XIII. Naquele, o pano de fundo era a construção da categoria da mais-valia, a partir da produção da mais-valia absoluta. Grosso modo, podemos dizer que tal mais-valia, em sua característica absoluta, tem relação direta com a problemática da jornada de trabalho. Isto porque exprime a exploração da força de trabalho em conformidade com um aumento do tempo de trabalho excedente. Logo, a luta pela limitação da jornada de trabalho é a luta para limitar a mais-valia absoluta. Quando a “força de ataque da classe trabalhadora cresceu”, [Nota 143] a partir da década britânica de 1860, as regulamentações, por mínimas que hoje apareçam, surtiam um efeito de concessões do capital, fruto de sua racionalização. Nada mais eram, porém, do que conseqüência da luta de classes. E aqui, um imbróglio peculiar à

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interpretação marxiana: não se trata de concessões da classe dominante, mas aparecem como tal; não se trata de vitória da classe trabalhadora, mas apenas conquista parcial, que aparece como vitória geral.

Esta aparentemente confusa forma de refletir sobre a história da legislação e suas conseqüências para a sociedade baseada neste conflito fundamental nos leva a inquirir, rapidamente, sobre o sentido que Marx confere à questão. Ainda no capítulo VIII, dentre outros comentários, afirma que “o modo de produção material modificado e as condições sociais modificadas, que lhe correspondem, dos produtores dão origem primeiramente a abusos desmedidos e provocam então, em contraposição, o controle social”. Sobre este “controle social, que limita, regula e uniformiza legalmente a jornada de trabalho com suas pausas”, [Nota 144] já nos pronunciamos anteriormente, dizendo se tratar de formulação da ordem do inusitado – a sociedade que coage o capital. De “legislação de exceção”, o controle social passa a necessidade do metabolismo da sociedade, e isto também vimos anteriormente. Cabe destacar agora, na esteira destas formulações – sociedade que coage o capital, controle social -outros momentos em que elas se apresentam no texto marxiano, explicando-as por intermédio da passagem da análise da mais-valia absoluta à mais-valia relativa.

Na exposição da história do desenvolvimento capitalista europeu, Marx parte da cooperação simples para chegar à maquinaria e grande indústria, passando pela divisão manufatureira do trabalho. A razão dessa exposição, porém, é a explicação da mais-valia relativa, ou seja, não se quer mais apenas saber como se deu o processo de exploração da força de trabalho aumentando o seu tempo de submissão à valorização, mas sim como esta exploração, mantido constante este tempo de submissão, pôde se realizar. Logo, do problema da jornada de trabalho passamos ao do desenvolvimento das forças produtivas. Que não sejamos mal-compreendidos: não se trata de retirar a questão do tempo de trabalho (a jornada) do âmbito da mais-valia relativa, mas sim visualizar que sua problemática central se desdobra para outras situações. Como não poderia deixar de ser, Marx traz conceituação límpida sobre o assunto: de um lado, “a mais-valia produzida pelo prolongamento da jornada de trabalho chamo de mais-valia absoluta”; de outro, “a mais-valia que, ao contrário, decorre da redução do tempo de trabalho e da correspondente

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mudança da proporção entre os dois componentes da jornada de trabalho chamo de mais-valia relativa”. [Nota 145]

A mais-valia relativa recoloca as questões atinentes à regulamentação da jornada de trabalho. Diante da “reação por parte da sociedade”, nas palavras de Marx, “ameaçada em sua raiz vital” (a provável falta de sangue para seu vampirismo), vemos “a instauração de uma jornada normal de trabalho legalmente limitada”. [Nota 146] Mas quem é esta sociedade? É certo que Marx não está utilizando o termo desavisadamente. Se fosse a reação da classe trabalhadora, qual a motivação para dizer que “a força de ataque da classe trabalhadora cresceu com o número de aliados nas camadas sociais não diretamente interessadas”? [Nota 147] Trocando em miúdos: por que não usar a própria noção de classe? A nosso ver, seu pensamento assim se expressou para dar conta da complexidade política que representa esta regulamentação:

[Inicio da citação] assim que a revolta cada vez maior da classe operária obrigou o Estado a reduzir à força a jornada de trabalho e a ditar, inicialmente às fábricas propriamente ditas, uma jornada normal de trabalho, a partir desse instante, portanto, em que se impossibilitou de uma vez por todas a produção crescente de mais-valia mediante o prolongamento da jornada de trabalho, o capital lançou-se com força total e plena consciência à produção de mais-valia relativa por meio do desenvolvimento acelerado do sistema de máquinas. [Nota 148] [Final da citação]

Eis o corolário, na pena marxiana, do que buscamos explicar anteriormente. E apontemos para discussão essencial a nossa abordagem: estamos diante do movimento social que não extravasa a ordem, porque ainda não angariou as condições necessárias para tanto, dentre elas a organização política. No entanto, passo importante já pode ser percebido, qual seja, o de se conseguir obrigar o estado “a reduzir à força a jornada de trabalho”. Lembremos do ensinamento de Marx cuja interpretação diz que da antinomia entre direitos iguais resulta a força como juiz de paz.

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Este passo ao qual nos referimos, entretanto, não pode ser visto como de grandeza maior do que as próprias pernas que o possibilitam. Reconhece Marx que a “legislação fabril” é sim a “primeira reação consciente e planejada da sociedade à configuração espontaneamente desenvolvida de seu processo de produção”. Este reconhecimento não nos deve permitir o equívoco, contudo, de superestimar a “reação da sociedade”, uma vez que “é, como se viu, um produto tão necessário da grande indústria quanto o algodão, selfactors e o telégrafo elétrico”. [Nota 149] Portanto, nem a classe trabalhadora tem aí o seu “instrumento” por excelência, dentro da “guerra civil de longa duração”, tampouco a “sociedade” é o apanágio que permite a emancipação proletária, ao contrário, na marcha contraditória e espiral da luta de classes, é a libertação dos trabalhadores que fará da sociedade o “reino da liberdade”.

Os trabalhadores “como classe”, diz Marx, “têm de reunir suas cabeças” para “conquistar uma lei estatal” que se constitua como “uma barreira social intransponível, que os impeça a si mesmos de venderem a si e à sua descendência, por meio de contrato voluntário com o capital”. Assim, a conquista é modesta, na visão marxiana: “no lugar do pomposo catálogo dos ‘direitos inalienáveis do homem’ entra a modesta Magna Charta de uma jornada de trabalho legalmente limitada”. [Nota 150] É a constituição, no seu mais profundo sentido, do estatuto jurídico do trabalhador: limitadamente explorável, e com seu consentimento.

Se levarmos em consideração as duas edições de O capital preparadas por Marx, veremos que no capítulo XIII surgem as discussões sobre as leis fabris de 1864 a 1872 (a exceção são as referências de Engels, em adendos às duas edições posteriores do livro, de 1883 e 1890, que ficaram a seu encargo).

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Com Marx, já havíamos apresentado a tendência britânica do século XIX à redução da jornada de trabalho, por meios legais, e como isto implica produção de mais-valia relativa. É gerado, assim, um deslocamento, baseado no fato de que se há limitação da exploração da mercadoria força de trabalho é preciso bjetiva-la em escala, ou seja, caminhar rumo à maquinização da indústria, multiplicando-a ciclopicamente. O papel da máquina-ferramenta se destaca aqui, de modo que há aceleração e ampliação da maquinaria. Tudo isto se relaciona com a extração de mais-valia relativa já que “a máquina, na mão do capitalista, transforma-se no meio objetivo e sistematicamente aplicado de espremer mais trabalho no mesmo espaço de tempo” porque “a redução da jornada de trabalho, que cria de início a condição subjetiva para a condensação do trabalho, ou seja, a capacidade do trabalhador em liberar mais força num tempo dado, se torna obrigatória por lei”. [Nota 151]

O fato da extensiva utilização do sentido 2 de direito, na obra de Marx, não obstrui a compreensão de que a luta pela regulação legal da exploração da força de trabalho é funcional às relações sociais capitalistas. Podemos, com esta indicação, voltar um pouco à argumentação que fizemos inicialmente: o uso tático do direito tem limites na própria funcionalidade de seu horizonte último. Trata-se de um “politicismo” não desprezível na prática, mas não onipotente para a análise do direito, tanto assim é que

[Inicio da citação] essa revolução industrial, que se processa naturalmente, é acelerada de modo artificial pela extensão das leis fabris a todos os ramos industriais em que trabalhem mulheres, jovens e crianças. A regulamentação

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obrigatória da jornada de trabalho estabelecendo duração, pausas, início e término, o sistema de turnos para crianças, a exclusão de todas as crianças abaixo de certa idade etc., torna necessária, por um lado, mais maquinaria e a substituição de músculos por vapor como força motriz. [Nota 152] [Final da citação]

Estamos diante, portanto, do tema da liberação de forças produtivas por intermédio da regulamentação do trabalho assalariado. Do ponto de vista do capital, um remédio amargo para continuar e aumentar seu desenvolvimento; do ponto de vista do trabalho, a cura da febre sem, todavia, se atacar a infecção mais profunda.

Se as cláusulas sanitárias e educacionais, destacadas por Marx na análise da legislação de 1864 a 1867 (e, depois, até 1872), trazem questões importantes e permitem que a classe trabalhadora formule suas reivindicações de modo mais preciso, não é de se negligenciar seu impacto para uma sociologia do direito, bem como para uma teoria política. A este respeito, continuemos acorrendo a Marx: “embora os inspetores de fábrica louvem incansavelmente, e com toda razão, os resultados favoráveis das leis fabris de 1844 e 1850, reconhecem, no entanto, que a redução da jornada de trabalho provocou uma intensificação do trabalho destruidora da saúde dos trabalhadores e, portanto, da própria força de trabalho”. [Nota 153] Sublinhemos, do comentário de Marx, a opinião sincera que dele transparece: “e com toda razão”. A redução da jornada de trabalho se coaduna com a extração de mais-valia porque a intensificação do trabalho mesmo aumenta exponencialmente, mas, ainda assim, antes com a jornada normal do que sem ela. Na verdade, a frase de Marx demonstra o lugar a que se circunscreve o uso tático do direito – a defesa da aplicação dos postulados legais (em uma espécie de positivismo de combate) sempre que beneficiem os trabalhadores, mas compreendendo-se igualmente seus limites no contexto da legalidade da exploração da força de trabalho. A realidade é que o discurso marxiano leva à visualização da combinação da mais-valia absoluta com a relativa, o que nem mesmo as melhores leis laborais conseguiram aplacar, ainda hoje, em pleno século XXI. [Nota 154]

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O enfoque da questão legislativa põe luz sobre as fontes sociológicas com as quais Marx operava. Mas suas análises também aparecem prenhes de fundamentações teórico-políticas:

[Inicio da citação] se a legislação fabril, como primeira concessão penosamente arrancada ao capital, só conjuga ensino elementar com trabalho fabril, não há dúvida de que a inevitável conquista do poder político pela classe operária há de conquistar também para o ensino teórico e prático da tecnologia seu lugar nas escolas dos trabalhadores. Mas tampouco há dúvida de que a forma capitalista de produção e as condições econômicas dos trabalhadores que lhe correspondem estão na contradição mais diametral com tais fermentos revolucionários e seu objetivo, a superação da antiga divisão do trabalho. O desenvolvimento das contradições de uma forma histórica de produção é, no entanto, o único caminho histórico de sua dissolução e estruturação de uma nova. [Nota 155] [Final da citação]

 A análise se dá no contexto da avaliação da aplicação ou não das cláusulas educacionais no âmbito fabril. Ainda que efetivas, estas normativas deixam a desejar, em muito, pelo simples fato de disciplinarem os aprendizes aos estreitos limites da lei do valor, em que a relação jurídica oriunda de um contrato entre proprietários iguais de mercadorias é um cânone, técnica e moralmente falando. Uma vez mais, destacamos o lugar do qual o direito legal compartilha: “concessão penosamente arrancada ao capital”. Mas o que mais interessa no excerto acima é a referência ao poder político a que a classe trabalhadora almeja. Não é de somenos o fato de a expressão “o desenvolvimento das contradições de uma forma histórica de produção” ser o veio pelo qual muitas inexatidões, inclusive políticas, podem se disseminar. A assertiva não é sinônimo de uma leitura mecanicista, linear e etapista por parte do autor de O capital. Em realidade, mostra-se como complexificação histórica que contradiz este mesmo “evolucionismo”, que tanto enche as bocas de seus críticos.

Expliquemo-nos melhor, para concluir o itinerário marxiano em torno do sentido 2 de direito. Sua conclusão a respeito do significado da lei é decisiva para a nossa perspectiva interpretativa. Para Marx, a lei (entendida como regulamentação estatal promovida pela sociedade para frear o ímpeto

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sacrificial [Nota 156] que o capital adota quanto à classe operária) adquire um duplo sentido sob a vigência do modo de produção capitalista, a um só tempo tática de proteção dos trabalhadores e concentração do capital com generalização da indústria. O trecho a seguir é paradigmático para esta caracterização:

[Inicio da citação] se a generalização da legislação fabril tornou-se inevitável como meio de proteção física e espiritual da classe operária, ela, por outro lado, generaliza e acelera, como já foi aventado, a metamorfose de processos de trabalho esparsos realizados em pequena escala em processos de trabalho combinados e em larga escala social, portanto a concentração do capital e o domínio exclusivo do regime de fábrica. Ela destrói todas as formas antiquadas e transitórias, atrás das quais a dominação do capital ainda se esconde em parte, e as substitui por sua dominação direta, indisfarçada. Generaliza, com isso, também, a luta direta contra essa dominação. Enquanto impõe nas oficinas individuais uniformidade, regularidade, ordem e economia, aumenta, por meio do imenso estímulo que a limitação e a regulamentação da jornada de trabalho impõe à técnica, a anarquia e as catástrofes da produção capitalista em seu conjunto, a intensidade do trabalho e a concorrência da maquinaria com o trabalhador.Com as esferas da pequena empresa e do trabalho domiciliar, aniquila os últimos refúgios dos “excedentes” e conseqüentemente a válvula de segurança até agora existente de todo o mecanismo da sociedade. Com as condições materiais e a combinação social do processo de produção, amadurece as contradições e os antagonismos de sua forma capitalista e portanto, ao mesmo tempo, os elementos constitutivos de uma nova e os momentos revolucionadores da velha sociedade. [Nota 157] [Final da citação]

Os dois últimos trechos por nós reproduzidos dialogam inequivocamente. O inevitável “poder político da classe operária”, ao nível da conscientização coletiva tal como aparece na primeira das citações é o momento intersubjetivo

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do “desenvolvimento das contradições” que favorecerão a dissipação da sociedade burguesa. No entanto, há também o momento objetivo em que o amadurecimento das “contradições” e dos “antagonismos” se apresenta por meio de “condições materiais”. De que forma esta interpretação política se realiza? Tendo por fio condutor a análise da legislação, Marx observa que seu duplo caráter contém elementos explicativos da generalização das relações sociais capitalistas, cuja importância é tal que permite também generalizar e amplificar, subjetiva e objetivamente, “a luta direta contra essa dominação” do capital. Mas o mais significativo: para uma abordagem política do direito não basta a aposta nele como “meio de proteção”, mas também a intelecção de que com ele se angaria, em definitivo, o modo de vida capitalista, encapsulando nas frinchas do sistema modos de vida transitórios (o que Marx chamou de “colorido caos de formas de transição” [Nota 158]).

É evidente que abusamos da passagem dos sentidos do direito, primeiramente como relação jurídica imbricada ao valor e, por conseqüência, à livre circulação de mercadorias (sentido paradigmático 1),sendo em segundo lugar a sua aparição fenomênica como legislação (sentido 2). Com isso, cremos ter trabalhado, a partir de O capital, com a essência e a aparência do fenômeno jurídico, ainda que esta seja apenas uma possível mirada para a questão. Preciso seria, ainda aqui, citar a dimensão da qual Marx menos fala, qual seja, o sentido 3, relativo à execução judicial das determinações legais. Vários problemas se colocam para nós em sede desta análise, como os próprios a uma história do sistema judicial estatal. Marx, efetivamente, quando aborda o assunto o faz tendo em vista, via de regra, a inaplicabilidade das leis fabris quando favoráveis aos trabalhadores. Motivos variados existem: a composição de classe dos magistrados, a falta de recursos para os fiscais das leis, a função social da criminalização dos trabalhadores e o papel bastante definido que desempenham os criminalizadores (com notório destaque à polícia), dentre outros.

Por vezes, Marx chega a exemplificar com casos concretos e, a partir de alguns casuísmos jurídicos,[Nota 159] não se esquiva em formular um juízo enfático sobre a “justiça” burguesa, na linha opiniática de um magistrado mais “alternativo” para a época: sistema judiciário produtor de “monstruosidades

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jurídicas”. [Nota 160] Desse modo, fica registrada a dimensão na qual se insere o sentido 3,em sua obra.

1.2.4 Intersecções dos sentidos do direito

Vale a pena frisar que a relação jurídica entre sujeitos proprietários e o duplo caráter da lei se complementam. Os “direitos de exploração do capital”, cerne do próprio direito, se manifestam também como “meio de proteção” conjuntural,  porque o conjunto da força de trabalho, para o capitalista, é também capital; Marx o denomina de capital variável. Ainda que haja uma tendência à exploração ilimitada, o próprio capital precisa conservar sua “mercadoria” e, com isso, a “sociedade” tem condições de desempenhar o papel legislativo que é daí decorrente: a “intromissão nos direitos de exploração do capital”. [Nota 161]

O capital variável é remunerado pelo salário cuja aparição se dá como se estivesse em equivalência ao valor do trabalho. Na verdade, o salário é uma troca desigual que aparece como igual para a economia política e toda ciência burguesa. Com esta operação ideológica a “forma salário” elimina “todo vestígio da divisão da jornada de trabalho em trabalho necessário e mais-trabalho, em trabalho pago e não pago” e, destarte, “todo trabalho aparece como trabalho pago”. Segundo Marx, aí “repousam todas as concepções jurídicas tanto do trabalhador como do capitalista”, ou seja, "todas as mistificações do modo de produção capitalista, todas as suas ilusões de liberdade, todas as pequenas mentiras apologéticas da Economia vulgar". No salário, portanto, se condensam noções ideológicas, dentre as quais aquelas que

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caracterizam a “consciência jurídica” dos sujeitos coletivos em conflito, o que quer dizer “mistificações”, “ilusões” e “mentiras apologéticas”. Quando, pois bem, se “torna invisível a verdadeira relação e mostra justamente o contrário dela”, [Nota 162] o modo de produção capitalista atinge sua meta e, pela garantia da forma de valor, que na prática se desenrola com o “intercâmbio entre capital e trabalho” como relação de compra e venda, o direito se estabelece para além da acepção legal, porque mais que norma é uma relação jurídica entre proprietários de mercadorias.

        Marx busca, no encerramento do volume 1 de O capital, resgatar o “processo de acumulação do capital” (seção VII) em uma espiral explicativa. Indo do simples ao complexo, assim como trabalhou com o intercâmbio simples de mercadorias até chegar ao capital, agora parte da reprodução simples do modo de produção para chegar à acumulação, que é a reprodução ampliada do capitalismo. Portanto, a "transformação da mais-valia em capital” (capítulo XXII) permite inferir uma “lei geral de acumulação capitalista” (capítulo XXIII). Neste momento, então, encontra-se a maior utilização científica da noção de lei. E se trata de uma utilização diretamente lastreada pelo processo de desenvolvimento da grande indústria.

        Não é de se estranhar, por conseguinte, que seja possível estabelecer analogias, a partir do próprio Marx, entre os sentidos 1, 2 e 5 em seu discurso. Por exemplo, a relação entre os sentidos 5 e 2:

[Inicio da citação] o código fabril, em que o capital formula, por lei privada e autoridade própria, sua autocracia sobre seus trabalhadores, sem a divisão dos poderes tão cara fora daí à burguesia e sem o ainda mais amado sistema representativo, é apenas a caricatura capitalista da regulação social do processo de trabalho, que se torna necessária com a cooperação em grande escala e a utilização de meios coletivos de trabalho, notadamente a maquinaria. [Nota 163] [Final da citação]

        Marx, aqui, se refere explicitamente às leis internas à fábrica ("código fabril”) e descobre, sem dificuldades, uma dúplice intersecção de três conjuntos caracterizáveis por “regulamentações”: a regulação social imposta pelo “processo de trabalho"; a regulação privada às fábricas (e, hoje, diríamos firmas e empresas, com sua “ciência da administração”); e a regulação estatal que, por meio de legislações, é um contrapeso às primeiras sem se tornar incompatível com elas.

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        Em termos de investigação propriamente jurídica, entretanto, ainda não alcançamos sua essência com esta evidenciação. É preciso dar um passo além de a descrição da grande indústria (capítulo XIII) e nos voltarmos para o processo de acumulação (no caso, no capítulo XXII). Marx demonstra, ricamente, a possível analogia entre os sentidos 5 e 1 do direito ao apresentar sua reflexão sobre a relação de intercâmbio e sua ancoragem na questão do trabalho. A “compra da força de trabalho” está adequada às “leis do intercâmbio de mercadorias e, juridicamente considerada, não pressupõe mais do que a livre disposição por parte do trabalhador sobre suas próprias capacidades, por parte do possuidor de dinheiro ou mercadorias sobre os valores que lhe pertencem”. O processo de reprodução ampliada do capital, no entanto, contradiz a “lei da propriedade privada”, por seu turno, uma vez que a exploração é pressuposta na compra da força de trabalho. Na aparência, a troca é igual e garantida pelo direito; na essência, como já o demonstra a forma salário, a troca é inafastavelmente desigual. Por isso a penetrante consideração de Marx ganha os contornos que seguem:

 

[Inicio da citação] a relação de intercâmbio entre capitalista e trabalhador torna-se portanto apenas mera aparência pertencente ao processo de circulação, mera forma, que é alheia ao próprio conteúdo e apenas o mistifica. A contínua compra e venda da força de trabalho é a forma. O conteúdo é que o capitalista sempre troque parte do trabalho alheio já objetivado, do qual se apropria incessantemente sem equivalente, por um quantum maior de trabalho vivo alheio. Originalmente, o direito de propriedade apareceu-nos fundado sobre o próprio trabalho. Pelo menos tinha de valer essa suposição, já que somente se defrontam possuidores de mercadorias com iguais direitos, e o meio de apropriação de mercadoria alheia porém é apenas a alienação da própria mercadoria e esta pode ser produzida apenas mediante trabalho. A propriedade aparece agora, do lado do capitalista, como direito de apropriar-se de trabalho alheio não-pago ou de seu produto; do lado do trabalhador, como impossibilidade de apropriar-se de seu próprio produto. A separação entre propriedade e trabalho torna-se conseqüência necessária de uma lei que, aparentemente, se originava em sua identidade. [Nota 164] [Final da citação]

        Neste trecho encontramos uma linha de raciocínio complexa que depõe sobre a acuidade do pensamento marxiano, inclusive no que tange às formas fundante

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(sentido 5) e aparentes (sentidos2e 3), para além da forma jurídica essencial (sentido 1). Diz-nos ele: "a separação entre propriedade e trabalho torna-se conseqüência necessária de uma lei" que não é legislativa, mas social, e na qual toda a teoria política liberal se funda. O discurso do direito de propriedade se legitima pela igualdade formal (da forma mercantil), mas tem vida própria como desigualdade material (salário como remuneração desigual da força de trabalho, por exemplo).

        Agora, para atualizar o que dissemos poucos parágrafos acima, temos uma múltipla - e não mais dúplice - intersecção de conjuntos regulativos: a regulação social decorrente da produção (sentido 5 - forma fundante), a regulação privada (transição entre os sentidos 5 e 2 - forma transitiva 2), a regulação estatal (sentido 2 - forma aparente legislativa, que deve ser complementada com a forma aparente judicial) e a relação jurídica (sentido 1 - forma jurídica essencial) que garante a circulação de mercadorias produzidas sob o capital (renovação do sentido 5 - forma essencial explicitamente fundada na forma fundante, acompanhada de uma forma transitiva 1).

QUADRO IV

Formas e sentidos do direito em Marx

Forma jurídica essencial: sentido 1(relação jurídica)

Forma jurídica aparente I (legislativa): sentido 2 (regulação estatal)

Forma jurídica aparente 2 (judicial): sentido 3(regulação estatal)

Forma fundante: sentido 5 (regulação social decorrente da produção)

Forma transitiva I: forma essencial explicitamente fundada na forma fundante

Forma transitiva 2: regulação privada (transição entre os sentidos 5 e 2)

[Início da descrição do Quadro IV]: Imagem com três círculos. O primeiro tem cor cinza, o segundo é branco e o terceiro tem preenchimento com pontilhados. Eles formam uma intersecção de conjuntos regulativos. O círculo branco, representa a forma fundante. O cinza representa a forma essencial, e o pontilhado, representa a forma aparente. A intersecção entre o círculo branco e cinza, gera Forma transitiva 1. A intersecção entre o círculo branco e pontilhado, gera a forma transitiva 2. A intersecção entre os três círculos, gera a forma aparente 2 (sentido 3) [Fim da descrição]

Observação da descritora: Para melhores informações sobre a imagem, solicitamos que entre em contato com o professor da disciplina.

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        Em suma, estas intersecções evidenciam duas coisas: de um lado, a função não negligenciável das legislações, de outro, a íntima vinculação entre o processo de produção econômica e as relações jurídicas. É o que nos moveu a esta análise, partindo do pressuposto de que Marx explana sobre a “matéria das leis” e não sobre o seu “espírito”. A “ilusão jurídica”, portanto, se dá de modo a tomar “as relações de produção, como produto” da lei. Marx critica aqui um dos muitos intérpretes que idealizam a relação entre direito e economia a partir desta inversão, quando na verdade a lei é que é “produto das relações materiais de produção”. [Nota 165] A “ilusão jurídica” decanta-se, inclusive, em reformismos os mais perniciosos (porque ofuscam o entendimento da realidade), os quais se recusam a ver - por pacifismo ingênuo, ceticismo transformador ou cinismo reacionário - que “revoluções não são feitas por meio de leis”. [Nota 166]

        Uma palavra, ainda, precisa ser dita sobre os sentidos do direito que buscamos sistematizar a partir da leitura do volume 1 de O capital: os sentidos 1 (forma essencial), 2 (forma aparente 1) e 3 (forma aparente 2) têm por lastro o sentido 5 (forma fundante) que não é propriamente jurídico. Encontra-se na ordem do econômico e muito próximo às leis sociais. Nosso quadro, porém, só se completa se pusermos em tela o sentido 4, excetuado o 6 que é puramente semântico (a idéia geral de regra ou regulação). Um desenvolvimento do sentido 4, atinente a princípio ou princípios de justiça significaria a possibilidade de uma filosofia do direito propriamente dita, nesta obra de Marx. Não é o caso, a nosso modo de ver. Temas como legitimidade, moral ou o justo aparecem apenas casualmente. Seja como for, no máximo Marx reitera, por meio deste sentido, a crítica a Proudhon [Nota 167] ou apresenta a questão pelo seu lado inverso - a injustiça -, citando situações apreciáveis desde relatórios e comentários. [Nota 168] Talvez, se desapegada de seus pendores metafísicos, a noção de justiça estaria mais próxima à garantia do trabalho útil relacionado ao valor de uso, problemática não central em O capital, mais voltado para o trabalho abstrato e o valor.

        Pois bem, voltemos à linha condutora de nossa exposição. No materialismo histórico de Marx, o histórico não representa nenhum historicismo. Aí se

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encontra a explicação para que os últimos capítulos de O capital sejam dedicados à “assim chamada acumulação primitiva” (XXIV) e à “teoria moderna da colonização” (capítulo XXV), dois temas preferenciais do marxismo latino-americano e das teorias críticas descoloniais.

        Assim, é preciso começar a refletir sobre a historicidade da categoria "direito” em Marx: tem sua plena realização sob o capitalismo industrial europeu ("o direito burguês”), mas já apresenta elementos constituintes previamente a este período histórico, como fica evidente na consideração das “etiquetas jurídicas feudais”, [Nota 169] as quais aparecem no capítulo XXV, sugestivamente dedicado à colonização. Aliás, Marx fala em “direitos senhoriais”, [Nota 170] “título jurídico feudal”, [Nota 171] “antigas relações de propriedade” [Nota 172] e “jurista feudal” [Nota 173] - todas questões relacionadas, em geral, ao "direito à base fundiária”.[Nota 174] Até aqui, nenhum problema, pois a antiga normatividade, rudimentos da relação jurídica, apresenta, de um lado, as formas aparentes do direito como que acabadas e, de outro, a forma essencial em desenvolvimento (por não se tratar de estar em conexão com a intercambialidade mercantil).

        Mais difícil é, todavia, refletir sobre a superação do valor e a conseqüente ultrapassagem do direito, que é direito burguês.

        Esperamos que os próximos tópicos, dedicados à visualização do direito em outros momentos da produção teórica de Marx, possam aprofundar esta questão. Por ora, resgatemos alguns pontos que podem nos indicar possíveis caminhos de entendimento. Por exemplo, Rosdolsky, em sua monumental interpretação de O capital, chega a discutir a “vigência da lei do valor no socialismo". Com isso fica indicado o tema da transição, tão necessário, inclusive para se pensar o antinormativismo, quer dizer, a extinção do direito como conseqüência última da colocação em prática das apreciações marxianas (e, como veremos, marxistas) do fenômeno. Rosdolsky refletia sobre o socialismo soviético do segundo meado do século XX:

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[Inicio da citação] é certo que esta sociedade expropriou os capitalistas, transformando os meios de produção em propriedade comum, propriedade do povo; mas ainda está longe de poder usar o princípio comunista da distribuição: “de cada um conforme suas capacidades, a cada um conforme suas necessidades”. Seu modo de distribuição permanece dominado pelo “direito burguês” que “como qualquer direito, é, por seu conteúdo, um direito da desigualdade”. [Nota 175] [Final da citação]

        A crítica apresentada se pauta na análise do Programa de Gotha que Marx desenvolve posteriormente à escrita de O capital e sobre a qual voltaremos mais adiante. E coloca em evidência o fato de uma compatibilidade siamesa entre direito e lei do valor, mas, a um só tempo, põe em xeque o simplismo de se atuar apenas no âmbito formal da superação da propriedade privada para se superar o próprio valor; é necessário ir muito além, até as relações sociais.

        Sem pendências, entretanto, são as convicções de que a crítica marxiana desnaturaliza quaisquer categorias a-históricas, eternizáveis, como estas mesmas relações sociais capitalistas e, em sua esteira, o direito. Outro importante comentador nos diria:

[Inicio da citação] sobre essa base ergueu-se toda a vasta superestrutura dos princípios éticos e legais que servem para justificar a ordem existente e regulamentar a conduta do homem em relação a ela. Somente pela análise crítica da produção de mercadorias, análise que vai além das formas superficiais, até as relações subjacentes de homem para homem, é que podemos ver claro o caráter historicamente relativo da justiça capitalista e da legalidade capitalista, tal como somente por essa análise podemos ver o caráter histórico do próprio capitalismo. [Nota 176] [Final da citação]

        Foi exatamente neste horizonte que inserimos nossa proposta interpretativa, ao sabatinarmos o direito extraído da pena marxiana. Dialogando com Marx, pretendemos trazer igualmente pela mão toda a tradição das teorias críticas do direito para este debate. A defesa de um direito "instrumental" não nos serve, assim como não nos é suficiente a total recusa tática ao “uso” do direito. Sob o prisma da incidência prática, a formulação política é sensível

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e muito importante para ser desprezada. No entanto, desde uma perspectiva profundamente crítica que compreenda as relações sociais no que tange àquilo que lhes é subjacente (para retomar Sweezy), não compreender o vínculo entre valor e direito é manter-se como bóia em um imenso oceano desconhecido.

        Neste diapasão, recolhemos uma última citação de Marx, longa como soeram ser longos os resgates do jurídico em Marx, ainda que bastante breves tenham sido as retomadas econômico-políticas:

[Inicio da citação] a esfera da circulação ou do intercâmbio de mercadorias, dentro de cujos limites se movimentam compra e venda de força de trabalho, era de fato um verdadeiro éden dos direitos naturais do homem. O que aqui reina é unicamente Liberdade, Igualdade, Propriedade e Bentham. Liberdade! Pois comprador e vendedor de uma mercadoria, por exemplo, da força de trabalho, são determinados apenas por sua livre-vontade. Contratam como pessoas livres, juridicamente iguais. O contrato é o resultado final, no qual suas vontades se dão uma expressão jurídica em comum. Igualdade! Pois eles se relacionam um com o outro apenas como possuidores de mercadorias e trocam equivalente por equivalente. Propriedade! Pois cada um dispõe apenas sobre o seu. Bentham! Pois cada um dos dois só cuida de si mesmo. O único poder que os junta e leva a um relacionamento é o proveito próprio, a vantagem particular, os seus interesses privados. E justamente porque cada um só cuida de si e nenhum do outro, realizam todos, em decorrência de uma harmonia preestabelecida das coisas ou sob os auspícios de uma previdência toda esperta, tão-somente a obra de sua vantagem mútua, do bem comum, do interesse geral.” [Nota 177] [Final da citação]

        Aqui nos parece estar plenamente amadurecida (ainda que isso não seja sinonímia para aceitação de cortes epistemológicos) a crítica de Marx aos direitos do homem e do cidadão, oriundos da revolução francesa. Também, tem nos princípios comunistas o seu antípoda mais eloqüente. Ambas as temáticas se desenvolvem em escritos que privilegiaremos na seqüência de nossa discussão e que entendemos introduzida com o que dissemos até aqui.

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  1. Da crítica à emancipação política ao princípio da sociedade comunista: o direito entre dois pólos

        Dissemos anteriormente que o problema jurídico sempre aparece assim que Marx começa uma crítica à sociedade capitalista. Também dissemos que havíamos eleito três momentos para evidenciar esta convicção, sendo que um deles é o fundamental e se trata do direito achado n'O capital. É bastante comum, porém, os teóricos críticos do direito partirem de outros momentos da obra de Marx para confrontarem as posições deste a respeito do fenômeno jurídico. Não é raro, portanto, encontrarmos nesta tradição crítica a remissão a textos localizados em dois extremos da produção teórica marxiana, extremos estes que tomaremos como pólos magnéticos das formulações de Marx sobre o direito - o artigo Sobre a questão judaica e a Crítica do Programa de Gotha.

  1. Dialética entre declaração e constituição de direitos

        Apesar de relegado a segundo plano na bio-bibliograia de Marx, Sobre a questão judaica (ou ainda Para a questão judaica) é texto fundamental para compreender o desenvolvimento da problemática jurídica em sua proposta de análise. Portanto, fundamental para discutir a questão do direito, uma vez que dedica tinta significativa a debater, criticamente, os direitos do homem e do cidadão no contexto da crítica à sociedade civil burguesa européia, ainda que se trate de uma discussão mais prática referida à situação alemã.

        Vimos no final do item anterior que esta crítica já se apresenta amadurecida nas elaborações de O capital - e o final do capítulo IV do primeiro volume, que cita os direitos naturais do homem (liberdade, igualdade, propriedade e Bentham),depõe a favor disto. No entanto, a existência deste amadurecimento nos leva, necessariamente, ao resgate do local textual a partir do qual houve esta evolução, até para que possamos compreender quais as superações havidas e, com isto, podermos debater com as teorias críticas do direito mais contemporâneas.

        Consideramos que Sobre a questão judaica, escrita em fins de 1843 e publicada no volume único dos Anais franco-alemães em 1844, acaba sendo um pólo que magnetiza toda a produção teórica anterior de Marx sobre o direito. É evi

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dente que reconhecemos neste ensaio um momento do desenvolvimento intelectual de seu autor. Contudo, mais do que ver neste escrito um texto de passagem, com influências maiores ou menores de Hegel ou Feuerbach, trazendo consigo "problemas inteiramente novos”, [Nota 178] para alguns, ou não apresentando “novidades substantivas”,[Nota 179] para outros; mais do que apoiarmos nossa análise nesta oscilação, pretendemos ressaltar a condensação da crítica jurídica que o texto traz, com relação às reflexões anteriores, por intermédio da crítica à emancipação política.

        O pano de fundo do debate sobre a questão judaica são os limites da emancipação política e, portanto, da declaração ou constituição de direitos. Ainda que a dicotomização entre teologia e política se apresente como o principal do texto marxiano, queremos enfatizar o pano de fundo ao qual aludimos. Parte Marx da crítica à defesa de Bruno Bauer, para quem a reivindicação de direitos equiparáveis aos dos cristãos, feita pelos judeus na Alemanha, passava pela abdicação de ambos de suas próprias religiões. Sua proposta é, portanto, a de um “ateísmo de Estado autoritário” o qual levaria a um “fetichismo estatal”, segundo a interpretação de Daniel Bensaïd.[Nota 180] Este ponto de vista mobilizou várias críticas, sendo que a de Marx foi apenas mais uma, ainda que com o diferencial de se mostrar como que baseada em uma proposta intelectual de crítica à sociedade civil burguesa. [Nota 181]

        Em síntese, os judeus reivindicavam os direitos que davam cidadania ao homem cristão e que a eles estavam obstados. A isto podemos denominar de reivindicação por emancipação política. Bauer considerava, dando uma vida radical à dialética do senhor e do escravo de Hegel, que os direitos do homem não lhe são inerentes mas resultado de luta e combate contra os privilégios históricos. Até aí uma argumentação bastante conforme às atuais lutas por direitos (revitalizadoras, aliás, de Ihering). No entanto, Bauer arremata, com a dialética hegeliana: “eles [os direitos do homem] são resultado da formação,

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e só quem os conquistou e mereceu para si pode possuí-los”. [Nota 182] Ou seja, como os judeus não lutaram por esses direitos, não os mereciam.

Marx, por sua vez, apresenta entendimento completamente contrário. Primeiro, rejeita a essencialização baueriana do debate teológico (necessária passagem do teísmo ao ateísmo). Em segundo lugar, mostra que a emancipação política (e sua luta por direitos) é uma emancipação insuficiente para resolver, inclusive, o problema dos judeus. E, por fim, coloca-se em oposição a não se garantir que os judeus tenham seus direitos reconhecidos ainda que não se desconvertam, como queria Bauer.

Assim, a crítica de Marx é um apontamento das limitações da emancipação política que se expressa na linguagem dos direitos. O foco é o problema do estado; todavia, as implicações são diretas para o sistema de direitos. Lukács acentuaria aqui, para exemplificar com uma interpretação clássica, que “no caráter da emancipação política, que evidentemente engloba a religião, expressa-se ao mesmo tempo aquela oposição entre sociedade civil-burguesa e Estado”. [Nota 183] De nossa parte, entendemos que é o caso de extrair desta oposição os fundamentos da distinção entre direitos declarados e direitos constituídos, ou melhor, entre declaração de direitos e constituição de direitos.

Tudo isto está no plano da emancipação política e da crítica que Marx faz a este horizonte. No entanto, ele não o despreza, ao ponto de dissertar sobre ela como um teórico crítico que luta por direitos: “a emancipação política de fato representa um grande progresso; não chega a ser a forma definitiva da emancipação humana em geral, mas constitui a forma definitiva da emancipação humana dentro da ordem mundial vigente até aqui”. [Nota 184]

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Este “grande progresso... dentro da ordem” tem por equivalente geral a cidadania, nos marcos do estado político, a qual completa a equação em face de todos os outros elementos relativos a ela, nos quadrantes da sociedade burguesa. O cidadão se refere à “vida do gênero humano", à "vida celestial” ou à “vida na comunidade política”, daí sua generalidade sob o estado. Por seu turno, na sociedade civil se vive a “vida material", a "vida terrena” ou a “vida na sociedade burguesa". [Nota 185] Trata-se de uma vida dupla, entre o cidadão e o homem particular.

Capta Marx, nessa crítica, a “universalidade irreal” da cidadania - um equivalente geral fictício, portanto - sendo que o que se universaliza de fato é o homem mônada. A profundidade de Marx é tal que aqui ele diz que o homem particular, antípoda do cidadão geral, é o religioso, mas não só: “a diferença entre o homem religioso e o cidadão é a diferença entre o mercador e o cidadão, entre o diarista e o cidadão, entre o proprietário de terras e o cidadão, entre o indivíduo vivo e o cidadão”. [Nota 186] Portanto, um confronto entre o cidadão universal, mas irreal e fictício, e o burguês particular, mas real e vivo. Quer dizer, a cidadania não destrona o “interesse particular” e, inclusive, tem neste o seu pressuposto, o que significa que o que se generaliza é o "espírito da sociedade burguesa”.

Na alusão ao mercador, ao diarista e ao proprietário de terras já reside uma referência a estratos sociais, ainda que não esteja construída a distinção em classes sociais. Nos textos dos Anais franco-alemães (não só sobre a questão judaica mas também a introdução à crítica a Hegel), Marx tateia a idéia de estamento e sua passagem para a noção de classe. Segundo uma interpretação, já nos chamados Manuscritos de Kreuznach, de 1843, essa reflexão começa a se realizar, mesmo se reconhecendo que "essas formulações de Marx em Sobre a questão judaica certamente permanecem dependentes do pressuposto humanista do 'homem genérico'”. Ou seja, “a força mediatriz da universalização concreta ainda não aparece aí, mesmo que a Crítica da filosofia do direito de Hegel já tivesse registrado 'a transformação propriamente dita dos estamentos políticos (stände) em classes civis' na época da monarquia absoluta”. Para Daniel Bensaïd, “a questão central da emancipação política não é articulada às relações de classes. No entanto, esse eclipse parece preparar o reaparecimento

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triunfal, a entrada em cena do proletariado na 'Crítica da filosofia do direito de Hegel - Introdução', de 1844”. [Nota 187]

Ainda que assim seja, Marx encontra no bourgeois a verdadeira explicação para o citoyen (Marx faz uso ironicamente dos termos “burguês” e “cidadão”, em francês), no âmbito deste dualismo entre estado e sociedade civil. A partir disso, se remete continuamente à sociedade burguesa e mesmo que a crítica da economia política não seja sua fundamentação última, já aporta sua análise em referências críticas à mercadoria, ao valor, ao trabalho e, principalmente, ao dinheiro:

[Inicio da citação] o dinheiro é o deus zeloso de Israel, diante do qual não pode subsistir nenhum outro. O dinheiro humilha todos os deuses do homem - e os transforma em mercadoria. O dinheiro é o valor universal de todas as coisas, constituído em função de si mesmo. Em consequência, ele despojou o mundo inteiro, tanto o mundo humano quanto a natureza, de seu valor singular e próprio. O dinheiro é a essência do trabalho e da existência humanos, alienada do homem; essa essência estranha a ele o domina e ele a cultua. [Nota 188] [Final da citação]

De maneira bastante interessante, podemos notar que a crítica ao dinheiro - “um conceito à espera do seu desenvolvimento crítico”, porque ainda não concebido “como equivalente geral da troca mercantil generalizada” [Nota 189] - tem por antessala a crítica ao sistema de direitos que, por sua vez, tem na crítica à emancipação política sua primordial ancoragem.

Diferentemente do que fizemos quando da abordagem de O capital, não nos interessa aqui anotar todas as referências que Sobre a questão judaica carregam acerca do direito (e podemos dizer que não são poucas). Nossa intenção, agora, é estabelecer a ponte que liga a crítica da emancipação política à crítica ao sistema dualista de direitos. Marx dedica quase que todas as páginas finais da primeira parte de sua crítica a Bruno Bauer à consideração dos direitos humanos universais (que Bauer, como já adiantamos, havia restringido apenas àqueles que por eles lutaram, sendo que os judeus não se encontravam entre eles).

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Sobre estes direitos universais, Marx se debruça colacionando várias cartas como as declarações francesas de 1791, 1793 e 1795 ou as constituições de estados norte-americanos, como as da Pensilvânia ou de Nova Hampshire. Sua dedicação beira o óbvio, mas é justamente daí que retira o que de mais profundo poderíamos conceber em sede desta análise, a distinção entre direitos do homem e do cidadão.

Os direitos políticos do cidadão referem-se à constituição de direitos, enquanto que os direitos civis do homem apenas são declarados. Estamos sugerindo, portanto, que a inversão de Marx, que desvela a cidadania como conjunto de direitos universais fictícios, baseados efetivamente no homem real e seus direitos que lhe garantem o egoísmo (tornando-se, assim, o burguês a universalidade material da universalidade irreal do cidadão),aponta para uma diferença (sinuosa e titubeante) entre direitos que meramente se reconhecem e direitos que criam dever-ser, vale dizer, declaração de direitos e constituição de direitos.

Diz Marx: “o seu conteúdo [dos direitos políticos] é constituído pela participação na comunidade, mais precisamente na comunidade política, no sistema estatal”. [Nota 190] Di-lo após assinalar que “diante de sua própria consciência o Estado cristão oficial é um dever-ser”. [Nota 191] É certo que esta consideração reporta-se à dissociação entre o homem religioso e o cidadão, concluindo daí que “essa dissociação não é uma mentira frente à cidadania, não constitui uma forma de evitar a emancipação política, mas é a própria emancipação política". [Nota 192] Quer dizer, essa dissociação é própria de um “estado completo”, em que aparece a “religião entre seus pressupostos”, não precisando ser professado oficialmente. Logo, aqui a religião é apenas reconhecida, declarada como direito (como aliás o foi nas cartas francesas pós-1789, por exemplo). O “estado completo” se antitetiza ao “estado incompleto”, em que, aí sim, há a necessidade de “declarar a religião como seu fundamento” [Nota 193] e, conseqüentemente, criar um dever-ser, constituindo direitos.

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O estado completo realiza a emancipação política porque reconhece direitos pressupostos a sua realização, não precisando constituí-los, mas apenas declarando-os. É claro que fica parcialmente confusa esta distinção quando pensamos que as fontes diretas com as quais trabalha Marx são "declarações" de direitos (como a Déclaration des droits de l'homme et du citoyen, por vezes conhecida como Constitution) ou "constituições" de estados (como nos casos da Constitution of Pennsylvania ou da Constitution of New Hampshire), mas isso não impede que deixemos a superfície nominal e cheguemos às profundezas da questão.

Diante da criação de direitos que o estado impõe, Marx rejeita sua análise medular porque já havia refutado, no contexto da questão judaica, a necessidade da superação da religião para se os conquistar. Por isso, encaminha sua atenção para os direitos do homem, na esfera da sociedade burguesa.

Diz novamente Marx: "os assim chamados direitos humanos, os droits de l'homme, diferentemente dos droits du citoyen, nada mais são do que os direitos do membro da sociedade burguesa, isto é, do homem egoísta, do homem separado do homem e da comunidade". [Nota 194] Este "homem" no geral é o pressuposto, para retomar a argumentação acima, da emancipação política. Marx inclusive chama este pressuposto de "essência" da relação entre estado e sociedade civil. E quais direitos o homem-membro-da-sociedade-burguesa tem? Basicamente, liberdade, propriedade, igualdade e Bentham!

Da redação deste texto de 1843 à de O capital, Marx apenas altera a ordem dos direitos elencados 9além de uma nuança de sentido no direito-Bentham): naquela, propriedade vem antes da igualdade, ao contrário desta. O constitucionalismo (para nós, talvez fosse melhor dizer por enquanto “declaracionismo”) liberal tem por ponto de partida o direito à liberdade, a “liberdade do homem como mônada isolada recolhida dentro de si mesma", ou seja, a “separação entre um homem e outro” como direito. Por sua vez, “a aplicação prática do direito humano à liberdade equivale ao direito humano à propriedade privada”. [Nota 195] Marx, assim, busca esquadrinhar “a base da sociedade burguesa" e, se não nomeou ainda o proletariado como a "força mediatriz da

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universalização concreta”, já encontrou a estrutura contra a qual se colocar - a vida material e terrena, que não é a vida genérica e celestial do estado político.

Como a principal crítica de Marx aqui se apresenta em função da denúncia do “fetichismo dessa mercadoria especial que é o dinheiro” [Nota 196] - e não do entendimento de que as relações sociais (portanto, na sociedade burguesa) sāo mercantis antes de monetárias - a igualdade sucede a propriedade privada no rol de sua crítica aos direitos humanos. A igualdade apenas aparece como repristinação da liberdade do homem mônada, e não como condição de análise do sujeito de direito (que se sustenta sobre a forma da igualdade jurídica). O homem mônada, portanto, é livre para dispor de sua propriedade e todos são iguais perante a lei, formalmente. Talvez a formulação que antecipe a igualdade em face da propriedade seja mais pertinente uma vez que a troca de mercadorias pressupõe a igualdade formal entre os sujeitos de direito.

Por fim, o reconhecimento por excelência de um direito: “a segurança é o conceito social supremo da sociedade burguesa, o conceito da polícia, no sentido de que o conjunto da sociedade só existe para garantir a cada um de seus membros a conservação de sua pessoa, de seus direitos e de sua propriedade”. [Nota 197] A conservação da vida terrena (“de sua pessoa”) não pode ser um direito constituído, mas tão somente reconhecível. Seria incoerente, sob o prisma da sociedade burguesa, querer constituir esta vida mesma - uma vez mais, no estado completo, ela é seu pressuposto. Eis o motivo pelo qual podemos aproximar Bentham e a segurança individualista, não apenas pelo panoptismo por ele inaugurado, mas, principalmente, por representar a útil felicidade do homem mônada.

Não sejamos mal compreendidos sobre esta interpretação que distingue, a partir de Sobre a questão judaica, direitos declarados (como nada mais que reconhecíveis) e direitos constituídos (que criam deveres-seres não pressupostos). A dicotomia declaração-constituição é própria da teoria do direito mais tradicional. Ela povoa, de algum modo, o discurso crítico marxiano. No entanto, não se impõe a ele como verdade, mas antes como aparência, justamente porque é o próprio Marx que coloca em xeque o "espírito do capitalismo”,

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pré-weberianamente concebido como a ética do "judaísmo” [Nota 198] - expressão usual à época para designar a sociedade do capital, sendo que não haveria maior sociedade judaica do que a cristã.

Desse modo, a crítica à emancipação política, que Marx desenvolve, repercute como crítica às funções declaratória e constitutiva dos direitos do homem e do cidadão, respectivamente. Ao não rejeitar completamente a emancipação política, única emancipação possível dentro da ordem, defende - como de fato o fez - o reconhecimento dos direitos dos judeus, sem perder de vista que este reconhecimento é próprio do estado completo, que pressupõe a liberdade religiosa, assim como a liberdade proprietária. Como o estado completo convive tanto com a alienação religiosa quanto com a alienabilidade da propriedade privada, sua emancipação não é a almejada emancipação humana. Esta

[Inicio da citação] só estará plenamente realizada quando o homem individual real tiver recuperado para si o cidadão abstrato e se tornado ente genérico na qualidade de homem individual na sua vida empírica, no seu trabalho individual, nas suas relações individuais, quando o homem tiver reconhecido e organizado suas "forces propres" como forças sociais e, em consequência, não mais separar de si mesmo a força social na forma da força política. [Nota 199] [Final de citação]

Vida empírica, trabalho, relações e forças sociais - todo um prólogo a uma preocupação econômica que virá e que sistematizará essas positividades em face das negatividades, já citadas por nós, incubadas nas idéias de dinheiro, mercadoria e valor singular e universal.

Esta sistematicidade é o exato caminho que absorve a produção teórica de Marx entre 1844 e 1875 (basta lembrar que O capital é de 1867 e que, dez anos antes, já havia iniciado a redação dos Grundrisse). No meio desta trajetória, o rigor da análise do capital e, inclusive, do fenômeno jurídico (como vimos no item anterior). No entanto, tomando por fio condutor a passagem da emancipação humana para o horizonte comunista, passamos do pólo magnético da crítica jurídica inicial, ainda imersa no apego à filosofia política, representado por Sobre a questão judaica, para outro, o da Crítica do Programa de Gotha, em que o direito já vai ser visto em todas as suas limitações, emergidas da

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crítica à economia política e da experiência da Comuna de Paris de 1871, mas surpreendentemente vaticinado para o primeiro momento da sociedade comunista, que ainda não realizou seu princípio fundamental. É sobre isso que discorreremos a partir de agora.

  1. O estreito horizonte jurídico como síntese

Se em Sobre a questão judaica o problema do direito é atacado em sua forma aparente (ainda que a função declaratória se aproxime mais das formas jurídica essencial e fundante [forma transitiva 1] e, só por isso, já apresente interessantes mediações para se entender o fenômeno), no texto de 1875, redigido com finalidade política imediata, o jurídico é considerado em toda sua complexidade.

Na verdade, Crítica do Programa de Gotha é uma ode contra o “socialismo de estado”. Com mais de dez anos acumulados de organização da Associação Internacional dos Trabalhadores, Marx já havia polemizado com os anarquistas e com os lassallianos. No entanto, em 1875 houve a possibilidade de unificação dos dois partidos operários alemães, criados em 1863 e 1869, um encabeçado por Ferdinand Lassalle, outro por três “dirigentes socialistas próximos de Marx" [Nota 200] - Wilhelm Liebknecht, Wilhelm Bracke e August Bebel. Respectivamente, então, a Associação Geral dos Trabalhadores Alemães (ADAV) e o Partido Social-Democrata dos Trabalhadores (SDAP) tornar-se-iam o Partido Operário Socialista da Alemanha, a partir do Congresso de Gotha.

Marx percebe, entretanto, a hegemonia das teses de Lassalle e, apesar de não se opor à unificação partidária, critica os termos em que ela estava sendo conduzida. Reconhecendo que “cada passo do movimento real é mais importante do que uma dúzia de programas”, não deixa de apresentar seu convencimento sobre o esboço do programa: “é absolutamente nefasto e desmoralizador para o partido”. [Nota 201]

Os termos da crítica levam em conta várias elaborações que são ou lacunosas ou equivocadas ou mal-intencionadas. São equivocadas quando, por exemplo, desconsideram a natureza como fonte de riqueza, atribuindo ape

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nas ao trabalho esta característica. São lacunosas quando afirmam o trabalho mas não denunciam a “lei de toda a história até o presente”, a de que “na medida em que o trabalho se desenvolve socialmente e se torna, desse modo, fonte de riqueza e cultura, desenvolvem-se a pobreza e o abandono do lado do trabalhador, a riqueza e a cultura do lado do não trabalhador”. [Nota 202] Mas são mal-intencionadas quando excluem das classes antagônicas os proprietários fundiários e das classes aliadas os artesãos, os pequenos industriais e os camponeses: “desse ponto de vista, é também um absurdo dizer que as classes médias, 'juntamente com a burguesia' e, sobretudo, com a aristocracia feudal, 'formam uma só massa reacionária' diante da classe trabalhadora”. [Nota 203] Marx, definitivamente e a contragosto de muitos de seus críticos, não reduzia a sociedade a apenas duas classes, apenas encontrava na oposição de duas destas classes a dinâmica geral do desenvolvimento capitalista.

Ainda ao nível da “canonização dos artigos de fé lassallianos", Marx acentua que as fórmulas do “fruto do trabalho” e do “igual direito”, presentes já na primeira cláusula do esboço do programa, colocavam em primeiro plano a questão da distribuição como panacéia dos problemas sociais (sem incidir nas questões referentes à produção e, portanto, à essência da sociedade capitalista) e da regulação estatal, configurando propriamente um socialismo “vindo de cima”. Para Michael Löwy, é neste contexto que se demonstra “o que verdadeiramente está em jogo no conflito entre Marx e o 'lassallismo': de um lado, a ajuda do Estado, a intervenção da realeza prussiana; de outro, a ação autônoma do movimento operário real e a transformação revolucionária da sociedade”. [Nota 204]

Com o foco na “regulação cooperativa” e na "distribuição justa”, o pré-programa perde de vista que “são as relações jurídicas que derivam das relações econômicas”. [Nota 205] A partir disto, Marx se sente obrigado a enfrentar, de perto, o significado do “igual direito” presente no esboço. Com isso, entramos nós também no segundo pólo magnético da análise marxiana do fenômeno jurídico.

Como um programa partidário deve anunciar um horizonte social que não se reduza à estreiteza do contexto em que se vive, Marx defende que a tese

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da regulação (estatal) cooperativa obstrui a visualização de uma “sociedade comunista". Sua ênfase, porém, não é utopista, uma vez que o que interessa nesta perspectiva é a transição da sociedade comunista "como ela acaba de sair da sociedade capitalista", com as "marcas econômicas, morais e espirituais” inevitáveis a toda transição. Uma visão meramente utópica sublinharia como a sociedade comunista" se desenvolveu a partir de suas próprias bases” e, inegavelmente, perderia as mediações necessárias para a superação material do capitalismo, por vezes reafirmando-o.

Daí a famosa distinção que Marx realiza entre uma primeira fase do comunismo e uma fase superior, entre um "período político de transição", caracterizado pelo estado como "ditadura revolucionária do proletariado” [Nota 206] (portanto, o estado subsumido ao processo revolucionário transitório), e o comunismo propriamente dito.

Muitos fizeram questão de rearticular esses grandes momentos, de descrição abstrata, em que Marx sinaliza a superação da sociedade regida pelo capital. Contudo, se a descrição do futuro é abstrata, como não poderia deixar sob pena de se cair na armadilha do socialismo utópico, a oposição ao que é abstrato tem maior nível de concretude. Por isso mesmo, Engels, Lênin, Pachukanis ou Rosdolsky, para citar apenas alguns exemplos, acentuam que este contraponto crítico reside na questão do direito.

Em duas páginas, Marx dá seu arremate sobre a problemática jurídica. Se antes a emancipação política se diferenciava da emancipação humana porque a linguagem da primeira se expressa por direitos, agora a sociedade comunista percebe que "todo direito" é "um direito da desigualdade”. [Nota 207] Não faz sentido apostar na regulação estatal, porque toda regulação estatal depende de "um padrão igual de medida” [Nota 208] que torne iguais os desiguais.

Marx assinala que o “estreito horizonte jurídico burguês” só será ultrapassado quando o princípio comunista superar o padrão igual de medida, o trabalho proporcionalmente fornecido. Tal princípio assim se expressa: “de cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades”. [Nota 209] 

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Do trabalho calculado por tempo, passar-se-á ao binômio capacidades-necessidades (inclusive, no plural). Portanto, o “estreito horizonte jurídico burguês" (enge bürgerliche Rechtshorizont) deve ser entendido como o horizonte burguês que é juridicamente estreito, ou ainda, que é estreito porque é jurídico, na medida em que a troca de equivalentes, sob o capitalismo, é precipuamente troca de mercadorias.

É sob estas lentes que se deve interpretar a assertiva de Marx na esteira da transição da sociedade capitalista para a socialista, a qual, reconheçamos, abriu muita margem para se afirmar um direito não burguês: “por isso, aqui, o igual direito é ainda, de acordo com seu princípio, o direito burguês, embora princípio e prática deixem de se engalfinhar, enquanto na troca de mercadorias a troca de equivalentes existe apenas em média, não para o caso individual”. [Nota 210]

Em nenhum momento, Marx defende que na sociedade comunista plena haverá outro horizonte jurídico, diferente do burguês. Ao contrário, afirma que o horizonte jurídico burguês permanecerá na fase comunista transitória (o que acabou sendo identificado, posteriormente, com o socialismo) já que o trabalho (e não mais o valor das mercadorias) permanecerá como padrão de medida. Segundo ele, “distorções inevitáveis”, afinal “o direito nunca pode ultrapassar a forma econômica e o desenvolvimento cultural, por ela condicionado, da sociedade”. Assim, na “fase superior da sociedade comunista” não subsistirá o trabalho como padrão de medida justamente porque a tirania da “divisão do trabalho” terá definhado, assim como o trabalho vivo terá “deixado de ser mero meio de vida” para se tornar “a primeira necessidade vital”. Se não persistirá o trabalho como padrão de medida e se não haverá necessidade de nenhum outro padrão como este, não faz sentido se falar em um novo horizonte jurídico, já que “o direito teria de ser não igual, mas antes desigual”. [Nota 211] O direito desigual é uma contradição performativa, só válida nominalmente, e que só tem paralelo na tentativa inconsciente de se encontrar a forma do valor de uso, assim como a forma do valor é o valor de troca. [Nota 212] 

  1. Crítica, transição e extinção do direito

O que nos resta, todavia, a discutir do caminho que nos levou da crítica à emancipação política até o princípio da sociedade comunista? O direito entre dois pólos é mais do que o direito entre 1843 e 1875, é o direito criticado no âmbito da cisão humana entre o burguês (seguramente deletéria universalidade real) e o cidadão (pretensamente positiva universalidade fictícia) mas também o direito potencialmente extinguível ainda que remanescente na transição revolucionária. Marx foi peremptório: “revoluções não são feitas por meio de leis", ainda que não tenha desprezado a luta por direitos. “Evidentemente, Marx considerava um avanço social a conquista de direitos civis pelos judeus. Mas a questão central é outra: a luta pelos direitos civis não resolve a estrutural alienação humana”. [Nota 213] A luta por direitos é a objetivação social da crença na emancipação política. Vimos, porém, que esta emancipação pressupõe a sociedade burguesa, a partir de seu estado completo, ou seja, pressupõe o sistema material de desigualdades que se igualam formalmente, no âmbito do estado. Estranha crença, aliás, que deposita todas as suas fichas na automatização estatal (o “fetichismo de estado”, de que falava Marx): se minha alteridade e meu rosto são garantidos pelo estado, logo estou protegido! Nesse sentido, a "crítica do céu” que se torna “crítica da terra” - a frase da Introdução de 1844 continua: “a crítica da religião em crítica do direito, e a crítica da teologia em crítica da política” [Nota 214] - permanece mais do que válida.

Sempre que o horizonte for apenas o da emancipação política, a limitação à emancipação humana estará dada. Por outro lado, apontar o nariz para a emancipação humana e esquecer o mundo concreto que se lhe antepõe é perder a chance de intervir na realidade mais imediata e construir a ponte que levará ao novo. Via de regra, a crítica jurídica ou recai em um ou em outro destes extremos. Os pólos da crítica indomesticável à sociedade concreta e da materialíssima transição que torna possível superar esta mesma sociedade são indissociáveis. Trata-se, pois bem, de uma síntese que absorve a crítica político-jurídica, em suas possibilidades e limites, e a projeção do princípio comunista, da transição à meta optata.

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Sendo assim, resgatemos uma interpretação que amplia este debate para o horizonte atual, bem como para as lutas sociais das quais as análises marxianas foram, a seu tempo, lentes precisas:

[Inicio da citação] o mesmo vale, diríamos nós, para os movimentos sociais de defesa das "minorias" surgidos na segunda metade do século 20. São movimentos progressistas, sem dúvida, mas não resolvem a reivindicação maior da emancipação humana, reclamada pelo jovem Marx, ou da sociedade sem classes, proposta em suas obras de maturidade. [Nota 215] [Final da citação]

Apenas uma visão de totalidade, ainda que lastreada pela opção de classe, compreenderá os limites de toda e qualquer reivindicação do direito dentro da ordem. Isto não impede, entretanto, que se leve às últimas conseqüências estes mesmos combates ordinários, pois só assim, também, a de transição será um elemento factível do desenvolvimento das lutas sociais. Prova-o toda a movimentação operária do século XIX, assim como os movimentos populares do século XX. Cabe-nos, pelo menos, compreender o seu papel nesta história de estruturas alienantes somente ultrapassáveis pela "autoemancipação revolucionária do proletariado", [Nota 216] teoria perfilhada por Marx.

  1. Movimento operário entre a legalidade e a ilegalidade: projeto revolucionário dentro e fora da ordem ilegalidade:

Da economia política à filosofia política, onde viceja a crítica marxiana ao direito, manejamos um arsenal teórico fundamental para a compreensão das relações sociais em sua totalidade. Agora, entrementes, cabe-nos a tarefa de trabalhar com ferramentas sociológicas deste arsenal que nos permitirão chegar a algumas especificidades deste todo. Estamos nos referindo à abordagem de Marx, mas também de Engels, sobre os movimentos operários e, em sua esteira, à relação entre direito e organização política, a qual desembocará em uma análise possível dos chamados movimentos sociais ou populares.

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Quando analisamos O capital, de Marx, evidenciamos que o direito tem uma forma essencial e outras aparentes. A forma jurídica (essencial, quer dizer a essência da forma) é imanente à forma mercantil e, neste sentido, umbilicalmente ligada ao capital. Já a forma aparente foi confundida com outras formas históricas, para as quais se deu nome idêntico, o que permitiu com que estas suas supostas metamorfoses fizessem dela um índice de universalidade para visões as mais diversas, desde as metafísicas até as empiristas, chegando mesmo a algumas perspectivas críticas. A regulação estatal, portanto, assume as vezes de uma universalidade - assim como, aliás, todo o imaginário burguês - que faz da lei um possível alvo de reivindicações ao mesmo tempo em que garante, sobejamente por sinal, a liberação das forças produtivas que rearranjam as relações de produção, especialmente sob a égide de uma exploração do trabalho adaptada, à qual Marx deu o nome de mais-valia relativa.

Se, de um lado, a mais-valia absoluta prolonga, por exemplo, a jornada de trabalho de maneira aberta - e esta é a história contra a qual o movimento operário se debateu no século XIX -, por outro lado, é a mais-valia relativa que intensifica a produção, dado, inclusive, um tempo fixo de trabalho. Ao ativar-se a mais-valia relativa torna-se possível o desenvolvimento da divisão do trabalho que antes baseava-se em uma cooperação simples (ou seja, de modo algum tem o trabalhador individual em si a mesma significação que o trabalhador individual inserido no trabalho coletivo) e, em seguida, realizou-se na manufatura e depois na maquinaria e na grande indústria.

Há, aí, portanto, todo um caminho de análises possíveis acerca do papel que desempenha a forma jurídica aparente em face do desenvolvimento industrial. Ainda que não devamos tomar por diretamente proporcionais as relações entre direito (e suas formas) e forças produtivas, podemos sim estabelecer conexões que nos permitam compreender em que medida as relações jurídicas são impactadas e ao mesmo tempo impactam as relações sociais.

Daí aportarmos no debate que nos impulsionará, no último capítulo (volume 2), à fundamentação da relação entre direito e movimentos sociais. Por ora, fiquemos com as indicações de Marx, em O capital, bem como com as pioneiras formulações de Engels, em livro escrito na sua juventude, A situação da classe trabalhadora na Inglaterra.

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  1. Movimento operário e a ênfase objetiva de Marx

Partindo de Marx, vemos que a criação de uma “população operária excedente” [Nota 217] é a porta de entrada para se compreender a constituição de uma mobilização operária, ainda que não seja o seu momento genético. De fato, a expropriação do trabalhador com relação a seus meios de produção bem como a submissão de sua energia vital a uma estrutura social de opressão são seus verdadeiros pontos de partida - aquela expropriação já caracterizando o capitalismo e esta submissão sendo uma tônica da história, “em resumo, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada”. [Nota 218] Não devemos, é evidente, tomar esta interpretação como sintoma de determinismo de qualquer espécie (historicista, mecanicista, etapista ou fatalista), mas sim como denúncia, ainda que com os olhos do século XIX europeu, de realidades sociais que permitem subsistir a opressão, ou seja, não se denuncia a história da luta de classes porque esta seja uma característica eterna da história, mas, ao contrário, por não haver história eterna é que se deve denunciar a história da luta de classes.

Ainda que fosse sedutor descortinar o passo-a-passo da organização dos oprimidos contra seus algozes estruturantes, para refazer modernamente a história dos movimentos sociais, seria relativamente inócuo ou infactível. Primeiro, porque já ultrapassamos o cânone eurocêntrico de análise historiográfica e não poderíamos nos centrar apenas no ocidente; segundo, porque a perspectiva de totalidade não pode ser confundida com o “tudo” dos discursos universalistas; terceiro, porque nos seria impossível em sede da pesquisa à qual nos estamos propondo aqui. Tendo isto em mente, lembremos de Bloch e sua ode a Thomas Münzer, o teólogo da revolução: “o mesmo movimento liberante se cria aqui, redemoinha tangencialmente o gênero efervescente impulsionando-o para longe” e anuncia que, “ainda inaudita, a história subterrânea da revolução aguarda sua obra, já iniciada no curso correto”. [Nota 219] Um destes capítulos diacrônicos é, sem dúvida, fruto dos movimentos de trabalhadores que se iniciaram no século XIX e que impactariam decisivamente o século XX.

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Para Marx, a jornada de trabalho é o vetor por meio do qual os proletários iniciam sua resistência histórica, tão logo se conscientizam de qual seu inimigo principal, o modo de produção capitalista. É certo que esta tomada de consciência se dá em espiral e suas marchas e contramarchas dependem da complexa conjuntura que cada tempo histórico apresenta. Ainda assim, as contraditórias relações sociais que se estabelecem entre o operariado, urbano e rural, no sentido de sua organização política e social, passam pelos impactos que o capitalismo gera em suas vidas, impactos estes não meramente objetivos nem tampouco apenas subjetivos. Neste ponto é importante explicar do que estamos tratando - se de uma constatação objetiva sobre o fato de que os trabalhadores passaram a se organizar por reação às condições econômicas que lhes foram impostas ou se de uma projeção intersubjetiva baseada na necessidade de ultrapassagem das relações instauradas pelo capitalismo, no caso, industrial. Efetivamente, estamos buscando elementos que constatem a existência do movimento operário mas sem que isso dispense a obrigatória construção de um projeto revolucionário dos trabalhadores. Os dois aspectos não subsistem um sem o outro.

Pois se assim é, podemos deduzir que também Marx levou isto em conta quando afirmou que “o movimento de trabalhadores surgido instintivamente das próprias condições de produção” lançou-se, dentro da ordem, no combate pela limitação da jornada de trabalho e, só a partir disso, pôde se constituir em uma classe, compartilhando não só das mesmas condições de produção, mas também de ideários comuns, mesmo que por vezes parcelados, ao gosto da ideologia dominante. Isto porque, necessariamente (e Marx diz: “é preciso reconhecer"...), “nosso trabalhador sai do processo de produção diferente do que nele entrou”. [Nota 220] Acreditamos que sublinhar esta diferença não deva ser sinônimo de alumbramento com o desenvolvimento capitalista, como querem muitos dos críticos de Marx, mas tão somente o “reconhecimento” de um fenômeno real, que alavanca, exigindo custo altíssimo por isso, a organização da luta popular.

Marx, portanto, é explícito, e fala em “movimento dos trabalhadores”, mas não se deve depreender de suas afirmações quaisquer tipos de romantismos: “abstraindo um movimento dos trabalhadores que cresce cada dia mais ameaçadoramente, a limitação da jornada de trabalho nas fábricas foi ditada pela

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mesma necessidade que levou à aplicação do guano nos campos ingleses”, [Nota 221] ou seja, o desgaste moral e físico máximo dos trabalhadores (assim como a mortificação das terras).

Assim, entre agitações e lutas concretas, “levanta-se a voz do trabalhador”, [Nota 222] mormente (e não só, de início) exigindo direitos, portanto igualação no padrão de medida, o que faz subsistir a desigualdade material. Aqui está o sentido forte da crítica marxiana ao direito: a relação jurídica, como essência da forma jurídica, exige a existência de uma relação social que se baseie em um acordo de vontades materialmente desiguais, mesmo que formalmente equivalentes. Logo, a luta por direitos, mesmo aqueles esculpidos nas mais bem redigidas das legislações ou dos precedentes judiciais, implica, no modo de produção capitalista, assegurar esta desigualdade material. Sendo assim, quando o movimento dos trabalhadores se dá conta disto não pode fazer outra coisa senão ancorar o seu futuro em uma luta fora da ordem. De outro lado, contudo, como o futuro pertence ao desenvolvimento da história e é muito penosa a inanição no tempo presente, a luta dentro da ordem não perde toda a sua significância. Por isso, a luta pela jornada normal de trabalho ou, como avistamos hoje, pela redução da jornada de trabalho, é ao mesmo uma intervenção no estado real contemporâneo, ainda que não possa ser plenamente realizado, mesmo que sim nominalmente. As conquistas plenas dentro da ordem são necessária e extraordinariamente vitórias que aguçam o que está para além de a ordem, daí serem tão raras.

Já resgatamos anteriormente o que foi a conclusão de Marx acerca da conquista de uma jornada normal de trabalho, garantida legalmente: uma reação da sociedade, vista sob a ótica da multifacetada constituição dela mesma. Aqui, Marx aproxima as conclusões dos capítulos VIII e XIII do volume 1 de O capital, demonstrando que a maior exploração da classe trabalhadora gera reação social (da sociedade) em favor da limitação da jornada laboral, o que implica aumentar a exploração do trabalho dentro da jornada limitada. Por esta característica, a luta pela limitação da jornada de trabalho, o movimento social não consegue extravasar a ordem.

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Dentro deste contexto, ainda que se apresentem os entraves até agora aludidos, a mobilização operária tem o seu primeiro grande amadurecimento ao perceber-se como fruto da reprodução ampliada do capital. A mais-valia se torna capital quando o trabalho presente se transforma em trabalho passado, tornando desnecessário, sob os auspícios de uma mesma submatriz tecnológica, o aumento de emprego de mais força de trabalho. Isto perdura até a próxima inovação da tecnologia quando se deverá arregimentar nova população operária e tanto mais bem desenhado estará este processo quanto mais rapidamente esta superpopulação possa cerrar fileiras em favor do capital. Eis aí a importância do chamado “exército industrial de reserva”.

É nesta seara que encontramos os elos entre os capitalismos do século XIX e XXI, por conta de sua característica disposição da força de trabalho humana a seu bel prazer, de suas constantes inovações tecnológicas, de seu processo contínuo de desvalorização decorrente do emprego decrescente de trabalhadores e da ascensão do capital financeiro como substituto inevitável do capital produtivo.

Não é à-toa que Marx destaca o problema da população supérflua em um tópico destinado à “luta entre trabalhador e máquina”:

[Inicio da citação] o trabalhador torna-se invendável, como papel-moeda posto fora de circulação. A parte da classe trabalhadora que a maquinaria transforma em população supérflua, isto é, não mais imediatamente necessária para a autovalorização do capital, sucumbe, por um lado, na luta desigual da velha empresa artesanal e manufatureira contra a mecanizada, inunda, por outro lado, todos os ramos mais acessíveis da indústria, abarrota o mercado de trabalho e reduz, por isso, o preço da força de trabalho abaixo de seu valor. Para os trabalhadores pauperizados, deve ser grande consolo acreditar, por um lado, que seu sofrimento seja apenas “temporário” (a temporary inconvenience), por outro, que a maquinaria só se apodere paulatinamente de todo um setor da produção, ficando reduzida a dimensão e a intensidade de seu efeito destruidor. Um consolo bate o outro. Onde a máquina se apodera paulatinamente de um setor da produção, produz miséria crônica nas camadas de trabalhadores que concorrem com ela. Onde a transição é rápida, seus efeitos são maciços e agudos. [Nota 223] [Final da citação]

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A automatização da produção, gradativamente, absorve o trabalho operário e dispensa sua atuação no chão da fábrica. Mas ele está lá, embalsamado às avessas. A ligação entre a organização dos trabalhadores e o processo de desenvolvimento capitalista se dá pela criação do refugo temporário de operários, a superpopulação supérflua, um verdadeiro exército industrial de reserva.

A acumulação de trabalhadores nos centros urbanos industriais (e comerciais) do capitalismo gera a necessidade de expropriação do antigo artesão europeu, assim como dos camponeses. Esse acúmulo, por sua vez, significa dar vida a, no longo prazo, uma lei econômica que faz com que os trabalhadores estejam à disposição dos proprietários industriais. Sob o ponto de vista destes últimos, as grandes taxas de desemprego, ao menos no período clássico de desenvolvimento do capitalismo central, não significam outra coisa senão o resultado do progresso do capital.

Se antes, em conformidade com o processo de acumulação primitiva do capital, fazia-se de um tudo para que os homens fossem obrigados a trabalhar para outrem que não eles mesmos (período clássico da expropriação), agora é o caso de obrigar o proletariado a não trabalhar, mesmo que para si mesmo, quando for supérfluo para a classe burguesa.

Da obrigação do sim à obrigação do não, os trabalhadores sem autonomia da vontade, no plano material, vão descobrindo as causas de seus problemas. Marx enfatiza o ponto alto desta descoberta, que para nós será a chave de compreensão do movimento operário sob a ótica marxiana, na revolta contra as máquinas, quando, portanto, “o trabalhador combate o próprio meio de trabalho”. [Nota 224] É o período da grande indústria que instaura, assim, os movimentos sociais de trabalhadores.

Não pode haver dúvidas de que mobilizações sociais sempre houve (e já o dissemos quando resgatamos o exemplo blochiano de Münzer), caso contrário a percepção de que o motor da história é a luta de classes estaria falseada. No entanto, apenas com a pretensão de universalização do modo de produção que concentra e centraliza os meios de trabalho é que se cria o que convencionamos, modernamente, chamar de movimentos sociais. É difundido na literatura sociológica que o primeiro intérprete a utilizar esta expressão teria sido o alemão Lorenz von Stein, em seus livros O socialismo e o comunismo da 

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França atual (1842) e A história do movimento social na França (1850). Marx é leitor de primeira hora da obra de 1842, escrita por Stein. [Nota 225] Em suas críticas, encontradiças já em A sagrada família, apresenta-se a limitação exegética de Stein ao movimento socialista francês, sendo importante também resgatar o similar inglês. Engels, como veremos, se debruça teoricamente sobre a questão social inglesa, no livro A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, publicado em 1845, e já aponta para os movimentos operários deste contexto. Marx, por sua vez, pôde desenvolver a questão em seu O capital, mais de vinte anos depois (citando várias vezes, inclusive, o texto de Engels).

Segundo Marx, “a destruição maciça de máquinas”, provocada pelos ludditas, serviu de corolário de um processo iniciado em pleno século XVII de “resistência popular”, nas palavras do alemão. Ao mesmo tempo, provocou “as mais reacionárias medidas de violência” do governo inglês, caracterizado por Marx como “antijacobino”. [Nota 226]

Neste contexto, Marx salpica sua descrição crítica com referências a revoltas, revoluções, guerras civis, greves. O mais interessante é notar que o aumento da produção leva à diminuição dos postos de trabalho, justamente após se ter operado o processo de expropriação das classes subalternas. Deste modo, “a miséria temporária” se torna uma constante conforme os ciclos de desenvolvimento tecnológico, o que faz da maquinaria “uma potência hostil ao trabalhador” e “a arma mais poderosa para reprimir as periódicas revoltas operárias, greves etc., contra a autocracia do capital”. [Nota 227] 

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Daí surgir, do emaranhado de fatos históricos que caracterizam o início do século XIX, um movimento social de trabalhadores que, se por um lado reivindica melhores condições de trabalho e salário, por outro rebela-se contra o elemento mais sensivelmente objetivo que não lhe permite continuar sendo explorado a partir daquelas condições de trabalho e salário: “poder-se-ia escrever toda uma história dos inventos que, a partir de 1830, surgiram apenas como armas do capital contra motins operários”. [Nota 228] A nosso ver, prova significativa, digamos uma vez mais, de que Marx sempre manteve uma distância crítica para com o desenvolvimento “civilizatório” do capitalismo.

As “reações violentas” [Nota 229] são um marcador constitutivo do movimento operário, ainda que não sua única modalidade. Justamente por não ter face homogênea, a ação operária a partir de suas mobilizações é a continuidade necessária da reflexão que envidamos com a problemática da forma jurídica. As reivindicações proletárias inserem-se dentro da ordem. Podemos dizer que, em última instância, reivindicam direitos, como hoje se diria. Nesse sentido, reivindicam uma menor exploração (portanto, o trabalho assalariado com garantias) ou o combate à miséria (logo, contra as oscilações anárquicas do exército de reserva). Mas o que nos interessa é observar que ao se aprofundarem estas reivindicações, exatamente por conta de sua não realização relativa, abre-se brecha para o “colorido caos de formas de transição” [Nota 230] que o “revolucionamento do modo social de produzir” gera.

Para Marx, o exército industrial de reserva é “durante parte do ano dizimado por um trabalho forçado desumano, enquanto durante outra parte está na miséria por falta de trabalho” [Nota 231] e eis aqui a contradição na qual nos localizamos. Nada mais necessário do que a regulamentação da jornada de trabalho, que racionaliza a exploração do trabalhador já assalariado assim como distribui, também um pouco mais racionalmente, os postos empregatícios.

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Ao mesmo tempo, porém, a legislação fabril representa a “ruína dos pequenos mestres, bem como a concentração do capital”. [Nota 232] Em realidade, “o exército industrial de reserva representa elemento estrutural indispensável ao modo de produção capitalista”, porque serve de “regulador do nível geral dos salários” e de garantidor de "mão-de-obra suplementar”. [Nota 233]

Como o processo de acumulação do capital implica a sua concentração e centralização, ou seja, expropriação do trabalhador e concorrência entre capitais com prevalência dos maiores dentre eles, a composição orgânica do capital (relação entre capital constante e capital variável) aumenta, justamente porque diminui tendencialmente a quantidade total de trabalhadores assalariados. Marx extraiu daí a conclusão de que isto levaria a uma queda tendencial da taxa de lucro, porque o capital só se valoriza com trabalho presente (o trabalho passado, portanto, é manifestação de desvalorização). Logo, todas estas questões se conectam com a “produção progressiva de uma superpopulação relativa”,[Nota 234] a qual instaura, inclusive, a concorrência no seio da classe operária.

Pois bem, a diminuição da demanda de trabalho, decorrente do desenvolvimento tecnológico, resulta em menos trabalhadores nos círculos produtivos do capital, o que significa a produção de um exército industrial de reserva crescente que é a "alavanca da acumulação capitalista”. [Nota 235] Os desempregados ou semi-empregados surgem como realidade inafastável, levando à conseqüência da encruzilhada histórica: revolução socialista ou barbárie (hoje, quiçá, extinção da vida). Por isso, bastante relevante é a seguinte observação de Marx:

[Inicio da citação] assim que, portanto, os trabalhadores desvendam o segredo de como pode acontecer que, na mesma medida em que trabalham mais, produzem mais riqueza alheia, e que na medida em que a força produtiva de seu trabalho cresce, até mesmo sua função de meio de valorização do capital se torna cada vez mais precária para eles; assim que descobrem que o grau de intensidade da concorrência entre eles depende inteiramente da pressão da superpopulação relativa; assim que eles,

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então mediante Trade's Unions etc., procuram organizar uma atuação conjunta planejada dos empregados com os desempregados para eliminar ou enfraquecer as ruinosas conseqüências daquela lei natural da produção capitalista sobre sua classe, o capital e seu sicofanta, o economista político, clamam contra a violação da “eterna” e, por assim dizer, "sagrada” lei da demanda e oferta. É que toda solidariedade entre os empregados e desempregados perturba a ação "livre" daquela lei. Por outro lado, assim que, nas colônias, por exemplo, circunstâncias adversas perturbem a criação do exército industrial de reserva e, com ele, a dependência absoluta da classe trabalhadora em relação à classe capitalista, o capital, inclusive seu Sancho Pança dos lugares-comuns, rebela-se contra a "sagrada" lei da demanda e oferta e trata de promover aquela criação por meios coercitivos. [Nota 236] [Final da citação]

Não conseguimos deixar de sublinhar em todos estes comentários (no geral, todos os que dizem respeito a este capítulo marxiano) que a análise do capital tem dois níveis de profundidade que caminham passo a passo com a acertada metáfora bélica da política leninista: tática e estratégia. Sempre que bem equacionados os termos de análise da realidade entre o imediato e o mediato, entre o pragmático e o projetivo, entre a incidência e o princípio e, por decorrência, entre o valor e o valor de uso, entre o direito e sua extinção ou entre a reivindicação dentro da ordem e a construção revolucionária para além dela, haverá possibilidade de conjugar ação política com análise crítica. Como não se tratam de aporias ou cisões, há que resultar da observação de ambas um tratamento dialético, sob pena de adesismos ou sectarismos em face da realidade.

Quando empregados, semi-empregados e desempregados se reúnem e criam suas ações coletivas, depois de suas associações operárias conquistarem, até dentro da ordem, a organização sindical, chega o grande perigo para as classes proprietárias, uma vez que esta movimentação é um barril de pólvora pronto a estourar a qualquer tempo, afinal, explodindo, muito pouco se tem a perder.

Marx faz esta reflexão pensando nas experiências francesas pós-revolucionárias, mas principalmente a partir de uma radiografia da situação da classe operária européia, notadamente a inglesa - neste sentido, atualizando a pesquisa de Engels. Ele constrói uma tipologia para a superpopulação relativa, dividindo-a em três formas contínuas e uma descontínua.

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Haveria, assim, uma forma fluente ou líquida da superpopulação relativa, característica quase que normal do desenvolvimento do capitalismo. “Trabalhadores ora repelidos, ora atraídos” [ Nota 237] pela produção, renovam-se por conta da divisão do trabalho que necessita de força de trabalho especializada ou jovem ou ainda que substitua os que vão saindo do processo por razões diversas.

Já a forma latente diz respeito ao exemplo dos trabalhadores rurais, pois seu “fluxo constante para as cidades pressupõe uma contínua superpopulação latente no próprio campo”, [Nota 238] a qual, segundo nos diz Marx, apresenta-se sempre muito empobrecida, ainda que com condições mínimas de subsistência.

A terceira forma contínua, por sua vez, diz respeito à superpopulaçāo relativa estagnada, aquela que ocupa empregos irregulares e que tem nos trabalhos domiciliares a sua maior expressão. Entre os capítulos XIII e XXIII é que estão as elaborações de Marx sobre esta particularidade morfológica do trabalho alienado. Antes de criar sua tipologia, Marx se referiu aos trabalhadores domiciliares modernos, caracterizados pelo fato de que “o local de trabalho faz parte de sua moradia privada”, como a “retaguarda da grande indústria, bem como de suas monstruosidades”. [Nota 239]

Para além, todavia, das três formas contínuas, Marx se refere a uma descontínua, atinente ao “pauperismo”. Busca subdividi-lo em três outras categorias não sem antes chamar a atenção para o fato que se distinguem do “lumpemproletariado” (expressamente, "vagabundos, delinqüentes, prostitutas”). Os pobres ou miseráveis (pauper) seriam constituídos por um conjunto de pessoas aptas ao trabalho, mas que cai em desgraça conforme as crises avançam; também por órfãos e crianças indigentes, eventuais “candidatos ao exército industrial de reserva”; [Nota 240] e, por fim, pelos “degradados, maltrapilho, incapacitados para o trabalho”. [Nota 241] Todas estas indicações, bastante breves no texto de Marx, são tema central da contemporaneidade (e dialogam com, inclusive para desdizer, as conclusões da não centralidade do assalariamento,

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como as desposadas por Aníbal Quijano [Nota 242] cuja referência aparecerá em capítulo posterior, de nosso segundo volume). Como com isso evidenciamos que quanto mais riquezas se produz, mais trabalhadores podem ser ativados para o processo produtivo, ainda que nem todos sejam por ele absorvido, criando progressivamente o exército de reserva, cremos que se faz coerente expressar a relação entre as constatações objetivas referentes à classe trabalhadora e sua mobilização social como criadora de uma forma reivindicativa própria do modo de produção capitalista: o movimento social.

Capitaneado pelo movimento operário, em revolta, associado ou sindicalizado, o movimento social dos trabalhadores abarca a superpopulação relativa em suas diversas formas, sugerindo importantes desenvolvimentos para se pensar os movimentos populares coetâneos (sem-terra ou camponeses, desempregados, artesãos e de comunidades tradicionais, sem-teto, de juventude e em situação de rua etc.). Todas essas novas subformas da forma geral movimento social, subsumida pelo contínuo originar de novos estratos da população centripetamente constituídos, têm no movimento operário sua forma originária. Assim como “todos os métodos de produção da mais-valia são, simultaneamente, métodos de acumulação”, há a vinda à tona de superpopulação relativa por simples dedução de que se dá “uma acumulação de miséria correspondente à acumulação de capital”, explicável pelo “caráter antagônico da acumulação capitalista”. [Nota 243]

Até aqui, contudo, o estudo dos movimentos sociais encontrou mais suas bases materiais e objetivas do que aquelas políticas e intersubjetivas. A nosso modo de ver, resgatando o texto de Engels, primeira grande pesquisa de crítica à economia política que o socialismo científico produziu, podemos nos deparar com a complexidade que informa o movimento operário.

  1. Movimento operário e a ênfase intersubjetiva de Engels

Os textos de Engels sobre economia política, do início dos anos de 1840, marcam sua aproximação com Marx. Apesar de terem se conhecido em 1842,

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no contexto da colaboração para com a Gazeta renana, dirigida por Marx, é apenas com o Esboço de uma crítica da economia política [Nota 244] que a relação entre ambos se consolida. O texto fora escrito entre 1843 e 1844 como resultado dos 21 meses em que Engels, com pouco mais de vinte anos, é obrigado, pela família, a viver na Inglaterra para tomar ciência dos negócios de seu pai, rico industrial têxtil. Como relatam as notas biográficas sobre Engels, a única forma de resistir a este processo foi relacionando-se com os operários e estudando a questão social inglesa. Aliás, sobre o referido Esboço...,“Marx, desde que o conheceu, sempre insistiu na sua relevância, em diversas ocasiões recorrendo a ele”, tendo inclusive publicado o ensaio, “primeira análise das categorias constitutivas da economia política operada a partir de uma perspectiva dialética e comunista”, [Nota 245] no volume único e duplo dos Anais franco-alemães, onde Marx tornou público os por nós já debatidos Sobre a questão judaica e Crítica da filosofia do direito de Hegel - Introdução.

É, porém, na obra publicada em 1845, A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, que Engels realiza uma sistematização de fôlego, com pesquisa empírica e participante, sobre o desenvolvimento do capitalismo e seus reflexos para o movimento operário. A importância transcendente deste pouco debatido livro reside precisamente no fato de que, além de aprofundar as primeiras intuições sobre a crítica da economia política, apresenta sinergia direta com um projeto revolucionário em que “os operários fabris [...] constituem o núcleo do movimento operário” [Nota 246] - sendo que esta conclusão, obviamente, diz respeito mais a uma investigação dialética do que a um pressuposto idealista.

Para nós, um elemento a mais se ressalta, uma vez que neste livro Engels aproxima, explicitamente, a questão social operária à organização dos trabalhadores e, portanto, abre caminho para a discussão dos movimentos sociais. É ele mesmo quem diz: “a situação da classe operária é a base real e o ponto de partida de todos os movimentos sociais de nosso tempo”. E

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arremata: “ela é, simultaneamente, a expressão máxima e a mais visível manifestação de nossa miséria social”. [Nota 247]

Para além de todos os pontos que interconectam a reflexão de Marx em O capital e esta obra juvenil de Engels (sem assumirmos, com isso, nenhuma ruptura epistemológica no pensamento de ambos os autores), reside, para nós em termos de recolhimento de discussões sobre os movimentos sociais e sua relação com o direito na perspectiva marxiana, na manifestação da "miséria social” o diálogo entre eles acerca da formação forte da identidade e organização de classe, tanto em sua objetividade quanto em sua intersubjetividade.

Gostaríamos de destacar, a partir de agora, os argumentos desenvolvidos por Engels em alguns dos capítulos do livro de 1845, especialmente aqueles dedicados a descrever, categorialmente, o significado do “movimento operário [que] evoluiu pari passu com o movimento industrial”. [Nota 248] São eles o terceiro capítulo, sobre “A concorrência”, no qual está reapresentado o sumo daquilo que Engels verteu em texto no Esboço publicado em 1844, e, sob o ponto de vista de nosso interesse, a questão de uma “reserva de trabalhadores desempregados”; e o capítulo oitavo sobre “Os movimentos operários”, em que Engels desenvolve as formas ou fases de “revolta dos operários contra a burguesia”. Como veremos, ainda que superficialmente, também o debate engelsiano realiza pontes visíveis com a problemática jurídica, em especial no que tange à forma aparente legal (o que só faz destacar a fundamental contribuição de Marx, principalmente em O capital, em que o direito é visto para além de suas formas aparentes, ou seja, em sua forma essencial - a relação jurídica).

Para Engels, “a concorrência deu origem ao proletariado” e, neste sentido, Marx deve a ele a inspiração para seu tratamento da questão da superpopulação relativa. Não nos cabe, aqui, retomar todo o tratamento que, em A situação da classe trabalhadora, se encontra a respeito da concorrência mesma, dos salários e da crise. O mais interessante é tomar tudo isto por pressuposto para discutir a questão da "reserva de trabalhadores desempregados”, [Nota 249] a qual funda a "guerra de todos contra todos que impera na moderna sociedade

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burguesa", [Nota 250] sob a ótica dos trabalhadores. Esta reserva decorre das crises periódicas pelas quais passa o capital, para o qual a regulação da produção não existe senão por uma suposta autorregulação.

Assim como Marx rascunhou as formas contínuas e descontínua da superpopulação relativa, Engels elenca os tipos que constituem a reserva de trabalhadores cuja aparição fenomênica “durante as crises envolve uma enorme massa e, nos períodos que medeiam entre uma crise e outra, uma grande quantidade de trabalhadores”. [Nota 251] Portanto a “população supérflua” ou é enorme ou é grande, sem maiores  chances para sua diminuição, o que desnaturaria o próprio desenvolvimento capitalista. O rol que Engels constrói é bastante empírico e está composto da seguinte maneira: a) os varredores de rua, sequer contratados pela administração londrina como força tarefa de ajuda aos desempregados; b) os carrinheiros, que fazem limpeza do esterco das ruas, quando não proibidos, ou que fazem pequenos transportes, com ou sem animal de tração; c) os ambulantes, dedicados ao pequeno comércio de rua; d) os biscates ou jobbers, que realizam trabalhos esporádicos; e) os mendigos, esmolando principalmente em bairros operários; e f) os rebeldes, dentre aqueles que têm “coragem e paixão suficientes para rebelar-se expressamente contra a sociedade, respondendo com a guerra aberta à guerra encoberta que a burguesia lhe move”, [Nota 252] dedicando-se, em um primeiro momento da análise engelsiana, a roubos, pilhagens e assassinatos. Sem dúvida, subsiste a esta proposta interpretativa certo “optimismo ingênuo”, [Nota 253] explicável pela “grande efervescência” [Nota 254] dos anos de 1840 na Inglaterra que levaria Engels a considerar a eminência da revolução proletária e, em sua esteira, alçar a condição privilegiada a ação dos rebeldes, tal como exposto acima. Marx, por sua vez e vinte anos depois, já teria consolidada sua interpretação sobre o “lumpemproletariado”. [Nota 255]

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        Dos rebeldes, Engels salta aos tumultos e à insurreição geral de 1842, expressões concretas da organização proletária. É isto o que percebemos se passamos da análise do capítulo sobre a concorrência ao dos movimentos operários.

        A luta contra a burguesia é, no entender de Engels, a única forma de superar a miséria em que vivem os trabalhadores, estejam empregados ou não. Como a burguesia lança mão de todos os recursos possíveis - tanto o poder da "propriedade” quanto o "poder estatal" - "o operário só pode salvar sua condição humana pelo ódio e pela rebelião contra a burguesia". [Nota 256] O "salvar sua condição humana" é o tema paralelo de Engels para a "emancipação humana" de Marx. Em Engels, todavia, aparecem já as fortes mediações práticas que apontarão para uma práxis revolucionária. No melhor estilo psicossocial (como o fariam os psicoterapeutas anticolonialistas do porte de Frantz Fanon e Albert Memmi, um século depois), sua proposta defende que quem inaugura a violência é a burguesia e que, portanto, a violência operária é mera resposta. Aliás, "a revolta dos operários contra a burguesia seguiu de perto o desenvolvimento da indústria e atravessou diversas fases". Como teremos oportunidade de debater com cuidado posteriormente, o elemento da revolta é constitutivo dos movimentos populares e posiciona-se entre a mera reivindicação, tática por vezes imprescindível e a vitoriosa revolução - e tudo isto terá importância ímpar para pensarmos a relação possível entre insurgência e direito.

        As fases às quais Engels se refere para assinalar a revolta operária são algo distinto de etapas lineares e necessárias. Antes, apresentam-se como conjunto de características, as quais, a depender da conjuntura, sobressaem-se e trazem acúmulos organizativos, políticos e pedagógicos para os trabalhadores. Podemos destacar a existência de pelo menos seis fases caracterizadoras da revolta operária, cujo principal elemento para a nossa reflexão é o de que se tratam estas revoltas de oscilações dentro e fora da ordem social posta, algo bastante significativo se pensarmos em termos dos impactos disso para a discussão da forma jurídica e, no caso de Engels, notadamente para a forma jurídica aparente, como já salientamos.

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O crime, como esboçado na noção de “rebelde” própria à população supérflua, constitui a primeira forma de revolta, forma, por sinal, “a mais brutal e estéril”. O portal de entrada para a ação rebelde dos trabalhadores, via de regra aqueles postos na reserva industrial, é a questão da delinqüência. Este debate poderia nos levar muito longe e constitui aspecto central a ser discutido por uma criminologia crítica e marxista. Não está a nosso alcance, aqui, desbravar esta problemática, a qual deixamos apenas mencionada. Ocorre, contudo, que esta forma de revolta já indica os limites da ordem, ainda que a delinqüência seja estéril e de pouca serventia: “os delinqüentes, com suas ações, protestavam contra a ordem existente de forma isolada, individual; e todo o poder da sociedade se abatia sobre o indivíduo, esmagava-o com sua enorme potência”. Daí, na avaliação de Engels, tratar-se da “forma de protesto mais rudimentar e inconsciente”. [Nota 257] O problema a ser levantado neste caso, então, não é a violência em si, mas sua rudimentaridade, vale dizer, seu estado avulso, isolamento inconseqüente para finalidades coletivas conscientes (crítica que não deve ensejar, entretanto, defesa do direito penal tal como o conhecemos).

Já a revolta contra as máquinas é o segundo grande exemplo histórico da insurgência operária. Com Marx, já trouxemos esta questão com a profundidade suficiente a seu tratamento, quer dizer, a relação entre a revolta e o encontro do algoz nos meios de produção autonomizados. Para Engels, também carece de isolamento este tipo de revolta, inclusive o geográfico.

A terceira forma instiga nosso debate específico, dizendo respeito a um direito consagrado legalmente: “os operários conquistaram assim um direito que, até esta data, era um privilégio reservado à aristocracia e à burguesia: a liberdade de associação”. [Nota 258] Fruto de lei aprovada no parlamento inglês em 1824, o “direito à livre associação” permitiu a passagem das sociedades secretas à organização de massa que se consolidou em 1830, ano da primeira experiência de associação geral de todos os trabalhadores britânicos. Engels indica que as ações realizadas no esteio da liberdade de associação entre os trabalhadores são essen

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cialmente “meios legais”, dentro da ordem, portanto. Têm proeminência dentre estes meios as seguintes ações: reivindicar junto aos patrões, via constituição de delegações ou envio de petições; e realizar a “suspensão do trabalho” (por meio das greves ou strikes), que pode ser parcial ou geral. Não eram incomuns, entretanto, as armadilhas dos industriais em levar às barras dos tribunais estas associações, lançando contra elas o antídoto da lei burguesa:

[Inicio da citação] basta que um deles faça uma denúncia em tribunal contra um membro associação, caracterizando o cometimento de um ato ilegal, para que a associação seja penalizada - é que a burguesia, tão amante da legalidade, ainda conserva o poder nas mãos – e tenha sua força vulnerabilizada. [Nota 259] [Final da citação]

É por isso que “a história dessas associações é a história de uma longa série de derrotas dos trabalhadores, interrompida por algumas vitórias esporádicas”, sendo que estas últimas prevalecem “em causa de menor magnitude”. Quanto às “causas mais importantes que condicionam o mercado de trabalho”, as associações podem sempre muito pouco.

Isto tudo não impede a Engels que reconheça horizonte para as ações rebeldes dentro da ordem. Daí a pergunta que formula e sua própria resposta:

[Inicio da citação] por que os operários entram em greve, dada a evidente ineficácia de sua ação? Simplesmente porque devem protestar contra a redução do salário e mesmo contra a necessidade de uma tal redução; devem expressar claramente que, como homens, não podem adaptar-se a eles, os homens - porque sua omissão equivaleria à aceitação dessas condições de vida, ao reconhecimento do direito de a burguesia explorá-los durante os períodos de prosperidade e deixá-los morrer de fome nos períodos desfavoráveis. [Nota 260] [Final da citação]

A greve, mais que um direito, é um dever dos trabalhadores em face da exploração, como toda exploração merece uma sublevação. O protesto operário, diz Engels, decorre do simples fato de os trabalhadores continuarem tendo “sentimentos humanos”, ainda que este tipo de ação, dentro da ordem, possua evidentes limites. Independentemente destes limites - e, nesta toada, Engels e

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Marx aproximam efetivamente seus discursos, reconhecendo as reivindicações mas exigindo do horizonte do operariado sempre contestações -, associações e greves “representam a primeira tentativa operária para suprimir a concorrência”, a qual, uma vez extinta, por não deixar mais subsistir a relação social mercantil, em que os trabalhadores vendem sua força de trabalho como mercadoria, eliminará o “reino da propriedade”. [Nota 261] Neste sentido, somos levados a apontar para similaridade entre o texto de Engels e a Crítica do Programa de Gotha, de Marx, de trinta anos depois, no qual a eliminação do trabalho como padrão de medida faz sucumbir os “direitos iguais”, formalmente instaurados, mas que significam uma desigualdade profunda, porque material.

A partir desta resenha das condições das associações dos trabalhadores,  Engels faz uma inflexão em seu texto. O que parecia levar da violência à paz, da anomia à juridicidade, retorna à força. Uma quarta forma de revolta aparece por meio de ações coletivas violentas, ainda que isoladas, contra as indústrias e os industriais. Não se confunde com a oposição violenta às máquinas, mas tem a ver com a influência da organização associativa na ação direta rebelde. Tamanha é a importância que Engels dá a esta forma e à diferenciação desta para com as anteriores, que passa a discorrer sobre vários exemplos dela, na Inglaterra. Não é nosso intento resgatar esta exemplificação, mas apenas deixar indicada a importância da agitação, mesmo que violenta, e que se trata de alvo predileto para a repressão estatal, notadamente a tribunalícia.

Na quinta forma, Engels volta aos meios legais e destaca a especificidade dos movimentos grevistas. Portanto, é um desdobramento da terceira forma, da associação dos trabalhadores. “A enorme freqüência de greves é o melhor indicador do ponto a que chegou, na Inglaterra, a guerra social”. Para nosso jovem autor, é a "prova” do fato “de que se aproxima o confronto decisivo entre o proletariado e a burguesia”. Talvez tenha estado equivocado quanto ao significado deste “confronto decisivo”, uma vez que o proletariado não venceu as possíveis revoluções européias de 1848-1850 ou mesmo viu o quão efêmera foi sua vitória na Comuna de Paris, em 1871. Entretanto, ainda que

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com demasiado otimismo, acertou no prognóstico de que as revoltas levariam a confrontos abertos e diretos. Além disso, para Engels, a greve é um dever e surge como "escola de guerra" que permite às mais diversas facetas dos operários realizarem sua "adesão ao grande movimento proletário". [Nota 262]

Louva Engels a combatividade proletária inglesa que se opõe diretamente à burguesia ao invés de ao governo, como faz o movimento socialista francês. [Nota 263] E acentua que pode haver momentos em que o combate "só pode ser eficaz por via pacífica". [Nota 264]

Explicita nosso autor que a via pacífica e legal é uma das dimensões da revolta do proletariado justamente porque ela instaura um poder que não pode ser tomado como irreal. Em suas palavras, "os operários não respeitam a lei, mas apenas reconhecem sua força enquanto eles mesmos não dispõem da força para mudá-la". Reivindicam mudanças legais e, por vezes, agem nos limites da legalidade, o que não significa que tenham os trabalhadores a mesma relação que os burgueses com a lei: "para o burguês, a lei é sagrada", pois "trata-se de obra sua, votada com sua concordância, produzida para protegê-lo e garantir seus privilégios", enfim, "o burguês encontra-se a si mesmo na lei". Quanto a isto, é preciso redelimitar o alcance destas conclusões que fazem com que a subjetividade operária se afaste da legalidade porque ela representa "um látego produzido pelo burguês" [Nota 265] nas costas do operário: o avanço das relações sociais capitalistas não teria induzido as classes populares a um imaginário legalista? Deixemos indicada esta questão sobre a qual voltaremos nos próximos capítulos, quando discutiremos as teorias críticas do direito e suas visões acerca de um "direito que nasce do povo" ou de um "direito insurgente".

Com tudo isso em jogo, melhor dizendo, com a consideração da existência das cinco formas de revolta da classe trabalhadora anteriores (o crime; a luta contra as máquinas; a associação livre; as ações violentas coletivas; e a “escola da guerra", expressão que Lênin retomaria em 1899, [Nota 266] certamente inspirado em

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Engels), o texto de A situação da classe trabalhadora na Inglaterra chega a uma síntese que, no fundo, é a sexta forma de revolta dos trabalhadores. Esta síntese tem a ver com um “movimento essencialmente operário”, encontrado, por Engels, no cartismo inglês após suas desilusões radicais burguesas. O cartismo adquire importância para nós não só porque chega a propor uma “lei proletária” em face da “lei burguesa”- e era isto que estava colocado com a Carta do Povo, de 1838, e seus seis pontos, quase todos eles reivindicando igualdade eleitoral e, em última instância, a emancipação política não dos judeus mas dos trabalhadores. Também não apenas porque ofereceu, a olhos nus, o paradigma de uma advocacia popular na figura de William P. Roberts, [Nota 267] assessor jurídico popular cartista, destacado por suas atuações em apoio a operários individuais e a associações operárias. Mas, e isto sim é o que de fato interessa, porque constitui a consolidação do movimento operário, como organização para a qual, obviamente, não basta o espontaneísmo das ações diretas e como construção de um horizonte no qual táticas diversas são utilizadas conforme as exigências conjunturais. Já a estratégia de longo alcance seria compartilhada com o socialismo e, desta forma, restaria a intelecção de que “o movimento operário está dividido em duas frações: os cartistas e os socialistas”. [Nota 268]

Quando, com Engels, nos apercebemos da formação do movimento operário, em suas tendências, chegamos à possibilidade de entender o movimento social de trabalhadores como que constituído por várias táticas de luta, todas elas assemelhadas às formas de revolta, dentro da legalidade (como nos casos de livre associação e greves) ou fora dela (como nos casos em que a violência não é reconhecida como legítima pela lei burguesa). O movimento - e Engels fala em movimentos, no plural - operário é a síntese destas formas, acrescendo a elas um horizonte estratégico que exige da organização dos trabalhado

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res um projeto para desenvolver a intervenção revolucionária. A democracia cartista, os salões de leitura e a prática organizada de reivindicar e contestar a ordem conformam um movimento enlaçado a “uma classe específica, com princípios e interesses e concepções próprios, em confronto com todos os proprietários”, partindo do fato de que os trabalhadores, como classe, “estão conscientes de que neles residem a força e a capacidade de desenvolvimento da nação”, [Nota 269] diria Engels; de uma nova realidade, diríamos nós.

1.4.3 A totalidade do horizonte estratégico no movimento operário

Com esta compreensão, destacamos uma possível noção de movimento social, em Marx e Engels, fundada no desenvolvimento do modo de produção capitalista e nas respostas históricas que lhe ofereceu a classe trabalhadora, em seus contextos específicos. Que não seja distorcida nossa avaliação cujo desiderato é encontrar a síntese organizativa a partir do mundo do trabalho assalariado. Existem e existiram, é certo, outras modalidades de movimentos sociais na história - e, para vê-las, basta deitar os olhos sobre a periferia do capitalismo, em que Túpac Amaru, Toussaint Louverture, Simón Bolívar e José Martí, assim como os narodniks russos, os camponeses chineses, o povo argelino ou os guerrilheiros vietnamitas se destacam, como grandes e plúrimos exemplos. No entanto, capítulo crucial para o entendimento das atuais batalhas que enfrentam os movimentos sociais passa não só pelo resgate histórico da especificidade de cada um deles, mas pela totalidade concreta que a todos diz respeito.

Para os fundadores do marxismo, no século XIX, o grande exemplo de sucesso da luta de um movimento operário europeu estaria expresso na Comuna de Paris, de 1871. Como projeto baseado na práxis revolucionária dos trabalhadores organizados, esta experiência histórica surgia como pioneira e nem mesmo os seus efêmeros dois meses de duração retiram seu peso e impressão para a obra de Marx - para quem foi “um governo da classe operária, o produto da classe produtora contra a classe apropriadora, a forma política enfim descoberta para se levar a efeito a emancipação econômica do trabalho” [Nota 270] - e de Engels –

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quem exortava: “olhai a Comuna de Paris. Tal foi a ditadura do proletariado". [Nota 271] Com a Comuna de Paris, portanto, encerramos o ciclo de uma teoria política, que vai da crítica à emancipação política e à alienação a ela subjacente até a afirmação de um projeto revolucionário sedimentado na práxis insurgente dos trabalhadores, a qual deve ser lida, necessariamente, com as lentes da totalidade, sob pena de se tornar ilegível. E no meio do caminho da totalidade está sempre a crítica da economia política e a percepção de que o capitalismo se universalizou em todas as suas mais tristes conseqüências.

Eis o que pudemos extrair de uma crítica marxiana do direito: por seu método, pelas formas que evidencia, pela crítica que estabelece e pelo projeto que coloca, assim como pela análise sociológica que propõe, só nos é dado finalizar este capítulo permitindo uma convergência. No que se refere à análise do movimento operário, vemos surgir a tensão que lhe é congênita, de reivindicar dentro da ordem e de muitas vezes agir fora dela, apresentando, com isto, a problemática jurídica e a luta ou não pela legalidade. Mais que isso, vemos surgir o movimento operário como a síntese de formas de revolta, as quais entrelaçam o sujeito histórico dinâmico, a classe trabalhadora fabril, com todos os demais setores a ela necessários, desde os mais diversos âmbitos do proletariado urbano, passando pelo rural, até chegar ao exército industrial de reserva e ao pauperismo. A esta síntese podemos denominar movimento social, que se refere às relações sociais de um determinado contexto (uma sociedade); em um nível mais profundo, movimento popular, pois referido às maiorias oprimidas de uma nação ou de um povo; [Nota 272] e, mais profundamente ainda, um movimento da classe trabalhadora, expressando a essência de sua insurgência, o trabalho vivo que lhe movimenta e dá a todo o resto o valor que tem.

Notas de rodapé

60 - Remetemos, no geral, para os debates de LÖWY, Michael. As aventuras de Karl Marx contra o Barão Guimarães e Suzanne Felice Léwy. 2 ed. São Paulo: Busca Vida, 1988; e de SILVA, Ludovico, Anti-manual: para uso de marxstas, marxólogos y marxianos. 3 ed. Caracas: Monte Avila, 1978.

61 - NETTO, José Paulo. Introdução ao estudodo método de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2011, p.55.

62 - MARX, K. "Introdução (1857)". Em:_. Grundrisse - Manuscritos econômicos de 1857-1858:esboços da crítica da economia política. Tradução de Mario Duayer, Nélio Schneider, Alice Helga Werner e Rudiger Hoffman. São Paulo: Boitempo, 2011, p.54.

63 - MARX, K. "Introdução (1857)", p.55.

64 - DUSSEL, Enrique Domingo. A produção teórica de Marx: umcomentário aos Grundrisse. Tradução de José Paulo Netto. Sāo Paulo: Expressāo Popular, 2012, p. 37-38.

65 - MARX, K. Miséria da filosofia: resposta à Filosofia da Miséria, do senhor Proudhon. Tradução de José Paulo Netto. São Paulo: Expressão Popular, 2009, p. 121

66 - MARX,K."Introdução(1857)",p.54.

67 - LEFEBVRE, Henri. Lógica formal, lógica dialética. Tradução de Carlos Nélson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975, p.237.

68 - Ver ENGELS, Friedrich. A dialética da natureza. 6 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000,p.34e seguintes.

69 - MARX,K. "Introdução (1857)”,p.55.

70 - LUKACS, György. História e consciência de classe: estudos sobre a dialética marxista. Tradução de Rodnei Nascimento. 2 ed. São Paulo: WMF Martins Fontes,2012,p.105.

71 - LUKÁCS,G.Para uma ontologia do ser social. Tradução de Carlos Nélson Coutinho, Mario Duayer e Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo, vol.I, 2012, p.288.

72 - LUKACS, G. Para uma ontologia do ser social, vo1.1,p.297.

73 - DUSSEL, E.D.A produção teórica de Marx, p. 57.

74 - LUKACS, G. Para uma ontologia do ser social, vol. I, p. 286-287.        

75 - LUKÁCS, G. Para uma ontologia do ser social, vol. I, p.284.

76 - KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Tradução de Célia Neves e Alderico Toríbio. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976, p.36.

77 - KOSIK,K. Dialética do concreto, p.37.

78 - ROSDOLSKY, Roman.Genese e estrutura de O capital de Karl Marx. Tradução de César Benjamin. Rio de Janeiro: EDUERJ;Contraponto,2001,p.39.

79 - YAMAMOTO, Oswaldo Hajime. Marx e o método. São Paulo: Moraes,1994,p.42.A obra de Yamamoto é bastante elucidativa para rastrear a questão do método entre 1843 e 1858,do Manuscrito de Kreuznach aos Grundrisse.

80 - Segundo José Paulo Netto, há três categorias nucleares para o método de Marx: além de totalidade, contradição e mediação. Ver NETTO, J.P. Introdução ao estudo do método de Marx,p.56.De nossa parte, centramos atenção à primeira, porque nela encontram-se, conforme nossa compreensão, incubadas as demais.

81 - MARX, K. "Introdução (1857)",p.58.        

82 - MARX, K. "Introdução(1857)”,p.59.

83 - MARX, K. Miséria da filosofia,p.126.

84 - MARX, K.O capital: critica da economia polftica - O processo de produção do capital. Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. Sāo Paulo:Abril Cultural, vol. I, tomo 1, 1983, p. 18.

85 - LUKÁCS, G. Para uma ontologia do ser social,vol.I,p.287.

86 - FREDERICO, Celso; SAMPAIO, Benedicto Arthur. "Marx: estado, sociedade civil e horizontes metodológicos na 'Crítica da filosofia do direito"". Em: Crítica marxista. São Paulo: Brasiliense, vol.1,n.1,1993,p.100.

87 - NETTO, J.P. Introdução ao estudo do método de Marx,p.24.

88 - MARX,K. Miséria da filosofia,p.139.

89 - MARX, K. O capital: critica da economia política - O processo global da produção capitalista. Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo: Abril Cultural, vol. III, tomo 2, 1983, p.271.

90 - LUKACS, G. Para uma ontologia do ser social, vol.I,p.294.        

91 - NETTO,J. P. Introdução ao estudo do método de Marx, p. 22.

92 - DUSSEL, E. D. A produção teórica de Marx, p. 34-35.

93 - MARX, K. O capital..,vol.I,tomo 1,p.20.

94 - DUSSEL, E.D.A produção teórica de Marx,p.59.

95 - Ver MARX,K. "Introdução(1857)",p.61.

96 - Segundo Reinaldo Carcanholo, a teoria marxista do valor *e/de fato, uma teoria sobre a natureza da riqueza capitalista e, particularmente, sobre a produção dessa riqueza". CARCANHOLO, Reinaldo (org.). Capital: essência e aparência. São Paulo: Expressão Popular,vol.1,2011,p.13.

97 - Ademais, já houve uma alentada pesquisa sobre o "conceito econômico de lei", em O capital, o qual referimos ainda que não trabalhemos com ele: DUMÉNIL, Gérard. Le concept de li économique dans "Le capital". Paris: François Maspero,1978.

98 - Não computadas as ditaçdes nem as notas editoriais (de Engels,da editora alema ou dos radutores da edição consultada).

99 - Como documento histórico que depõe sobre osimpactos da formação juridica em Marx, consultar Makoto Cavalcanti Yoshida.2 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2012,p.295-304.

100 - MARX, K. O capital....vol.I, tomo 1, 1983, p. 79-80 (capitulo II).

101 - "Na sociedade burguesa domina a fictio juris, que cada pessoa, como comprador, possui um conhecimento enciclopédico das mercadorias". MARX, K. O capital..., vol. 1, tomo 1, p. 46, nota 5 (cap.I,2).

102 - MARX,K.O capital: crítica da economia política - O processo de produção do capital. Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo: Abril Cultural, vol. I, tomo 2,1984,p.158(cap.XXI).

103 - MOHUN, Simon. "Valor". Em: BOTTOMORE, Tom (ed.). Dicionário do pensamento marxista. Tradução de Waltensir Dutra. Organização da edição brasileira de Antonio Moreira Guimarães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,2001,p.398.

104 - MANDEL, Ernest. Iniciação à teoria econômica marxista. 4 ed. Lisboa: Antídoto, 1978, p. 17.

105 - SWEEZY, Paul Marlor. Teoria do desenvolvimento capitalista: princípios de economia política marxista. Tradução de Waltensir Dutra. São Paulo: Abril Cultural, 1983, 35.

106 - RUBIN, Isaak Ilich. A teoria marxista do valor. Tradução de José Bonifácio de S. Amaral. São Paulo: Polis, 1987,p.78(grifos no original).

107 - CARCANHOLO, R. (org.). Capital: essência e aparência,p.36.

108 - CARCANHOLO, R. (org.). Capital: essência e aparência,p.18.Carcanholo é radical em sua ao contrário do que estamos acostumados, não existem definições". CARCANHOLO, R. (org.).Capital: essência e aparência,p.18 e 29.

109 - Chamamos a atenção para o fato de que utilizamos a expressão "princípios de justiça" como um possível contraponto à noção de "relação jurídica", mas não necessariamente consideramos acabada esta questão, que merece posteriores desenvolvimentos.

110 - Sobre isto, apontamos um comentário de Sweezy, para quem "a grande originalidade da teoria do valor de Marx está no reconhecimento desses dois elementos do problema [relação quantitativa e qualitativa do valor] e na tentativa de tratá-los simultaneamente dentro de uma única estrutura conceitual". SWEEZY, P. M. Teoria do desenvolvimento capitalista..., p. 32-33. Segundo Carcanholo, "o próprio Marx tem algo de culpa ao induzir seus leitores menos atentos a este engano [de confundir valor e valor de troca]", pois "qual o nome que Marx atribui a essa unidade contraditória? Algumas vezes ele a chama valor; outras, valor de troca. Isso, no nosso entendimento, é um ponto de partida para muitos equívocos. Por isso é que, acreditamos, muitos chegam a identificar, como se fossem sinônimos, valor e valor de troca, o que constitui erro grave e ingênuo". CARCANHOLO, R. (org.).Capital: essência e aparência, p.34, nota 8, e p.42-43.

111 - RUBIN,I.I. A teoria marxista do valor,p.19.

112 - MARX,K.O capital..,vol.I,tomo 1,p.94(cap.III,2,a).

113 - MARX,K.O capital...vol.I,tomo 1,p.93(cap.III,2,a).

114 - A comparação entre mercadoria e célula Marx a faz no prefácio da primeira edição alemã: "para a sociedade burguesa, a forma celular da economia é a forma de mercadoria do produto do trabalho ou a forma do valor da mercadoria". MARX, K. O capital..., vol. I, tomo 1, p. 12. Quanto à expressão referente ao "metabolismo social" do capital, encontra-se no capítulo III. MARX, K. O capital..., vol. I, tomo 1, p. 94.

115 - O próprio Marx cita sua obra publicada cerca de oito anos antes para localizar as primeiras interpretações neste sentido: MARX, K. Contribuição à crítica da economia política. Tradução de Florestan Fernandes. 2 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2008. Podemos dizer que se trata do desenvolvimento dos estudos iniciados, no mínimo, com os manuscritos econômicos de 1857-1858: MARX, K. Grundrisse - Manuscritos econômicos de 1857-1858: esboços da crítica da economia política. Tradução de Mario Duayer, Nélio Schneider, Alice Helga Werner e Rudiger Hoffman. São Paulo: Boitempo, 2011.

116 - MARX, K. O capital.., vol.I, tomo 1, p.54(cap.III,3).

117 - MARX, K. O capital...vol.I,tomo 1, p. 139 (cap. IV,3).

118 - Sobre isto, exemplifiquemos com o próprio Marx: "o primeiro olhar mostra a insuficiência da forma simples, de valor, esta forma embrionária que somente amadurece por meio de uma série de metamorfoses até a forma preço". MARX, K. O capital.., vol. I, tomo 1, p. 63 (cap. 1,3, A, 4).

119 - MARX, K. O capital..., vol. 1, tomo 1. p. 127 (cap. IV, 1).

120 - MARX, K. O capital..., vol. 1, tomo 1, p. 126 (cap. IV, 1).

122 - MARX, K. O capital..., vol. I, tomo 1, p. 97 (cap. III, 2, a).

123 - MARX, K. O capital..., vol. I, tomo 1, p. 115 (cap. III, 3, b). Na mesma página, chega Marx a uma generalização sociológica: "o meio de pagamento entra na circulação, porém depois que a mercadoria já se retirou dela. O dinheiro já não media o processo. Ele o fecha de modo autônomo, como existência absoluta do valor de troca ou mercadoria geral. O vendedor converte sua mercadoria em dinheiro para satisfazer a uma necessidade por meio do dinheiro, o entesourador, para preservar a mercadoria em forma de dinheiro, o comprador que ficou devendo, para poder pagar. Se não pagar, seus bens são vendidos judicialmente. A figura de valor da mercadoria, dinheiro, torna-se, portanto, agora um fim em si da venda, em virtude de uma necessidade social que se origina das condições do próprio processo de circulação."

124 - MAAK. O capital..., vol. I, tomo 1, p. 133 (cap. IV, 2).

125 - MARX, K. O capital..., vol. I, tomo 1, p. 174 (cap. VII , 1).

126 - MARX, K. O capital..., vol. I, tomo 1, p. 188 (cap. VIII, 1 ).

127 - MARX, K. O capital..., vol. I, tomo 1. p. 188-189 (cap. VIII, 1).

128 - MARX, K. O capital..., vol. I, tomo 1, p. 189 (cap. VIII, 1).

129 - MARX, K; ENGELS, F. Manifesto comunista. Tradução de Álvaro Pina e Ivana Jinkings. 1 ed. rev 2 reimp. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 40.

130 - MARX, K. O capital..., vol. I, tomo 1, p. 190 (cap. VIII, 1).

131 - MARX, K. O capital..., vol. I, tomo 1, p. 215 (cap. VIII, 5).

132 - MARX, K. O capital..., vol. I, tomo 1, p. 214 (cap. VIII, 5).

133 – MARX, K. O capital..., vol. I, tomo 1, p. 212 (cap. VIII, 5). Em outra passagem, Marx assenta: "essas leis [fabris] refreiam o impulso do capital por sucção desmesurada da força de trabalho, por meio da limitação coercitiva da jornada de trabalho e na verdade por um Estado que capitalista e Landlord dominam". MARX, K. O capital...., vol. I, tomo 1, p. 193 (cap. VIII, 2)

134 - MARX, K. O capital.., vol.I, tomo 1,p.220(cap.VIII,6).

135 - MARX, K. O capital.., vol. I, tomo 1, p.231(cap.VIII,6).

136 - MARX, K. O capital... vol. I, tomo 1, p.235-236(cap.VIII,7).

137 - O"poder dual/plural" ou “poder dual latente" do direito insurgente foi por nós utilizado, não sem uma certa dose de ingenuidade politicista decorrente das teorias críticas do direito,em PAZELLO.R.P. A produção da vida e o poder dual do pluralismo jurídico insurgente....passim.

138 - MARX, K. O capital.., vol. I, tomo 1, p.233(cap.VIII,6).

139 - MARX,K. O capital....vol. I, tomo 1,p.226(cap.VIII,6).

140 - ENGELS,F. "Prefácio da terceira edição alemā". Em: MARX, K. O capital..,

vol.I, tomo 1, p.28.

141 - MARX,K. O capital...,vol. I, tomo 1,p. 234, nota 184 (cap. VIII,6).

142 - No capítulo XIII, Marx dá outro exemplo de chicanas, referentes à "legislação sobre mineração".MARX,K. O capital..,vol.1, tomo 2,p.94 (cap.XIII,9).

143 - MARX, K. O capital.., vol. I, tomo 1, p.234 (cap.VIII,6)., 

144 - MARX,K. O capital.., vol. I, tomo 1, p.235 (cap.VIII,7).        

145 - MARX, K. O capital.., vol.1, tomo 1, p. 251 (cap.X).

146 - MARX,K. O capital...vol.1,tomo 2,p.33(cap.XIII,3,c).

147 - Frase novamente citada com seu complemento:MARX, K. O capital..,.vol.I, tomo 1,p. 234 (cap. V111,6).

148 - MARX, K. O capital.., vol. I, tomo 2, p. 33 (cap. XIII, 3,c).

149 - MARX,K.O capital....vol.I,tomo 2,p.85(cap.XIII,9).

150 - MARX, K. O capital.., vol. I, tomo 1, p. 238 (cap. VIII, 7).

151 - MARX, K.  O capital..,  vol. 1, tomo 2, p. 35 (cap. XIII, 3, c).

152 - MARX, K. O capital.., vol. I, tomo 2,p. 81 (cap.XIII,8,e).

153 - MARX, K. O capital....vol.I, tomo 2,p. 39(cap. XIII,3,c)[grifamos].

154 - De crucial importância para uma interpretação latino-americana de Marx,  como já vimos,é o tema da combinação de mais-valias, da qual resultou a formulação da teoria da dependência acerca da "superexploraçāo do trabalho". Conferir MARINI, R. M. "Dialética da dependência", p. 123 e seguintes.

155 - MARX, K. O capital...vol.I,tomo 2, p. 90 (cap.XIII, 9).

156 - “A natureza da grande indústria condiciona, portanto, variação do trabalho, fluidez da função, mobilidade, em todos os sentidos, do trabalhador. Por outro lado, reproduz em sua forma capitalista a velha divisão do trabalho com suas particularidades ossificadas. Viu-se como essa contradição absoluta elimina toda tranqüilidade, solidez e segurança na situação de vida do trabalhador, ameaçando constantemente arrancar-lhe da mão, com o meio de trabalho, o meio de subsistência e torná-lo, com sua função parcelar, supérfluo; como essa contradição desencadeia um ritual ininterrupto de sacrifício da classe trabalhadora, o mais desmesurado desperdício de forças de trabalho e as devastações da anarquia social" (grifamos). MARX, K.O capital...,vol.I, tomo 2,p.89(cap.XIII,9).

157 - MARX,K. O capital....vol.I,tomo 2,p.100(cap.XIII,9)[grifamos].

158 - MARX,K.O capital..,vol.I, tomo 2,p.80(cap.XIII,8,e).

159 - MARX,K. ..,vol.I,tomo 1,p.236(cap. VIII,7).

160 - “Quero esclarecer com dois exemplos o que 'dizem os tribunais'. Um dos casos" - e para os fins de nossa exposição basta exemplificar a questão com o relato de apenas um caso -“ocorreu em Shefield, ao final de 1866. Lá um operário se tinha alugado por 2 anos numa fábrica metalúrgica. Por causa de uma divergência com o fabricante, deixou a fábrica e declarou que em nenhuma circunstância trabalharia mais para ele. Foi processado por quebra de contrato e condenado a 2 meses de prisão.(Se o fabricante rompe o contrato, ele só pode ser acusado civiliter e só arrisca uma pena pecuniária.) Depois de cumprir os dois meses, o mesmo fabricante o intima a, de acordo com o antigo contrato, voltar à fábrica. O trabalhador declara: Não. Pela quebra de contrato ele já pagou. O fabricante o processa de novo, o tribunal o condena novamente, embora um dos juízes, Mr. Shee, denuncie isso publicamente como uma monstruosidade jurídica, pela qual um homem poderia ser punido periodicamente sempre de novo durante toda sua vida pela mesma falta, isto é, delito. Esse julgamento não foi proferido pelos Great Unpaid dogberries provincianos, mas em Londres, por uma das mais altas cortes de justiça". MARX, K. O capital.., vol. I, tomo 2, p. 45, nota 190(cap.XIII,4).

161 - MARX, K. O capital.., vol. I, tomo 2, p. 90(cap. XIII,9).

162 - MARX,K.O capital..,vol.1,tomo 2,p.130(cap.XVII).

163 - MARX,K. O capital....vol. I, tomo 2, p. 44-45(cap.XIII,4).

164 - MARX,K.O capital..,vol.I,tomo 2,p.166(cap.XII,1).

165 - MARX, K. O capital....vol. I, tomo 2, p. 190, nota 73 (cap.XXIII, 1).

166 - MARX, K. O capital...vol. I, tomo 2, p. 285 (cap. XXIV,6).

167 - Ver MARX, K.O capital..,vol.I,tomo 1,p.79,nota 38 (cap.II).

168 - Por todos os exemplos, ver: MARX, K. O capital....vol. I, tomo 1,p. 203,nota 83 (cap. VIII,3).

169 - MARX, K. O capital.., vol. I, tomo 2, p. 296(cap.XXV).

170 - MARX,K.O capital..,vol.I,tomo 1,p.231(cap. VIII,6).

171 - MARX, K. O capital..,vol. I, tomo 2, p. 264 (cap. XXIV,2).

172 - MARX,K. O capital....vol. I, tomo 2, p. 267(cap.XXIV,2).

173 - MARX, K. O capital.., vol. I, tomo 2, p.296(cap.XXV).

174 - MARX, K. O capital.., vol. I, tomo 2, p. 263, nota 189(cap. XXIV, 1).

175 - ROSDOLSKY, R. Gênese e estrutura de O capital de Karl Marx, p. 360.

176 - SWEEZY, P.M. Teoria do desenvolvimento capitalista...,p.42.

177 - MARX, K. O capital... .vol. I, tomo 1, p. 145 (cap.IV,3).

178 - LÖWY,M. A teoria da revolução no jovem Marx. Tradução de Anderson Gonçalves. São Paulo:Boitempo,2012,p.86.

179 - FREDERICO, C. O jovem Marx: 1843-1844 - as origens da ontologia do ser social. 2 ed. Sāo Paulo:Expressão Popular,2009,p.99.

180 - BENSAID, Daniel. "Apresentação: Zur Judenfrage, uma crítica da em ancipação política".Em: MARX, Karl. Sobre a questão judaica. Tradução de Nélio Schneider e Wanda Caldeira Brant. 1 reimp.Sāo Paulo: Boitempo, 2013,p.20.

181 - Na excelente apresentação de Bensaïd ao trabalho de Marx, estão referidas as várias respostas a Bauer, publicadas especialmente entre 1843 e 1844. Ver BENSAID, D. "Apresentação...",p. 19 e seguintes.

182 - Aqui o parágrafo completo em que Bauer finaliza com esta frase: "a idéia dos direitos humanos só foi revelada ao mundo cristão no século passado. Ela não é inerente ao homem, sendo, antes, conquistada na luta contra as tradições históricas em que o homem vem sendo educado até agora. Assim, os direitos humanos não são um presente da natureza, nenhum dote da história pregressa, mas o prêmio da luta contra o caráter fortuito do nascimento e contra os privilégios que a história legou de geração para geração até o presente momento. Eles são resultado da formação, e só quem os conquistou e mereceu para si pode possuí-los". Citação de Bauer extraída de MARX, K. Sobre a questão judaica. Tradução de Nélio Schneider e Wanda Caldeira Brant. 1 reimp. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 46.

183 - LUKACS,G.O jovem Marx e outros escritos de filosofia. Tradução de Carlos Nelson Coutinho e José Paulo Netto. 2 ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2009, 167.

184 - MARX, K. Sobre a questão judaica, p.41.

185 - MARX,K. Sobe a questão judaica, p.40.

186 - MARX,K. Sobre a questão judaica,p.41 (grifo no original).

187 - BENSAID, D. "Posfácio -'Na e pela história: reflexões acerca de Sobre a questão judaica". Em: MARX, Karl. Sobre a questão judaica. Tradução de Nélio Schneider e Wanda Caldeira Brant.1reimp. São Paulo: Boitempo, 2013,p.92.

188 - MARX,K. Sobre a questão judaica,p.58.

189 - BENSAID,D. "Posfácio..",p.93.

190 - MARX,K. Sobre a questão judaica,p.47.

191 - MARX,K. Sobre a questão judaica, p.44.

193 - MARX, K. Sobre a questão judaica, p.43.        

194 - MARX,K. Sobre a questão judaica,p.48.

195 - MARX,K. Sobre a questão judaica,p.49.

196 - NETTO, J.P. "Prólogo à edição brasileira". Em: MARX, Karl. Para a questão judaica. Tradução de José Barata-Moura.1 reimp. São Paulo: Expressāo Popular,2010,p.29.

197 - MARX,K. Sobre a questão judaica,p.50.

198 - NETTO, J.P. "Prólogo à edição brasileira", p. 29.

199 - MARX,K. Sobre a questão judaica,p.54.

200 - LÖWY,M. "Prefácio à edição brasileira". Em: MARX, Karl. Crítica do programa de Gotha. Tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2012, p.9.

201 - MARX,K. Crítica do programa de Gotha. Tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2012, p.20.

202 - MARX, K. Critica do programa de Gotha, p.25.

203 - MARX,K. Critica do programa de Gotha, p.34.

204 - LÖWY,M. A teoria da revolução no jovem Marx,p.197.

205 - MARX,K. Critica do programa de Gotha,p.27.

206 - MARX,K. Critica do programa de Gotha, p. 43.

207 - MARX,K. Critica do programa de Gotha,p.31.

208 - MARX,K. Critica do programa de Gotha,p.30.

209 - MARX,K. Critica do programa de Gotha,p.32.

210 - MARX, K. Critica do programa de Gotha, p.30.

211 - MARX, K. Critica do programa de Gotha, p. 31.

212 - Ver Quadro III deste capitulo.

213 - FREDERICO,C. O jovem Marx, p.99.

214 - MARX, K. "Crítica da filosofia do direito de Hegel - Introdução". Em: _. Crítica da filosofia do direito de Hegel. Tradução de Rubens Enderle e Leonardo de Deus. São Paulo: Boitempo, 2005,p.146.

215 - FREDERICO,C. O jovem Marx,p.99.

216 - LÖWY,M. A teoria da revolução no jovem Marx, p.191.

217 - MARX,K.O capital..,vol.I,tomo 2,p.32(cap.XIII,3,b).

218 - MARX,K; ENGELS,F. Manifesto comunista, p.40.

219 - BLOCH,Ernst. Thomas Münzer, teólogo da revolução. Tradução de Vamireh Chacon e Celesta Aída Galeão. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1973,p.206.

220 - MARX, K. O capital... vol. I, tomo 1, p. 237 (cap. VIII, 7).

221 - MARX, K. O capital... vol. I, tomo 1, p. 193 (cap. VIII, 2).

222 - MARX, K. O capital... vol. I, tomo 1, p. 189 (cap. VIII, 2).

223 - MARX, K. O capital... vol. I, tomo 2, p. 48 (cap. XIII, 5).

224 - MARX, K. O capital... vol. I, tomo 2, p. 46 (cap. VIII, 5).

225 - Segundo Shlomo Avineri, teria tido Marx acesso ao livro O socialismo e o comunismo da França atual de Stein já em 1842, ano de sua publicação. AVINERI, Shlomo. The Social and Political Thought of Karl Marx. Cambridge: Cambridge University, 1968, p. 54. De fato, Marx e Engels citam-no nas obras de 1844 e 1845. Em A sagrada família, ao fazerem dupla crítica: a Bruno Bauer que só conhece o movimento socialista francês por intermédio do livro de Stein e a este, por desconhecer o movimento inglês. MARX, K; ENGELS, F. A sagrada família ou A crítica da Crítica crítica contra Bruno Bauer e seus consortes. Tradução de Marcelo Backes. São Paulo: Boitempo, 2003, p. 154. Já em A ideologia alemã, a crítica tem mais fôlego e na verdade aparece como o reconhecimento de que Lorenz von Stein conhecia a literatura socialista francesa diretamente, ainda que não com profundidade, em face dos socialistas alemães, como Karl Grün, o qual só sabia de Saint-Simon, Fourier ou, inclusive, Proudhon, por via de Stein, novamente. MARX, K: ENGELS, F. A ideologia alemã: crítica da novíssima filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas. Tradução de Marcelo Backes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 547-596.

226 - MARX, K. O capital... vol. I, tomo 2, p. 47 (cap. VIII, 5).

227 - MARX, K. O capital... vol. I, tomo 2, p. 51 (cap. VIII, 5).

228 - MARX, K. O capital..., vol. I, tomo 2. p. 52 (cap. VIII, 5). A partir daqui, Marx passa a exemplificar as "urdiduras" dos inventos contra os trabalhadores a partir de um escrito clássico de Andrew Ure, A filosofia das máquinas (1835).

229 - diria: "violent revulsions of this nature display shortsighted man in the contemptible character of a selftormentor". URE, Andrew. The Philosophy of Manufactures: or, an Exposition of the Scientific, Moral, and Commercial Economy of the Factory System of Great Britain. London: Charles Knight, 1835, p. 370.

230 - MARX, K. O capital..., vol. 1, tomo 2, p. 80 (cap. VIII, 8, e).

231 - MARX, K. O capital..., vol. I, tomo 2, p. 84 (cap. VIII, 8, e).

232 - MARX, K. O capital..., vol. 1 , tomo 2, p. 83 (cap. VIII, 8, e).

233 - GORENDER, J. "Apresentação". Em: MARX, Karl. O capital: crítica da economia política - O processo de produção do capital. Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo: Abril Cultural, vol. I, tomo 1, 1983, p. XLV.

234 - MARX, K. O capital..., vol. I, tomo 2, p. 198 (cap. XXIII, 3).

235 - MARX, K. O capital..., vol. I, tomo 2, p. 200 (cap. XXIII, 3).

236 - MARX, K. O capital..., vol. I, tomo 2, p. 206 (cap. XXIII, 3).

237 - MARX, K. O capital..., vol. I, tomo 2, p. 207 (cap. XIII, 4).

238 - MARX, K. O capital..., vol. I, tomo 2, p. 208 (cap. XIII, 4).

239 - MARX, K. O capital..., vol. 1, tomo 2, p. 74-75 )cap. XIII, d).

240 - MARX, K. O capital..., vol. I, tomo 2, p. 208 (cap. XXIII, 4).

241 - MARX, K. O capital..., vol. I, tomo 2, p. 209 (cap. XXIII, 4).

242 - Ver QUIJANO, A. "El trabajo al final del siglo XX". Em: Ecuador debate. Quito: Centro Andino de Acción Popular, n. 74, agosto del 2008, p. 187-204.

243 - MARX, K. O capital..., vol. I, tomo 2, p. 210 (cap. XXIII, 4).

244 - ENGELS, F. "Esboço de uma crítica da economia política". Tradução de Maria Filomena Viegas. Em: NETTO, José Paulo (org.). Engels: política. São Paulo: Ática, 1981, p. 53-81.

245 - NETTO, J. P. "Apresentação". Em: ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. Tradução de B. A. Schumann. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 27.

246 - ENGELS, F. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. Tradução de B. A. Schumann. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 273.

247 - ENGELS, F. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, p. 41.

248 - ENGELS, F. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, p. 63.

249 - ENGELS, F. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, p. 125.

250 - ENGELS, F. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, p. 117.

251 - ENGELS, F. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, p. 126.

252 - ENGELS, F. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, p. 128.

253 - HOBSBAWM, Eric J. "Prólogo". Em: ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. Tradução de Analia C. Torres. Porto: Afrontamento, 1975, p. 14.

254 - ENGELS, F. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, p. 129.

255 - A título de registro, o termo "lumpemproletariado" aparece pela primeira vez em 1845 (MARX, K; ENGELS, F. A ideologia alemã..., p. 45 e passim), depois em pelo menos mais três textos: o de 1848 (MARX, K; ENGELS, F. Manifesto comunista, p. 49) entes de ser inserido na obra máxima de Marx de 1867 (MARX, K. O capital..., vol. I, tomo 2, p. 208), está também presente em várias passagens dos artigos sobre a França, de 1852 (MARX, K. "O 18 brumário de Luís Bonaparte". Em: ______ A revolução antes da revolução. São Paulo: Expressão Popular, vol. II, 2008, p. 217 etc.).

256 - ENGELS, F. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, p. 247.

257 - ENGELS,F. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, p. 248.

258 - ENGELS,F. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, p.250. Engels, aqui, utiliza ainda a oposição entre direitos e privilégios que caracterizaria o discurso transitório dos fundadores do socialismo científico de uma postura liberal-democrática (e, quanto ao direito, jusnaturalista) para uma posição comunista. Neste sentido, revisar os textos de Marx, escritos em 1842 na Gazeta renana, sobre a lei acerca do furto de madeira, em que esta oposição encontra-se marcada: MARX, K. Los debates de la Dieta renana. Traducción de Juan Luis Vermal y Antonia Garcia. Barcelona: Gedisa, 2007.

259 - ENGELS,F. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, p. 251.

260 - ENGELS,F. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, p. 252-253.

261 - "O salário depende da relação entre demanda e oferta, da conjuntura do mercado de trabalho, porque, até hoje, os operários deixaram-se tratar como coisas que se podem comprar e vender; quando decidirem não mais se deixar comprar e vender, quando se afirmarem como homens na determinação do valor efetivo do trabalho, quando demonstrarem que, além de força de trabalho, eles dispõem também de vontade, então toda a economia política moderna e as leis que regem o salário haverão de desaparecer". ENGELS, F. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, p. 253.

262 - ENGELS, F. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, p. 258.

263 - Lembremos que, assim como Marx, também Engels tomou ciência do movimento socialista francês, lendo Lorenz von Stein, dentre outros. Ver NETTO, J. P. "Apresentação", p. 23.

264 - ENGELS, F. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, p. 259.

265 - ENGELS, F. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, p. 261.

266 - Ver LENIN. "Sobre las huelgas". Em: Obras completas. Moscú: Progreso, tomo 4, 1981, P. 306-316.

267 - No relato de Engels, sobre a atuação de advocacia popular, "enquanto os operários punham à prova a paciência dos patrões, Roberts organizou infatigavelmente a greve e a agitação e percorreu a Inglaterra de ponta a ponta, recolhendo fundos para os grevistas, predicando a paz e a legalidade e, ao mesmo tempo, desencadeando contra o despotismo dos juízes de paz e contra os proprietários que utilizavam o truck system uma campanha de opinião pública inédita no país". No entanto, que não fique mal compreendida a opção pela "legalidade": "seu [dos trabalhadores] respeito pela legalidade não se deveu ao medo da borduna policial, mas resultou da reflexão e constituiu a melhor prova da inteligência e do autocontrole dos operários", pois "se tivessem apelado para a violência, desarmados como estavam, seriam massacrados e em poucos dias a vitória tocaria aos proprietários". ENGELS, F. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, p. 286 e 290.

268 - ENGELS, F. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, p. 271.

269 - ENGELS, F. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, p. 274.

270 - MARX, K. A guerra civil na França. Tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Boltempo, 2011, p. 59.

271 - ENGELS, F. "Introdução à Guerra civil na França, de Karl Marx (1891)". Em: MARX, Karl. A guerra civil na França. Tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2011, p. 197.

272 - Lembremos que a "questão social" foi o objeto de Engels no seu livro sobre a classe trabalhadora britânica e se refere, em suma, à pobreza; ainda, que a "sociedade" era o ponto nevrálgico dos primeiros escritos de Marx, inclusive os de 1843 a 1845, nos quais também estava marcadamente presente a questão da "democracia"; por fim, que tanto a idéia de "sociedade" quanto de "povo" aparecem e reaparecem em O capital, sendo que depois disso, a partir de 1868 e da tradução, em 1872, deste livro para o russo, o teórico revolucionário se debruça sobre a luta de classes na Rússia e chega a proclamar, por exemplo em um texto de 1877, que "se a Rússia prosseguir no rumo tomado depois de 1861 (ano da reforma que emancipou, legalmente, os servos na Rússia e abre caminho à implantação plena do capitalismo), ela perderá a melhor chance que a história já ofereceu a um povo, para, em vez disso, suportar todas as vicissitudes fatais do regime capitalista". MARX, K. "Carta à redação de Otechestvenye Zapiski, 1877", p. 66.