UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM MULHERES, GÊNERO E FEMINISMO IVANI ALMEIDA TELES DA SILVA ?PORTA ADENTRO?: FORMAÇÃO E VIVÊNCIAS DAS RECOLHIDAS DO SANTO NOME DE JESUS DE 1716 A 1867. SALVADOR 2011 IVANI ALMEIDA TELES DA SILVA ?PORTA ADENTRO?: FORMAÇÃO E VIVÊNCIAS DAS RECOLHIDAS DO SANTO NOME DE JESUS DE 1716 A 1867. Dissertação apresentada ao Programa de Estudos Interdisciplinares sobre Gênero, Mulher e Feminismo, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de mestre. Orientadora: Profa. Dra. Iole Macêdo Vanin SALVADOR 2011 ____________________________________________________________________ SILVA, Ivani Almeida Teles da. S586 Porta adentro: formação e vivências das recolhidas do Santo Nome de Jesus de 1716 a 1867 / Ivani Almeida Teles da Silva. Salvador, 2011. 2 f. 26 Orientadora: Profª. Drª. Iole Macêdo Vanin Dissertação (Mestrado) ? Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências humanas, 2011. 1. Mulheres. 2. Reclusão. 3. Formação educacional. 4. Cotidiano. 5. Poder. I. Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. II. Vanin, Iole Macêdo. III.Título. CDD .: 305.4 ______________________________________________________________________ IVANI ALMEIDA TELES DA SILVA ?PORTA ADENTRO?: FORMAÇÃO E VIVÊNCIAS DAS RECOLHIDAS DO SANTO NOME DE JESUS DE 1716 A 1867. Dissertação apresentada ao Programa de Estudos Interdisciplinares sobre Gênero, Mulher e Feminismo, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, UFBA, para obtenção do grau de mestre. Aprovada em 29 de julho de 2011 BANCA EXAMINADORA ___________________________________________________ IOLE MACEDO VANIN ? ORIENTADORA Doutora em História pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) ___________________________________________________ ROSÂNGELA COSTA ARAUJO Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) ___________________________________________________ LINA MARIA BRANDÃO DE ARAS Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) A minha filha, Luane Almeida e as mulheres da minha família. AGRADECIMENTOS Em um percurso tão longo e árduo de trabalho muitas são as pessoas que passam por nós e deixam as suas contribuições. O que torna mais difícil elencar ou eleger a quem agradecer, uma vez que, as solidariedades, os encontros, a troca de experiências e os muitos ensinamentos foram dados de múltiplas formas, mesmo quando não pareciam contribuir. Nesse sentido, começo agradecendo, primeiro, a essas pessoas que indiretamente tornaram-se apoio, mesmo não compreendendo o quanto foram importantes nessa trajetória, em especial, a minha família, composta de mulheres que ainda não concebem o quanto somos marcadas pelos papeis de gêneros, mas, todos os dias lutam para demarcar um lugar diferenciado daquilo que nos dizem que podemos fazer: Isabel, minha mãe, Isabela, minha irmã e minha tia Merilda. Essa última foi fundamental no apoio a minha filha, principalmente, nas minhas ausências. As amigas do coração, Maridalva, Neidinha e Adriane que compreenderam meu sumiço e com as quais partilhei algumas das angustias e do medo de falhar no percurso. Principalmente Maridalva, irmã de coração, que me compreendeu mesmo quando não falava da loucura de concentrar tantos papéis: estudante, profissional, mãe, dona de casa... As colegas do mestrado, todas passaram, com muita tranqüilidade, de companheiras do mestrado para ocupar o espaço de amigas. A elas, mulheres espetaculares, meu muito obrigado pelas conversas, passeios, observações e partilhas. A minha orientadora, Iole Vanin, que acompanhou este trabalho com a generosidade de quem está nesse papel para partilhar, e não apenas orientar. Obrigado por suas observações, indicações, indagações, disponibilidade e respeito pelo outro. Enfim, meu muito obrigado aos funcionários do Arquivo da Santa Casa de Misericórdia pela eficiência e paciência no atendimento as minhas solicitações, em particular a Rosana e Jorge. ?A história pode se fazer também a partir de palavras, ditas na privacidade, que se transformaram em textos escritos ? em diários, por exemplos. Aí, nessa infinita diversidade de palavras, na imensa complexidade dos fatos cotidianos, o historiador trabalha, ordenando as particularidades. Reagrupando as memórias femininas deixadas em cartas ou diários, o historiador vê-se diante do campo desconhecido das relações e eventos cotidianos, das relações de força e de poder microscópicas mas reais que emanam do campo da privacidade ou do campo econômico e social. As memórias femininas são então convertidas pela linguagem e pela escritura do próprio historiador, pois é ele que lhes dá sentido, ordem e legibilidade? Mary Del Priore RESUMO Esta dissertação apresenta a pesquisa ?Porta adentro?: formação e cotidiano das recolhidas do Santo Nome de Jesus de 1716 a 1867, que tem como finalidade compreender as transformações ocorridas nesse espaço a partir das discussões da época do que deveria ser o feminino e das dinâmicas criadas pelas internas que provocaram questionamentos sobre o tipo de formação que era destinado a elas. Busca-se, através da trajetória do próprio recolhimento e dos seus personagens, as diversas internas, os diferentes motivos que fizeram desse espaço uma alternativa viável para uma mudança de vida para esses indivíduos, seja através do almejado casamento, seja pela introdução de uma educação voltada para o trabalho. Ao mesmo tempo em que se constituiu um lugar de guarda da honra sexual da mulher fosse ela branca ou de cor. Palavra chaves: Mulheres ? Reclusão - Formação ? Cotidiano - Poder ABSTRACT This dissertation presents the research "through the door" formation and routine collected by the Holy Name of Jesus from 1716 to 1867, which aims to understand the changes occurring in this space from the discussions at the time of what should be the feminine and the dynamics created by internal provoked questions about the type of training that was aimed at them. Seeks, through the course of the gathering itself and its characters, the various internal, the different reasons that made this area a viable alternative to a life-changing for these individuals, either through the desired marriage, or by the introduction of an education focused on the job. At the same time that it was a place of custody of sexual honor of women, not matter if she was white or black. Keywords: Women - Solitude - Training - Daily Life - Power LISTA DE TABELAS TABELA 1 Tempo de permanência 76 TABELA 2 Expostas por raça de 1823 a 1860 77 TABELA 3 Órfãs por raça de 1823 a 1860 77 TABELA 4 Destino das recolhidas por classe 1823 a 1860 78 TABELA 5 Sendo expostas por raça 1823 a 1860 79 TABELA 6 Sendo órfãs de números por raça 1823 a 1860 79 TABELA 7 Números de mulheres por idade 204 LISTA DE ABREVIATURAS APEB Arquivo Público do Estado da Bahia ASCMBA Arquivo da Santa Casa da Misericórdia da Bahia MA Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia RMRJ Recolhimento da Misericórdia do Rio de Janeiro RSNJ Recolhimento do Santo Nome de Jesus SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................................................ 12 1 UMA AÇÃO CONTRA OS PERIGOS DO MUNDO: O RECOLHIMENTO DO SANTO NOME DE JESUS................................................................................................ 24 1.1 SALVADOR, UMA CIDADE DE CONTRASTES........................ 24 1.2 A MANTENEDORA, MISERICÓRDIA DA BAHIA, DA CARIDADE AO ASSISTENCIALISMO......................................... 37 1.3 O SANTO NOME DE JESUS: UMA AÇÃO CONTA OS PERIGOS DO MUNDO.................................................................. 50 1.4 ÓRFÃS DE NÚMERO, EXPOSTAS E PORCIONISTAS............... 82 1.4.1 Órfãs em Número.............................................................................. 82 1.4.2 As Expostas ou Enjeitadas: as filhas da casa.................................... 92 1.4.3 Porcionistas: homens ausentes, mulheres recolhidas..................... 98 2 VIVÊNCIAS E FORMAÇÃO DAS RECOLHIDAS DO SANTO NOME DE JESUS....................................................... 112 2.1 PORTA ADENTRO: AS VIVÊNCIAS DAS RECOLHIDAS DO SANTO NOME DE JESUS............................................................... 112 2.2 EDUCAR NO SANTO NOME: CONSTRUÇÃO DE UM PROJETO........................................................................................... 132 2.2.1 Ocupação e controle.......................................................................... 150 3 MANUAIS QUE MORALIZAM, TRABALHO QUE OCUPA.......................................................................... 167 3.1 OS MANUAIS.................................................................................... 167 3.2 SIMÃO DE NANTUA OU O MERCADOR DE FEIRA................... 168 3.3 AS CARTAS AMERICANAS .......................................................... 175 3.4 TRABALHAR ENQUANTO O CASAMENTO NÃO VEM........... 182 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................ 210 FONTES PRIMARIAS.............................................................. 212 REFERÊNCIAS............................................................................... 214 12 INTRODUÇÃO As feministas, nos anos 60, no campo da História, em suas bandeiras de luta, reivindicaram as suas participações na Academia. Como historiadoras buscavam retratar uma produção que tratasse das feituras femininas. Segundo Le Goff ( 2005), ?a partir dessa década, consolidou-se um novo pensar sobre a história?. Se as sociedades evoluíam, a produção histórica também deveria ser repensada, o mundo em ebulição, com seus movimentos sociais, não encontravam respaldo em uma História que priorizava apenas o político ou o econômico. Nesse sentido, Scott (1990) tem afirmado que, a ?História não pode e não é, apenas, uma narrativa de algo ou sobre algo, como até então se concebeu, ou ainda se quer conceber?. Ao contrário, essa narrativa é constituidora das diferenças. Enquanto discurso, tem legitimado ou negligenciado como as diferenças entre os gêneros são produzidas ao longo do tempo. O resgate da produção historiográfica tem demonstrado que a dominância de uma produção que privilegiou fatos políticos ou econômicos negou o cotidiano, com a riqueza das suas relações sociais, uma vez que, por muito tempo, os sujeitos da história foram os grandes feitos ou os grandes homens. Problematizando a produção historiográfica tradicional, Burke (1992) acrescenta que ?esta produção esteve associada à concepção positivista de ciência que surgiu ligada às transformações da sociedade européia ocidental na industrialização?. E, segundo essa forma de pensamento, cabia à história um levantamento científico dos fatos, sem procurar interpretá- los, deixando a Sociologia a sua interpretação. Sob essa perspectiva, a História tornou-se uma sucessão de acontecimentos isolados. Para Escandón  e /e *off  a ?reOatiYi]ação? desse tipo de produção sy pode ser justificada se aceitarmos que, como narrativa, a historiografia é um conjunto de escritos sobre determinados temas, a partir de um ponto de vista histórico. Uma vez que não existe realidade histórica acabada, que entregaria por si própria ao historiador e, assim como qualquer homem da ciência, ele faz sua opção diante da realidade. Portanto, a produção histórica nunca foi neutra, ao contrário, ela está inserida dentro de uma concepção de ciência, de sujeito, de objeto. Outra abordagem historiográfica ganhou espaço na produção acadêmica. Influenciado por Karl Marx e Friedrich Engels que ao criticar o capitalismo como formas de organização social elaboram uma nova concepção filosófica do mundo (materialismo dialético). A partir dessa visão, a luta de classes é o motor da história. Ou seja, o ponto de partida para o 13 conhecimento da realidade são as relações que os homens mantêm com a natureza e com os outros homens; não são as ideias que provocam as transformações, mas as condições materiais e as relações entre os homens. Todavia, essas transformações não se constroem de forma linear, mas em um processo dialético, dinâmico, onde a luta de classes é seu grande dinamizador. Nessa abordagem, o sujeito histórico não é mais um indivíduo, mas o coletivo. O conflito é construído nas relações entre os coletivos, entre as classes. A classe é entendida como realidades objetivas decorrentes de posições que os sujeitos ocupam na estrutura produtiva. Possuir ou não o capital define o pertencimento a uma das classes fundamentais: burgueses ou proletariados. São essas posições, segundo o materialismo histórico, que implicam na criação de interesses e orientações que permitiriam uma ação comum entre os membros de uma mesma classe. Ou seja, o materialismo histórico contribuiu, decisivamente, para se pensar na dinamicidade do processo histórico, na dialética desse processo, negando linearidade da concepção positivista da história, mas, observando que, a realidade social, traz dentro de si o princípio de sua própria contradição. Ao pensar essas contradições, o Marxismo propõe a transformação através da revolução, aliando a prática e a teoria, uma vez que, ao problematizar, teoricamente, a realidade social, eles devolveram uma teorização que propõe um caminho para a transformação desse real. Contudo, o marxismo não via as especificidades dos grupos que formavam a massa homogênea que eles denominam de classe proletariada. Essa classe idealizada a partir da observação do proletariado inglês tem um sexo: masculino; E uma cor: branca. Proclamada como sujeito universal da História, as reflexões marxistas não conseguiram perceber que as experiências de homens e mulheres davam um colorido diferente às suas vivências como classe trabalhadora. Para Andréa Nye (1995), a revolução socialista não retirou a mulher da sua condição de dominada. A dominação da mulher passava pela contestação do modelo familiar, da ideia de propriedade do homem em relação à mulher e da necessidade desse homem assegurar sua prole. Escandón (1999) argumenta que, a divisão sexual do trabalho, vista pelo marxismo, onde o homem tem a reprodução da vida material e a mulher a reprodução biológica, além de trazer a ideia e uma separação excludente entre a esfera pública e privada, denota uma desvalorização das atividades femininas no interior do lar, privando a mulher de uma remuneração por essa tarefa. Esse não reconhecimento do trabalho doméstico da mulher como um produto de mercado, desvaloriza, também, o preço do seu trabalho no mercado mais 14 amplo, resultando na ideia da mulher como um sujeito ahistórico, uma vez que, a mesma, está associada ao mundo privado. Nesta perspectiva, a produção da história não é o relato dos grandes acontecimentos humanos e dos grandes homens, será a problematização das relações sociais a partir das suas relações produtivas e, nesse aspecto, as mulheres seriam relatadas dentro de uma visão de sujeito coletivo: a classe operária e a parte do público. O resultado disso é a exclusão da mesma da narração histórica, visto que, em sua grande maioria, as mulheres estavam no mundo do doméstico, do privado, o qual não tinha valor como espaço de transformação. As dinâmicas , nessa visão da historia, acontecem no mundo das relações produtivas. O problema, como demonstra as discussões feministas, é que nem tudo é só classe. Essa perspectiva marxista reforça a opressão sobre as mulheres, ou invisibiliza, ou não pensa como as diferenças de gênero se refletem em uma divisão sexual do trabalho que reproduziam o lugar de dominada para as mulheres. Mas se as relações sociais são dinâmicas, como afirmou o próprio Marx, outros atores sociais reivindicariam o seu lugar no palco da história. A Escola dos Annales, com March Bloch e Lucien Febvre, abriu uma discussão sobre a possibilidade de pensar outros indivíduos sociais. Le Gof afirma que a Escola dos Annales, que se iniciou em 1920, enunciou uma incontestável crise das ciências sociais e da própria noção de social. Questionava-se se haveria realmente uma divisão entre o econômico e o social. Não seriam ambas as esferas das relações sociais dos indivíduos? Para este autor, a revisão do que seria social refletia as transformações ocorridas após a grande guerra mundial e, mais adiante, todas as reivindicações dos movimentos sociais, entre eles, dos movimentos negros e do movimento feminista, e que se refletiu na crise da ideia de uma história total. A História Social e, mais tarde, a Nova História Cultural, ampliou esse novo fazer histórico, ampliou-se também a ideia de fontes para além do documento oficial. A incorporação de novos temas como a infância, a morte, a privacidade, o medo, o corpo, a família e dentro dela a mulher exigia um fazer histórico diferente. Nesse novo fazer e, diante de outras fontes, reforçou ou mesmo buscou-se o diálogo com as outras disciplinas como Estátiscas, Antropologia, Sociologia. Era a busca pela interdisciplinaridade para a produção histórica. Era necessário transgredir as fronteiras das disciplinas para permitir que os outros sujeitos históricos fossem abordados. A História das Mulheres encontrou, nesse momento, um campo fértil para ser produzida. Todavia, não era apenas a transgressão das fronteiras que precisava ser questionada, era preciso rever outras bases da História para contemplar esses 15 novos sujeitos, para nos contemplar. Repensa-se a noção de fato histórico, a ideia de neutraOidade retirando a ?inocrncia? da produção do documento Visto que, O documento não é inocente, não decorre apenas da escolha do historiador, ele próprio parcialmente determinado por sua época e seu meio; o documento é produzido consciente ou inconscientemente pelas sociedades do passado, tanto para impor uma imaJem desse passado quanto para di]er a ?Yerdade? /E *2/)) 2005, p.76) A própria produção do documento já revela ou limita as percepções sobre determinada realidade. É preciso desconstruir o documento para descobrir sua condição de produção, para, então, perceber o que não está sendo dito ou com que intencionalidade determinados discursos são registrados ou construídos. Pensando nisso, o fato histórico passa a ser, não só, uma construção do historiador, mas da própria escolha dos documentos. O que não significa como afirma Lê Goff (2005) que haja inverdade na produção histórica, mas há uma percepção parcial daquilo que se deseja relatar. Para Freitas (2000), a afirmação que o fato histórico é uma construção, possibilita a historiografia lançar um novo olhar sobre o que já foi visto +i sempre um noYo oOKar que apanKa o ?o noYo? quando eOe não p o noYo mas a repetição; que percebe a ruptura quando ela falseou a realidade e tornou-se persistência, continuidade (uma vez tragédia outra vez farsa?) [Talvez] a historiografia esteja fadada a ser sempre uma por história das idéias e uma vez que sua ocupação com o registro está impregnada das impressões (fantasmagóricas ou não) do não registrado. (FREITAS, 2000, p.9) Esses novos olhares revelam novos detalhes, novas leituras em relação aos acontecimentos sociais, permitindo que os sujeitos marginais da história emerjam como agentes do processo histórico. É preciso compreender, também, que as percepções dessas histórias plurais se constroem não nas rupturas, mas em uma efervescência anterior e, nesse sentido, a ideia de tempo, também precisa ser revisitada. Segundo Schimitt (2005) Os marginais são justamente os que escapam a todas as essas estruturas de integrações numerosas e complementares. Eles são a- sociais em relação a sociedade dominante. Mas se revelam em um cotidiano tão significativo e dramático quanto dos grandes homens. No entanto, esse cotidiano, essas vivencias não se revelam em um tempo curto, imediato,ao contrário , as historias marginais se revelam precisamente em um tempo de longa duração, por trás da crosta dos acontecimento demasiado legíveis e que é licito organizar em estruturas sucessiva de um sistema. Do que a dos movimentos e das rupturas até então privilegiada. (Schimitt, 2005, p. 87 e 88) 16 A produção historiográfica vem redescobrindo a possibilidade de falar através do cotidiano, em busca de contemplar as infinitas histórias. Nesse sentido, as discussões pós- modernas aprofundam as problematizações em torno da construção histórica e afirma que a contemplação dos marginais na produção cientifica, de forma geral, vai para além do que é ciência, objeto, verdade, neutralidade ou não, mas, da própria ideia de sujeito. As múltiplas identidades, as infinidades possibilidades de se pensar os gêneros, não mais o gênero masculino ou o feminino, porém, os femininos e os masculinos, as feminilidades ou masculinidades, ou mesmo o trânsito entre elas, interroga a ciência diante do questionamento de que sujeito se fala? Nesse sentido, a compreensão da História vai além da busca dos fatos políticos, econômicos, sociais, mas trata de entender esses contextos a partir da ação e construção dessas infinitas identidades. Maria Izilda (2000) afirma que o crescimento da produção historiográfica e a incorporação de novos sujeitos permitiram apontar que não se trata apenas de incorporá-los, não se trata apenas de introduzir as mulheres no interior de uma grande narrativa pronta, quer mostrando que tanto elas quanto eles atuaram, quer destacando as diferenças entre ambos, muitas vezes naturalizando essas diferenças. O que se quer é reconKecer que e[istem muitos Jrneros muitos ?femininos? e ? mascuOinos? 2 que ser quer p reconhecer a diferença dentro da diferença p desfa]er noç}es aEstratas de ?muOKer? e ?Komem? enquanto identidades a-históricas e essencialistas, para pensar as mulheres e os homens como diversidade no bojo de suas interrelações. É dentro dessa perspectiva de revisão de fato histórico, noção de documentos e tempo que recorto a minha investigação para pensar na produção de uma História das Mulheres na Bahia, a partir do revisitar, ou melhor, narrar, problematizar o cotidiano do Recolhimento do Santo Nome de Jesus1. É importante salientar que nos estudos sobre as mulheres, recolhimentos e conventos são vistos como espaços de formação, portanto, produtores de identidade. Na produção historiográfica tradicional, falar sobre esses espaços era falar sobre uma identidade natural, não se problematizando interesses ou como a formação contribuiu para construção do gênero feminino, nem tão pouco se considerou as infinitas articulações das mulheres que povoaram esses espaços, para pensar como elas lidaram com um perfil idealizado acerca de si. O enclausuramento, portanto, não representou apenas a prática de uma sociedade, mas, o como elas se articulavam e viviam essa prática. Para tanto, é preciso quebrar com os 1 Apresentação será feita na I parte da dissertação. 17 modelos que aprisionam o masculino e o feminino, e pensar em construções. Estudiosos como Gilberto Freyre, por exemplo, aprisionaram as mulheres em um modelo ideal do que deveria ser o feminino, não cabendo pensar, em como estes sujeitos eram capazes de subverter a ordem, uma vez que, elas eram tutelas e dominadas, subservientes dentro de uma ordem patriarcal. Estudos recentes têm mostrado que esse perfil de mulher não apenas está equivocado, como revela uma visão parcial e androcêntrica da História. Segundo Del Priore (1995), a prática científica, por meio da pesquisa e da produção intelectual, somada a condições de vida materialmente difíceis e hostis a implantação do projeto feminista, levaram as primeiras revisões sobre a historiografia. Nos anos 80 e depois de uma farta produção, os historiadores se perguntavam em que os estudos sobre a mulher teriam modificado a história tradicional ou renovado seus métodos. Uma nova questão se colocava, não bastava retratar as mulheres, era preciso fazer novas perguntas. Nesse sentido, nos aproximamos de uma perspectiva feminista que coloca em questão a visão androcêntrica da História e reafirma que é preciso reconhecer a parcialidade da produção, dos recortes, um olhar guiado a partir de escolhas de abordagens, de categorias, de questionamentos, de concepções, o que não a faz menos verídica, mas, a faz menos absoluta. É com que esse olhar que revisitamos as leituras possíveis sobre conventos e recolhimentos a fim de problematizar as vivências desses indivíduos no contexto do enclausuramento. As motivações, os significados e os aspectos formadores dessas mulheres que estiveram dentro desse espaço em uma época de tantas indagações sobre qual perfil deveriam ter a mulher no século XIX. O que me colocou diante de alguns questionamentos: o que teria motivado essa mudança? A tentativa de construir uma proposta educacional para o Recolhimento do Santo Nome de Jesus (1716 a 1867) visava responder aos comportamentos das recolhidas, a mudança de perfil das internas ou as discussões da época sobre a educação feminina? A partir desses questionamentos busco analisar como as representações de gênero, raça/etnia influenciaram na construção de uma proposta formação e vivencias das recolhidas do Santo Nome de Jesus de 1716 a 1867. Nesse sentido, pontuarei a trajetória do Recolhimento do Santo Nome de Jesus, perfil das recolhidas e tentarei demonstrar que a formação objetivada pelo recolhimento teve como finalidade imputar às internas, através da educação moral e trabalho, um padrão feminino socialmente aceito. Para esse fim, optei por trabalhar com algumas categorias como experiência, gênero/relações patriarcais de gênero, cor e poder. 18 Joan Scott (1990) definindo gênero como categoria de análise, afirma que a sua inclusão como categoria analítica possibilita a produção de uma nova história. Contudo, é preciso ir além das relações entre experiências masculinas e femininas, mas se perguntar como gênero dá um sentido a organização e a percepção do conhecimento histórico. Para tanto, a autora, apresenta a definição que busquei trabalhar nessa produção: gênero é ?um elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os se[os e o Jrnero p um primeiro modo de siJnificar poder? Contudo essa constituição não se dá longe da noção de uma sociedade fundada em elementos patriarcais, onde o masculino é alicerçado como uma figura superior. Nesse aspecto as relações de gênero se dão dentro do campo das relações patriarcais. Em lógica de dominação-exploração presentes no patriarcado. É preciso pensar também como nessa sociedade patriarcal o masculino que se impõe como dominante, como afirma Saffiote (2000), o que não significa que o dominado não faça cunhas no poder do opressor. Nesse sentido, é preciso pensar como essa formação se construiu em meio a tensões e conflitos de interesses, demonstrando como vivenciar a condição de ser mulher, na condição de clausura, em uma sociedade patriarcal, representou a não sujeição total desses indivíduos, como também, suas transgressões não as tornaram heroínas contra a opressão, mas, as constituíram sujeitos, que dentro dos limites impostos a elas, viveram a reclusão de diferentes formas. Outro aspecto que, a compreensão de gênero, como categoria de análise, pode possibilitar é que o processo de construção das relações de gênero, implica em representações simbólicas e conceitos normativos que perpassam as instituições jurídicas, educacionais, religiosas, por exemplo. No caso do RSNJ, este, ao longo do tempo, tornou-se um espaço educacional que trabalhava e construía uma representação de mulher ancorada, não apenas, em um modelo religioso, mas, em um projeto educacional que buscava a constituição de indivíduos úteis e civilizados para a sociedade. Os manuais de bom comportamento, a preocupação com as regras, a formação para o trabalho, deveria dar conta de todo tipo de individuo que se estabeleceu nesse espaço, fossem elas, brancas ou de cor. Nesse sentido, matrimônio e trabalho, não são caminhos excludentes, mas alternativas possíveis para aquelas que fossem marcadas de forma diferenciada por uma sociedade que vivenciava a experiência da escravidão. Gênero e raça se cruzam para determinar os lugares ocupados por elas dentro e fora do RSNJ. O que me remete a outra reflexão, a Santa Casa de Misericórdia da Bahia, representada pela MA, simbolizava e desempenhava a ideia do poder paterno, cuja função era 19 o de controlar o corpo das filhas, sobretudo, quando chegavam à adolescência, ocupar e casar, ou seja, trabalho e casamento tornam-se caminhos de controle desses sujeitos. Se haviam diferenças entre elas, uma vez que as mulheres brancas eram as idealizadas para o casamento, a formação para alguma atividade, daria as outras, alguma possibilidade de vida que as distanciassem da ociosidade e de perdição. Retomemos a reflexão de Jane Flax Os estudos das relações de gênero acarreta pelo menos dois níveis de análise: o gênero como uma construção ou categoria do pensamento que nos ajuda a entender histórias e mundos sociais particulares; e o gênero como uma relação social que entra em todas as atividades e relações sociais e parcialmente as constitui ( FLAX, 1991, p. 228/229) Como relação social prática, o gênero pode ser entendido somente através de um exame detalhado dos significados de masculino e feminino, bem como da certeza de que, esses significados variam, de acordo com a cultura, a classe, raça e época. No caso do RSNJ, ser mulher, branca ou de cor, possibilitava a elas lugares diferentes de entrada no Recolhimento, bem como, a associação delas com a condição jurídica: livres ou cativas. A cor foi então, uma categoria importante para pensar os lugares ocupados por essas internas. Compreendo-a como um elemento demarcador da construção da ideia de raça. E, nesse sentido, uma construção ideológica, onde a pigmentação da pele, associada à escravidão, a um estatuto jurídico de liberdade ou não, torna-se um elemento definidor da condição dos indivíduos na sociedade. A sociedade portuguesa estabelecia diferenças entre as pessoas a partir da ideia de impureza do sangue. Negros e seus descendentes foram construídos dentro da sociedade brasileira como os ?impuros? aqueOes que não partiOKaYam das caractertsticas dos eOementos de presttJio do coOoni]ador incOuindo a OiEerdade $ condição de ?serYidão? foi direcionada para aquele grupo que não apresenta elementos fenótipos que o associassem ao colonizador. Cor e estatuto jurídico era o limite entre escravo e o colonizador. Essa sociedade se organizou a partir de uma diferenciação/segregação dos indivíduos baseado no que Carlos Moore denomina de sistema de pigmetocrático Nesse tipo de formação, são as diferenciações da cor da pele, da textura do cabelo, da forma dos lábios e da configuração do nariz que determinam o status coletivo e individual das pessoas na sociedade. Nessa sociedade, a hierarquia ancora-se também em critérios raciológicos baseados na cor e no fenótipo ( feições) . Classe social, a linhagem, a estirpe ou a raça- na sua definição sócio ? histórica- se confundem com as diferenciações e gradações fenotípicas. (MOORE, 2007, p. 202) 20 Seguindo essa vertente, Carlos Moore (2007) ainda acrescenta: Essas diferenciações, obtidas mediante o fracionamento incessante do segmento do dominado, são o resultado de uma política deliberada de miscigenação. A ordem hierárquica neste tipo de sociedade gira em torno de dois pólos excludentes: um pólo permanentemente subalterno, constituído por populações que exibem um conjunto de feições e cores associadas ao segmento historicamente dominador. (MOORE, 2007, p. 202) Nos documentos analisados, a condição de órfãs, bem como o pertencimento, no caso de serem porcionistas, a determinadas camadas sociais não eram as únicas referências para distinções entre as recolhidas. Algumas eram consideradas filhas da Santa Casa, por terem sido acolhidas na Roda dos Expostos e a cor impunha uma condição diferenciada a essas mulheres. Quando associava a cor à condição jurídica, cativa ou liberta, ela poderiam acessar esse espaço na situação de servas. A omissão, em alguns períodos, principalmente no século XVIII, da cor das recolhidas, nos impõe questionamentos, se, de fato, elas não foram acolhidas, nesse momento, nesse espaço, uma vez que, no final do século XVIII, havia a preocupação de estabelecer no estatuto quem poderia ser as servas do Recolhimento, levando-me a pensar, que, provavelmente, essas mulheres estavam presentes, em condições não muito bem definidas. Saliento, ainda, que, pensar o RSNJ, a partir dessas categorias, só foi possível por tentar levar em consideração a experiência dessas mulheres. As vivências da formação de gênero, bem como a sua racialização, é percebida somente na medida em que buscamos pensar esses indivíduos como pessoas que experimentam suas situações e relações das mais diversas maneiras e agem, por sua vez, sobre elas. Não são sujeitos autônomos, indivíduos livres, pois fazem escolhas, submetem e são submetidos em contextos reais e jogos de poder do qual participam e são também objetos, mas, não podem deixar de ser agenciadas. Nesse aspecto é necessário pensar a experiência, a partir de Thompson (1981) e Foucault (2004) como a ação de se reconhecer e se constituir como sujeitos, levando em consideração os jogos dos quais fazem parte. É uma dupla construção, a de histórias pelos sujeitos, a dos sujeitos nas histórias. Outra categoria importante é a concepção de poder. Esses sujeitos são construídos e se constroem a partir das suas vivencias, experiências, em uma relação constante de negociação e conflito, relações perpassadas pelo exercício de poderes. E nesse aspecto, poder é compreendido a partir das discussões de Foucault (1979), onde o poder é uma ação sobre outras ações. Não é possível pensar em um centro emanador de poder, mas de micro-poderes 21 que agem nas relações sociais. No RSNJ, as ações da MA refletiam ao desejo de se constituir uma ideal de mulher requerido pela sociedade e, para tanto, desenvolveram técnicas de disciplinamento para consegui esse objetivo, as recolhidas, por sua vez, também agiram a partir ou contra essas técnicas. Portanto, é necessário compreender esse espaço como um local constante de negociação. As internas, em muitos momentos, foram fazendo cunhas, nas ações da MA. Para essa análise, o recorte temporal de 1716 a 1867, se justifica por compreender que, entender, a formação dessas mulheres recolhidas, suas vivências e a atuação da Instituição, só seriam possíveis se, apreendesse, o percurso de existência do RSNJ, uma vez que, foram nas duas épocas, século XVIII e XIX, que ele apresenta suas mudanças, isto é, de casa de passagem para uma casa de permanência que buscava construir uma proposta de formação para as internas. Nesse aspecto, alguns documentos foram fundamentais para a construção desse trabalho, tais como as atas e os livros de acordos da Mesa Administrativa da Santa Casa de Misericórdia que me permitiu traçar um perfil, através das discussões da MA, da instituição, objetivo, mudanças, cotidiano e a que público estava destinado. Os Termos de Entrada e Saída das Recolhidas que possibilitou estabelecer condições de entrada e saídas das internas, a origem e a identificação racial dessas mulheres. Devo acrescentar que nem todos os termos me possibilitaram a identificação dessas informações, principalmente, os que se referiam ao século XVIII. Referente ao século XIX encontrei um número maior de informações. Em relação aos termos de saída, as informações foram, ainda, mais genéricas. Nesse sentido, a busca de correspondências avulsas que relatassem os pedidos dirigidos a MA para o internamento das mulheres, possibilitou-me inferir sobre as motivações de entradas dessas internas, que alguns desses pedidos foram indeferidos, mas nos permitiu observar quais as justificadas encaminhadas a MA para a solicitação da reclusão. Outro conjunto documental que contribuiu para pensar no perfil das recolhidas foram os Termos das Expostas (os). A partir do século XIX, muitas das meninas que saiam da Casa dos Expostos eram encaminhadas ao RSNJ. Nesses documentos, encontrei uma riqueza de detalhes, como é comum a essa documentação, com a descrição física e o registro de algumas cartas que acompanhavam esses indivíduos abandonados, permitindo pensar sobre a importância do assistencialismo da Santa Casa para com esses sujeitos. 22 As correspondências avulsas, aliadas as atas e livros de acordos, também possibilitaram pensar na dinâmica da instituição, como essas mulheres viviam a clausura. Saliento que, apesar de falar delas e desse cotidiano através dos olhares masculinos, uma vez que, poucos foram os momentos, que a fala foi dada a essas mulheres, ainda assim, o incômodo presente nos relatos, a necessidade da imposição de regras, levam a perceber como, nesse espaço, esses indivíduos experimentam suas situações e relações de gênero e cor como elas são constituídas em um campo de negociação e conflito. Metodologicamente, esse trabalho foi construído em um processo constante de costura das pequenas informações, uma vez que, esses documentos, principalmente, as informações das atas, registros de correspondências e acordos, bem como as correspondências avulsas, com exceção dos termos de entrada e saída que se organizam em livros específicos, todos, apresentavam as discussões sobre o RSNJ dispersos em assuntos variados, trazidos para apreciação pela MA. Foi necessário estabelecer uma lógica de diálogo entre os documentos, procurando compreender como eles eram produzidos pela Santa Casa de Misericórdia. Foi imprescindível compreender a elaboração dos documentos pela MA para encontrar as informações sobre o RSNJ e suas internas. Buscando contemplar essas considerações, a dissertação foi dividida em três partes. No primeiro capitulo intituOada ?8ma ação contra os periJos do mundo: o 5ecoOKimento do 6anto 1ome de -esus? apresentei a cidade de Salvador, com sua população, para entender a atuação da Santa Casa de Misericórdia e a fundação e a necessidade desse estabelecimento de mulheres, bem como traçar um perfil de quem era essas internas. Nesse sentido, essa primeira parte foi subdividida em: Salvador, uma cidade de contraste; A Mantenedora, a Misericórdia da Bahia, da caridade ao assistencialismo; O Santo Nome de Jesus: uma ação contra os perigos do mundo; Orfãos de número, expostas e porcionistas. O segundo capitulo denominado ?9iYrncias e formação das recoOKidas do 6anto 1ome de -esus? Eusquei apresentar o cotidiano dentro desse espaço a atuação da 0esa Administrativa como mantenedora e a ação das recolhidas que ora atendia ao que se esperava da condição de ser mulher, ora apresentavam comportamentos quer provocavam questionamentos do que era e deveria a sua formação. O terceiro capitulo, designado de ?0anuais que moraOi]am traEaOKo que ocupa? demonstro como a partir das vivencias e discussões da época sobre o que deveria representar a mulher para a sociedade da época, a Santa Casa de Misericórdia da Bahia tentou construir um projeto educacional que aliasse ensinamentos morais a formação para o trabalho. Mesmo não 23 abrindo mão de casá-la, este, buscou alternativas para a sobrevivência daquelas que não alçassem essa condição. Nesse sentido, convido-os a adentrar nesse espaço, ainda pouco conhecido na historiografia baiana, mas que revela, com riqueza de detalhes, aspectos importantes para a compreensão da história das mulheres. 24 1 UMA AÇÃO CONTRA OS PERIGOS DO MUNDO: O RECOLHIMENTO DO SANTO NOME DE JESUS 1.1 SALVADOR: UMA CIDADE DE CONTRASTES Ao longo do processo de colonização portuguesa, diante do declínio de seu comércio com as Índias e a possibilidade de perder as terras recém conquistadas, a Coroa portuguesa resolveu empreender, no século XVI, o que foi a primeira grande tentativa de ocupação das terras brasileiras. Segundo Azevedo (1969), nos primeiros trinta anos do Brasil português, a ação de Portugal para com esse espaço recém conquistado parece uma incógnita, a partir da perda do comércio oriental e as desilusões com o ouro africano, levou a metrópole a procurar desenvolver nas novas terras outro baluarte da economia lusitana. Nesse sentido, do simples reconhecimento da possessão conquistada e fundação de feitorias para guarda e exploração de pau-brasil, Portugal passou a um sistemático plano de ocupação do novo território, que se deu inicialmente com a implantação das capitanias hereditárias e, mais tarde, com a política dos governos-gerais iniciada por Tomé de Souza, cujo objetivo era edificar um núcleo administrativo da metrópole na colônia, para levar adiante os planos econômicos e de povoamento no Brasil português. Conforme Cid Teixeira (2001), a escolha do sítio respondeu as concepções medievais de defesa, coexistindo com as franquias de um porto inserido nos tempos mercantilistas que já marcavam sua presença, reforçando a ideia de que a fundação da cidade deveria cumprir não apenas um papel administrativo, mas também econômico. Gandelman (2005) confirma essa concepção quando assegura que ?a localização da Cidade de Salvador foi propositalmente escolhida, priorizando a ligação da terra com o mar?. Dividida em duas áreas, a Cidade Alta que reunia a parte nobre de Salvador, com o Palácio do Governador, Colégio dos Jesuítas, o Mosteiro Beneditino, Franciscano e Carmelita, a Praça da Sé Catedral, a Misericórdia, o Palácio dos Bispos, as casas urbanas dos plantadores de cana e as casas dos funcionários da governança, além dos prédios da câmara e tesouro. A parte baixa respondeu ao que a capital da colônia portuguesa nas Américas mais tarde se caracterizou como um grande entreposto comercial. Nela concentravam-se as atividades ligadas ao mar e ao comércio, com seus armazéns e trapiches, dando o ritmo e a dinâmica urbana da cidade. Para além da característica comercial, segundo Gandelman (2005), Salvador, assim como a ?Cidade do Porto? e, mais tarde, o Rio de Janeiro pode ser 25 qualificada como ?Porto do Mar? 2u seMa era um território que tinha como função ligar os mares navegados e dominados pelos portugueses as rotas imperiais de comércio, levando-a a ser considerada, durante três séculos, um dos mais importantes núcleos comerciais do Império português. De fato, no século XVIII, Salvador já havia se transformado em uma cidade comercial e militar, sede do governo colonial e importante centro administrativo do Império português na América. Sobre isso, Cid Teixeira afirma: $queOa ?Ease? da naYeJação e aqueOe centro administratiYo da coO{nia do %rasiO logo ganharam outras faces, outros desempenhos, outra importância. A identificação, ao redor da Baia de Todos dos Santos, da melhor terra que se podia requerer para a implantação da agroindústria do açúcar. Logo, já não éramos apenas um lugar remoto nas lonjuras do Atlântico Sul, de utilidade exclusiva para a Coroa Portuguesa. Esta Cidade era a grande doca de embarque da produção açucareira do Recôncavo; era, a partir daí, um centro de finanças internacionais atraindo homens de negócio não só de Portugal, beneficiados por privilégios e estancos, como flamengos de nação (TEIXEIRA, 2001, p.6) Essa percepção sobre a soterópolis justificaria a afirmação de Russel-Wood (1981) de que esse espaço, ao longo do tempo, cresceu em importância, tamanho e prosperidade. Governadores de diversas capitanias dirigiam-se em primeira instância ao governo ? geral da Bahia. Não apenas por esta representar administrativamente a Coroa portuguesa, mas por ter se transformado, no decorrer do seu percurso, em um centro comercial importante, tornando-a habilitada e legitimada por Portugal para gerir seus próprios problemas, como assistir igualmente as diversas capitanias que se estabeleceram na Colônia. Apesar de Russel?Wood (1981) sugerir essa relação política entre as capitanias baianas e outras capitanias, Mattoso (1992) salienta que havia uma grande dificuldade de comunicação e interação entre esses territórios. Saint- Hilaire apud Mattoso, visitante dessa cidade, no final desse período, pontuou Cada capitania possuía seu pequeno tesouro; a comunicação entre elas era difícil e frequentemente elas até ignoravam reciprocamente sua existência. Não havia um centro comum no Brasil: existia um circulo imenso, cujos raios convergiam para muito longe da circunferência. Consequência: cada capitão-governador-geral parecia ser um senhor em sua casa, exercendo plena autoridade sobre a justiça, as finanças e o exército? 0$7TOSO, 1992, p. 23) Entretanto, não podemos desconsiderar que, ao fazer de Salvador a sede do governo geral, Portugal não tenha favorecido outro olhar sobre a capitania baiana. Aliado a isso, no século XVIII, a cidade de Salvador já era um centro de negócios que se refletia na sua relação 26 com o Recôncavo e o Sertão e com outras regiões da colônia como Minas e Piauí. Segundo 0attoso a ?&apitaO não pode ser dissociada da Eata da quaO p ciosa Juardiã mas também não pode ser de sua hinterlandia2, esse Recôncavo celeiro de açúcar e de farinha. A cidade da Bahia está ligada a sua imediata hinterlândias agrícola, pois é o seu elo com o mundo e[terior? 0$77262  p  2 sertão por sua Ye] Euscou nos porto de Salvador, nos lombos de burros ou em carros de boi não apenas produtos para a subsistência da sua população como forneceu a carne para o consumo na capital. Para Matta (2000) essas relações que a capital estabeleceu com essas regiões se justificavam por causa da principal atividade da cidade: a exportação de bens de consumo produzidos no Recôncavo3 para o exterior e sua importância como depósito de bens, vindos de Lisboa para serem revendidos no Brasil, efetivando Salvador, no século XVIII e, mais tarde, no século XIX como uma cidade comercial. Thales de Azevedo (1960), em suas impressões sobre a cidade de Salvador no final do século XVII e início do século XVIII, demonstra a relação desta com a região das Minas4 e como esse crescimento econômico era apresentado no comportamento de alguns indivíduos da população. Conforme ele, havia na cidade um grande número de negociantes, portugueses na maioria, brasileiros e alguns estrangeiros que não só faziam questão de ostentar suas riquezas, como não escondia sua ligação com a crescente região mineira. Para Azevedo (1960, p.180) era: [...] grande a quantidade de escravos e os ricos, sobretudo damas, faziam garbo de passear em palanquins pelas ruas mais importantes e concorridas, refletindo a idade de ouro dos grandes dias do açúcar e que então eram mantidos pelos lucros dos contrabandos do ouro recebido das Minas em troca de gado, mantimentos, fazendas e negros que se remetiam clandestinamente. João José Reis (2004) acrescenta, ainda, que se a Bahia vivia da exportação de açúcar, produzido nos engenhos do Recôncavo pelos escravos, foi no final do século XVIII que experimentou um importante surto de prosperidade provocado principalmente pela Reformas 2 Hinterlândia (do alemão hinterland) é uma área ou distrito junto às bordas de uma costa ou rio. Especificamente, a palavra é aplicada a região de terra junto a um porto, de direito do estado que responde pela costa. A área de onde produtos são entregues a um porto para embarque é chamada de hinterlândia do porto 3 Segundo Mattoso (1992) além do açúcar podemos identificar diferentes gêneros alimentícios que viam do Recôncavo para o porto da cidade. 4 Castele (2000) afirma que no século XVIII Minas Gerais emergiu como importante centro de produção aurífera. Salvador, dentro desse contexto, tornou-se um importante centro de escoamento de produtos de primeiras necessidades para Minas Gerais, que desenvolvia em seu entorno um importante comércio para o abastecimento da população que se edificava em busca do ouro. 27 Pombalinas5, que dinamizaram as formas de comércio e acabaram com o principal concorrente da economia canavieira que era o Haiti. Ou seja, no século XVIII, na Bahia, os engenhos se multiplicaram, as exportações cresceram, o preço do açúcar subiu. Foi o cenário propício para que Salvador se transformasse em uma importante metrópole comercial. Outro aspecto a ser considerado é o religioso. A fundação das irmandades, festejos e procissões também comporia o cenário dessa cidade nos séculos XVIII e XIX, para além desses aspectos econômicos e políticos, Costa e Silva (2000) apresenta a cidade de Salvador com um importante centro da administração eclesiástica. Como primeiro bispado criado no Brasil, a Bahia e, em especial, Salvador, respirava as práticas e ensinamentos religiosos católicos. Citando o Papa Júlio III, o autor destaca que ele previa essa cidade como centro episcopal Implementando o propósito real que estava a criar na Capitania da Baia de Todos os Santos, um centro de poder estável e seguro, equidistante das capitanias ao norte e ao sul, elegeu a cidade e igreja sob a invocação do mesmo Santo Salvador do Mundo, e nelas instituiu a dignidade episcopal com Sé [...] bispo que deverá ser chamada de São Salvador, para presidir a mesma Igreja, nessa acrópole, erguida em asilo para guarda e refúgio dos cristãos que ali habitam e fadada a ser notável quer pela fertilidade dos campos, que pela benignidade do clima, frequência de povo e comércio? &267$ e 6,/9$  p  Em termos populacionais, segundo Mattoso (1992), as informações disponíveis sobre a sua estrutura e evolução não são satisfatórias, pois apenas no século XVIII começaram a aparecer números globais que, ainda assim, devem ser utilizados com muita prudência, pois são resultados de simples avaliações ou de recenseamentos não controláveis. Mattoso (1992) afirma que no século XIX, apenas o recenseamento de 1872, podemos identificar uma distribuição da população por sexo, idade, cor e origem. Segundo a autora, a partir dele, chegamos a algumas ordens de grandeza interessantes. Admitindo-se as hipóteses de que se começa a trabalhar na idade de dez anos( em algumas camadas sociais numericamente majoritárias) e de que a faixa dos sessenta anos é a idade-limite da vida ativa, mais de 2/3 dos baianos integravam, em 1872, uma população ativa capaz de sustentar seus jovens e velhos. Esses percentuais são de 64,8% para homens livres, 64,7% para mulheres livres, 69,5% para homens escravos e 70,2% para mulheres escravas. ( MATTOSO, 1992, p. 95) 5 Segundo Castele (2000), na segunda metade do século XVIII, a Coroa Portuguesa, representada por Sebastião José de Carvalho, conhecido como Marquês de Pombal, influenciado pelas idéias iluministas, buscou dinamizar a administração pública do seu país e maximizar os lucros provenientes da exploração da colônia. 28 Contudo, alguns autores como Risério (2005) se permitem fazer algumas considerações sobre a população de Salvador. Uma delas é que Salvador foi, ao longo do século XVI, uma sociedade em processo contínuo de mestiçagem, apesar de todas as desigualdades existentes entre os grupos que a constituiriam. Este autor apóia-se, principalmente, na ideia Luiz Felipe de Alencastro (1985) de que houve duas eras na mestiçagem moderna. A primeira estendeu-se de 1500 a 1825, que retratou o grande comércio marítimo e a evangelização da Igreja Católica; e, a segunda de 1850 a 1950, sob a ideia da formação de um Estado-Nação e do racismo científico. O Brasil estaria inserido, no seu contínuo processo de miscigenação, na primeira era. Outro autor, que também se arrisca a fazer suposições sobre a população soteropolitana durante esse período é Matta (2000). Para ele, apesar da fragilidade dos dados, como afirma Mattoso (1992), pode-se diferenciar-se, nesse momento, duas categorias bem distintas. Em boa parte do século XVII e XVIII encontramos um grupo formado por senhores, produtores e grandes comerciantes; a outra, constituída por elementos livres pobres que não recebiam benefícios da prosperidade da lavoura ou do grande comércio e escravos. Contudo, ainda que concordemos com o autor que havia, nesse momento, duas categorias bem distintas, não podemos desconsiderar as observações de Schwarcz, que afirma No mundo dos engenhos, a mobilidade que permitia a transformação de lavradores em proprietários, escravos em libertos, trabalhadores em patrões, ou simplesmente, de negro em branco, foi mais evidente nas categorias de trabalhadores assalariados, que sempre estiveram presentes no processo do fabrico do açúcar. (SCHWARCZ, 1988, p.261). Mesmo nos séculos XVII e XVIII, não é possível ignorar a formação de um grupo intermediário, que, para Matta (2000), se tornou mais perceptível no final do século XVIII e, especialmente, no século XIX, com o gradativo crescimento econômico, que provocou uma circulação de bens e mercadorias para o abastecimento interno, fazendo surgir outras categorias intermediárias, quase todas ligadas a atividades mercantis ou aos serviços urbanos. 7ais como ?traEaOKos mais refinados que não podiam ser reaOi]ados por escraYos PrecisaYam de mãos-de-obra para atender aos novos ofícios mecânicos ligados ao avanço tecnológico, serviços comerciais e de escrityrio que e[iJiam mais preparo? 0$77$  p É importante salientar que, mesmo nesse momento, a possibilidade da mobilidade social já estava presente. Os diferentes grupos sociais que se formavam nesse período eram também resultados das diferentes estratégias que utilizavam para acessarem essa mobilidade 29 social, que apesar de presente, não era tão fácil de conseguir. A ascensão econômica nem sempre representou reconhecimento social. Bezerra (2010) afirma que, no cotidiano vivido na sociedade colonial do século XVIII, em Pernambuco, pode-se perceber um considerável número de pardos com boa condição econômica, mas sem inserção social. Julgados por sua ascendência, alguns desses sujeitos, não desfrutavam das suas posições de prestígio, por serem considerados inferiores aos brancos. Pensando na Bahia, acredito que, não foi diferente. Pontes (2000), apesar de centrar seu estudo no século XIX, nos dá certa dimensão de como esse grupo social, essa camada de mestiços, que se formou paulatinamente, movia-se a partir dos olhares, de um dito grupo social branco, seja da elite, seja dos menos abastados, com desconfiança e mal estar, mas que não puderam ignorar o grande número deles presentes na sociedade soteropolitana. Nos estudos em Thales de Azevedo (1960), Schwarcz (1988), João Reis (1991) e Mattoso (1992), do ano de 1587 a 1808, com variações temporais entre os anos, a população de Salvador, variou de 4.000 a 51.112 mil habitantes, sendo que 1775 foi registrado um contingente populacional de 34.253 pessoas divididas em 28% de brancos e 72% não-brancos. Em 1808, dos 51.112 indivíduos presentes na cidade, 20,4% eram brancos e 79,6% eram não brancos. O que nos remete à discussão que Thales de Azevedo apresenta no livro ?2 povoamento da Cidade de Salvador?, onde ele afirma que a mestiçagem foi, desde cedo, uma alternativa para o povoamento da Colônia. Segundo Thales de Azevedo A população da cidade do Salvador iria crescer rapidamente, ultrapassando os acanhados limites fortificados desta. A escassez de mulheres brancas, que muito poucas famílias viram na expedição, ia ter o efeito paradoxal de favorecer aquele crescimento com a extraordinária natalidade resultante da união de muitos colonos com duas, três e até quatro índias, coisa que era corrente na terra entre os habitantes da vila do Pereira e que não tardou a ser imitada pelos que chegaram em 49. Enquanto os índios eram violentamente submetidos e tomados para escravos ou para mandar vender no reino,as negras[ da terra] eram raptadas ou presas para mancebas dos brancos. (AZEVEDO, 1960, p.137) Outro autor que salienta essa alternativa para a formação da população do Brasil português, é Caio Prado Junior (1994). Segundo esse autor, de fato houve nas novas terras uma mestiçagem generalizada a partir de três combinações possíveis - branco-negro, branco- índio, negro ? índio. Esses cruzados se estenderam de forma mais intensa em uma ou outra região, mas de uma maneira geral predominou o primeiro cruzamento. No caso de Salvador, ?o YoOume de neJros e o maior contato com os Erancos tinKa contriEutdo? para que essa miscigenação se estabelecesse na região. (PRADO JÚNIOR, 1994, p.109) 30 Noto que, ainda que os dados do século XVIII, não nos deem uma divisão precisa da sociedade baiana, é visível que a miscigenação foi um traço marcante desse período. Quando volto à análise de Schwarcz (1989), sobre a mobilidade social que essa sociedade permitiu, verifico que já nos setecentos o modelo baiano de sociedade que iria imperar, era um modelo hierarquizado, contudo, não simplista, dividido em grupos estanques de senhores e escravos. Ao contrário, como afirma Schwarcz (1989), uma sociedade marcada por um estatuto jurídico, de livres e cativos que associado a prática da mestiçagem e a prática da alforria, criaram uma nova e, cada vez, numerosa massa de homens livres e não brancos, que deveriam ser enquadrados em algum lugar na escala social. E, se não alçaram a condição de serem considerados ?os Erancos da terra? ou a eOite da sociedade Eaiana peOa associação da condição jurídica, de cor e riqueza, muitos desses mestiços compuseram os estratos sociais intermediários. O século XIX, por sua vez, até a sua segunda metade viveu um período de prosperidade econômica não muito distante da experienciada no século XVIII. Comerciantes e proprietários ligados a atividades de exportação continuavam obtendo lucros. Todavia, segundo João Reis (2004), a prosperidade durou até a Independência. Seguiu-se, então, uma crise da produção açucareira provocada pela concorrência tanto da produção do açúcar cubano como pela produção do mesmo produto a partir da beterraba na Europa. Outros produtos, como o algodão e o fumo, que também faziam parte dos produtos de exportação da economia agro-exportadora baiana declinaram, o primeiro em função da concorrência americana e, o outro, pela perda da sua utilidade como moeda de troca6 por escravos na África. Vale lembrar que a imposição das leis contra o tráfico de negros já se fazia sentir no Brasil desde 1845 7 Associado a isso, conforme Risério (2005), a Bahia viveu um período de reestruturação do seu comércio com a expulsão dos portugueses após o processo de independência, uma vez que grande número de negociantes lusos que, havia se estabelecido na província, com as lutas pelo processo de independência, não encontrou condições favoráveis para sua permanência. 6 Chiavenato (1987) o fumo foi de grande importância, porque não apenas foi cultivado em terras de menor valor, como foi largamente utilizado como produto exportador para a África através da prática do comércio de escravos. 7 Segundo Casteli (2000) A independência do Brasil teve apoio inglês, mas seu reconhecimento como nação dependia da renovação dos acordos assinados com a corte portuguesa em 1810. Entre esses acordos estava o Tratado de 1826 onde o Brasil se comprometia a extinguir gradativamente o trafico negreiro até 1830. Diante da resistência dos fazendeiros brasileiros e o crescente interesse da Inglaterra em ampliar o seu mercado consumidor no Brasil e no mundo, 8 de agosto de 1845 a Inglaterra promulga, de forma unilateral, o Tratado de Bill Aberdeen que proibia o comercio de escravos entre a África e a América. 31 Na década seguinte, entre 1830 e 1833, experimentou a província uma grave crise de abastecimento que atingiu os viveres básicos da população: a carne e a farinha de mandioca. João Reis descreve assim esse período: Na freguesia de Santo Antonio Além do Carmo, todos os momentos aparecem desordem e clamores, principalmente [ entre] os pobres que vivem atualmente exasperados. Neste mesmo ano, o presidente da província pediu explicações a Câmara Municipal de Salvador sobre a razão de haver o preço da carne verde ?suEido ao e[traordinirio preço atuaO? 2s Yereadores responderam que os confOitos sociais, o crescimento da população e as secas no Piauí e Goiás, tradicionais fornecedores do produto, explicavam a escassez e os altos preços. Mas os atravessadores seriam também responsáveis pela crise no abastecimento. (JOÃO REIS, 2004, p. 42) Politicamente, a Província da Bahia era uma efervescência de questionamentos que resultavam em movimentos cuja adesão dos diferentes setores da sociedade era patente. Em 25 de outubro de 1824 sucedeu na Bahia o Levante dos Periquitos8 que, segundo Tavares (2001), esteve ligado à frustração da Província da Bahia na institucionalização do Império, mas, também, de um indicativo grande da inquietação social e instabilidade política que caracterizavam o primeiro império em todas as províncias. Nos anos de 1829, 1830 e 1831 sucederam-se alguns incidentes na cidade de Salvador e do Recôncavo conhecido como Mata- Maroto, de forte sentimento antilusitano 1831, 1832 e 1833. Em 1837, a Sabinada caracterizou o forte sentimento de inquietação social que se estabeleceu na Bahia, reivindicando mudanças que variavam da abolição da escravidão a um estado parcialmente livre. Para além dessas revoltas que eram compostas por indivíduos dos diferentes seguimentos sociais, homens livres e, também, pobres, não se pode esquecer, como afirma Mattoso, que o século XIX foi marcado por muitas sublevações de escravos: Entre 1808 e 1850, a descolonização e a instalação de um novo Estado Brasileiro deram lugar a lutas políticas e tensões sociais entre a população livre da cidade. A partir de 1850 os conflitos tornaram-se menos frequentes, mas não perderam a gravidade, atestando a fragilidade das bases econômicas da vida cotidiana dos baianos. Em todos, os interesses se superpõem e se embaralham. Entre 1807 e 1835, quase todas as forma marcados por revoltas de negros. (MATTOSO, 1992, p.451) 8 Tavares (2001) salienta que a institucionalização do império revelou um Estado Monárquico unitário autoritário e centralizador. 32 A população, sem dúvida, não conseguia esquecer as constantes insurreições dos escravos, principalmente a Revolta dos Malês9. Essa insurreição ocorreu entre os dias 25 e 27 de janeiro de 1835. Os principais personagens desta revolta foram os negros islâmicos que exerciam atividades livres, conhecidos como negros de ganho (alfaiates, pequenos comerciantes, artesãos, carregadores, sangradores e carpinteiros). Apesar de livres, sofriam muita discriminação por serem negros e seguidores do islamismo. Influenciados pelo desejo de liberdade, esses negros promoveram na Cidade a maior rebelião urbana e negra do período. Entre 1850 e 1855 a cidade soteropolitana ainda assistiu a graves problemas endêmicos. Condições sanitárias e higiênicas precárias possibilitaram um surto de febre amarela e cólera que deixou milhares de mortos. Em 1858, assistiram - se, segundo Mattoso, mais uma revolta, que se inscreveu num período de crises epidêmicas, misturadas a problemas de abastecimento da cidade de Salvador. Era a revolta do dia 28 de fevereiro de 1858 que caracteri]ou o cKamado motim da ?&arne sem 2sso e )arinKa sem &aroço?10 e a Revolta das Recolhidas do Santo Nome de Jesus11 que veremos mais adiante. A Bahia e Salvador, como sua cidade mais importante e, muitas vezes, palco desses movimentos que ocorreram no século XIX, era celeiro de manifestações sociais e crises econômicas. Então, o que se pensar dessa população que viveu todas essas transformações que ocorreram nesse período? Matta caracteriza a sociedade oitocentista, em quatro categorias fundamentais, não muito distante da sociedade do século XVIII: No topo da estrutura social estavam as classes dirigentes, compostas basicamente por altos funcionários do governo, dentro os quais se destacam magistrados, administradores, eclesiásticos e oficiais militares. Nesta camada estavam ainda grandes comerciantes e proprietários de terra. A seguir, havia uma camada intermediária formada por funcionários públicos e menos importantes, alguns profissionais liberais, comerciantes, tabernários e mestres de ofícios nobres. A terceira camada estava formada por funcionários subalternos, oficias mecânicos, pequenos comerciantes, vendeiros, ambulantes e pescadores. A quarta camada era composta basicamente pelos escravos, a força dos trabalhos da época, mas também mendiJos e YaJaEundos ? MATTA, 2000, p.34) 9 Ver REIS, João. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835. 10 Segundo João Reis (1996) foi um motim ocorrido na Bahia, em 1858, contra a carestia que ocorria na Província, especialmente dos principais gêneros alimentícios da população: carne e farinha 11 Ainda segundo esse autor, bem como Luis Henrique Dias Tavares ( 2001), Kátia Mattoso ( 1992), no mesmo dia, processou dentro do recolhimento uma revolta realizada pela recolhidas contra a presença das Irmãs de Caridade, que dirigiam o espaço. Esse fato serviu de estopim para o desencadeamento do Motim Carne sem osso, farinha sem caroço. A revolta das recolhidas foi estudada por mim no trabalho monográfico ?5epresentação da ciYiOidade feminina na %aKia do spcuOo ;,;: $ reYoOta das recoOKidas do 6anto 1ome de Jesus em 1858. 33 Assim como Mattoso (1992), Matta (2000) salienta a diversidade de grupos na sociedade do século XIX. Citando Caio Prado Junior ela afirma que, para esse autor, por um lado é possível identificar com exatidão dois grupos sociais: os senhores e os escravos. Entre eOes se comprimia um n~mero Jrande de outras cateJorias: ?descOassificados dos in~teis e inadaptados indiYtduos de ocupaç}es incertas e aOeatyrias ou sem ocupaç}es aOJuma? +aYeria ainda uma suEcateJoria ?formada por YaJaEundos sem empreJos que se tornavam criminosos? Para eOe esses Jrupos seriam formados por neJros pardos e tndios que estaYam excluídos de garantir uma situação estável nessa sociedade demarcada pela riqueza da terra, comércio e privilégio da cor. Nesse sentido, Fernando de Azevedo se aproxima da visão de Caio Prado ao afirmar que: Se quisermos ter uma imagem da diversidade da estrutura social e econômica da sociedade colonial, no Nordeste e no Recôncavo, temos de figurar toda uma hierarquia lançada sobre a base da escravidão, em que se sucedem de algo para baixo, como camadas superpostas, a aristocracia da terra, a burguesia urbana de caráter mercantil, a massa informe do povo e a plebe, indisciplinada e turbulenta, sempre disposta a se acender a reação ou a abalar, pela reYoOta o ediftcio sociaO? (AZEVEDO, 1980, p. 86-87 apud MATTOSO, 1992, P.580 ) Fraga Filho (1994), por sua vez, ainda que reconheça essa diversidade que se estrutura a partir do final do século XVIII e boa parte do século XIX, salienta que, ainda assim, podemos verificar uma sociedade onde as marcas das desigualdades sociais se verificavam em torno de um binômio senhores e escravos, brancos e negros, ricos e pobres. Contudo, podemos deduzir a partir dessas discussões feitas por Matta (2000), Mattoso (1992) e Fraga Filho (1994) que o século XIX, refletia uma profunda desigualdade social, que não se limitava apenas aos milhares de africanos e seus descendentes, que apesar de produzir, na sua maioria, a riqueza dessa sociedade, encontrava-se alijada dela. Outros grupos sociais também viviam de forma contundente esse processo de distribuição desigual de riqueza, na colônia. Para João Reis (2004) a riqueza estava concentrada nas mãos de poucos: as 10% mais ricas controlavam 67% da riqueza; 30% mais pobres só detinham 1%. Mattoso (1992) estima que cerca de  da popuOação de 6aOYador no spcuOo ;,; YiYia no ?Oimiar da poEre]a? 2s pobres eram, principalmente, negros e pardos, mas os indivíduos brancos também se encontravam formando os grupos de mendigos e vagabundos que transitavam na cidade e causavam mal-estar entre transeuntes e ao poder público, chegando ao ponto de, na segunda metade do século XIX, o governo estabelecer patrulhas em busca de vadios itinerantes e daqueles com pontos fixos. Como afirma Fraga Filho (1996), a mendicância e vadiagem 34 passaram a ser problema de policia, a vadiagem e a mendicância como reflexos das crises econômicas que empurravam essa população de indivíduos livres para as ocupações passageiras e para a condição de mendigos. Não devemos desconsiderar como a cor, como sugeriu Mattoso (1992), interferiu na efetivação desses indivíduos em atividades que lhes possibilitassem sustentos dignos. O que se refletia na recusa em desempenhar atividades que os remetessem à condição de escravos. Para João Reis a mobilidade na sociedade baiana não era impossível, apesar de difícil, todavia a cor da pele e posição social frequentemente se confundia na sociedade coOoniaO ?$ elite era considerada ou se via como branca, apesar de serem vistos pelos portugueses como Jrupos inferiores 2s Erancos Eaianos por sua Ye] discriminaYam caEras muOatos e pretos? (REIS, 2004, p. 39). Esse preconceito contra os mestiços dificultava sua ascensão ou carreira nas atividades onde eles não dependiam do acesso a terra para estabelecer uma vida em condições razoáveis, como nas carreiras de funcionários públicos e forças armadas. Kátia Mattoso (1992) corrobora com a ideia trazida por João Reis (2004) quando demonstra, em Opulência e Riqueza na Bahia que, era perceptível a pobreza de seus escravos, a miséria dos libertos e da maioria dos mulatos desempregados. As desigualdades entre Erancos poEres e ?Erancos da terra instaOados nos meOKores carJos da administração e do clero, ou que se tornaram proprietários de engenhos, só podem ser avaliadas pelo cotidiano YiYido? 0$7TOSO, 1992, p.147). Para Mattoso a opulência na Bahia, nem sempre esteve ligada à riqueza, de fato, de algumas famílias. O parecer e aparecer teriam caracterizado muito mais a vida cotidiana das famílias brancas ou tidas como brancas dessa sociedade do que à riqueza real. Para Soares (2007), para além da cor como fator hierarquizante, muitos senhores de engenho que não eram tão ricos, foram considerados importantes, levando-se em consideração o prestígio social em detrimento de um poder econômico. Reforçando a ideia de que, na prática, na sociedade baiana a opulência, nem sempre foi sinônimo de riqueza de fato, revelando uma estrutura social que convivia com os altos e baixos de uma economia que se caracterizava pelo latifúndio, monocultura e agro- exportação. Nesse contexto alguns indivíduos estavam mais suscetíveis às vivências da pobreza e às intempéries do mundo colonial: crianças e mulheres constituíam grupos, especialmente, preocupantes. O primeiro por despertar uma maior comoção na população e, o segundo, pela preocupação moralista que cercava o seu comportamento dentro da sociedade colonial. A 35 pobreza feminina não estava dissociada da possibilidade de conduzir essa mulher a uma vida desregrada. Gandelman (2005) corrobora com essa ideia, salientando que, a partir do século XVIII, ocorreu uma tendência à feminização das instituições de assistência, caracterizada por ?KaYer uma maior popuOação feminina entre os assistidos por uma determinada instituição mas igualmente a tendência final das instituições a se especializarem exclusivamente na assistrncia feminina? GANDELMAN  p  5eYeOando possiYeOmente uma ?demanda objetiva das mulheres por auxílio na condição de trabalhadoras não-qualificadas e, cujos ganhos eram menores que dos homens, isso quando tinham alguma renda, impossibilitando, em certos casos a soEreYiYrncia aut{noma? GANDELMAN, 2005, p.58). Além disso, as mulheres não estavam vulneráveis à pobreza apenas por questões laborais, mas, também, pelos arranjos construídos dentro da própria sociedade, tais como: impedimento de transmissão de patrimônio, limitações na gestão de bens, honras familiares ligadas à honra das mulheres e tentativas de limitar sua atuação no espaço público. Segundo Esteler, para avaliar as condições nas quais as mulheres vivenciavam as suas possibilidades de sobrevivência, p necessirio OeYar em consideração: ?6ua posição no discurso dos tratadistas moralistas e religiosos; seu estatuto jurídico e papel na transmissão de heranças e gerenciamento do patrimônio familiar; sua inserção no mundo do trabalho (produção e circuOação de recursos ? E67E/E5  apud GANDELMAN, 2005, p.59). No Brasil, durante o século XIX, as mulheres casadas, a fim de exercerem alguma atividade comercial, dependiam da autorização do marido. E, refletindo sobre este aspecto jurídico, cabe pensar, na influência do Código Civil Napoleônico na legislação brasileira, onde a mulher vigorou como cidadã de segunda classe, próxima aos loucos e aos menores. Silmara Brandão (2007) destaca que esta organização jurídica refletiu o universo patriarcal que esteve submetido à mulher. Sendo o masculino, o agente social, cabia ao homem decidir e controlar o destino delas, que só se emancipavam aos 25 anos. O que nos remete a pensar, como esse contexto, de ausência de direitos e vulnerabilidade social, levava as mulheres a serem objeto de preocupação e ação da sociedade para com elas. Nesse sentido, uma das ações que se tornaram comum em relação às mulheres foi a busca por espaços que pudessem atender as suas necessidades materiais, mas, sobretudo, as necessidades dos homens de controlar e tutelá-las. Segundo Algranti (1993), para a sociedade colonial, pobreza e miséria levavam, indiscutivelmente, as donzelas e as viúvas à dissolução dos costumes e, em última instância, à prostituição. 36 Pensando na Cidade de Salvador, Graciela Rodrigues Gonçalves (2000), leva-nos a perceber que, em especial no século XIX12, vários foram os momentos que a população soteropolitana sofreu com a escassez e aumento dos preços de alimentos provocados por intensas secas que se deram na Bahia. Para ela, essa situação, gerou, em alguns momentos, desajustes sociais causados pela presença dos retirantes, homens e mulheres marcadas pela fome e doenças. Nesse aspecto, embora a Coroa portuguesa não visse com bons olhos e não se interessasse em fundar casas conventuais, mais tarde abrindo exceções para os recolhimentos, não raro, foi um recurso bastante utilizado, não apenas para dar conta da condição de pobreza pela qual algumas mulheres vivenciavam, como atendia a concepção masculina da necessidade de guardá-las, fossem elas esposas, filhas ou irmãs. De diferentes funções, a guarda sempre esteve implícita nas práticas do recolhimento ou conventos. Afirma Mattoso (1992) sobre a presença das ordens religiosas na Bahia e sobre as suas práticas sobre a fundação de conventos e recolhimentos: Além de garantir retiro para mulheres, muitas vezes viúvas ou abandonadas pelos maridos, os recolhimentos abrigavam moças órfãs ou separadas de suas famílias, ex- prostitutas em vias de regeneração (chamadas madalenas) e mulheres dedicadas à vida monástica, que usavam hábito, praticavam a clausura e faziam votos particulares, raramente reconhecidas pela Coroa. Havia ainda casos ? necessariamente autorizados pela autoridade coloniais ou eclesiástica ? de refúgio de esposas maltratadas e de reclusão de outras, suspeitas de adultério ou mau comportamento (MATTOSO, 1992, p. 373) A prática de ação que se estabeleceu na sociedade baiana do século XVIII e XIX, em relação às mulheres, não apenas reflete toda a contradição econômica que levava determinados indivíduos a vivenciar a pobreza de forma mais intensa e constante, por estarem à margem do processo de produção, como a sua condição de gênero e cor impunha como essa assistência deveria ser realizada. A situação de pobreza poderia e gerava uma atitude, uma ação caritativa em relação a esse indivíduo que no caso do nosso estudo, em relação ao RSNJ, essa ação assistencialista foi direcionada para a construção de um determinado papel feminino: a de mãe e esposa, onde a reclusão era o caminho para a construção desses papéis. Nesse sentido, a Misericórdia da Bahia se transformou em um importante caminho de aquisição de status para o feminino. Segundo Ana Amélia Vieira Nascimento, a ação de dotar e, mais tarde, de recoOKer praticada peOa 6anta &asa da 0isericyrdia ?JeraYa uma proteção econômica e social para as mulheres que tinham acesso a essas atividades da Misericórdia, 12 Ver páginas 21 e 22 da dissertação. 37 fortaOecendo a insuficiente estrutura sociaO de então? 1$6&,0E172  p  2u, pelo menos, amenizando a condição de pobreza desses grupos, em uma sociedade onde as desigualdades de oportunidades geravam uma massa de necessitados. Contudo, essa prática não pode ser entendida, se não levarmos em consideração que essa ?massa de necessitados? tamEpm YiYia no atendimento as suas necessidades, as contradições das bases que estruturavam a sociedade soteropolitana. Uma sociedade, marcada, não apenas, pela divisão entre ricos e pobres, mas em livres e cativos, entre brancos, negros e não- brancos. E que, de alguma forma, também, irá acessar esses espaços. E, na busca da assistência, tais características iram servir como critérios diferenciadores para a ação caritativa que tinha em sua base as concepções e práticas caritativas e assistencialistas da sociedade portuguesa. 1.2 A MANTENEDORA, MISERICÓRDIA DA BAHIA, DA CARIDADE AO ASSISTENCIALISMO Até o século XVI figurou na Europa uma concepção de caridade associado a um forte sentimento religioso. Os sentimentos de piedade, clemência e caridade se misturavam em busca da Salvação. Segundo Siqueira (2009), havia nessa Europa Medieval um forte elogio a pobreza, um desapego às coisas terrenas e materiais que demonstravam a grandeza do indivíduo. Nesse sentido, essa noção de poEre]a que impOicaYa ?doação? de aOJo para aOJupm agregou o elogio da esmola ao da salvação. De acordo com a autora, inicialmente, essa concepção prevaleceu em toda Europa Medieval, aos poucos, com as transformações assistidas pelas grandes navegações, desenvolvimento das ciências, a efetivação de um pensamento secular que começaram no século XVI e ganhou reforço no século XVIII com novas mudanças econômicas, como o processo de industrialização, com o humanismo e o iluminismo, questionou uma prática caritativa de doação por doação; ao passo que, com essas novas mudanças econômicas, a Europa assistiu a um aumento da pobreza, das massas de pobres nos centros urbanos, causando não apenas preocupação com esse cenário, como constrangimento a um continente que se civilizava. Era, portanto, necessário tornar os pobres úteis a esse processo civilizador. É dentro desse contexto que posso entender a prática da caridade na sociedade portuguesa, que, por muito tempo, foi marcada por um forte sentimento escatológico. 38 Segundo Russel ? Wood (1981) e Siqueira (2009) o ideário da doutrina cristã, em Portugal, assim como boa parte da Europa, difundiu por princípios que sustentavam a dependência social da pobreza e da caridade. Para esses autores, era comum em Portugal a prática de dar esmolas, principalmente, através de instituições de beneficência mantenedoras caritativas cristãs medievais, como mercearias, que eram tipos de asilos onde os pobres eram recolhidos, e onde se rezava pelas almas dos beneficiadores, assim como a prática dos bodos, que constituía a distribuição de alimentos aos necessitados. Observamos, nos exemplos dados por eles, que o Eeneficio YinKa carreJado de uma oEriJação para com a aOma do ?proYedor? do beneficiador da caridade, havendo uma preocupação dessa ação caritativa, não com uma vida terrena, mas com um cuidado com a alma, revelando o princípio do cristianismo que é a salvação. A ação para com o outro era um caminho para a salvação de si. Não havia nessa prática o ideal de transformação da condição desses indivíduos, mas apenas a ideia de conforto do necessitado e da consciência de quem proporcionava essa prática. A partir desse modeOo de ?assistrncia? no spcuOo ;9 foi criada a mais ?siJnificativa e permanente instituição de assistência portuguesa: a Irmandade da Misericórdia, que veio para o Brasil aliada ao projeto colonizador, e retrata uma concepção cristã [...] era a forma dos mais ricos exercitarem a caridade e ascenderem ao reino do cpu? 6,48E,5$  p Nesse sentido, as doações para a Santa Casa de Misericórdia não privilegiava uma forma específica de atendimento, mas a fazia atuar em todas as formas de auxílio aos necessitados, fossem eles pobres, doentes, alienados, presos, órfãos desamparados, inválidos, viúvas pobres, mortos sem caixão, predominando a prática de recolher contribuições dos mais afortunados para dar assistência aos menos afortunados. Reforçando a ideia de que a salvação poderia ser conseguida através de ações positivas e onde as Santas Casas de Misericórdia se revelavam não apenas um espaço importante de alento para os necessitados, mas um caminho para a efetivação de boas ações que pudesse levar os indivíduos à remissão dos seus pecados. Na fundação da primeira Misericórdia o cronista Luiz de Souza afirmou ?que aOJuns cidadãos de Lisboa, que passeavam no acro da Sé, viram passar um padecente, para o qual se implorava a misericórdia de Deus e d´ahi lhes nascera o pensamento de fundar a Irmandade da Misericórdia? (ASCMBA. Livro de registro, 87A, 1829, p.7). O Irmão Manoel José de Figueredo Leite sobre a criação da primeira Misericórdia acrescentou que: 39 Em /isEoa a  de aEriO de  um aOYari e[primia? Eu EO ? Rey faço saber aos que este alvará vir que o Provincial da Ordem da SS. Trindade e Redenção de Cativos me enviou a dizer por sua petição, que o Padre Mestre Fr. Miguel de Contreiras, Religioso de sua Ordem, com outros pios varões que para isso ajuntara, instituirá nesta cidade a mui illustre Irmandade da Santa Misericórdia, donde manarão as mais que haviam neste reino de Portugal e seus senhorios. (ASCMBA. Livro de registro,1862, p.3) Russel ? Wood (1981), estudioso das Santas Casas da Misericórdia, salientou que a Irmandade de Nossa Senhora, Mãe de Deus, Virgem Maria da Misericórdia, foi consagrada no dia 15 de agosto de 1498 e, segundo a tradição, os fundadores foram um grupo de leigos e um frade trinitário. A nova Irmandade teria sido aprovada pela Regente D. Leonor e confirmada por seu irmão, o Rei D. Manuel I. Teriam em sua organização 100 membros entre nobres e plebeus e deveria proporcionar auxílio espiritual e material aos necessitados não apenas da metrópole, mas no processo de conquista e colonização portuguesa, nas colônias. A transposição das Misericórdias para além-mar também não pode ser dissociada de uma reação da Igreja Católica à Reforma Protestante que provocou, através da Contra- reforma, a necessidade de expansão da fé cristã, que se deu principalmente, através da ação da Companhia de Jesus, ou seja, da ação dos jesuítas. Segundo Castele (2000), no processo de colonização do Brasil e de várias partes da América, os europeus viram a cultura dos habitantes dessas terras com ares de superioridade. Os indígenas eram considerados selvagens sem reOiJião ?6em fp sem rei nem Oei e desta maneira YiYem sem Mustiça e desordenamento? 'entro dessa OyJica PortuJaO imp{s aos territyrios conquistados não apenas elementos de sua cultura, mas uma organização e instituições administrativas que possibilitassem afirmar esses territórios como extensão do seu. Foi gente comum que transportou para o Brasil uma estrutura comunitária como a que existia nas vilas e cidades que haviam deixado em Portugal. A câmara ou conselho municipal, e as irmandades leigas eram instituições sociais comuns a todas as instituições. (CASTELE, 2000, p. 232) No processo de colonização, a Irmandade da Misericórdia trouxe para as colônias a concepção portuguesa de caridade em prol do atendimento aos pobres e desgraçados sociais. Revelando não apenas suas visões sobre suas angústias cristãs, já que a prática da caridade era também um ato de conforto, de penitência frente aos ensinamentos da Igreja, mas, sobretudo, reveladora da mentalidade de um grupo sobre seus problemas sociais e como eles deveriam ser resolvidos. 40 Para Ana Amélia Nascimento (2002) as Santas Casas devem ser entendidas a partir da noção de pobreza que se estabeleceu nas sociedades medievais. Para ela, quando a pobreza foi mais chocante, os ricos aliviavam suas consciências com a prática da caridade. Todavia, se reconhecia dois tipos de pobres: aqueles que suportavam este sacrifício com paciência e resignação e, os outros, que representavam a preguiça e a vadiagem, por não desejarem dedicar-se ao trabalho. Esse tipo de pobreza não deveria ser amparado, mas a pobreza considerada santa, ou seja, os doentes recolhidos, que padeciam em suas casas, e não tinham condições de ir à rua, pedir pelas portas. Segundo Arruda (2006), as Santas Casas revelam como a caridade era vista pelos portugueses. Dentro da perspectiva cristã medieval. Ela era um traço marcante, e na sua ritualização, estavam incluídos os cuidados como o corpo e o espírito. Nos estatutos das Santas Casas, o exercício das 14 obras de misericórdia deveria refletir esses dois elementos: exercícios espirituais e exercícios corporais. Nos primeiros constavam ensinar aos ignorantes; dar bom conselho; perdoar aos ignorantes; consolar os infelizes; perdoar as injúrias recebidas, suportar as deficiências do próximo; orar a Deus pelos vivos e pelos mortos. No segundo, constava: resgatar os cativos e visitar prisioneiros, tratar os doentes, vestir os nus; alimentar os famintos; dar de beber aos sedentos; abrigar os viajantes e os pobres; sepultar os mortos. Dentro desse contexto, as Santas Casas, nascidas a partir das associações corporativas, no interior das quais se estabeleceram solidariedades fundadas nas hierarquias sociais, controlam vasta rede filantrópica de hospitais, recolhimentos, orfanatos e cemitérios. Russel- Wood (1981) pontuou que, desde a sua fundação, em 1495, a confraria da Misericórdia cresceu em prestígio e riqueza e, ao longo da sua existência, por onde passou e se instituiu desempenhou um importante papel de centralizador oficial da assistência social. A sua importância no processo de colonização, como Instituição que se estabelecia juntamente com a administração, onde passou. Na Ásia, África e América do Sul (Brasil), a organização dessas ?fiOiais? tinKa como modeOo a 0isericyrdia de /isEoa tanto na efetivação da administração como nos serviços a serem prestados, sendo que, em algumas colônias, a Misericórdia acabou, ao longo do tempo, respondendo às necessidades locais. Em Goa, segundo Russel ? Wood (1981), fundada em 1515, no Governo de Lopo Soares, apesar de seguir o compromisso de Lisboa, foi totalmente modificada para atender as condições locais. Quanto à participação dos indivíduos das diferentes camadas sociais na sua administração em Goa, como nas demais, seguiram o modelo da Santa Casa de Lisboa. Era organizada em irmãos divididos em dois grupos: nobres e plebeus. Segundo Russel- Wood 41 (1981) o número de irmãos era muito harmonioso, todavia ao longo de sua gestão alguns conflitos eram inevitáveis entre aqueles considerados gentis ? homens e os dos grupos de plebeus. Não podemos esquecer que participar da Misericórdia, para além do serviço reconhecido, era também para as sociedades locais, um reconhecimento de prestígio. Assim, como na Bahia, os cargos na Mesa Administrativa eram fortemente disputados ?Pertencer a Mesa administrativa rivalizava-se com um cargo na câmara, ou conselho municipal, como proYa de inteJridade e capacidade? 2u seMa as 0isericyrdias não tra]iam apenas a concepção de caridade para as colônias, mas reafirmavam a organização de uma hierarquia social por onde passou. O que nos remete a afirmação de João Reis Havia irmandades poderosíssimas, cujos membros pertenciam a nata da elite branca colonial. O compromisso de 1618 da Misericórdia de Lisboa, que regia a da Bahia, estaEeOecia que seus memEros fossem aOfaEeti]ados e ?aEastados de fa]enda? proibindo expressamente a entrada de trabalhadores manuais. Seus membros se dividiam entre nobres ou irmãos maiores ? os aristocratas portugueses titulados ou nossos fidalgos em titulo 9 senhores de engenho negociantes, altos funcionários) ? e os oficiais ou irmãos menores ? aqueOes que prosperaram nas profiss}es ? mecknicas? ouYires  por e[empOo 5E,6  p. 51) Em termos de atividades desenvolvidas, como disse, as misericórdias ajustaram suas atividades segundo as necessidades locais, mas não fugiram dos 14 exercícios espirituais e corporais que nortearam as ações das Santas Casas. A Misericórdia de Goa destacou-se pela dedicação ao hospital, recolhimento, resgate aos cativos e aos presos. Essas atividades sugerem algumas concepções ideológicas da sociedade portuguesa em relação a alguns membros da sociedade, em especial, a mulher. A ênfase que algumas misericórdias davam aos recolhimentos femininos demonstrava o quanto à sociedade portuguesa preocupava-se com o destino desses indivíduos. Cabe retomarmos a discussão sobre as transformações de concepção que se estabeleceram na Europa sobre a pobreza. Em um primeiro momento, essa ação foi marcada por um forte sentimento religioso, de salvação da alma e amenização da dor do outro. A partir do século XVI, esse anseio pode não ter sido esquecido, mas, como afirmou Russel-Wood (1981), a entrada de um novo grupo, no caso a burguesia, como contribuinte das ações das Santas Casas de Misericórdia, em especial no século XVIII, no caso do Brasil, desencadeará suas ações para o bem-estar público. Nesse aspecto, a atuação para com as mulheres e os órfãos pode ser compreendida com esse sentido, se eram elas, mais suscetíveis as intempéries econômicas e sociais, não é de se admirar que houvesse uma ação sistemática em relação a esses grupos. 42 A Cidade de Salvador no século XIX, segundo os estudos de Nascimento (1985), tinha uma população feminina consideravelmente numerosa, cerca de 56.31% contra 43.69% ,no recenseamento de 1855. Mesmo, não obtendo dados específicos de quem eram essas mulheres em termos de status e cor, posso aventar que, só pela condição de serem mulheres, dentro de uma sociedade que fazia desses indivíduos um sujeito sem direitos, portanto, muito mais dependente da ação do outro, a preocupação com a condição de vida dessa população não pode passar despercebida. No caso da Santa Casa de Misericórdia, em relação às mulheres, Russel ? Wood (1981) pontua como essa ação foi gradativamente transitando de uma prática apenas caritativa para uma prática de assistência institucionalizada. Inicialmente, os dotes eram dados de forma avulsa às requerentes, mediante critérios de honra e pobreza. Mais tarde, ainda que essa prática prevalecesse, foram sistematicamente instituindo recolhimentos que pudessem, para além de dotar as mulheres, guardá-las para destiná-las a um casamento. Aliando a ideia de tutela que se deveria preservar em relação ao feminino, com a efetivação de um destino para esse indivíduo, no caso, o matrimônio. No Brasil, os surgimentos das Santas Casas de Misericórdia, em diferentes períodos não fugiram a essa lógica de trânsito de caridade religiosa e assistência. Além do surgimento das Santas Casas de Misericórdia fazer parte do projeto português de garantir a posse das terras recém-descobertas, tornando-as rentáveis, dentro de uma lógica de reprodução dos valores de ordem religiosa, política e social. Segundo Arruda (2006) era importante dilatar a fé e expandir o império. . Quando em 1548, a Coroa portuguesa resolveu, efetivamente, povoar o território brasileiro, Tomé de Souza, fidalgo e rico, estabeleceu-se na Bahia, fundando a cidade de Salvador e junto com o nascimento da cidade, segundo alguns autores, fundou-se também, entre os anos de 1549 e 1552, a Santa Casa de Misericórdia da Bahia. Apesar das dificuldades de se precisar sobre a data de fundação da Santa Casa de Misericórdia da Bahia, bem como da difícil reconstituição da sua história inicial, a sua existência teve uma papel fundamental na vida colonial brasileira. Para Russel ? Wood (1981) e Gandelman (2005), a definem com uma organização leiga e não governamental impregnada de filosofia humanitária, mas também marcada pelos preconceitos e privilégios daqueles que viriam a constituí-la, os chamados irmãos ou benfeitores. Ela foi um dos marcos da estruturação social baiana, assim como desempenhou papel fundamental no assistencialismo. 43 Tributária dos privilégios e do compromisso de Lisboa de 1516, a Misericórdia da Bahia participava, assim como em Portugal, do socorro aos pobres no hospital de caridade, da visita aos enfermos, amparavam em suas residências os pobres envergonhados ou viúvas dos irmãos carentes, enterravam os mortos, davam dotes às donzelas pobres, amparavam-na no recolhimento, alimentava os pobres, acompanhavam os condenados à morte na forca, e enterravam os ossos dos enforcados através de procissões. A proteção aos expostos ou abandonados foi também um dos papéis desempenhados por esta instituição. Segundo Marcilio (1998) e Freitas (2009) a prática do abandono não foi incomum na história da humanidade, tão pouco na História da Criança. Ao contrário, abandonar para algumas sociedades representava uma escolha. Marcílio (1998) destaca que na antiguidade o Código de Hamurabi já regulamentava o abandono de crianças, prevendo a não reclamação pelos pais às crianças que tivessem passado por essa situação e se achassem cuidadas por outros. Na mitologia grega, o abandono também aparece como uma possibilidade nos casos dos mitos de Édipo, Hércules, Cibele, entre outros. Para a autora, essa prática, nessas sociedades, revela, no caso da Grécia, o poder do pai sobre os filhos, que tinha poder de vida ou de morte sobre as crias. Na Idade Média, o abandono era justificado, principalmente, devido à pobreza dos pais, mas também por questões morais. Uma vez que o exercício do infanticídio e aborto foram gradativamente sendo condenadas pelas leis canônicas, sendo atenuadas apenas se a mãe fosse sumamente pobre. Nesse período, a Igreja, através dos mosteiros foi a principal cuidadora dessa população. Marcílio (1998) também destaca que não podemos esquecer que Caridade e Salvação se confundiam na assistência a essas crianças abandonadas. Fazer o bem ao outro era um ato caritativo que levava à Salvação. O século XII foi um período particularmente difícil. Cresceram as dificuldades com o aumento da população e da miséria. Com a má nutrição a qual estava submetida à população, as epidemias se espalharam facilitadas pelas cruzadas, imigração e crescimento das cidades criaram um cenário propício para a orfandade e o abandono, além de necessitados de toda ordem. Nesse sentido, clero, governo e particulares atuaram de forma sistemática na assistência a esses desvalidos. Guildas, corporações de ofícios e as confrarias foram importantes na atuação de assistência aos órfãos e os enjeitados13 com o incentivo a criação de hospitais e outras instituições de caráter médica e social. 13 Os documentos consultados ora falam de enjeitados, ora falam de expostos. Contudo não encontramos diferenças entre eles. O que os definiam era o abandono e assistência da Santa Casa de Misericórdia. Ambos passavam pela roda dos expostos. Russel ? Wood (1981) ao comentar sobre a roda dos expostos utiliza o termo 44 É nesse contexto que podemos entender como a partir do século XIV na Europa, e no Brasil, a partir do século XVI, houve ações no sentido de amenizar a situação de abandono ou pobreza que se observava em algumas províncias, como a Bahia. Matta (2000) destaca que o número de abandonados nas ruas da cidade de Salvador causava desconforto e estranheza nos transeuntes, provocando pedidos de solução em relação ao que se via. A municipalidade e a Misericórdia atuaram na assistência aos órfãos e enjeitados. Em 16 de março de 1796, o Irmão Joaquim sinalizava que o número de miseráveis e infeOi]es que ?peramEuOaYam peOas ruas da cidade era superior ao dos que por caridade poderiam ser recolhida no hospital da Santa Casa, pois ?era Jrande a quantidade de meninos órfãos e desvalidos que vagavam pelas ruas a mendigar, sem nenhuma educação, sendo todos diJnos da consideração da 5ainKa? 0$77$  p  Venâncio afirma que nesse contexto de penúria, o que incomodava não era a pobreza em si, mas as formas como esses abandonos aconteciam, que poderiam ser selvagem ou civilizado. Segundo o autor E[por ou enMeitar? encoEriam reaOidade distinta 7oda muOKer que  no meio da noite deixasse o filho recém-nascido em um terreno baldio estava expondo a morte, ao passo que os familiares, ao procurarem hospitais, conventos e domicílios dispostos a aceitar o pequerrucho, estavam tentando protegê-lo. No primeiro caso, os bebês quase sempre eram encontrados mortos de fome, sede, frio ou então em virtude de ferimentos provocados por cães e porcos que perambulavam pelo passeio público. ?1o seJundo a intenção era claramente salvar a criança. ( VENÂNCIO, 2001,p.23) Ao longo do século, tanto os textos religiosos como os textos legais procuravam dar uma nova moralidade à prática do abandono. O abandono, próximo ao infanticídio, passou a ser rejeitado e visto indigno de uma atitude cristã. O abandono por proteção, que seria o civilizado, buscava amenizar o sofrimento dessa criança, ao passo que possibilitava que os cristãos exercessem sua caridade para com o próximo. Como se dava essa caridade? Segundo Russel ? Wood (1985) e Freitas (2009) durante o período colonial a assistência à infância deu-se primeiramente através dos hospitais. As leis portuguesas previam que essas instituições deveriam dar os primeiros socorros a meninos e meninas abandonadas. Na ausência deles, as câmaras municipais prestariam esse serviço de assistência. Contudo, enjeitado como crianças abandonadas, bebês abandonados pelas mães em ruelas ou a porta de casas. O fato é que, ao longo dos documentos encontramos uma preferência pelo uso do termo exposto/ exposta, talvez para reforçar a idéia de passagem pela roda do exposto e a Casa dos expostos. Mas não modificando o sentido: órfãos, abandonados pela mãe, que nem sempre estava claro nos documentos analisados, se de fato foi um abandono feminino. 45 Russel ? Wood (1985) salienta que, ao longo do tempo, as Misericórdias foram gradativamente tornando-se as principais responsáveis por tal assistência. Para o autor, em um primeiro momento houve uma divisão de responsabilidades entre essas instituições, depois enviando essas crianças para casas particulares, pagando-se uma ama de leite durante três anos para fornecer leite, alimentação e vestuário, mais tarde a incapacidade das municipalidades de manutenção desse serviço levou as Santas Casas a tornarem-se referência nesse tipo de atendimento. Em 1726, foi instalada em Salvador, a primeira Roda dos Expostos. Sobre ela, Marcilio (1998) e Russel-Wood (1981) fazem as seguintes considerações. A Roda dos Expostos de Salvador (Bahia) data de 1726 e foi uma das instituições implantadas com o objetivo de acolher e prover um encaminhamento para a criança recém-nascida abandonada (Marcílio, 1998, p.144). Essa assistência fundamentava- se em práticas caritativas, paternalistas e imediatistas, que visavam ao cuidado básico da criança e, especialmente, à salvação da sua alma, via batismo, devido à alta mortalidade. Operava como local de acolhimento de crianças, com rápido envio destas para outras famílias ou para amas-de-leite, que as recebiam para criar em troca de auxílio financeiro. Funcionou no Hospital da Santa Casa de Misericórdia da Bahia até 1844, quando foi anexada ao Recolhimento. A contratação de amas-de- leite internas permitiu a estada dos bebês por um período maior na Casa, reduzindo, assim, a busca constante por uma alocação imediata. Já em 1847, foram incorporados novos cômodos à instituição e houve separação das crianças por sexo. (RUSSEL-WOOD, 1981, p.233) Segundo Venâncio (2001) nas possessões portuguesas o auxílio às crianças expostas deu-se de forma indiferenciada. Nem a legitimidade, nem a cor consistiram em critérios para o não atendimento de meninas e meninos abandonados na colônia e durante o Império. Para o autor, a relativização tanto da cor, quanto da legitimidade da assistência desses indivíduos passava pelo perfil da população pobre da colônia e Império. Não podemos esquecer que o concubinato, as uniões informais fizeram parte da realidade das populações pobres do século XVIII e XIX. Segundo as leis subjacentes às leis portuguesas, não havia, portanto muito sentido em diferenciar os pobres com família dos sem família, pois viver em precárias e frágeis estruturas familiares era uma condição de pobreza. Em razão disso, não deveria haver formas de socorro infantil diferenciadas ( VENÂNCIO,2001,p.33) Em 24 de maio de 1783, a rainha D. Maria I determinava que a assistência aos enjeitados, não deveria ser apenas aos que eram abandonados anonimamente. Ao contrário, mulheres que quisessem evitar a sua desonra poderiam ir à Casa da Roda para poder ter seu fiOKo deEai[o de todo seJredo ?6em que contudo se indaJue a quaOidade da pessoa nem faça 46 algum ato judicial donde se possa seguir a difamação? Em reOação j ordem sociaO do enjeitado ou enjeitada, os alvarás de 1815 e 1823 determinavam que fossem recebidas ?matricuOadas e criadas todas as crianças que forem e[postas quaOquer que seMa a sua cor? Em seu estudo sobre famílias abandonadas, Venâncio (1999) registrou, no século XVIII, uma frequência maior de meninos do que meninas na Roda dos Expostos. No século XIX, a tendência foi invertida, o índice de meninos foi cerca de 30% menor que as meninas14. Durante a segunda metade do século XVIII, segundo esse mesmo autor, as crianças brancas constituíram a principal clientela. Contudo, a partir de 1850 mestiços e negros tornam-se majoritário. Não podemos esquecer que apesar da negação da participação da população negra na formação do povo brasileiro no período, na prática as relações entre brancos e negros eram frequentes. A tentativa de branqueamento da população na segunda metade do século XIX, demonstra como as barreiras entre esses dois grupos foram transgredidas, fazendo com que a sociedade do século XIX, principalmente, tivesse que lidar com essa população que se estabelecia como majoritária na constituição da formação do povo de algumas províncias, entre elas a Bahia. As Santas Casas, principalmente na Colônia, muitas vezes, desempenharam obrigações que cabiam a municipalidade e aos governos da província, principalmente, quando a ausência da atuação desses poderes estavam ligadas ao abandono e recolhimento de crianças. Todavia, a ação sistemática das Misericórdias deram a esses casos,uma resposta às expectativas de uma população que acreditava que essas funções cabiam no exercício de filantropia da Santas Casas, do que a ratificação do pensamento da municipalidade e dos governos da província, de que, de fato, essa ação era uma função dessas Instituições. Para as Misericórdias, não realizar tais ações, poderia custar-lhes, não apenas, as perdas dos benefícios econômicos que recebiam por meio de doações, mas a perda do prestígio que possuíam perante a sociedade. Uma das atividades realizadas pela Santa Casa de Misericórdia da Bahia, que tem seus estudos salientados na área de assistência à saúde, ou como acolhedora da orfandade, mas não tem destacado a sua preocupação com a educação direcionada para os indivíduos recolhidos.15Segundo Arruda (2006), a Santa Casa de Misericórdia da Bahia procurou contribuir com suas diversas ações filantrópicas para minimizar o sofrimento dos pobres e 14 Em relação à cor dessa população, as categorizações variavam entre brancos, negros e mestiços. 15 Salientamos que dentro dessa discussão sobre a atuação da Santa Casa de Misericórdia da Bahia na formação dos indivíduos recolhidos, nos concentraremos na sua atuação como formadora das mulheres recolhidas no Santo Nome de Jesus. 47 desvalidos, e um dos seus enfoques foi dado sobre o primeiro dos compromissos espirituais: ?ensinar aos iJnorantes? 1esse aspecto, a mesma autora destaca que a atividade educacional tinha como público-aOYo crianças ?e[postas? e crianças poEres que em um primeiro momento foram acolhidos apenas como corpos materiais e espirituais abandonados. Mais tarde, principalmente com o advento da emancipação política do Brasil, a independência, em 1822,quando a formação educacional ficou em evidência, observa-se uma sistemática ação da Santa Casa da Misericórdia da Bahia em possibilitar uma educação para esses indivíduos. Essa preocupação pode ser inserida, como já sugeri anteriormente, dentro da própria transformação que se deu na Europa a partir do século XVI, que segundo Siqueira (2009), buscava transformar os pobres em indivíduos úteis ao projeto de civilização que se encontrava em curso e que no Brasil se processou a partir do século XIX. Fora isso, a própria necessidade de uma mão-de-obra mais qualificada, fazia dos pobres, um grupo em potencial a ser recrutado e cooptado para as novas atividades que se apresentavam nos centros urbanos. Matta (2000) em seu estudo sobre a Casa Pia e Colégio dos Órfãos de São Joaquim, nos dá a dimensão de como no século XIX, principalmente nas cidades portuárias, como Salvador, onde havia um comércio intenso, aumentou a demanda de trabalhos mais refinados que não poderiam ser realizados por escravos, por exigir um conhecimento mais elaborado, como serviços mecânicos ligados ao avanço tecnológico, comerciais e de escritório. Nesse sentido, a ausência de trabalhadores com essa formação, levaria a pensar na formação de indivíduos que pudessem exercê-los. Os órfãos, inicialmente brancos, e, mais tarde, misciJenados passaram a ser Yistos como ?traEaOKadores em potenciais? e essas novas necessidades se refletiram no fazer caritativo. Para Marcilio (1998) é preciso compreender que, durante o período colonial até meados do século XIX vigorou o fazer caritativo, marcado pelo conteúdo paternalista, sem pretensão a mudanças sociais, que buscava dar uma resposta imediata ao sofrimento dos pobres e desvalidos, através das ações coletivas e individuais de dar esmola e amparo em troca da salvação das almas. A partir da metade do século XIX, observa-se a coexistência de dois sentidos para a caridade. O primeiro, esse que ainda estava ligado ao religioso, onde o dever de dar esmolas demonstraYa que a ,JreMa ?fe] da caridade uma condição para a 6aOYação? 2 que seJundo Marcilio (1998), revelava a contradição de uma prática que se destinava a corrigir as desigualdades sociais, mas não de suprimí-Oas ?$ esmoOa tinKa por finalidade preservar a estabilidade de ordem social, ou seja, a paz. Mas, por outro lado, a caridade era a contradição 48 do YaOor espirituaO da esmoOa? Na segunda concepção observamos uma concepção de caridade que buscava tornar os pobres úteis a sociedade. Ao pensar no papel das Misericórdias, não apenas sua organização administrativa revelava uma hierarquia, como suas ações caminhavam para um paliativo da condição dos pobres e sua ação ?assistenciaO? e[punKa em Eoa parte do spcuOo ;9,,, uma concepção de caridade ligada ao religioso. Mas, a partir do século XIX, enfrentou a própria contradição das transformações econômicas e mentais que buscavam indivíduos úteis à sociedade. Essa visão que evidentemente atingia homens e mulheres de forma diferente, principalmente nas determinações dos papéis que deveriam ocupar não os excluía de serem objetos de uma nova forma de pensar a ação de assistência aos pobres. A partir das ideias utilitaristas que circularam na Europa na segunda metade do século XVIII, os indivíduos beneficiados pela caridade poderiam, também, ajudar a povoar e desenvolver o território. Deveriam, portanto, ser incorporado ao progresso social e econômico do Estado. Para Oliveira (2005), devo acrescentar que o século XVIII já evidenciava a recusa de uma ?atenção? a poEre]a apenas como ?remissão? 2 spcuOo ;,; traria a noção de uma pobreza laboriosa e ela passou a ser vista como algo a ser resolvido, ordenado, disciplinado. No caso da Bahia, como dito anteriormente, as desigualdades sociais que fundavam a sociedade, contribuíram, sistematicamente, para a formação de um contingente populacional pobre que incomodava a elite, não apenas pela ociosidade e mendicância, mas, sobretudo, porque começavam a representar uma contestação à ordem estabelecida, principalmente pela participação de homens de cor, sejam os livres, ou mesmo os escravos, que poderiam ser cooptados para integrarem esses movimentos. Nesse sentido, as ações caritativas destinadas a essas massas, no caso de homens e mulheres livres, buscavam formar indivíduos adequados para a sociedade. Os homens seriam os braços laboriosos para as novas profissões e, as mulheres as mantenedoras da ordem do lar. Essas novas concepções de caridade se fizeram perceptível em uma das ações da Santa Casa da Misericórdia da Bahia, no Recolhimento do Santo Nome de Jesus, a partir do século XIX, em busca de transpor uma caridade de auxílio para com as crianças e mulheres, mas, torná-los ?pessoas ~teis j nação? Euscou-se a formação sistematiza desses indivíduos. Parafraseando Marcilio (1998), a ação caritativa a partir do meado do século XIX para as meninas, ia além da preservação da honra das desvalidas; da prevenção da prostituição e da mendicância; as autoridades estavam igualmente preocupadas em preparar as moças desvalidas para servir à sociedade como boas domésticas, instruídas e bem treinadas. 49 Portanto, a caridade deixa de ter apenas um caráter religioso, de benevolência para com o outro e passa a ser uma ação organizada que buscava a efetivação de um objetivo. O que não significa dizer que essa ação implicaria na transformação da condição social desses indivíduos, mas, permitiria a possibilidade de sobreviver ao fim da ação caritativa. Outra questão a considerar nessa discussão foi como a assistência se processou em relação aos indivíduos de cor. Em uma sociedade miscigenada, acredito que, em muitos momentos, a caridade em relação a esses indivíduos também vivenciou o próprio paradoxo de pensar essas pessoas como ?indiYtduos ~teis? 'esempenKar determinadas funções, aproximar de certa pigmentação da pele, carregar determina condição jurídica facilitava ou não o acesso a esses espaços de assistência. O estudo de Matta (2000) sobre à Casa Pia e Colégio dos Órfãos de São Joaquim e de Algranti (1992) sobre o Recolhimento de mulheres da Misericórdia do Rio de Janeiro, revelam como a entrada de pessoas de cor nesses espaços, em alguns momentos, nem sempre foi possível, ou quando o acessavam, o faziam em uma condição de menor prestígio. Algranti (1992) afirma que, ser escrava, negra, prostituta, bastarda, na Colônia, embaralhava-se na teia dos valores morais de uma sociedade onde condição juridica, raça, ilegitimidade do nascimento classificava e distinguia os indivíduos de acordo com os valores dos grupos dominantes, concedendo ou negando status de honra, dignidade e virtude. Nesse sentido, nos próximos capítulos, veremos que, a trajetória do Santo Nome de Jesus, recolhimento fundado pela Santa Casa de Misericórdia, no século XVIII, transitou de uma concepção de caridade de auxílio, que se refletia na tentativa de dar um estado às órfãs, que fossem pobres e brancas, para uma caridade, que no século XIX, procurou, não apenas dar um estado, mas pensar a formação dessas mulheres, provocado tanto pelo comportamento delas, na vivência da reclusão, como, pelas discussões da época, do que deveria ser a constituição de uma mulher, nos oitocentos, que experimenta a condição de pobreza. A gradativa presença de mulheres de cor dentro desse espaço demonstra como o RSNJ, apesar de serem destinadas a um grupo específico de mulheres, as órfãs, brancas e pobres, idealizadas para o casamento, vivenciou a contradição de estar inserida em uma sociedade escravista e miscigenada, e, que, em um dado momento, realizou rearranjos para responder às demandas desses grupos, inclusive aos pedidos dessas mulheres. O RSNJ tornou-se, então, uma ação necessária, não apenas para aquela sociedade, como espaço de acolhimento de mulheres, como um caminho possível, para aquelas e aqueles que viram nesse local, alternativa para sua condição de pobreza e abandono. 50 1.3 O SANTO NOME DE JESUS: UMA AÇÃO CONTRA OS PERIGOS DO MUNDO Durante boa parte do processo da colonização uma das preocupações da Coroa portuguesa esteve no povoamento desse espaço. Inicialmente, essa ocupação valeu-se de toda sorte de arranjos, inclusive as alianças de colonos portugueses com as índias e as diferentes relações de concubinato que imperou nas relações sociais no Brasil. Ana Amélia Nascimento (1985) destaca que, durante o Governo Geral era grande a falta de mulheres, não somente brancas para casar, como também as mulheres de cor. Nesse sentido, viviam os portugueses em constante mancebia, o que era fortemente criticado pela Igreja Católica. Contudo, a partir do século XVI, assistiu-se uma busca gradativa por um tipo de mulher: órfãs eram buscadas na metrópole, a fim de realizarem casamentos, especificamente, as brancas, considerada a ideal para o casamento, uma vez que eram vistas como detentoras dos valores morais da sociedade portuguesa. Ainda nesse período, a Coroa portuguesa, a fim de estimular os casamentos na colônia, proibiu a fundação de conventos, cuja função, para os colonos que os procuravam, era proteger, proibir, evita casamentos socialmente e economicamente desvantajosos, assim como atender aos desejos das filhas de seguir uma vida religiosa ou mesmo representar prestígio frente à possibilidade de enviar ou encerrar uma filha nesse espaço. No entanto, relativizou a fundação dos recolhimentos, principalmente, se esses tivessem a função de dar um status às mulheres que neles adentravam. Para tanto, devemos considerar que o casamento era uma base legítima para a constituição desse modelo de sociedade. Ele oficializava o universo familiar, onde família e casamento eram sinônimos no discurso religioso. Ainda que, na prática, houvesse nesse espaço social, a colônia, diferentes arranjos, significados e modelos de família. Ana Amélia Nascimento (1985) enfatiza que na cidade de Salvador, nos diferentes fogos, existiam quatro tipos de agrupamentos: família legitima; que poderiam ser extensa e começava pelo casamento, contraído publicamente. A família ilegítima era aquela que aparece, tendo como chefe, um homem solteiro, com a presença de uma mulher, da qual se percebe ser sua amante e, principalmente, a presença dos filhos. Vale acrescentar que se aproximavam da organização da família legítima pela presença de pai, mãe e prole. Tinha vários agregados. Família ilegítima, fruto das relações de concubinato. Ainda existiam viúvos e viúvas, reconhecidos como condição dos casamentos legítimos e as mães solteiras. 51 Acrescento que, Ana Amélia Nascimento (1985) pontua que havia um considerável registro dessas uniões informais na cidade de Salvador, especialmente no século XIX, sobretudo, entre a população parda. O que me faz pensar que a fundação de um Recolhimento destinado a dar um estado para as mulheres foi visto com bons olhos pela Coroa portuguesa, Igreja e pelos colonos. Uma vez que, ao mesmo tempo em que assegurava a honra das mulheres, possibilitava a realização do matrimônio, em uma sociedade onde essa condição era importante. O fato de ter sido uma doação demonstra que, não raro, os homens importantes, buscavam possibilitar espaço de moralidade e adequação para alguns indivíduos da sociedade, entre eles as mulheres. Compreendo que, é nesse sentido que, João de Mattos e Aguiar, em 26 de maio de 1700, falecendo na Cidade de Salvador, deixou um grosso cabedal destinado às obras pias e nomeou a Santa Casa da Misericórdia como testamentária universal de seus bens, determinando, entretanto, que fosse construído um Recolhimento de Mulheres. Mandar fazer donde lhes parecer nesta cidade, um convento de Recolhidas Mulheres, na forma que os ditos meios testamenteiros melhor quiserem dispor e melhor poderem, o que deixo na sua eleição a qualidade das mulheres, e a forma e a ordem do Recolhimento, e depois de feito e acabado o dito Recolhimento, havendo nele mulheres recolhidas, ficaram os ditos 100,00 cruzados rendendo para o sustento das ditas recolhidas, e para o mais que necessário lhe for, pela melhor ordem e forma que se poder dispor (ASCMBA. Livro de registro, 87A, p.51). Com muita propriedade, em 31 de março de 1858, o Escrivão Bernado Canto Brumn escreveu: Havia muitos anos já estava em vigor o compromisso da Misericórdia de Lisboa, aprovado por Alvará de 19 de maio de 1618. Por consequência deveria João de Matos ter conhecimento do capítulo 20 desse compromisso que trata do governo e oficiais da Casa do Recolhimento das donzelas. (ASCMBA. Livro de Registro, 92A, 1852-1856) (ASCMBA.Livro de registro,92A ) Endossa, assim, o Sr. João de Mattos e Aguiar: Se ponhão a juros 100,00 cruzados, que este ganhão de juro cada anno 6,000 cruzados e cem mil réis, e sendo os cem mil reis para a Casa de administração, com os 6,00 cruzados de juros cada anno se vá fazendo uma casa de Recolhidas na mesma Misericórdia, e depois de ser feita com estes 6,000 cruzados cada anno dos juros, lhe deixo para seo sustento e augmento os mesmo 100,000 cruzados e seos juramentos para sempre, quero dizer ? e seos juros para sempre (ASCMBA. Corrspondências avulsas, 1A, 1829, p.50) 52 Pela disposição da verba testamentária observa-se que João de Mattos e Aguiar não era um homem qualquer e nem ocupou, ao longo da vida, um cargo de menos importância na Irmandade da Misericórdia, ao contrário, entre 1669 a 1670 foi tesoureiro; de 1674 a 1675 foi escrivão; e, entre 1684 a 1685, foi seu provedor. Essas funções sinalizam como a Irmandade privilegiava, em seus altos cargos, homens econômicos e socialmente reconhecidos. Sobre ele, escreveu Russel ? Wood (1981) que além de homem rico e influente, conhecido como o ?OeYiatã financeiro da %aKia coOoniaO? pouco se saEe de sua Yida a não ser, acrescenta, que nasceu em Ponte de Lima no norte de Portugal, emigrou para a Bahia, onde se casou, mas não teve filhos. Talvez tivesse originalmente vindo à Bahia para ajudar o seu tio, João de Mattos, na administração de suas plantações de açúcar em Patatiba. Rocha Pitta (1880 apud Russel ? Wood, 1981, p.70) ainda acrescenta que Foi João de Mattos de Aguiar, chamado vulgarmente João de Mattinhos, que de humilde, e pobre fortuna, chegou a ter cabedal opulento, adquirido pela sua indústria, e conservado com parcimônia minimamente rigorosa no sustento, e trato de sua pessoa. A trajetória de João de Mattos de Aguiar ratifica a afirmação de João Reis (2004) que o compromisso de 1618 da Misericórdia de Lisboa, que regia a da Bahia, permitia além dos aristocratas portugueses titulados, também os sem títulos desde que estivessem entre os grandes negociantes ou altos funcionários. No caso de João de Mattos de Aguiar, além de português residindo no Brasil era um grande comerciante. Com sua morte, a Mesa Administrativa, assim como a Junta da Irmandade trataram de cumprir a vontade do testador referente à fundação do Recolhimento de Mulheres. Em 26 de setembro de 1700, dirigiram ao Rei pedido, não apenas, para edificar o Recolhimento, mas para que o mesmo tivesse os privilégios e imunidades do de Lisboa, que segundo o Irmão Manoel José de Figueiredo Leite (ASCMBA. Livro de registro, 1862,p.3) nada mais era dos que os privilégios da Santa Casa, como também uma recomendação ao governador para favorecer em tudo a pretendida edificação, de maneira que pudesse começar com brevidade. Em 2 de abril de 1704, Rei D.João VI acatou o pedido para que se fundasse o recolhimento, contanto que nunca mudasse de natureza e fosse instituído em um lugar que não prejudicasse o bem público, assim como deveria apresentar proporções para receber um número de recolhidas, cuja doação de João de Matos de Aguiar comportasse. Acrescentando, ainda, que o dito recolhimento deveria servir não apenas as mulheres órfãs, mas, também, as casadas, cujos maridos, tendo de ausentar-se da cidade, precisassem deixá-las. Vale ressaltar, 53 que segundo os teóricos Russel-Wood (1981), Maria José (1992) e Kátia Mattoso (1992), essa era uma prática utilizada como forma de garantir a fidelidade das suas mulheres. Segundo Russel-Wood (1981) muitas foi às discussões até a definição do lugar e de como poderia ser construído o recolhimento de modo que não onerasse a Santa Casa da Misericórdia e que a verba testamentária deixada suprisse as necessidades da construção bem como outros gastos que pudesse ter com o mesmo. Em relação à localização o referido autor salienta que a escolha do lugar causou grande controvérsia, pois a questão era saber se o novo recolhimento devia localizar-se nos arredores da Cidade ou na Rua Direita, com fundos para a Ladeira da Misericórdia. Inicialmente o Recolhimento deveria ter segundo a planta do mestre Gabriel Ribeiro, um dos mais conhecidos e melhores arquitetos da época, mais de cem celas, 30 para recolhidas, as restantes para porcionistas, ou seja, pensionistas e mulheres de pessoas ausentes, casa de lavagem e outras oficinas necessárias, um claustro no meio com a competente cisterna, e os conductos próprios para despejos. Em decorrência dos gastos da obra, sugeriu o Irmão Manoel Figueredo (ASCMBA. Livro de registro, 1862, p.20) que a obra tivesse 58 celas, que se reputavam suficiente para recolhidas e porcionistas as oficinas e o claustro. Ainda que a preocupação da MA com o recolhimento do RSNJ fosse mais pela necessidade de rapidez para com o termino da obra e o custo da mesma, não posso deixar de pensar, como sinaliza Foucault (2001) sobre disciplinamento dos corpos, em sua obra ?Vigiar e Punir?, que a organização do espaço também era uma estratégia importante para a transformação dos indivíduos, pois a disciplina procede, em primeiro lugar, a distribuição dos indivíduos no espaço. Para isso, utiliza diversas técnicas, entre elas, a cerca, o encarceramento para indivíduos que cometem algum tipo de delito e, para outros, o internato. Para o mesmo autor, a prática do internato ou clausura não é suficiente nos aparelhos disciplinares, é preciso trabalhar o espaço de maneira que cada indivíduo tenha o seu lugar e cada lugar um indivíduo. O espaço disciplinar tende a se dividir em tantas parcelas quantos corpos ou elementos há de repartir. As determinações dos lugares se definem não apenas para satisfazer a necessidade de vigiar, de romper as comunicações perigosas, mas, também, de criar um espaço útil. Pelas discussões acerca da construção do RSNJ, não parece que a arquitetura projetada tenha garantido esse controle. Contudo, a observação da MA acerca da resolução final, sugere que, para além dos custos com a obra, edificar o recolhimento próximo a Misericórdia era um caminho para melhor controlar esse espaço. Em 1700 na primeira resolução da Mesa para essa 54 discussão aparece a seguinte afirmação: ?ao Oado do KospitaO por economia de mão-de-obra, facilidade de administração e a vantagem dos privilégios já concedidos à irmandade pela coroa? $inda soEre a arquitetura desse espaço, o livro registro da Santa Casa (1862) revela: [...] de uma construção tosca, de uma archetectura pesa, sem elegância exterior ou interior, sem luz sufficiente, porque a recebe por janellas em miniatura sobrepostas de possantes grades, sem ar live e refeito, porque e baixa em todos os pavimentos, batida pelos ardentes raios do sol intertropical,que enião os corrredores de banda a banda, e assoberbada em grande parte por alguns edifícios fronteiros da estreita rua da Misericordia, sem boa disposição de commodos, para o ar, assim mesmo escasso, possa girar com franqueza, devassada, fétida, sem quintal, e por toda estas razões sombria, insalubre e imprópria para o seu destino; esis ahi o que é em verdade a espaçosa casa das Recolhidas da Misericórdia, fabricada sem gosto, sem unidade de pensamento, e até de paz.(Grifo meu) A descrição posta sobre a arquitetura do RSNJ, por um lado, demonstra a pouca habilidade estética nessa construção, do outro, apresenta aspectos de uma edificação civil que estava mais preocupada com a guarda do que propiciar algum conforto ou aconchego. Estevão Pinto (1980) afirma que a construção civil do século XVIII, na colônia, foi reveladora de uma mentalidade daquela sociedade em relação a alguns dos seus indivíduos. A presença de gelosias, varinhas em xadrez presas nas janelas, ou janelas em miniaturas, evidencia que nem tudo pode ser visto no interior das casas. Parafraseando o autor, quem está atrás das varinhas em xadrez pode ver, sem ser visto. Pensando na relação que esta sociedade estabelece com o público feminino essa construção privilegia os indivíduos que deveriam não ser vistos: às mulheres. Revelando a ideia de zelo e ciúmes para com esse grupo. Nesse sentido, a construção retrata a clausura como o espaço ideal. Retomemos a citação acima: ?porque a recebe por janellas em miniatura sobrepostas de possantes grades (...) sem quintal? Em 21 de Julho de 1700, antes da determinação do lugar da fundação do Recolhimento, a Mesa e Junta da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia recomendaram: O Recolhimento, determinarão todos que fosse este edificado nas casas immediatas ao Hospital, tomando-se-lhe os commodos precisos, por modo que ambos os Estabelecimentos figurassem um só predio, com serventia recíproca, a fim de ficarem sob a vigilância da Mesa, gozarem dos mesmos privilégios da Casa, e não suscitar-se no futuro alguma duvida a respeito da legalidade de tal vigilância no Recolhimento, ou da isenção delle para com o Ordinário. (ASCMBA. Livro de registro, 1829,p.31) Em 1705, ao fim das discussões sobre a localização do Recolhimento, esse, foi construído na Rua Direita, ao lado da Misericórdia, apelando para o sentimento de orgulho e 55 honra dos membros da Mesa e Junta e cumprindo a primeira recomendação da Mesa em relação à edificação da Instituição. Segundo Russel- Wood Pedro Barbosa Leal, um dos proprietários rurais mais ricos da Bahia, desejava começar a construção durante seu mandato e queria que i prédio fosse localizado na Rua Direita, ao lado da Misericórdia. Apelando para o sentimento de orgulho e honra os membros da Mesa e da Junta, referiu-se a ?oEra sutuosa? que seria o recolhimento, com quartos, claustros e cisterna de água- um edifício digno das moças que abrigaria. A imagem apresentada dói a da nobre Misericórdia dominando a rua principal da cidade. Qualquer demora na proteção as órfãs e necessitadas prejudicaria o bom nome da irmandade. (RUSSEL-WOOD, 1981, p. 256) Em 1 de junho de 1716, a Mesa decidiu dar a Instituição o nome de Recolhimento do Santo Nome de Jesus, inaugurando-o em  de MunKo do mesmo ano o prpdio era ?insiJne pelo instituto e pela grandeza/.../é de três sobrados, e em todos tem muitas instancias, celas16, dormitórios, e janelas com dilatadas vistas para o mar. Por baixo lhe ficam as oficinas grandiosas? '$0È=,2  p  Para dirigi-lo foi determinado que a regente fosse mulher branca, cristão-velha17, de idade, de boa reputação e posição social adequada e poderia ser recrutada entre as recolhidas. Além delas, as mestras e porteiras18 poderiam ser as moradoras do recolhimento ou contratadas pela casa para preencher os cargos caso não houvessem recolhidas que satisfizessem os critérios impostos pela Instituição. O Recolhimento não ignorou as distinções sociais para determinar quem deveria dirigir esse espaço. Critérios como cor, condição social, honra e religião, determinaram a posição desses indivíduos como dirigentes, pelo menos, no início da sua fundação, uma vez que, mais tarde, a escolha para ser dirigente do recolhimento passou pelo critério de honra e virtude, do comportamento que as internas exerciam dentro desse espaço, sugerindo que as relações raciais e condições econômicas estiveram presentes no RSNJ. Em 1751, registrou-se o pedido de D. Marianna da Encarnação, que havia sido regente do Recolhimento: 16 No Livro do Tombo consultado, datado de 1862, na descrição da estrutura do recolhimento, ora aparece à palavra claustro, ora cela, ora dormitório. Em alguns trechos ambos são utilizados. Um exemplo está na página  do OiYro ao descreYer uma noYa pOanta para a casa de recoOKidas: ? apresentou-a, e por ella ficava o Recolhimento limitado a 58 cellas, que se reputavão sufficentes para Recolhidas e porcionistas, e as officinas, cOaustro  'a primeira? 17 Segundo Montaner (2000) Cristã ? velha ou cristã pura, é uma denominação dada aos cristãos nascidos, ou seja, em oposição ao cristão ? novo (judeus convertidos ao cristianismo). Muito usado em Portugal, Espanha e Brasil. É, para ele, um conceito ideológico que pretendia designar uma maioria. Embora não conferisse nenhum tipo de privilégio estamental,era condição social prestigiosa. 18 Segundo os Acordos as mestras eram professoras de primeiras letras ou que ensinava alguma atividade às recolhidas, com fazer flores. E a porteira era responsável pela guarda das saídas da Casa. 56 Ilm. Provedor e Irmãos da Mesa . D. Marianna da Encarnação, regente que foi do Recolhimento desta Santa Caza que lhe supl. Por especial graça__________Recolhimento, atendendo a sua mínima pobreza e velhice, como é bem notório e porque não tem a supl. A quem faça couza alguma e menos pode se levantar de um lugar para o outro, por cuja________ que lhe faça o necessário e sua ________contratada com Quiteria de Santana, moça parda e donzela que não tem duvida em a servir, por caridade sendo um serYiço concederem Oicensa?  Concedemos a suppl a serva menconada nesta petição com toda clausura que nota se faz menção com a declaração que a referia serva falecer ou se sair do Recolhimento não servira de exemplo a suplicante para tornar a requer outra nela. (ASCMBA. Livro dos Acordos 15, 1745-1791) Notemos que D. Marianna da Encarnação era, possivelmente mulher branca, de idade, por alguma razão não tinha amparo econômico para se manter. Em relação a sua acompanhante, a MA indicou a posição que as mesma deveria ocupar o de serva. É interessante notar, ainda, que ao aceitar o pedido de D. João VI de dar abrigo às mulheres cujos maridos tivessem que se ausentar, a Santa Casa destoou do compromisso de /isEoa que preYia uma cOienteOa ?yrpKã que não tenha maior idade que 20 annos, nem menos que  por ser este de maior periJo? (ASCMBA. Relatório da SCMBA, 1858. p.6). Contudo, não raro, adentraram no recolhimento meninas menores de 12 anos, caso revelassem estar em grande perigo social19 ou fossem encaminhados por alguma pessoa de relevância social ou governamental. Em 22 de janeiro de 1832 a Mesa Administrativa chama atenção sobre o estado das yrfãs menores que se encontraYam soE a tuteOa das maiores 'i] a 0esa tomar ?conKecimento do estado de algumas órfãs, que no Recolhimento se achavão sob a tutela de outras recolhidas, porque constava que recebendo estas as completas rações, não as alimentavam suficientemente e que as mesmas yrfãs andaYam Yestidas ou quase nuas? (ASCMBA. Livro de registro, 88A) Em 20 de maio de 1833 foi lido um ofício do Juiz de Paz da Freguesia que requisitava a 0esa ?fi]esse receEer no 5ecoOKimento duas órfãs menores que vagavão naquela freguesia, e[posto a mesma? e importante destacar que a reOatiYi]ação dessa reJra daYa-se ,também, quando algumas dessas meninas pertenciam ao chamado grupo de crianças enjeitada, que não tendo para onde ir, recolhiam-se no RSNJ sobre a responsabilidade das recolhidas mais velhas. 19 Os pedidos de entrada no Recolhimento sugerem que a MA entendia como perigo social a condição de pobreza que pudesse colocar em risco a honra dessa sujeita. 57 Em 1848 foram registradas a presença de 9 meninas de até 10 anos. No mapa dos expostos e recolhidas da Santa Casa da Misericórdia, datado de 1858, foi registrada a presença de 18 recolhidas menores que 12 anos. Ainda em 1858, em uma lista identificado os nomes das órfãs existentes no nesse espaço, destaca-se a presença de 54 meninas entres 4 a 9 anos. Esses dados me fazem crer que, ainda que a Mesa Administrativa resistisse e, em alguma medida, tentasse respeitar a questão da idade para a entrada no Recolhimento, como foram os casos de Filipa de Matos, menor de 6 anos, recusada pela regente e encaminhada para ficar na Casa da Roda até ter idade para entrar no Recolhimento. Ou ainda, Noberta Bernadina de Matos, menor de 4 anos, encaminhada para o mesmo lugar, sendo o Santo Nome responsável pelo envio do alimento. O mesmo, aconteceu em 6 de outubro de 1848, sendo duas meninas abandonadas na porta da Instituição, uma de 9 e outra de 10 anos, com a recusa taxativa do acolhimento dessas crianças, alegando como justificativa o veto da MA para entrada de recolhidas, os documentos apresentam, em outros momentos, a inserção dessas meninas menores. Contudo, não fornecem muitos recursos para construir explicações acerca do porque em alguns momentos elas entraram e, em outros, elas foram vetadas. Bem, como veremos a seguir, se a Casa dos Expostos foi um local de pouso desses indivíduos até completarem idade para serem deslocadas para o Recolhimento de mulheres, no entanto, qual a razão de alguns períodos isso não ser respeitado? A partir dessas indagações, ouso fazer algumas reflexões, primeiro, alguns documentos sinalizam que a situação econômica e o grande número de recolhidas levaram a MA a indeferi muitos pedidos de entrada das recolhidas,usando para isso não apenas a falta de lugar, mas a idade. Também, não podemos esquecer, que a Casa dos Expostos só foi construída em 1847, quando sistematicamente faz o encaminhamento das menores que completavam a idade para ir ao RSNJ. Em um comunicado da Mesa Administrativa, datado de 1846 ela afirma: ?7ermino das duas saOas para os e[postos. A Mesa não via , sem inquietação, que estes meninos de hum e outro sexo residissem dentro do Recolhimento na falta de outra casa, não só porque o grande numero de recolhidas não permitia em tão apertado recinto, como também pelo pouco zelo, com que erão tratados, a despeito da solitude da Regente principalmente no que toca a sua educação moral e reOiJiosa?(ASCMBA. Correspondência avulsa, 1846, Caixa 3B) Em relação ao número significativo dessas meninas nos documentos de 1858 (ASCMBA. Correspondência avulsa, 1858. Caixa 4A), uma correspondência encaminhada aos diversos asilos da cidade, pelo presidente da província, em função da epidemia de cólera, 58 pedia que esses estabelecimentos ampliasse o número de vagas para o recolhimento dos órfãos, propondo mesmo a construção de nova instituição sob a regência da Santa Casa. Ressalto ainda que para determinados grupos sociais a entrada em espaços de clausura como recolhimento, em idade menor de 12 anos, era uma questão de sobrevivência, mas para as mulheres de uma maneira geral, a entrada tão jovem em recolhimentos ou conventos revela a preocupação da sociedade colonial com a guarda da mulher como garantia da manutenção da sua honra e fidelidade, atributos que deveriam ser caros ao gênero feminino. Segundo Russel ? Wood (1981) as mulheres portuguesas eram as mais guardadas da Europa. Sendo as virtuosas liberadas para sair de casa apenas três vezes durante toda a vida: para o batismo, o casamento e o enterro. Tal mentalidade também se estabeleceu em seu Império ultramar. Na Bahia colonial, de acordo com ele, as brancas só saiam de casa para ir à missa aos domingos. Em um documento endereçado à província, Sua Majestade escreveu: Pelo Alvará com força de 20 de fevereiro de 1760 foi S. Magestade ter vido determinar e regular o modo de vida que devião ter ____________existentes neste Estado do Brazil, como ___________ as penaz que se deve impor pelas mais leve transgressão. Neste ordeno ao Sr o responsável das mulheres, que estaz vivão recolhidas, e se ocupe naqueles mesmos exercícios de que se uzão no Pais, e como esta Regea determinação se poe tão ceara, e tão expressivamente ao of a suppl. Pretende praticar a vista do disposto na referida ley. (APEB. Documento da Ouvidoria geral do crime, 1760, p.174-179) Algranti (1993) salienta que a prática da reclusão feminina não foi um exercício do período medieval ou moderno, desde os séculos III ao V, já se encontravam registros de mulheres que se consagravam virgens em uma vida de clausura. Contudo, foi nos séculos centrais da Idade Média que a prática claustral se estabeleceu plenamente tanto para homens como para as mulheres. Todavia, para as últimas, essa reclusão foi cobrada de forma total, pois, era um fator de preservação da virtude e castidades. A clausura, então, passou a se tornar um fator de sujeição da mulher ao homem. Nesse sentido, os recolhimentos buscaram responder as diferentes demandas da sociedade em relação ao feminino. Desde a construção de espaços que as guardasse para o casamento, como o RSNJ, ou que as retirasse de uma vida dissoluta, como o Recolhimento de São Raimundo. Em ambos, ficava subjacente o que deveria ser controlado e formado: virtude e sexualidade. A associação entre a virtude e controle da sexualidade, pontuou todo o período medievo, na Idade Moderna, também se fez presente de forma intensa. Para Algranti (1999), não podemos falar de uma continuidade simples, mas da adoção de uma prática, a clausura, que propiciava a retirada das mulheres do espaço público e da efetivação da perda dos direitos 59 civis. Na medida em que as encerrava em espaços privados e que, no século XIX, se diversificou para além dos conventos e recolhimentos, mas em colégios ou mesmo em casa, diminuía a ação das mulheres nos espaços públicos. Entretanto, a clausura foi algo comum no mundo colonial, como forma de controle e um caminho para a construção de um ideal de mulher, portanto, esse espaço não era apenas local de guarda, mas, ao longo do tempo, principalmente no século XIX, a prática da clausura esteve ligada à formação, isto é, como veremos em relação RSNJ, não bastava apenas enclausurar, era necessário educar, ocupar, formar essas sujeitas para que fossem boas mães e esposas. Não desconsidero que essa prática, nem sempre, significou que esses sujeitos estiveram inertes nesse processo de clausura. Como afirmar Algranti (1993) e Cordeiro (2000), é preciso desconstruir a ideia de uma historiografia que estabelece o estereótipo de que as mulheres coloniais eram excessivamente religiosas, assim com a imagem de que reclusão feminina significava submissão e alheamento a toda ordem de contato com o mundo20, ao mesmo tempo em que não podemos reforçar o estereótipo de rebeldia e vítima, em relação às muitas mulheres que não se encaixaram nesse perfil traçado pela historiografia tradicional. Maria Odila Dias da Silva nos apresenta essa divergência. Em Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX, afirma que as mulheres pobres, brancas, escravas e forras na Cidade de São Paulo, estavam nos espaços urbanos, sobrevivendo através da improvisação de papéis informais. Silva (1995, p.19) exclarece: Na cidade, as mulheres pobres circulavam pelo espaço social, fontes, lavadouros, ruas e praças, onde se alternavam e se sobrepunham o convívio das vizinhanças e dos forasteiros, do fisco municipal e do pequeno comércio clandestino, as fimbrias da escravidão e do comércio livre. Enquanto sujeito histórico, as mulheres articularam suas vidas, dentro das possibilidades do que lhes era permitido, mas longe dos estereótipos, Algranti (1992) salienta o cuidado de não homogeneizarmos as experiências das mulheres, ou criarmos um discurso de 20 Sobre essa posição, cabe ressaltar, que trabalharei com as idéias de autores como Algranti (1993) Araújo (2000) e Dias (1996) que abordam seus temas a partir da perspectiva de empoderamento das mulheres. Ou seja, que nesses espaços normatizadores, as mulheres reinventaram,construíram estratégias de vida onde demonstravam domínio ou subversão da ordem. Dias (1996), por exemplo, em seu artigo sobre as mulheres do bandeirismo paulista mostra que, embora com uma imagem ortodoxa, em especial pela indumentária que sugeria submissão e timidez, elas foram ativas e tiveram um papel econômico fundamental, até mesmo como comerciantes. Já Algranti (1993), em seu estudo sobre recolhidas, afirmou que guiadas por homens, sujeitas a um bispo, a um provincial, nos conventos mistos, as mulheres tiveram que buscar muitas vezes na indisciplina, um caminho próprio para a vida contemplativa feminina. Portanto é essa idéia de uma mulher que muitas vezes usa os elementos do opressor para impor ou construir seus espaços que iremos trabalhar nesse texto. 60 sujeitos apáticos para elas. No caso do RSNJ, as próprias vivências cotidianas das recolhidas, demonstram como essas mulheres articularam o seu dia-a-dia a partir de desejos ou resistências as regras impostas. Assim como a clausura, dependendo da condição social dessas recolhidas, teriam significados diferentes. A prática da reclusão era comum para as mulheres, mas não podemos deixar de salientar, que era um exercício comum, inicialmente, a algumas delas, a branca. No caso da colônia, era essa a ideal para o casamento. A mulher miscigenada, principalmente, as que estiveram associadas a uma menor condição social, não era a melhor opção de casamento, não apenas por trazer a associação com a escravidão, mas com uma mentalidade que se forjou a partir dessa experiência, que, eram elas de menor moralidade. Segundo, Santos (2010) não é que fosse proibido o casamento entre pessoas de cores diferentes, mas rejeitava-se a união entre eles. O fato é que, possivelmente, no início, essa ideia tenha vigorado como critério para se pensar em quais mulheres deveriam entrar no recolhimento, uma vez que, ao estabelecer a eleição das qualidades das donzelas que deveriam compor o recolhimento, a MA usou como critério as mesmas determinações, que seu instituidor, João de Mattos Aguiar, especificou para a distribuição dos dotes: moças pobres e brancas. Gandelman (2005) indica ainda que, no caso do Recolhimento do Santo Nome de Jesus, poderíamos acrescentar aos critérios de escolha das recolhidas, as qualidades de honrada e virtuosa, uma vez que na dotação das órfãs assistidas pela Irmandade da Misericórdia esses critérios figuraram como importante para despensa do beneficio, demonstrando como a sociedade temia pela falta de tutela, especialmente a masculina, para as mulheres solteiras e órfãs. Não podemos afirmar com precisão quais os critérios usados pela Irmandade da Misericórdia da Bahia para a escolha das candidatas ao Recolhimento, mas, não podemos ignorar que orfandade, pobreza, honra e virtuosidade ou de ?boa fama? não foram menos considerados. Afirma Gandelman, Se é possível que nesse período uma diversidade maior de mulheres pudesse ser enquadrada nesse perfil, também é possível que requesitos, como honrada por exemplo, estivessem associados a uma determinada parcela da população cujo conhecimento hoje nos escapa e também, no caso da Bahia por exemplo, é possível que houvesse menos pressão de grupos diversos sobre a aplicação desses recursos. Isto é, possivelmente não havia necessidade de criar distinções e barreiras por uma possível homogeneidade do publico requerente dos auxílios. De qualquer forma, essa formula, como posemos observar (...) não perderia seu poder dentro do rel das imagens das mulheres assistidas, mas seriam acrescentadas a ela outras carcteristicas que completariam essa imagem, como fruto dos desafios sociais que se apresentavam a irmandade e ao conjunto dos homens bons que a constituía no século XVIII ( GANDELMAN, 2005, p. 193) 61 Ao longo do século XIX, outro perfil de recolhida começou a aparecer com mais evidência nos registros das internas. Revelando que, em algum momento, a Santa Casa da Misericórdia ignorou ou relativizou a entrada de apenas brancas no recolhimento, motivados, talvez pela condição que, algumas delas poderiam passar, quando pobreza e cor se articulavam para determinar os lugares desses indivíduos nessa sociedade. MA reconheceu que tinha atenção especial para com as assistidas pela Instituição que experienciasse essa condição. Em 16 de junho de 1830, a Mesa Administrativa salientou: O desamparo em que viviam muitas enjeitadas da Casa abandonadas depôs da sustentação de três annos, e que mesmo querendo algumas pessoas entregar para serem recebidas no Recolhimento as enjeitadas, que tinham criado, encontravam grande dificuldade, de que ressalvam em certo males a donzelas e que pessoas haviam tão desumanas, que costumavam privar de sua liberdade alguns, ao quais a nature]a tinKa dado o ? incidente de cor? e deseMando aOiYiar a semeOKante maOes procurando todos os meios possíveis saber onde estavam esses filhos da casa [...] (ASCMBA. Livro de registro, 87A, 1830) O envio dessas meninas começou sistematicamente a partir do século XIX, principalmente com a criação da Casa dos Expostos ou Casa da Roda em 1847. Segundo Costa (2000) o envio dos expostos, em 1833, para o Recolhimento, ocorreu antes mesmo da criação da Casa da Roda, e que essas crianças ficavam sob os cuidados das moças recolhidas da Instituição. Ainda sobre as enjeitadas, em 1850 a MA registrou o caso de uma enjeitada que passou a ser usada como escrava pelo seu responsável. Uma vez que fazia parte da política para as crianças enjeitadas, quando recebidas, serem alojadas, quando pequenas, na casa de pessoas pagas pela Santa Casa até idade de serem encaminhadas para a Casa dos Expostos ou o Recolhimento ou continuarem com a família por caridade. Em 8 de março de 1850, escreveu o Mordomo dos expostos João Querino Gomes: Huma exposta desta Santa Casa de nome Eufrásia Felicia Mattos, menina cabra de nove annos, se acha segundo me informão, maltratada em condição como de escravo no poder de 0aria $niceta de 6 $nna residente n¶ Kuma casa de soErado em que mora Agostinho Mora Sampaio, Além do Carmo. Dos assentos da secretaria que tratei de consultar logo que tive noticia desta injustiça, consta que em 16 de março de 1841 essa Maria Aniceta tomou a mencionada exposta para sua escrava Felicia da Silva criar, e debaixo de sua fiança, finda a criação obteve ficar com a dada menina mais dois annos, praso este que foi concedido em 2 de abril de 1848. Entretanto, fallecido o fiador, e ameaçada em sua liberdade, dirijo-me a VS. Para que se digne para o bem della tomar. (ASCMBA. Livro de registro, 91A, 1850) Diante dessas situações a Mesa não apenas resolveu que elas deveriam ser amparadas peOo 5ecoOKimento como acrescentou que ?fosse determinado peOa Munta que OonJo que se 62 apresentar qualquer enjeitada da Casa fosse recebido sem dependência alguma [...] a caridade da &asa deYe principiar peOos seus fiOKos? 0arciOio (1998) corrobora com essa posição quando afirma que em seus estudos sobre os expostos na Santa Casa da Misericórdia, em particular a baiana, não há indícios de que no século XVIII, tenha havido envio de meninas expostas ao Recolhimento do Santo Nome de Jesus, mas que era uma preocupação constante da Irmandade pensar sobre o destino dessas meninas desamparadas ao findar o período de criação. No entanto, apesar da autora sinalizar que possivelmente essas garotas tenham entrado após o século XVIII, no Recolhimento, encontrou registros de algumas meninas expostas encaminhadas no final desse mesmo período para a Instituição. Destaco, ainda, que na reelaboração do estatuto do Recolhimento, em 1776, em relação a entradas das recolhidas, o recolhimento permitiu forras e capturas, e, portanto, implícito estar a questão da cor, para a entrada como servas da casa. Para, além disso, comparando o Estatuto do Recolhimento do Santo Nome com o Estatuto do Recolhimento de Mulheres da Misericórdia do Rio de Janeiro, supomos que o RSNJ, apesar de aceitá-las, infligiu-lhes condições de permanências diferenciadas. Já o Recolhimento de Misericórdia do Rio de Janeiro estabelecia no parágrafo 2o ?Em nenKum caso, com nenhum pretexto, serão admitidas neste recolhimento pardas, ou mulatas, por se temer a desunião e discyrdias que podem resuOtar de não KaYer iJuaOdade nas pessoas? (ALGRANTI, 1993, p.125). Essa posição do RMRJ demonstra como era delicada a convivência de pessoas de cor na sociedade brasileira. Por um lado podemos identificar uma acessibilidade desses indivíduos a alguns espaços ou mesmo a conquista de algum ganho econômico, não raro, essa sociedade imputava limites de trânsito a eles. Janaina Santos Bezerra (2010) pontua que essa população de cor, negros e pardos, foram personagens que buscaram se adaptar aos valores dominantes, uma vez que, ao consiguir as condições econômicas, procuravam se distinguir das camadas mais baixas e dos estigmas da escravidão, através da ostentação do luxo e da posse de títulos honoríficos, contudo, mesmo quando experimentavam a ascensão econômica não escapavam da discriminação cultivada abertamente ou de forma camuflada na sociedade. Podemos dizer isso daqueles que, de alguma forma, romperam com o círculo de pobreza a que estavam destinados, imagine quando a condição de pobre e cor se coadunava na vivência desses sujeitos. Assim, em 1843, apesar do estado de órfão da recolhida Maria Fortunada, filha de crioula, ela foi recebida no recolhimento na condição de serva. As servas, segundo o estatuto de  ?forras ou capturas são oEriJadas a serYir a toda a comunidade Yisto que com esse 63 destino são aceitas, e a Casa lhes prestar todo subsídio? (ASCMBA. Livro de registro, 90A, 1843) O estatuto deixa explicito ainda que elas eram diferentes das outras recolhidas, não partiOKando das mesmas reJaOias das yrfãs de outra cateJoria  'i] o estatuto: ?7erão toda obediência e respeito, não somente as maiores; mas também, a todas as demais recolhidas. São obrigadas a assistir a todos os atos espirituais, quando suas obrigações respectivas lhe dessem OuJar para isso? (ASCMBA. Estatuto Oficial do RSNJ, 90A, 1843) Outra categoria que figurou no Recolhimento, dentro da condição de servas, foram capturas. Essa última parece ter sido flexibilizadas dentro desse espaço a fim de atender as porcionistas. As porcionistas, como veremos adiante, não se caracterizavam por serem nem órfãs, nem pobres, eram mulheres ou irmãs de alguém, que por diversas razões estavam no RSNJ, mediante pagamento. No inicio do século XVIII, foi considerável o número dessas mulheres nesse espaço. Nesse sentido, como tinham algum recurso, não acredito que se desse a todo tipo de tarefa dentro do Recolhimento. Fato que corrobora para isso é que no capítulo  do estatuto fica determinado: ?6erYirão as suas senKoras 6ão suas senKoras oEriJas a castigá-las de acordo com o delito; tem a regente o direito de prendê-las caso não se comportem?. (ASCMBA. Estatuto Oficial do RSNJ, 90A, 1843) O RSNJ também mantinha suas cativas. Essas também eram obrigadas a todo serviço da comunidade, além de serem humildes e obedientes para com todas as recolhidas. Em 1847, a MA registrou, em um anúncio, o desaparecimento de uma africana livre de nome Marcelina, que deveria, quando encontrada, ser entregue no recolhimento. Nesse mesmo ano, foi registrada a entrega das africanas livres com seus respectivos filhos para o juiz dos órfãos. O que chama a atenção nesse registro é que, apesar de, no primeiro caso, estar livre, a MA não abriu mão de reavê-la. O que me leva a questionar o porquê dessa atitude da Instituição. Pondero que, mesmo livres, a MA não deixou de ser a tutora dessas mulheres, responsável pelos seus destinos. Ainda que fossem africanas livres, não poderiam ter partido sem o consentimento da Instituição, como foi o caso de Marcelina. No caso das africanas livres com seus respectivos filhos, pode-se pensar que pelo grande número de órfãos que já existia na Casa dos Expostos, não fosse conveniente para a mesma manter essas mulheres com os filhos, e não desejando separá-los, o pouco recurso financeiro dessas mães, fosse preferível entregá-las a uma autoridade para acolhê-las, com suas crias. Por outro lado, se o estatuto registrou as condições específicas de entradas dessas internas, forras e capturas, no RSNJ, não explica como as mulheres pardas foram 64 sistematicamente sendo aceitas nesse espaço, principalmente, no século XIX. Creio que o não registro da presença de mulheres de cor, no início, durante o século XVIII, necessariamente não significou a não presença delas, mas refletia o preconceito com que a sociedade tratava esses indivíduos. Segundo Schwarcz A cor conferia-lhes identidades como um grupo, embora fossem reconhecidas distinções. Desenvolveram no Brasil várias classificações mutáveis de acordo com o tempo e o lugar [...]. As pessoas de cor geralmente arcavam com duas desvantagens. Primeiro, sua cor indicava claramente ascendência africana e, portanto, condição social inferior, presumivelmente a de ser escravo, em alguma época. A segunda a desvantagem era a insinuação de ilegitimidade na existência de uma pessoa mestiça, pois supunha que o homem branco normalmente não casava com mulheres de condição inferior. Assim como eram vistos como matreiros, ambiciosos e indignos de confiança (SCHWARCZ, 1988, p.213) Tais percepções discriminatórias não impediram a população parda de crescer e tornar-se parcela importante das categorias de artesãos, trabalhadores assalariados e pequenos agricultores. E se pensarmos nas mulheres, de acessar espaços como o asilo da Santa Casa de Misericórdia, ainda, que como destacou o estatuto de 1776, na condição de serva. Inicialmente nessa condição, uma vez que, a partir do século XIX, necessariamente, não encontramos esta associação de cor e condição de permanência no recolhimento. Cabe ponderar, entretanto, que, a mudança na forma de entrada das meninas no recolhimento, através da Casa dos expostos, tenha contribuído para essa dissociação. Em 4 de setembro de 1858, foram registrados nas Atas da Santa Casa que das 104 recolhidas, 16 eram órfãs e 88 eram expostas. Sendo 50 brancas, 33 pardas, 16 cabras e 5 pretas. O que me remete a outra discussão. Segundo Russel-Wood (1981), o Recolhimento do Santo Nome de Jesus fora criado para atender a um grupo remediado, era um recolhimento de classe média, para mulheres brancas em idade de casar e que tivessem com sua honra em perigo por ter perdido um dos pais. Todavia, se cruzarmos os dados acima, com a descrição de Fraga Filho (1996) sobre a população pobre de Salvador no século XIX, constatamos que, em algum momento, a Santa Casa privilegiou a entrada desse grupo, distanciando-se da intenção do criador, pois, ao longo do tempo, parece ter sido obrigado a atender a outro perfil de mulher: pobre e de cor. Essa flexibilidade da Santa Casa de receber mulheres de cor no Recolhimento evidencia uma mudança de caráter racial na população da época. Segundo Russel-Wood (1981), Kátia Mattoso (1992) e Matta (2000) no século XIX a população baiana era extremamente miscigenada. João Reis destaca que em 65 [...] 1832 era estimada uma população de 66 mil habitantes, mesma taxa se crescimento verificado entre 1775 e 1807. Dessa população, 42 % seriam escravos e os demais livres e forros. Quanto à cor, mestiços e negros representariam uma formidável maioria de quase 72 % (REIS, 2004, p.34). Ao dimensionar esses números em termos de pessoas que estavam mais sujeitos as intempéries da vida. Fraga Filho (1996) nos sugere que a cor da pele era um fator que influenciava na ocupação ou não desses indivíduos. Segundo os relatos de Reis (2004), os mendigos e indigentes que deram entrada no Hospital da Misericórdia, entre 1847 e 1855, representavam 14,8% de brancos, 37,8% de pretos, 21,3% de crioulos, 20,2% pardos, 4,8% cabras, 0,1% caboclo e 1% etnia ignorada. Esses dados indicam que os não brancos estavam muito mais sensíveis a formarem o grupo de pobres do que os brancos. Pondero que o tratamento dessa população de não brancos na sociedade colonial e no Império não pode ser dissociado do processo de escravidão, nem tão pouco da ideia de um branqueamento que era perseguida desde a colônia e que no período imperial, ainda se tornava um projeto a ser efetivado, no século XIX, com a vinda de imigrantes europeus. Segundo Oracy Nogueira (1985) entender os lugares que a população não branca ocupava no cenário brasileiro, e ocupa, passa por compreender como se estabeleceu e estabelece o preconceito nas terras além-mar. Para o autor [...] a plantação ou o latifúndio, isto é, os estabelecimento destinado a produção com a utilização de mão-de-obra alheia a da família ( em sentido restrito) do empreendedor ( ou proprietário da terra) integrou, desde logo, no mesmo sistema de produção e, pouco a pouco, na mesma sociedade nacional ? processo de ritmo variável e que, em geral está longe de se completar ? os europeus e seus descendentes diretos, de um lado, e os nativos, negros africanos e outros elementos étnicos alienígenas, com a respectiva descendência , inclusive os mestiços com diferente proporção de ascendência branca, de outro. (NOGUEIRA, 1985, p.70) Nesse sentido a compreensão dessa população passa também pela ideia de uma hierarquia social dos elementos humanos que refletia a dinâmica do latifúndio. Onde o branco (europeu ou descendente) dono da terra, estavam no topo da pirâmide e no outro extremo, os neJros natiYos mestiços ocupaYam a ?condição de escraYos administradores mais tarde trabalhadores rurais, camaradas, colonos, parceiros, etc? (NOGUEIRA, 1985, p.71). Para ele, nessa dinâmica de posições econômicas, mas também cultural, onde o outro, diferente do europeu esteve submetido à cultura do dominante, o preconceito, a diferenciação não vai ser lida apenas pela posição econômica desse individuo. 66 A conjunção desses fatores, econômicos e culturais construiu uma diferenciação, um preconceito baseado nas diminuições das características físicas desse indivíduo, ou melhor dizendo, esse indivíduo vai ser primeiro lido por essas características evidentes. É o que o autor denomina de preconceito de marca que seJundo eOe p ?4uando o preconceito de raça se exerce em relação à aparência, isto é, quando toma por pretexto para as suas manifestações, os traços físicos dos indivíduos, a fisionomia, os gestos, o sotaque, diz-se que p de marca? (NOGUEIRA, 1985, p. 79) Em uma aniOise mais recente &arOos 0oore saOienta que a ?$mprica /atina como um todo, funciona segundo uma ordem sócio-racial pigmentocrática; um contexto social onde as diferenciações da cor da pele, da textura do cabelo, da forma dos lábios, da configuração do nari] dentre outras caractertsticas determinam o status coOetiYo e indiYiduaO das pessoas? (MOORE, 2007, p.202). Thales de Azevedo (1955), Russel ? Wood (1985) e Mattoso (1992) sugerem que se estabeleceu no Império português diante da população miscigenado uma espécie de escamoteamento da população de cor. Os indivíduos frequentemente poderiam ser ignorados como racialmente diferentes se estivessem ligados a uma posição econômica melhor ou aliado a isso apresentassem uma ?Jradação de cor? 2u seMa quanto mais pry[imo da tonaOidade da cor do dominante estivesse à população miscigenada, mais possibilidade de ser tratada como tal teria. Segundo Fraga Filho a cor da pela poderia ser decisiva na classificação social dos indivíduos. A elite considerava-se branca mesmo que para isso fosse preciso ocultar ou negar a sua, ainda longínqua, ascendência negra. Isso porque a posse de bens tinha a curiosa faculdade de branquear até mesmo pessoas de tez mais escura. (FRAGA FILHO, 1996, p.16). Cabe retomamos algumas reflexões já aventadas ao longo do texto. Se a cor passou a ter um caráter importante, como destaca os autores citados, não posso deixar de dissociá-la de outros critérios, para além do econômico, de diferenciação. No caso da sociedade baiana, marcada pela escravidão, o primeiro elemento definidor da sociedade era o estatuto jurídico, ser livre ou não, era uma das primeiras formas de classificação dessa sociedade. Contudo, como coloca bem os autores, entre eles, Pontes (2000), a mistura com que essa sociedade se constituiu, construindo outro elemento, o mestiço, o mulato ou o pardo, que transitou entre esses dois estatutos, constituirá um ponto de desequilíbrio nessa estratificação. A cor, então, tornar-se outro elemento importante de definição dessa hierarquização social. Em torno deles, outros elementos, são agregados: inserção social, processos de 67 ascensão e a mentalidade discriminadora manifestada no cotidiano. Resgatando Pontes (2000) sobre o século XIX, onde se observa, sobremaneira, a constituição de um projeto para um grupo social mulato ou mestiço, é preciso resgatar a dimensão do vivido, do cotidiano, onde a cor servia não apenas para descrever, como dava uma referência mais abrangente desse individuo. Não se via uma mulher branca com os mesmos olhos que olhavam uma indígena, negra e mestiça. Em relação a essas últimas, para além do estigma da escravidão, a mulher negra/ mulata se caracterizava pelas imagens estereotipadas acerca da sexualidade/ afetividade. A ela não é permitido ser esposa ou mãe. Ela é símbolo da liberalidade sexual. Sua função é atrair os homens, ser explorada e em alguma medida explorar através do sexo. Nesse sentido, a crescente presença das mulheres de cor no RSNJ, de alguma medida, representou uma contradição a um ideal de feminino para o casamento, por outro, não desconsidero que na medida em que essa população não-branca aumentava, constituindo também a massa de desassistidos, é possível que muitas mulheres que recorreram ao recolhimento pertencessem a esse grupo e tenham buscado a Instituição com um fator diferenciador para sua condição. Elementos como cor, condição econômica, livre ou cativo foram elementos constituidores dos lugares de homens e mulheres nessa sociedade. Há que se pensar que, para as mulheres, principalmente as de cor, o elemento honra e virtude também entraram como qualidades importantes para definir ou oportunizar seus lugares, como veremos mais adiante, quanto aos pedidos de entrada nesse espaço, onde um importante argumento era a proteção a honra. Nesse sentido, a presença dessa população, ao mesmo tempo em que refletia a grande massa de desassistidos que formava indicava que esse espaço era considerado um diferenciador para alçar outra condição social, em uma sociedade onde a situação econômica era bastante fluida, principalmente quando era uma mulher21. Os estudos de Venâncio (1999) sobre famílias abandonadas nos apresentam não apenas um quadro de como essa população de cor era crescente entre os desassistidos, como o feminino era preponderante. Entre 1758 a 1762, o número de expostas em Salvador era de 158 meninas contra 226 meninos, de 1780 a 1800, foram 994 meninos contra 886 meninas. Em 1801 a 1850 foram 101 meninos a 228 meninas e 1850 a 1870 foram 505 meninos a 566 meninas. 21 Na primeira parte da dissertação sinalizo uma discussão, baseado em Gandelman (2005) sobre a vivência da pobreza pela mulheres. 68 Dos dados levantados, levando em consideração a cor dos expostos e expostas, crianças mestiças e negras comporiam a maioria dos enjeitados. Para Venâncio (1999) isso refletia as mudanças no perfil étnico/racial da população brasileira. Portanto, não podemos entender a entrada dessas mulheres no Recolhimento, bem como suas condições dentro do recolhimento se não levarmos em consideração essa dinâmica que se estabeleceu dentro da sociedade da época. Os lugares de órfãs, expostas, porcionistas passaram por essas leituras raciais e econômicas, colocando em xeque a ideia de um recolhimento voltado para um dito grupo social, de status médio, e mulheres, somente, brancas. Fora isso, a população do recolhimento oscilou entre uma orfandade parcial ou total. Ou seja, como critérios de entrada no Recolhimento além de honesta, pobre, deveriam ser desassistidos de pai, de mãe ou de ambos. Todavia, nas poucas petições encontradas22, o que observamos é que o principal argumento para a entrada no recolhimento não era a orfandade, mas o que significava a pobreza para essas mulheres. Segundo Gandelman (2005) a lei portuguesa considerava que o pai possuía o pátrio poder sobre os filhos até completarem 25 anos ou até casarem. Isso significava que as crianças estavam sob a tutela do pai até a maioridade e que sua posição dentro da sociedade estava vinculada a posição social de seu pai. Era considerado órfão, perante a lei, aquele que perdia o pai e era necessário nomear pessoas que ficassem responsáveis por essas crianças. No caso das mulheres, não tendo alguém confiável, a solução era o recolhimento. Algumas petições sugerem que nem sempre elas eram órfãs de pai, ou melhor, nos pedidos encaminhados, nem todos fazem a referência a orfandade masculina, como foram o caso dos pedidos de Maria Angelica Reginalda, Maria Joaquina da Santa e Delfina Maria do Nascimento. Esses casos chamam a atenção pela redação do texto, pois, ao contrário dos outros pedidos encaminhados à Mesa Administrativa que faziam referência a viuvez ou ausência do marido quando a súplica era realizada pela mãe, ou a orfandade materna quando a súplica realizada pelo homem ou mesmo a orfandade de ambos, nesses documentos não há sinal da presença masculina na vida dessas suplicantes. 22 Devemos destacar aqui, que essas petições encontradas estão relacionadas aos documentos avulsos da Santa Casa de Misericórdia. Alguns com pedido de indeferido, outros sem referência ou deferido. Contudo, salientamos que a aceitação ou não desses pedidos, não interfere na análise dos perfis das recolhidas visto que, nos documentos encontrados como indeferidos, a razão para a negação não era o pedido em sim, ou a falta de critério da pleiteante, mas a ausência de lugar para recolher mais mulheres. 69 Diz Maria Angelica Reginalda que falecida sua irmã Luiza Maria Reginalda deixava uma filha do nome Benvinda Felicidade Perpetua menor de quatorze annos, como mostra os documentos juntos, e por que a suppl é sumamente pobre não tendo meios para sustentar e aliviá-la das impulsas da mocidade. (ASCMBA. Correspondências avulsas, 1837, caixa 01c). O outro caso foi encaminhado em 24 de agosto de 1837, segundo o qual: [...] este requerimento vem documentada com documentos contraditórios, pois que se dizendo ser órfão a desvalida, de que ser tracta o documento, que comprova a idade pela certidão de batismos, dá-se um pai diverso do que se tracta a certidão de yEito? 2u ainda, o caso de 'eOfina 0aria do 1ascimento ?e[posta no +ospitaO da Santa Casa por tê-la ali deixado em desamparada sua mãe que falecera no mesmo KospitaO? (ASCMBA.Correspondências avulsas, 1837, caixa 02). Em 1837, Maria Joaquina da Santa, branca e pobre, requereu o recolhimento da sua filha a partir da seguinte alegação. Que ella tem huma filha da mesma qualidade denominada Cândida Maria da Conceição que se acha na idade de 9 a 10 annos como mostra os documentos e que a suppl não possa nem instruir nas 1º. Letras, nem mesmo alimenta-la por ser minimamente pobre, nem dar-lhe o devido estado. Vê-se_______ a graça de fazer recolher nesta Santa Casa em no. Das filhas della, salvando-a da calamidade aqui ficara exposta se não olharem sobre ela. (ASCMBA. Documentos avulsos, Caixa 02) 23 Nos três casos citados, apenas Delfina teve o seu pedido deferido. Para os outros dois, a recusa foi justificada pelo grande número de recolhidas na Instituição. Contudo, a presença desses requerimentos para as meninas externas, sugere que essas mulheres que procuraram ou foram encaminhadas para o recolhimento poderiam ser, também, o resultado das uniões informais na sociedade da época. Ou pensarmos que, ao longo do tempo, o abandono e a pobreza no século XIX obrigaram a sociedade a repensar a ideia de orfandade. Destaco ainda que para além do que os documentos indicam como critério para a definição de quem eram os indivíduos do Santo Nome de Jesus: órfãs, brancas, miscigenadas, pobres ou remediadas. Elas se dividiram em denominações criadas pelo Recolhimento. Ou seja, poderiam ser órfãs de número, isto é, as órfãs que tinha os seus pedidos feitos de forma externa, diretamente a Mesa Administrativa e que, necessariamente, não tinham sido crianças assistidas pela obras da Santa Casa. As expostas, que alude que eram as meninas que vinham de algum tipo de assistência da Santa Casa, foram crianças da roda, dadas a criar a alguma ama- de- leite, e que ao final do 23 6eJundo resposta da 0esa $dministratiYa ao pedido soOicitado ?E[istindo no 5ecoOKimento Kum numero extraordinário de recolhidas que já excedem da capacidade do recolhimento, não podendo ter lugar a pretensão da superiora? 70 período não foram colocadas na casa de nenhuma família e, por isso, retornavam para a Santa Casa, sendo colocadas no Recolhimento, ainda pequenas sob a tutela das recolhidas maiores, mais tarde incorporadas ao número de recolhidas. Em 1847, com a criação da Casa dos Expostos, essas meninas iam primeiro para esse espaço e, depois, ao atingir a idade de 10 a 12 anos eram encaminhadas ao Recolhimento do Santo Nome de Jesus a fim de continuar a sua educação ou atingir um estado. Vale salientar que essas meninas também poderiam ser identificadas como enjeitadas. O outro grupo era as das porcionistas, que como vimos fora uma determinação do Rei D. João VI. Eram recolhidas no Santo Nome de Jesus pela ausência dos maridos e permaneciam aí até a sua volta. Todavia, o que observo nos documentos é que a condição de porcionista foi amplamente usada para justificar os mais variados pedidos de reclusão das mulheres no Recolhimento da Santa Casa. Em 1834, na proposta de mudança da reforma do Estatuto do Recolhimento do Santo Nome de Jesus, a Mesa Administrativa fez uma preferência por determinadas mulheres. Segundo ela, que fossem admitidas no Recolhimento: & 1º. As Expostas da Misericórdia, que, acabada a creação de leite, ou chegado o tempo da educação, não poderem ficar com as Amas, nem ser estabelecidas em alguma família honesta; ou que tendo-o sido, acharem-se depois, desamparadas, por qualquer accidente, para o quanl não tenhão concorrido. & 2º. As Órfãs , filhas de Irmãos , de idade de 7 a 20 annos , que tenham ficado na probreza, e abandono, sem parentes que as possão valer, e sejão de reconhecida honestidade; e achem ?se em perigo de seducção. & 3º. As Donzellas desamparadas, de 10 a 20 annos de idade, que por seos bons costumes, e falta de pessoas, que cuidem da sua educação, e guarda, careção de protecção da Miesericordia; concorrendo todavia com assomas precisas para a sua sustentação, e tendo por isso o titulo de Porcionistas. (ASCMBA. Livro de registro, 1834,88A) A preferência da Mesa Administrativa nos remete a retornar a reflexão sobre a situação da Bahia no século XIX, pois é notório, segundo Mattoso (1992), Fraga Filho (1996) e Matta (2000) que este pertodo foi marcado por ?7empos de infort~nios? Segundo Mattoso (1992), pensando na conjuntura econômica da Bahia: 1787-1821 (prosperidade); 1822- 1842/45 (depressão); 1842-45-1860 (recuperação); 1860-1887 (grande depressão); 1887-1897 (recuperação); 1897 -1905 (crise) e Fraga Filho (1996) reafirma essa posição ao afirmar que podemos caracterizar a Bahia por oscilações de crises, entremeados por outros de recuperação. Essas variações demonstram o quanto à Bahia apresentava uma economia frágil e dependente do mercado externo, principalmente baseado em um modelo econômico que se 71 fundamentava em lógica agro-exportadora de um único produto, como o açúcar ou em produtos de pouca expressividade no mercado. Essas crises atingiram os pobres de diversas formas, principalmente com a carestia dos alimentos de primeira necessidade. Nos anos 50, Fraga Filho (1996) salienta que as epidemias constituíam outro fator de empobrecimento. Em sua passagem devastadora, o cólera deixou para trás grande número de miseráveis e yrfãs ?'urante muito tempo as autoridades tiYeram que enfrentar a questão do Jrande continJente de yrfãos que tiYeram seus pais Yitimados peOa cyOera? Em  de MuOKo de 1856 a Mesa Administrativa registrou em ata: O Presidente da Província, no intuito de ampliar desde já o asylo para as órfãs desvalidas em que sejão também recolhidas e educadas as que forão redusidas a este estado pelos estragos da epidemia a cujo fim especialmente fora convertido e com licença de S.M. O. Imperador o donativo que em sua extremada caridade destinara em favor das pobres atacadas da mesma epidemia nesta província. (ASCMBA. Documentos avulsos, 1856, caixa 4C) Nessas conjunturas o Recolhimento do Santo Nome de Jesus tendeu a privilegiar as órfãs expostas, ou seja, aquelas oriundas da Roda e dessas situações de desamparo. Não apenas pelo pedido encaminhado pelo Presidente da Província em relação a situação de abandono relatado, mas, pelo gradativo perfil de mudança que observei no livro de entrada das recolhidas. Segundo esses registros, entre 1742 a 1808 foram assistidas no recolhimento cerca de 155 mulheres, de diferentes idades, sendo que apenas 5 foram expostas e duas foram denominadas como enjeitadas e 42 eram porcionistas. Assim, de uma maneira geral as outras recolhidas que deram entrada no recolhimento foram denominadas de Recolhidas. Segundo os registros da Santa Casa da Misericordia, entre 1808 a 1834, verificou-se o registro de 253 mulheres, também de diferentes idades, sendo 100 denominadas de recolhidas, 6 enjeitadas, 5 expostas, 40 porcionistas, 44 servas e 58 na situação de Encostada. De 1823 a 1860 registrou-se 246 recolhidas em diferentes idades, sendo 131 expostas e 115 com a denominação de recolhidas órfãos, 3 porcionistas. E desse número de recolhidas 31 se encontravam na situação de Enconstada24. Pelos últimos dados averigua-se que o número de expostas superou os anos anteriores em relação ao número de órfãos dentro do recolhimento. O que reafirma a preocupação da MA com o destino dessas mulheres. Assim como o número de porcionistas diminuíram consideravelmente, também contemplando uma preocupação da MA de reduzir a presença 24 Termo usado para definir uma interna que se encontrava na espera de uma vaga no recolhimento. As enconstadas ficavam recolhidas por um período de tempo até vagar o lugar de órfão. 72 dessa categoria de internas no Recolhimento, proporcionando espaço para as filhas da casa, as expostas. Essa atitude pode ter contribuído para relativizar o perfil racial e econômico das mulheres recolhidas no Santo Nome de Jesus. Uma vez que, esse grupo, poderia pertencer a qualquer condição racial ou camada social. Ou seja, demandas econômicas, interesses pessoais, construção de uma ideologia de guarda para as mulheres, cor e status social compuseram o trânsito desses indivíduos dentro desse espaço de controle e formação. Os revelam, também, que foi a partir do século XIX que se evidenciou um gradativo número registros da cor dessas mulheres, levando-me a considerar que, talvez, nesse momento, elas tenham se estabelecido em maior grau, ou começou a ter essa qualidade identificada com mais recorrência. No século anterior, com raríssimas exceções, essas mulheres figuraram nos registros do recolhimento. A partir do século XIX, entre 1808 a 1835, dos assentamentos das recolhidas identificados com a cor dessas mulheres, foram registradas 50 brancas e 37 pardas e uma cabra. Entre 1826 a 1860 foram registradas na categoria de órfãs 33 brancas, 12 mulheres de cor e 70 sem identificação. Já na categoria das expostas foram assentadas no recolhimento 49 brancas, 46 pardas, 10 cabras e 4 crioulas. Sendo 22 não identificadas pela cor. No entanto, se não posso afirmar exatamente o que teria levado o RSNJ a reconhecer esse critério nos registros das internas. Sugiro que, o fato de muitas terem sido expostas, meninas oriundas da Roda e encaminhadas para Casa dos Expostos e depois recolhimento, e, haver no livro dos expostos, a presença da caracterização física de todos aqueles e aquelas que passavam por aí, talvez, alguns elementos tenha sido levado para o registro das meninas que adentravam no RSNJ. Todavia, em relação as expostas encontramos alguma caracterização física, ainda é, entre as órfãs de número, ou recolhidas externas, que observo mais a ausência desse comentário. Suponho que, no caso das órfãs externas, a não descrição da pigmentação dessas moças passava pelo próprio discurso de quem requeria a entrada dessas meninas ou mulheres. Não podemos esquecer que, como problematiza Silmária Brandão (2000) e Bezerra (2010) em relação ao que representava ser marcado pela cor nessa sociedade, onde o estatuto da escravidão coadunava com a idéia de pureza de sangue e com ela, e enunciar isso era o reconhecimento dessa marca inferior. Pontes   que se dedicou aos estudos da cateJoria ?muOatos? na %aKia a designação de pardo era usada como forma de registrar uma diferenciação social, variável, na condição geral de não-branco. Ou seja, um escravo, descendente de homem livre (branco), 73 bem como um homem nascido livre de ascendência africana, mestiço ou não, poderia ser considerado pardo. Nesta visão de Pontes (2000), a cor, dependendo da condição jurídica poderia ou não prevalecer na definição do individuo. Ela chama atenção ainda para o fato de que, nessa sociedade, oficialmente, a terminologia não era muito variada, quando se coadunava prestigio social. O termo mais utilizado para essa situação era o reconhecimento de que era um ?Komem Eom? 2s OiYres sem nenhum prestígio ou saídos da escravidão, poderiam variar em branco, pardos, pretos e cabras. O que, no caso do recolhimento, explicaria a variedade das categorias utilizadas para definir o perfil das internas a partir do século XIX. Já Bezerra (2010) o uso do termo pardo não significava apenas o reconhecimento de que o individuo era miscigenado, mas poderia estar ligado aos descendentes de africanos, nascidos no Brasil, na sua condição de civil livre, distanciando-se da idéia trazida pelos termos pretos ou crioulos, que aproximava o indivíduo da condição de escravos. Contudo, pondero que, apesar de Pontes (2000), considerar que um africano, mesmo não mestiço, mas livre, pudesse ser definido como pardo, em referência a sua condição jurídica de livre, aventamos que, em relação ao RSNJ, o uso do termo pardo pode ter pendido para designar pessoas mestiças, na condição de livres, que tendiam mais para as características brancas, uma vez que, outras categorias de cor foram usadas para determinar o perfil das recolhidas, como crioulas e cabras, e que segundo a mesma autora, o primeiro fazia referencia aos africanos livres nascidos no Brasil, e o segundo, era o que mais marcava uma distinção de cor, uma vez que era o resultado do negro com o mulato ou pardo, portanto, de pele mais escura. Nos anos de 1826 a 1860, na condição de órfãs de número ou externas, hovia uma predominância de brancas e pardas, apenas uma foi denominada de cabra. No caso das expostas, além de brancas e pardas, que se apresentam em um número equivalente, ainda encontramos as 4 crioulas e 10 cabras. É interessante notar que a qualificação das recolhidas segundo a condição de entrada e cor nos dar mais do que a informação da sua orfandade. A primeira nos diz que, para além de órfãs, elas poderiam ser abandonadas ou não. A cor, por sua vez, indica o lugar dessas mulheres na condição de não-brancos. Segundo Bezerra (2010), na Bahia, havia designações em brancos, pardos, mulatos, cabras e pretos. Essas qualificações arcavam com duas marcas de desvantagem: ilegitimidade e condição social inferior. É importante destacar que, ainda que possamos falar dessa desvantagem e identificá-la, no cotidiano, a relação com as pessoas 74 pardas eram bem ambíguas. Dependendo do grau de escuridão ou clareza, mesclados a outros fatores, como econômico e jurídico, esse indivíduo poderia ser autorizado a transitar em determinados espaços ou não. Bezerra (2010) destaca, ainda, que não podemos negar uma população parda no período colonial e imperial, que conseguiu constituir-se por homens e mulheres de prestígio social. Contudo, essa população, carregava consigo o estigma de matreiro, ambiciosos, indignos de confiança. Quando mulheres, associadas a isso, era acrescentado à ideia de devassidão e uma sensualidade desmedida. Nesse sentido, concebo que, para essa sociedade, devesse existir um desejo por controlar e adequar essa população, o que justificaria a preocupação da MA com a formação dessas meninas e mulheres.25 O século XIX foi um período de efetivação da transformação não apenas do perfil da população, com sua gradativa miscigenação, como a necessidade de repensar essa população a partir da inserção desse grupo em vários segmentos da sociedade, da ideia da construção de um discurso civilizador e de nação, de interesses pelo fim da escravidão. Nesse sentido, cor e pobreza constituíram e se mesclaram na assistência a uma população carente. O Recolhimento, nesse aspecto, ao longo do século XIX, respondeu, não apenas as novas demandas da população pobre que se formou na Bahia nesse período, como buscou adaptar um plano educacional que pudesse formar aquelas que as assistia. Essas considerações são importantes para salientar onde minhas observações se diferenciarão dos estudos de Gandelman (2005) acerca deste recolhimento entre 1741 a 1822. Segundo Gandelman (2005) o tempo de permanência das internas nos recolhimentos das Santas Casas do Porto, Rio de Janeiro e Bahia, entre os séculos XVIII e início do Século XIX, foi bastante relativo. No Porto, as meninas entravam entre 7 e 14 anos, podendo ficar até os 25 anos; No Rio de Janeiro e na Bahia, elas entravam com a idade de 10 a 12 anos, podendo ficar no recolhimento por um período de 4 anos. Ao final desse prazo não tivessem conseguido o estado de casadas deveriam ser entregues aos fiadores ou parentes. Ainda segundo a autora, desses três recolhimentos, o da Bahia conseguiu um respeito maior ao tempo de permanência de 4 anos dentro do estabelecimento. Isto é, a partir dos dados apresentados pela pesquisadora, das 187 recolhidas na Instituição, 35 ficaram menos de 1 ano, 56 permaneceram entre 1- 3 anos, 30 respeitaram o tempo de 4 anos, 25 excederam, ficando entre 5-7 anos. Existiram, ainda, aquelas que se mantiveram entre 8 e 10 anos, cerca de 3 internas. E uma ficou mais de 10 anos. Um total de 37 recolhidas não puderam ter o seu 25 Essa discussão será aprofundada na III parte da dissertação 75 tempo de permanência identificado. Contudo, no somatório geral, essas recolhidas, nesse momento, não passaram mais do que 4 anos no recolhimento. Ao comparar as práticas do recolhimento do Porto, Gandelman (2005) salienta que havia uma tendência maior dessa em se transformar em uma casa de permanência, residência para as internas do que a da Bahia no século XVIII. O que, para a autora, se refletiu na transformação desse asilo em espaço de educação ao longo da sua existência. Já no Caso do Recolhimento do Santo Nome de Jesus, a perenidade, o aspecto circunstancial, nesse momento não teria levado a Instituição a desenvolver essa característica, ao contrário, o Santo Nome de Jesus figurou como um local de passagem que talvez tenha buscado responder às várias inquietações da sociedade da época em relação à mulher, sobretudo, quando essas inquietações se referiam à necessidade de guarda desses indivíduos por algum tempo, como foi o caso das porcionistas, mas não de educá-las. Ora, ao analisar os dados coletados sobre a saída das recolhidas entre 1741 a 1822, Gandelman (2005) levou em consideração apenas dois perfis de definição de estado dessas mulheres no Santo Nome de Jesus: o de órfão e o de encostada. 26 Nesses primeiros documentos analisados pela autora, a cor não foi considerada, até porque poucos foram os documentos das recolhidas que as identificava a partir dessa característica, como já destacamos. Algumas apresentam apenas a definição de filhas legitimas ou ilegítimas. Ao avançar sobre o perfil das recolhidas que compunham o Recolhimento no século XIX, para além de observamos a classificação em órfãos, encostadas e porcionistas, encontramos as expostas e com a entrada delas, um sistemático registro da cor das recolhidas. Essa condição aliada à questão racial interferirá no tempo de permanência dessas internas no recolhimento. Segundo os dados analisados em relação à condição de entrada das 246 recolhidas, excluindo as 3 porcionistas, entre os anos de 1823 a 186027, a distribuição do tempo de permanência se apresenta da seguinte forma: 26 Orfãs no século XIX, passara a ser todas as mulheres em condição de orfandade, mas que tinha seu pedido externo, órfãs externas. E encostada era a recolhida que ficava em um período de três anos até conseguir a vaga de órfã. 27 Privilegiaremos os dados desse período, não apenas por contemplar grande parte do século XIX, mas por ser esse livro de registro o mais completo em termos de informação. Partimos do pressuposto que os de 1742 a 1756, 1759 a 1808 e 1808 a 1834, 1840 a 1849especialmente os três últimos, se encontram contemplados nesse ultimo, uma vez que encontramos nomes de recolhidas repetidos nesses livros. Destacamos também, que esse último, apresenta a observação de tentar ser o organizador da entrada das recolhidas ao longo da sua existência. Embora reconheçamos que a Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia da Bahia parece não ter buscado sistematizar ou registrar a entrada dessas mulheres em alguns momentos. 76 TABELA 1 - TEMPO DE PERMANÊNCIA TEMPO DE PERMANÊNCIA ÓRFÃOS EXPOSTAS Menos de 1 ano 3 2 1-3 anos 11 16 4 anos 5 5 5-7 anos 10 9 8-10 anos 6 18 Mais de 10 anos 36 56 Sem identificação 44 25 Total 115 131 FONTE: ASCMBA.TERMO DE SAIDA DAS RECOLHIDAS 1823-1860 Observo que em ambas as condições houve um aumento considerável do tempo de estada dessas mulheres dentro do recolhimento, chegando, em alguns períodos, ser mais que o dobro de recolhidas que ultrapassam o período de 4 anos. Aliás, segundo os dados analisados poucas foram as que cumpriram esse prazo máximo. Apesar do número de mulheres sem identificação de tempo de permanência ter sido considerável, os dados não deixam de mostrar que a partir do século XIX a Instituição passou a ser vista por essas mulheres como um local de abrigo e educação, e, não apenas, pelo menos para as expostas que não tinham parentes que as pudessem recolher ao fim do período estipulado, instituição capaz de dar ?cKanceOa institucional [...] acerca de seu estatuto social e, consequente valorização no mercado matrimonial, com a Jarantia de um dote para a eYentuaO tomada de um estado? *andelman, 2005, p. 330). Ao contrário, os dados indicam que, para as expostas, era a única residência reconhecida e possível em um contexto de abandono. Em relação à cor das recolhidas os dados explicitam que esse foi um elemento que também contribuiu para um maior tempo de permanência dessas mulheres nesse espaço de reclusão. Nos dados referentes às expostas, órfãs oriundas da Roda e, mais tarde, da Casa dos Expostos, foi observada uma permanência significativa em relação às expostas brancas. Por outro lado, quando analisamos os dados das órfãs, ou seja, meninas órfãs que tinham seus pedidos externos, que não passavam pela Roda, nem pela Casa dos Expostos, a não identificação da cor dessas mulheres nos deixa na dúvida em relação a esse grupo ocorreu uma predominância maior das mulheres brancas na saída do Recolhimento. Todavia, não posso deixar de pensar nas discussões de Thales de Azevedo (1955), Russel - Wood (1986), Beatriz Silva (1984) e Ronaldo Vainfas (1989) que a prática de avaliar 77 o indivíduo por sua gradação de cor era imperante nessa sociedade. A cor era um marcador no estabelecimento dos indivíduos dentro da sociedade, nas funções que poderia ou não desempenhar. Ao pensarmos na escolha dos candidatos para os casamentos das internas, apesar das poucas informações sobre eles, devemos concordar com Gandelman (2005) que possivelmente, não apenas a Santa Casa casou essas mulheres com indivíduos de condições sociais próximas as delas, como provavelmente esses indivíduos também escolheram suas mulheres em condições raciais equivalentes a deles. Uma vez que a mentalidade dessa sociedade foi forjada dentro de uma experiência de escravidão a qual sugeria que tipo de mulher seria o ideal para o casamento: a mulher branca e honrada. TABELA 2 - EXPOSTAS POR RAÇA DE 1823 A1860 TEMPO DE PERMANÊNCIA BRANCAS ASCENDÊNCIA AFRICANA COR NÃO EXPLICITADA Menos de 1 ano 1 1 1-3 anos 5 8 3 4 anos 1 3 1 5-7 anos 4 4 1 8-10 anos 4 12 2 Mais de 10 anos 22 26 8 Sem identificação 12 7 6 TOTAL 49 60 22 FONTE: ASCMBA.Termo de saída das recolhidas 1823-1860 TABELA 3: ÓRFÃS POR RAÇA DE 1823-1860 Tempo de permanência Brancas Ascendência africana Cor não explicitada Menos de 1 ano 3 1-3 anos 5 2 4 4 anos 1 1 3 5-7 anos 2 8 8-10 anos 1 2 3 Mais de 10 anos 7 - 29 Sem identificação 17 7 20 Total 33 12 70 FONTE: ASCMBA.Termo de saída das recolhidas 1823-1860 78 No entanto, quando analisamos o número de mulheres que foram destinadas para o casamento no Recolhimento do Santo Nome de Jesus, nos chama a atenção que além das expostas figurarem em número maior, as mulheres de cor também se encontram em número mais elevado do que as brancas. TABELA 4: DESTINOS DAS RECOLHIDAS POR CLASSE 1823-1860 MOTIVO DE SAÍDA ÓRFÃS EXPOSTAS Casamentos 51 77 Casa de parentes 12 - Desligada 4 4 Trabalho - - Idade - - Saúde 3 - Falecimento 7 17 Despedida 5 - Fugiu 1 Requerido - - Não consta 32 33 FONTE: ASCMBA.Termo de saída das recolhidas 1823-1860 Quando dividimos por cor nos surpreendemos com o número de casamentos das internas expostas de cor, quase que dobra: 79 TABELA 5: SENDO EXPOSTAS POR RAÇA DE 1823-1860 MOTIVO DE SAÍDA 1823-1860 BRANCAS ASCENDÊNCIA AFRICANA COR NÃO EXPLICITADA Casamentos 24 37 16 Casa de parentes Desligada 4 - - Trabalho - - Idade - - - Saúde - - - Falecimento 5 9 3 Despedida - - - Expulsa - - - Não consta 9 12 12 TOTAL 42 58 31 FONTE: ASCMBA. Termo de saída das recolhidas 1823-1860 TABELA 6: SENDO ÓRFÃS DE NÚMERO POR RAÇA 1823-1860 MOTIVO DE SAÍDA 1823-1860 BRANCAS ASCENDÊNCIA AFRICANA COR NÃO EXPLICITA Casamentos 18 4 29 Casa de parentes 5 2 5 Desligada 2 - 2 Trabalho - - - Idade - - - Saúde 1 - 2 Falecimento 5 - 2 Despedida 2 - 3 Expulsa/fugiu 1 - - Não consta 15 9 8 TOTAL 49 15 51 FONTE: ASCMBA.Termo de saída das recolhidas 1823-1860 80 A primeira impressão é que não foi difícil para a Santa Casa casar essas internas. Porém, quando aliamos o número de casamentos realizados, a cor das internas e ao tempo de permanência, notamos que, ainda que a casa tenha conseguido casá-las em maior número que a classe das recolhidas órfãs, a dificuldade fica evidente, uma vez que estas ficaram em maior número entre as mulheres que passavam mais tempo dentro da Instituição. Outro fator que possivelmente levou essas mulheres no maior êxito em contrair matrimônio foi o fato da MA ter privilegiado dotá-las primeiro em detrimento das outras. Não podemos esquecer que o dote era um elemento importante na vida das mulheres que quisessem casar. No caso das internas do Santo Nome de Jesus, ele se tornava fundamental para conseguirem esse status. Em 1763, diante da dificuldade de manter em dia os dotes, a Mesa estabeleceu as filhas da casa, as enjeitadas e as filhas dos irmãos, como as preferidas na concessão dos dotes. (ASCMBA, Livro dos acordos 15, p.178) Em 13 de junho de 1843, a Irmandade determinava que verificassem os casamentos, podendo as dotadas terem seus dotes transferidos, como aconteceu com Maria Joaquina, Leopoldina Lorença, (ASCMBA Livro de Registro 88 A,sessão de 13 de junho de 1843) caso fosse comproYado a não ?Yirtude do casamento? Essa não ?virtude do casamento?, parece está associado a realização de matrimônios sem o consentimento da Instituição. Pelo menos, em alguns registros da M.A, ela sinaliza, que algumas recolhidas que haviam se ausentado desse espaço, seja por motivo de saúde, ou solicitação de parentes, e que não voltavam no tempo determinado, caso contraíssem algum tipo de relacionamento, não poderiam requerer o dote. Apesar de não esclarecer qual a razão teria sido alegada para negar o dote a essas duas recolhidas, sugiro que essas razões podem ter sido o motivo para a negação do dote. A preocupação com a concessão dos dotes, bem como a manutenção dos casamentos era algo que constantemente fazia parte das reflexões da Instituição. Em sessão de 21 de julho de  a 0$ reJistrou ?que esses casamentos não tem sido peOa maior parte feOi]es, porque muitas dessas moças por ali abandonadas dos maridos, tendo de haver escrúpulos na concessão das recoOKidas? (ASCMBA Livro de Registro 89 A, p.136). Em outro momento, a MA registra que, em caso de abandono ou viuvez, estas mulheres deveriam voltar ao Recolhimento, com seus filhos, a fim de seu dote sustentá-las. O que nos leva de volta a reflexão sobre o que representa ser uma mulher em um contexto onde esta não poderia YiYer sem o ?cuidado? de aOJupm diJa-se, um homem. Nesse sentido, compreende-se, porque a Instituição, em diferentes momentos, não abriu mão desse cuidado, 81 ou melhor, desse controle, uma vez que, sozinha a possibilidade de vivenciar uma vida desregrada poderia ser inevitável. Saliento, ainda, que apesar dessa resolução de conceder dotes primeiramente às enjeitadas e filhas dos irmãos, ser datada do século XVIII, acredito, que ela perdurou durante os oitocentos, afinal eram as enjeitadas as filhas da Casa. Em relação às filhas dos irmãos, não encontramos registros da presença delas nesse espaço. Contudo, sua participação na dotação pode ser explicada devido às duas formas que a Misericórdia atendia aos pedidos de dotes. Isto é, as mulheres, mesmo fora do recolhimento poderiam solicitar uma ajuda financeira para casar, desde que comprovasse suas virtudes. No entanto, se o dote foi um caminho para a efetivação do casamento, em muitos momentos, ao longo dos 146 anos de existência do Recolhimento, tornou-se uma preocupação constante da Irmandade da Misericórdia. Seja pelos problemas financeiros da Instituição, que durante sua existência não foram poucos, o que dificultou os pagamentos dos dotes ou, pela ganância dos homens que viam nessas mulheres o prêmio de um caça dotes. Em 21 de julho de 1844, a MA escreveu ?2 costume de não se paJarem logo os dotes causa desgostos dos noivos, que quase sempre deles precisam para princtpios de aOJum arranMo de sua Yida? Seja como for, o fato é que recolhida ou não, dotada ou não, o grupo das expostas, ao longo do século XIX, foi de fato privilegiada na entrada do Recolhimento do Santo Nome de Jesus como ficou evidente na discussão da Mesa de 1848, sobre o grande número de pessoas existente no internato. Resolveo no ano de 1844, de acordo com a junta proibir a entrada de recolhidas a titulo de órfãos, franqueando-a somente as expostas, e promovendo ao mesmo tempo a saída daquelas, que já por sua idade, estivessem livres do perigo do mundo, uma vez que se oferecia quantias ao seu estabelecimento foram do Recolhimento para a concorreria a Santa Casa com a importkncia de Kum dote? $cKam atuaOmente nele 123, das quais são de idade 8 são de 10 anos, 33 até 30 anos, 77 até 20 annos, 2 até 40 anos. (ASCMBA. Livro de registro, 89A, 1848) A gradativa adaptação do Recolhimento do Santo Nome de Jesus às demandas da sociedade baiana do século XIX, evidencia como as mulheres e meninas órfãs representavam uma preocupação constante, tanto no período colonial, como imperial. Para os meninos órfãos, o caminho como aprendiz era certo, para elas vários fatores como idade e cor poderiam contribuir para não conseguirem o estado de casada. E, segundo Russel ? Wood (1985), o estado de casada e mãe em uma sociedade patriarcal, onde os papéis estavam muito bem definidos, era o único caminho de reconhecimento e respeito por parte da sociedade em 82 relação às mulheres, principalmente se não apresentassem outros fatores de reconhecimento social, como o econômico. Nesse sentido, o ato de recolher representou para esses indivíduos diferentes sentidos, desde a solução econômica para os problemas que vivenciavam a punição por parte daqueles que as tutelavam e julgavam que esse tipo de espaço era o adequado para corrigi-las. As mulheres foram encerradas nos recolhimentos com muito pouca idade, 12 anos, era a idade mínima para a entrada no recolhimento. Entretanto, como vimos, existiram crianças ainda menores, principalmente 10 anos, o que significa que estar nele nem sempre foi uma escolha delas, mas uma escolha do pai, mãe, irmão, autoridades ou maridos, ou mesmo dos infortuitos pelos quais passavam. O que não retira a possibilidade de que o ato de enclausurar era uma prática comum em uma sociedade patriarcal que concebia o feminino como algo a ser controlado, domesticado e adestrado para tornarem-se aquilo que se desejava de uma mulher. Por outro Oado não dei[ou de ser uma ?estratpJia? de soEreYiYrncia de uma população feminina que buscou nessa prática comum dos homens em relação a suas mulheres assegurar uma possibilidade de sobrevivência. É nesse sentido que buscaremos analisar os diferentes pedidos das recolhidas que adentraram no Santo Nome de Jesus: as órfãs de número, as expostas ou enjeitadas e as porcionistas. 1.4 ÓRFÃS DE NÚMERO, EXPOSTAS E PORCIONISTAS 1.4.1 Órfãs de Número As Órfãs de Número era uma denominação atribuída às meninas ou mulheres que tinha seus pedidos realizados externamente. Ou seja, essa orfandade não estava ligada a nenhuma tipo de assistência específica da Irmandade ou que a Casa mantivesse em relação a crianças. Também poderiam ser definidas como recolhidas ou órfãs em oposição à outra categoria de abandono: as expostas. Na Ata de 1844, a Mesa fazia a seguinte ressalva diante do Jrande n~mero de recoOKidas presentes na ,nstituição ?ProiEir a entrada de recoOKidas a titulo de órfãos, franqueando-a somente as e[postas? (ASCMBA. Livro de Registro de Correspondência, 89A) Ratificando a minha observação que essa categoria de fato estava ligada as solicitações externas que eram encaminhadas a Mesa Administrativa para que se pudessem alcançar a posição de acatada dentro do Recolhimento. 83 Destaco que não posso afirmar se os pedidos encaminhados foram ou não escritos pelas suplicantes. Alguns sugerem que párocos ou mesmo o escrivão da Mesa redigia os pedidos de ajuda que eram encaminhados para apreciação da MA. Encontrando no final deles a sigla E.R.M, que segundo a transcrição de outro documento, significa : E Roga a Mercê. Em 5 de maio de 1830, Diz Maria Joaquina Ferreira, orfhã desvalida, natural desta cidade, que tendo faOecido na )reJuesia de 6t¶ $nna em MuOho do anno passado, sua pobre mãe, viúva, deixou a suplicante e mais 4 filhos menores na maior indigência e desamparo, confiando-se todavia a mesma supplicante. O presente com toda a honestidade, no estado de donzella, vem suplicar de novo a graça de ser admittida entre as recolhidas a fim de nelle vivendo, participar de todos os benefícios de que gozão e se afaste assim aos infortuitos que podem ameaçá-la (ASCMBA. Documento avulsos, 1830, Caixa 1A) 28 Pelos argumentos apresentados, ela atendia aos critérios de entrada do Recolhimento. Órfão, pobre, honesta e donzela. Segundo Suely Cordeiro Almeida (2005) entender o que representava o recolhimento para essas mulheres desamparadas passa por compreender que a condição das mulheres desde o início da Idade Moderna não acompanhou as transformações que eram impostas pelas modificações econômicas que vivenciavam o Império Português e suas possessões. As mulheres mais pobres que, bem ou mal, conseguiam uma inserção em atividades econômicas que se instituía. Todavia, as da elite não tinham muita alternativa entre o casamento ou a possibilidade de uma vocação religiosa e no século XIX do exercício de alguma atividade considerada feminina, as mulheres pobres, seja pela formação, seja pelos parcos recursos financeiros ou quase nenhum recurso estava muito mais susceptível ao que -oaquina 0aria )erreira denomina de ?infortuitos? Os recolhimentos eram uma alternativa importante de vida. Conseguir colocar a sua filha nesse tipo de estabelecimento representava, no mínimo, a garantia da sua alimentação. Não podemos esquecer que essa sociedade, mesmo sabendo que a maior partes das mulheres pobres estavam inseridas num cenário familiar caracterizado pela ausência dos maridos e companheiros instáveis, criava dificuldades para que estas pudessem sobreviver29. 28 ( sem identificação de deferimento) 29 Em estudos recentes, Brito (2008) demonstrou que as famílias chefiadas por mulheres estão em situação estruturalmente mais precárias, mais dependentes de variações conjunturais, quando comparadas com situações das famílias pobres, equivalentes no ciclo de vida familiar, que tem chefe masculino presentes, dadas às diferenças nas formas de inserção das mulheres no mercado de trabalho. Acredito que se compararmos a períodos mais anteriores, mesmo o século XIX, até pela própria conjuntura em que estavam inseridas as mulheres, essa situação não foi muito diferente. Não podemos esquecer, que, mesmo quando esses indivíduos 84 Em termos de séculos XVIII e século XIX, acredito que as dificuldades dessas mulheres e a situação vivenciada por elas não seria muito diferente da situação atual. Ocupar o espaço público ou mesmo exercer atividades que as dessa autonomia representavam uma luta constantemente. Suely Cordeiro de Almeida (2005) demonstra que muitas viúvas entravam com processo para pedirem a tutela dos seus filhos e a faculdade para administrar seus bens. O que, em muitos casos, levava a ruína dessas mulheres, uma vez que alguns homens se aproveitavam da condição de desamparo delas para usurpar os poucos recursos ou heranças destinas a elas ou aos filhos. No entanto, Silmaria Brandão (2007) pondera, ainda que, embora existisse essa situação de desamparo e da falta de preparo da mulher para vivenciar a condição de administradora dos bens da família, muito mais por falta de uma preparação para essa situação, do que por falta de competência para exercê-lo, outras tantas, demonstraram-se capaz de ocupar esse lugar. A autora destaca que, entre as mulheres de recursos, muitas, foram registradas como estando à frente dos negócios ou administrando seus bens. Esse espaço conquistado causou transtornos e questionamentos como o citado por Brandão (2007): ?4ue soma de sacrifícios não seria exigida de uma mulher que ficasse viúva ainda jovem, para conseJuir amparar e criar os fiOKos? %5$1'­2  p  Em ?4uotidiano e poder? 0aria 2diOa /eite da 6iOYa (1995) demonstra que as mulheres pobres, para garantir a sua sobrevivência dedicaram-se às atividades consideradas de subsistência e pouco valorizadas pelo sistema capitalista. As atividades ligadas ao doméstico, a e[empOo da ?quitandeira? permitiu-lhes criar redes de relações e sociabilidades que garantiam com dificuldade a sua sobrevivência e da sua prole. Contudo, não raro sucumbiam à necessidade de entregar as filhas ou filhos a uma instituição que pudesse garantir um futuro melhor, e para tanto, recorriam ao argumento do medo da perda da honra. Em 13 de MunKo de  e[p{s 0ariana /ucia &onceição ?4ue tendo uma fiOKa de  a 9 anos incompletos e não tendo meios algum de educá-la, por viver na maior miséria mendigando aqui e ali, vem implorar a VSa. a graça de recolher a sua triste filhinha órfão, desvalida e salvá-Oa dos periJos do mundo?(ASCMBA. Documentos avulsos, 1842 Caixa 3A)30. Em 1840, alegando a orfandade por parte do pai, Josefa Maria solicitou que fosse recolhida sua filha no dito estabelecimento por se encontrar em idade perigosa. conseguiam acessar os espaços de subsistência, como demonstra Silmária Brandão(2007) e Suely Cordeiro(2005) permanecer nele era muito difícil. 30 ( indeferimento). 85 Se a pobreza, o desvalimento, o total abandono, a orfandade finalmente desafiarão sempre as lagrimas, a compaixão, os socorros, e a caridade das almas das almas bem fazejas. Jozefa Maria, se julga já feliz de em V.Ex. encontrar aquele acolhimento que sempre distinguindo esta caza da Santa Meza. Ser respeitáveis sinceros, ella vem demandar de V. Exa. O exercício mais grato da humanidade, a caridade e na maior parte das virtudes, vem implorar a favor de huma sua filha, Custódia, de 14 anos, orfan de Pai, desvalida, pobre, mais honesta, bem morigerada, virtuosa, finaOmente que na mais periJosa idade quando OKe deYião atriEuir as deOicias d¶ um mundo, aspira recolher-se, sugeitando ?se ao regime, preceitos de um bem dirigido Recolhimento, onde se obriga a virtude, e onde é cerrado a porta do vicio, onde finalmente se vê praticamente a todas as virtudes cristãs. (ASCMBA. Documentos avulsos, 1842. Caixa 3A) 31 A honestidade, honra e virtudes se misturam a ideia de uma virgindade pressuposta, de um comportamento idealizado para as futuras esposas. Segundo Maria Beatriz Nizza da Silva, os discursos moralistas deixavam explícito quais virtudes eram necessárias às mulheres que pretendiam casar tomar o estado de esposa ?6eMa pois a muOKer que se procurar para esposa formosa ou feia, nobre ou mecânica, rica ou pobre, porém, não deixe de ser virtuosa, honesta, Konrada e discreta? SILVA, 1985, p. 71). Nesse sentido a noção de honrada e honesta, para a autora, passava tanto pelo discurso civil, como eclesiástico. Não é a toa que uma vez apresentado o pedido de entrada no recolhimento, este devia vir acompanhado tanto de um levantamento da comunidade sobre o comportamento da recolhida como de um atestado de um pároco. Segundo os diferentes pedidos de entrada para o Recolhimento, três documentos deviam ser apresentados: o pedido de entrada, um atestado de um pároco comprovando a honra e condição da recolhida e o deferimento da MA. Pelo que podemos analisar, o principal argumento para entrada no recolhimento estava à falta de condição para o sustento dessas mulheres, que podia desembocar em uma vida desregrada. Ingressar no Recolhimento era uma forma de assegurar a honestidade dessas mulheres, inclusive com a aquisição de um status, a de casada. Não obstante, segundo Gandelman (2005), em seu estudo já citado, os recolhimentos no século XVIII, sinalizam que esse sistema de admissão empregado no recolhimento baseado em uma rede de informações que deixava as órfãs sob um triplo escrutínio: da comunidade, dos párocos, dos irmãos da Misericórdia, não era um processo exclusivo do provimento de lugares nesses recolhimentos. Ao contrário, era uma prática comum das Misericórdias que 31 pedido indeferido por não ter lugar. 86 utilizavam inquisições, testemunho e opinião da comunidade como forma de averiguação de diversos assuntos ou concessões de benefícios. Vale retomar a ideia Foucault (2001) de que a construção do disciplinamento envolve não apenas um conjunto de práticas que influem na edificação dos desejados corpos dóceis ou maleáveis, mas também o ?olhar? do outro. Constituímo-nos, nos podamos pelo olhar vigilante do outro, que necessariamente não está mais em um espaço fechado, mas em uma naturalização daquilo que entendemos como o que é ser e como deve ser disciplinado. A mulher nesse período era, então, avaliada por essa compreensão e pelo exercício de um determinado perfil de feminino: a honrada, a casada. A honra devia ser avaliada pelo outro, o que passava pela ostentação de um conjunto de comportamentos que garantissem a sua conduta. Esses comportamentos para Maria Beatriz Nizza da Silva (1985) iam desde vestimentas que as mulheres ostentassem como pelo resguardo das suas aparições. O recato no viver e vestir devia ser constantemente observado. Portanto, a constatação da virtude da mulher estava atrelada à percepção dos olhos do outro. Era o outro quem diagnosticava a sua honradez através daquilo que ela pudesse demonstrar como ideal feminino. Em novembro de 1858, o jornal Nothiciador Católico registrou que a educação sobre as muOKeres deYia ser ?tão YiJiOante e cuidadosa quanto lhe é frágil e dobradiça a sua constituição? 2 que nos OeYa a considerar, como afirma Maria Beatriz Nizza da Silva (1985) que a noção de honra passava também pela ideia de fama. A mulher que se deixasse cair na ?Eoca do poYo? dificiOmente arranMaria um casamento. Honra, ?fama? e virgindade eram praticamente sinônimos nesses discursos e uma mulher que supostamente tivesse perdido a virgindade raramente conseguia entrar no mercado matrimonial. Esse discurso não se modificava em relação aos diferentes grupos de mulheres, fossem elas pobres ou da elite. Honra, fama e virgindade se misturavam em uma retórica de controle da sexualidade feminina e da construção de comportamentos ideais, independente da sua condição econômica, ao menos para acessar esses espaços e, principalmente, se almejava o casamento formal. Mas, se essas condições eram cobradas às mulheres, não davam as mesmas a possibilidade ou apresentavam a elas, as virtudes que um homem deveria ter. Ao contrário, no mercado matrimonial, era ela quem precisava cultivar suas virtudes a fim de ter possibilidade de ser escolhida. Devemos ainda pensar que ao se utilizar ou submeter aos argumentos da honra para garantir um lugar na sociedade, essas mulheres o fizeram como estratégia de sobrevivência. 87 Elas utilizaram o discurso sobre a honra como capital simbólico para traçar outro caminho para as suas vidas. Se a honra era para essa sociedade um valor importante, e as mulheres que a possuíssem acessavam outro lugar por conta dessa condição, as mulheres usavam esse argumento a seu favor. Silva (2005) destaca que não podemos afirmar com isso que os diferentes grupos de mulheres que acessavam esse discurso masculino sobre a honra, o fizeram com o mesmo sentido. Segundo ele, por um lado, a honra para determinados grupos de mulheres, principalmente as brancas teve um forte sentido de moral sexual, de guarda da sexualidade. Para outras mulheres, principalmente as marcadas pelas questões raciais, como pardas ou forras, ter honra passava por apresentar práticas e condutas reconhecidas socialmente. A autora apresenta o caso de Delindra Maria de Pinho uma vendeira, que alcançou certo status social e condição econômica que a tornam um caso peculiar no contexto urbano do Recife oitocentista. Convidada para apresentar uma recém-nascida em um batizado que seria realizado no distante lugar de Maria Farinha, região litorânea situada ao norte de Olinda, é vitima do roubo de uns corazes, engranzados em ouro que a ela pertencia. Durante a sua estadia na região tais corazes foram supostamente furtados por um homem livre e sua mulher, fazendo com que ela demandasse a posse dos mesmos por meio de ação judicial. Nesse artigo, a autora trás subjacente que pretos (as) e pardos (as) da sociedade oitocentista frequentemente constituíam representações sociais em que honorabilidade adquiria um papel constitutivo de suas identidades. Nesse sentido, a má fama não seria maOpfica apenas para Jarantir as suas Yirtudes de ?moças don]eOas? mas da neJação de um status, de uma condição longe daquela que as aproximava da ideia ou status da escraYidão ?$ honra, então, passaria para essas mulheres, por uma leitura sobreposta de gênero, classe e raça? ou seMa eOa ?informa e di siJnificado soEre priticas sociais e raciais? 6,/9$  p.219) Silva (2005) exemplificando essa ideia afirma que, em negras e pardas, a honra será percebida, em determinados contextos, como uma forma de reivindicar para si a ideia de que eram portadoras de estima pública ou capazes de inspirar confiança no exercício de algumas atividades, como domésticas em lares de pessoas brancas. A mulher de cor reivindicou para si, a ideia de honra que normalmente era atribuída ao masculino. Para além da associação sexual, a honra terá o significado, nessa relação de gênero, classe e raça, da ideia utiOi]ada para o Komem considerado Konrado isto p ?tem Konra o homem, que constantemente e por um sentimento habitual, procura alcançar a estima, boa 88 opinião e OouYor dos outros e traEaOKa para merecer? 6ILVA, 2005, p. 220). Ou seja, para a mulher de cor, a forte ideologia de época as aproximava da ideia de um objeto sexual, daquela que estaYa para serYir as ?fantasias se[uais do seu senKor? ao contririo da Eranca Yista para casar e procriar. Não posso desconsiderar que esses indivíduos criaram estratégias que impunham para essa sociedade a releitura ou resignificação do que seria a honra na relação entre negros, pardos e brancos. Contudo, ainda que concorde com Silva (2005), não posso reduzir para alguns grupos, o que significava a honra, pois não há como desconsiderar que a associação da honra a virgindade, foi uma tática importante de controle da sexualidade feminina ou da sua moralidade, fossem elas brancas ou mulheres de cor. Segundo Patrícia Araújo (2008), contrariando as normas estabelecidas pela Igreja, defensora primeira do matrimônio, muitas mulheres pobres estavam inseridas num cenário familiar caracterizado pela ausência dos maridos, companheiros instáveis, chefiando seus lares e com crianças circulando em outras casas e sendo criadas por comadres, vizinhas e familiares. Outras viviam também no concubinato. Efetivar a prática do casamento entre esse grupo era regularizar essas relações de amasiamento, da lascividade das relações. Vainfas (1989) acrescenta que dos meados do século XVI em diante, a quase totalidade dos moralistas espanhóis e portugueses dedicaram-se a defender o casamento mesmo acreditando que as mulheres arruinavam os homens. Para esse autor, o casamento passou a ser visto e endossado pelo discurso da Igreja Católica como um espaço de austeridade sexual. Nesse sentido, os discursos sobre a honra desempenharam um duplo papel, onde por um lado permitiu a essa mulher pobre acessar outra possibilidade de vida; por outro, efetivou o controle sobre a sexualidade feminina. Dentro desse contexto também podemos entender, para além das questões econômicas, o que levavam os homens a se dirigirem ao recolhimento para o amparo de filhas e irmãs. Em 1837, a MA deferiu a favor de um pedido masculino, sob o argumento de que era necessário recolher a dita moça a fim de que não pudesse ela a vir praticar algum ato desonesto em prejuízo de sua moral. Diz Carlos da Silva Lopes, que tendo relação de amizade com Francisco de Meira aconteceo que falecendo este da vida fezeste como consta do -------sua mulher Francisca Clarice da Sto. Para sua ______pobreza e se achar bastante molesta, segundo refere o documento no.2, fosse recolhida ao Hospital desta Santa Caza, para cominizeração recolheo em sua Caza a sua filha de nome Maria Henriqueta Sta. Mas como esteja com 13 para 14 annos, como se conhece o documento, e mesmo, supp não possa continuar a conserva-la no seu poder, principalmente em razão do seu sexo. (ASCMBA. Documentos avulsos, 1837,Caixa 02) 89 Segundo Áries e Duby (2009), a honra era considerada um bem essencial, comparável ao bem da vida, que deveria ser protegida por todos os meios. A desonra de uma mulher não atingia só a ela, mas toda a família. Era necessário resguardá-la como um bem comum. Para um homem a honra representava a sua palavra empenhada, a sua conduta moral; para mulher, a honra representava a ligação entre conduta e castidade. Nesse sentido, para o homem, a falta dessa prática por parte das mulheres da sua família, também retirava dele a credibilidade perante a sociedade, pois a honra não passava pelo controle da sua sexualidade, mas pelo controle da sexualidade do outro, do feminino. Nesse sentido, a honra da mulher não é um bem apenas dela, mas dos homens da família. Para Duby (2009), qualquer palavra insinuante, provocativa, até mesmo evasiva sobre a reputação de um ou de outro acarretaria uma série de consequências imediatas. Em 13 de junho 1843, em mais uma solicitação masculina, o suplicante Marcos Borges Ferraz evidencia o quando a honra feminina era importante e como o homem era responsável pela sua manutenção. Branco, solteiro, natural desta cidade ( ...) Avaliar as circunstancias que o movem a acautelar que inconveniente fucturo, acerca de pessoa que lhe é cara. O suppp. É órfão de pae e mãe, pobre, caixeiro de loja de ferragens, lhes ficarão duas Irmãs, uma é mais velha ( ...) foi admitida no Recolhimento e a outra de nome Dulce Constança Ferraz, e de idade de 13 annos pouco mais ou menos, que está a cargo do suppl. E pelas suas obrigações de caxeiro não podendo freqüentar e nem dormir em sua casa, como acontece, hindo a ella de salto ou ao Domg. E dias Santos, não podem empregar aquela solitude e zelos capazes de porem a salvo d´algum triste acontecimento, que infelizmente são comuns no tipo prezente e que supli. Pelo amor fraternal deva evitar... (ASCMBA. Documentos avulsos, 1843,Caixa 03) 32 Apesar do documento não especificar quais acontecimentos poderiam estar presente na época, posso inferir que o recolhimento dessas meninas órfãs, muitas vezes ocorreu por medo de raptos, seja por sedução, seja por violência, na ausência daqueles que a pudessem proteger. Para Maria Beatriz Nizza da Silva (1985) e Mattoso (1992), tais práticas não eram tão incomuns na sociedade colonial e, que poderiam ser praticados por homens de todas as condições sociais, solteiros ou casados. Mattoso (1992) acrescenta, ainda, que na primeira metade do século XIX, as dispensas por raptos ou estupros são bastante inexistentes. O que pode revelar o quanto essa sociedade era conivente com essas práticas. Devemos pensar que, a mulher não era um sujeito de direito, era o objeto de alguém, a posse de um homem, e dependendo de quem fosse o raptor ou quem era a raptada, poderia ser ou não questionado. 32 Pedido indeferido 90 Para os homens essas vivências, muitas vezes, foram amenizadas, demonstrando o quanto essa sociedade estabelecia o homem como sujeito de direitos. Para as mulheres cabia o ônus das práticas masculinas não consentidas por elas. Segundo Maria Beatriz Nizza da Silva, a sociedade dava a essas mulheres uma espécie de conforto, tais como: uma espécie de indenização que constituía o seu dote para um futuro casamento ou para entrar num recoOKimento ?2u nada receEiam e ficaYam soOteiras tendo de cuidar dos fiOKos resuOtantes da sedução ou da violência, ou finalmente casavam com próprio raptor, pois em muitos casos os pais preferiam aceitar um casamento menos conveniente a verem as fiOKas desonradas? (SILVA, 1989, p.80) Haviam casos, onde as próprias mulheres participaram do processo, utilizaram o rapto como uma forma de concretizar os seus desejos amorosos. Contudo, o silêncio da sociedade em relação a essa prática passava pela concepção que se tinha da mulher enquanto objeto ou mesmo das necessidades, das famílias mais abastadas, de esconder a situação. Porém, na segunda metade do século XIX, ocorreu um considerável registro dessas atitudes, demonstrando, talvez um maior rigor da Igreja em relação a atos contrários a violência. Outra forma dessas mulheres chegarem ao recolhimento era através do encaminhamento dos Juízes de órfãos da província ou por pedido de autoridades locais como o governador da província. No caso do Juízes de órfão, Suely Cordeiro (2005), destaca que eles desempenharam função importante, principalmente no período colonial, em relação aos órfãos que poderiam ter algum tipo de herança e, portanto, dependiam da indicação de um tutor para administrar seus bens e garantir seu sustento. Ainda, de acordo com a autora, os juízes dos órfãos eram obrigatórios em qualquer cidade ou vila com população superior a 400 almas e que tinham sob a sua responsabilidade os órfãos a partir dos sete anos de idade, quando cessava a obrigação do conselho das vilas de prestar esse tipo de assistência. Instituídos pelas Ordenações Manuelinas, deveriam manter os registros de todos os órfãos do território em que exerciam o cargo, mantendo os seus dados atualizados. Em relação a órfãos com mais condições econômicas, coube a eles manterem o sistema de tutores que atendia a essas meninas e moças, em relação às mais pobres cabia o encaminhamento para alguma instituição que as pudesse recolher, como ocorreu em 20 de maio de 1833, quando o -ui] dos Ïrfãos mandou ?receEer no 5ecoOKimento duas yrfãs menores que YaJaYam naqueOa freJuesia e[postas a mesma? (ASCMBA. Documentos avulsos, 1833,Caixa 02). Essas atitudes em relação a essas desvalidas demonstram como a sociedade se preocupava com a falta de tutela sobre os abandonados. 91 Em relação a cor ou como denomina Gandelman (2005), à limpeza de sangue, o Recolhimento do Santo Nome de Jesus foi bastante ambíguo, pois, nem sempre esteve explicito nos estatutos a condição de entradas dessas mulheres nessa categoria de recolhidas ou órfãos de número. Todavia, isso impediu como foi vistos nos quadros sobre o tempo de permanência das órfãs na Instituição, que, a partir de 1823, se registrasse uma presença considerável de ascendentes africanos nesse espaço, nessa categoria. O que reflete como já discutimos anteriormente, a própria mudança na constituição da sociedade baiana ao logo de sua formação. Por outro lado, os não esclarecimentos nos estatutos de como essas mulheres poderiam adentrar, me leva a crer, que a presença delas nem sempre foi vista com bons olhos. Apesar de ?toOerado? não podemos esquecer que o ideaO de muOKer para o casamento era o indivíduo branco. Ou seja, o RSNJ, em relação a esse grupo de pessoas, vivenciou toda a contradição que se estabeleceu na sociedade baiana de então. Apenas no estatuto de 1776, a MA deixou explicito em que condições elas estariam nesse espaço: uma vez forras ou capturas ocupariam a posição de servas. Em 1776, no volume 1 do primeiro livro assentamentos das recolhidas não identificamos o registros da cor dessas órfãs, já no segundo livro, observamos a presença de 3 servas no recolhimento, mas ainda há uma incógnita sobre a identificação racial das recolhidas. Nesse segundo livro sobre as servas registrou-se no termo da serva Silveira, crioula: ?(...) Fiz recolher a crioula Silveria no lugar de serva, em consequência da (...) terá o lugar de serva lhe recomendei todo acorddo no serviço de que fosse incumbida pelas superioras ?(ASCMBA. Termo de entrada das recolhidas, 1181) Não obstante a condição de servas, essas mulheres não parecem ter sido privadas da possibilidade de casar ou sair do recolhimento. Em 1835 a Mesa registrou que ?aos vinte dias do mês de julho de 1835, fez recolher Maria Benedita de Jesus no lugar de serva (...) e bem lhe recomendou todo o cuidado e zello no serviço.? Em  a mesma recolhida saia por despacho da M$: ? 30 de outubro de 1844 despediu do Recolhimento a fim de viver em companhia do Ilm. Antônio Francisco Paulo, e assim ter requerido em virtude da deliberação da -unta de  de aJosto do corrente?(ASCMBA. Termo de entrada das recolhidas, 1183) Devo acrescentar, ainda que, em 1821, a MA salientando os lugares que deveriam ocupar essas mulheres, ao determinar que a encostada Maria, enjeitada da Santa Casa, ocupasse o lugar de serva devido a sua qualidade, observo que não era só a cor que definia a condição para esses indivíduos, mas a associação dessa qualidade ao estatuto de escravidão. Esses dois critérios foram definidores para a entrada no recolhimento na condição de serva, 92 uma Ye] eram ?capturas ou forras? O que me remete à discussão de Pontes (2000), de como o estatuto jurídico poderia prevalecer ou não, no posicionamento desses indivíduos na sociedade. Em relação às pardas, havia uma maior flexibilidade em relação aos lugares que deveriam ocupar no internato, uma vez que não há observação referente há uma condição especial para a sua presença nesse espaço, o que nos remete a posição de Bezerra (2010), de como esse termo refletia a inabilidade da nossa sociedade de lidar com esses indivíduos que se tornavam numericamente considerável. Ser pardo era o reconhecimento de ser miscigenado, mas, poderia ou não, aproximar esse indivíduo da condição de escravo, quando outros elementos a ele se coadunavam, como o prestígio social. No caso das recolhidas, não posso enfatizar o prestigio social como um diferenciador para que ocupassem um lugar distinto dentre as outras, quando traziam a ascendência africana como um marcador, mas, posso sugerir, que a condição jurídica e a ideia de gradação de cor podem ter servido para uma maior flexibilidade desses sujeitos em outras categorias que não, a de serva. No quadro de Tempo de permanência de 1823 -1860, que apresentei anteriormente, das 115 internas, na condição de órfãs de número, 12 são identificadas como tendo ascendência africana, sendo todas elas pardas. Outra questão que aparece no assentamento das recolhidas, contudo, não com frequrncia p a descrição de OeJttimas ?fiOKa OeJttima? o que não impediu que em  fossem registrados casos de recolhidas com pais incógnitos. O que me leva a considerar a afirmação de Gandelman (2005), que de uma maneira geral, esses recolhimentos de mulheres regularam a entrada das recolhidas com base em idade, gênero, cor e condição social, mas flexibilizaram determinados critérios de acordo com as necessidades locais. Só assim podemos entender por que a legitimidade dos filhos e a cor não foram critérios de impedimento para a entrada de órfãos do Recolhimento do Santo Nome de Jesus. 1.4.2 As Expostas ou enjeitadas: as filhas da Casa A outra categoria de órfãos que compunha os quadros do RSNJ foram as expostas, ou como a M$ denominada as ?Yerdadeiras fiOKas da casa? Essa cateJoria era constitutda a partir da sua condição de abandono. Como mencionei anteriormente, capitulo 2, a questão do abandono de infantes era um problema social de relevo em Salvador, no século XIX, e a assistência a eles coube a Santa Casa de Misericórdia. 93 Em relação ao sexo desses indivíduos, esse sistema de assistência teve um grande problema a resolver. Os meninos podiam ser encaminhados, terminado o período de criação e de estadia na Casa dos Expostos, para algum ofício ou para instituições como a Casa Pia e Colégio dos Órfãos de São Joaquim que, no século XIX, despontou como uma grande formadora de mão-de-obra, ou para a Escola de Aprendizes da Marinha, porém para as meninas ficava a grande questão: para onde encaminhar essas expostas, quando a colocação em casa de família não dava certo? Nesse sentido, o Recolhimento para meninas, particularmente o Recolhimento do Santo Nome de Jesus, cumpria uma função importante que era a de dar continuidade a criação dessas meninas desvalidas, caso não encontrassem uma família para criá-las. Para Marcílio (1998), pensar as expostas é pensar o Recolhimento para meninas pobres como uma das instituições que foram destinadas ao acolhimento dessa clientela. Para Russel ? Wood (1981) esse Recolhimento era destinado a uma classe média; para Marcílio (1998) ele devia atender meninas pobres, dar-lhes alguma instrução e treinamento profissional, fornecerem-lhe um dote, proporcionando-lhe, assim, um destino, por meio do casamento. Como funcionava? Segundo Marcílio (1998), essas meninas expostas, com a criação da Casa dos Expostos em 1847, junto a Roda dos expostos, ficavam nela dos 3 aos 7 anos e caso não encontrassem uma família para recolhê-las, eram encaminhadas ao Recolhimento do Santo Nome de Jesus. Caso a afirmação da autora esteja correta, para atender a essa clientela de desassistidas, a MA ignorou os estatutos que estabelecia a idade de 12 anos para a entrada no recolhimento. O fato é que, em relação a esse grupo, encontrei nos documentos, certa dubialidade sobre o respeitar ou não a idade de entrada. Em 1847, sobre esse grupo, a MA determinou o pra]o de admissão das e[postas que estaYam em casas de criação fosse de ? anos para dentro dele se recolherem a mesma Santa Casa as expostas que acabaram a criação, não sendo permitido depois desse prazo o referido recolhimento?(MARCÍLIO,1998). Em 30 de março de  a 0$ foi ta[atiYa ? $ reJente do 5ecoOKimento em Yirtude da resoOução da Mesa tomada em sessão de ontem, receber no mesmo Recolhimento as 15 expostas de mais de dez anos que lhe fossem entregues pelo Irmão mordomo dos expostos conforme o que dispõe o regulamento da Casa dos expostos em educação (ASCMBA. Livro de registro das correspondências, 1853, 92A). Contudo, em 1858, encontrei uma lista do número de recolhidas, onde, 54 meninas tinham idade entre 4 a 9 anos. Se voltarmos ao estatuto de 1776, onde se estipulava à idade de 12 anos para internar-se no recolhimento, esse critério nem sempre foi respeitado, tanto para as órfãs de número como para as expostas. Não obstante as 94 incertezas quanto à idade para entrada dessas meninas, o fato é que as expostas passaram a compor o segundo grupo de recolhidas que podiam pleitear a vaga no Recolhimento do Santo Nome de Jesus. Saliento ainda, que a presença dessas mulheres no recolhimento deu a ele outro perfil, ou seja, a entrada das expostas, possibilitou que a população do recolhimento ficasse, cada vez mais, diversificada em termos raciais, uma vez que,a Roda era um espaço de todos e todas abandonadas. Em 1839 registrou-se no livro de assentamento das recolhidas que: Engeitada Anastácia, crioula, sahio para cazar em 3 de agosto de 1839 com Antonio Francisco. Em 22 de Agosto de 1819 se lançou na Roda huma menina cabra e trouxe uma camiza de cambrainha e veio embrulhada com hum pano da Costa, e no sinto huma atadura branca. Dada a criar Isidoria Maria da Conceição, moradora em uma Roça de Nazaret, foi batizada em 4 de outubro como Anastácia. (ASCMBA. Livro dos espostos, 1202) Em 1843, consta que entrou no Recolhimento uma Recolhida Exposta Reginalda Soares ( achava-se na Casa dos expostos em educação). Lançada na Roda em 7 de julho de 1839. Menina crioula. Se deu a criar a Josefa Nicacia, moradora do Palácio do Arcebispo, Caza, 96, seu fiador J. Jerônimo Nobre e ele se obrigava a responder pela enjeitada. Tem cabeça pequena. Cabelos pretos enroscados, testa curta, sobrancelhas finas, olhos pretos, orelhas proporcionadas, nariz pequeno Eoca rasJada OiEios finos cara cumprida? (ASCMBA. Livro dos expostos, 1203) Ou, ainda, em 1854 Na ocazião de ser exposta na Roda o menino Antonio de numero 68, acharão-se na portaria duas meninas, acompanhadas de uma carta em que diz serem Irmãs daqueOOe Eom estado de sa~de e Eem nutridas? Esta engeitada veio vestida de xita rosa, calçadda de boletins, chama-se Idalina Xavier de Matos. Esta engeitada que terá de idade 3 annos ou menos he de cor tigresa, cabelos crespos e olhos grandes, boca pequena, lábios grossos. ( Recolhida no Santo Nome de Jesus em 19 de 1854) Os fatores que levaram ao abandono dessas meninas, não diferem muito dos fatores a que estavam suscetíveis às crianças pobres durante o século XVIII e XIX. Segundo Russel ? Wood (1981), Marcilio (1998) e Venâncio (2001) de uma maneira geral, as crianças vinham de lares pobres e de pais não casados. No registro da recolhida Leopoldina Josefa Vieira de Lima, que casou com Candido José Álvares Braga, consta que: 2 de maio de 1825, livro 12º. , consta uma menina parda, veio embrulhada em um pedaço de pano YeOKo e trou[e um EiOKete do teor seJ ? Esta criança Mi foi Eati]ada com o nome de Leopoldina e como fica a mãe impedida, e não pode criar roga a 95 Vsa. Como pai dos pobres criarem a dita menina. (ASCMBA. Livro dos expostos, 1202) Apesar da afirmação dos autores de que esses expostos e expostas viriam de lares sem pais, nos 109 registros de enjeitadas que teriam saído da Roda para o Recolhimento do Santo Nome de Jesus, não encontrei indicação dessa condição. Posso inferir pelo menos a condição social, algumas razões do abandono ou pelo menos uma indicação, mas se eram ou não expostas sem pais, não posso, nesse contexto, afirmar. Os estudos sobre essa população levam-me a considerar a hipótese de Venâncio (2001) e Russel ? Wood (1981) e Marcilio (1998), uma vez que os abandonos, normalmente eram realizados nas condições extremas de pobrezas que ocorriam com as famílias, principalmente quando essas eram chefiada por uma mulher. Sobre a Engeitada Alexandra da Conceição, branca, que casou-se em 1838, a MA registrou, [...] consta no livro dos expostos em 4 de fevereiro de 1816 se lançou na Roda huma menina branca, trouxe 4 camisas, hua saia branca vestida e dois vestidos , hum branco, hum de chita vermelha e branco, com huma carta rogando a Reg do Recolhimento incumbir-se de ? sua criação e tem seJuramente 4 annos, de nome a margem. (ASCMBA. Livro dos expostos, 1201) Observemos que a criança viveu com os pais ou a mãe por um longo período, o que nos leva a pensar que a prática de abandono, também deve ser refletida a partir do significado da maternidade no período colonial. Del Priore (1995,p.54) afirma que: [...] havia a existência de uma sensibilidade para a infância e para a criança, bastante difundida no período colonial. Mas, tal atitude ajuda a sublinhar que se tinha de um determinado tipo de comportamento para as mulheres que ficavam como chefe de família, quando da partida dos companheiros. E, uma delas, era a obrigação ou papel sociaO dessas muOKeres em ?manter ]eOar cuidar e educar a proOe diYersa acima mesmo da Oicitude de sua oriJem? 'E/ P5,25E 1995, p.54). Nesse sentido, encaminhá-las à Roda era garantia dessa manutenção e cuidado que não se podia mais oferecer. Em 1843, a Mesa registrou que a Recolhida Grata Carmoniza, menina branca, fora abandonada trazendo uma carta que dizia: ?por não poder criar esta menina em caza pede encarecida a St. Caza para criá-la até certo tempo não se dando fora, ficando dentro , quando se for tirar pagar-se a toda despesa que se fa] Eem como Kuma esmoOa? (ASCMBA. Livro dos expostos, 1204) 96 Contudo, não raro, famílias das classes dominantes recorreram à Roda como uma forma de esconder possíveis deslizes de suas filhas com a conduta moral ou por razões de pobreza ou, ainda, por questões de herança. Talvez a Roda tenha serviço de espaço para crianças que uma vez não bem vindas na família, podiam ter sua vida ameaçada. Em 1836, o caso da Recolhida, Quitéria chamou a atenção pelo teor do bilhete que o acompanhava. Irm. Escrivão da Mesa da Casa Misericórdia Rasoens funestas obrigão a esta criança procurar o abrigo desta Casa Santa, por ser hum remédio que põem termos a triste, acontecimentos. Em pouco tempo hão desfaser os motivos, que obrigão a ser agora exposta, e então deverá voltar ao seio de seus pais e cujo motivo rogo a NSa. Os favores seguintes_ ser batizado com o mesmo nome de Quitéria, ser logo dada a criar a pessoa de fora, e muito rogo que VS. Prefira a pessoa de pouca representação com receio de não ser conhecida de alguma pessoa eu a deve procurar e entregar e ________sobre esta vigiar, com tudo que ___________muitos favores que peso a Vs. São tão necessários quanto úteis a criança exposta_______depositei a minha confiança.Sou de vsa. Seo afectuoso. Para Venâncio (1999), não raro a presença de coisas que identificassem as crianças, assim com a orientação em bilhetes, representavam uma tentativa de reaver a criança depois que os motivos que levaram ao abandono fossem contornados. Segundo Russel ? Wood (1981), quando o abandono era motivado por questões econômicas, normalmente eram crianças legítimas. Essa afirmação nos leva a fazer uma reflexão de como a sociedade da época lidava com a questão da legitimidade e ilegitimidade, uma vez que, não raro, essas meninas recolhidas no Santo Nome de Jesus, sejam as órfãs de número e as expostas, tinham em seus livros de assentamentos a palavra legítima, ilegítima ou pais incógnitos. A ilegitimidade nessa sociedade, ou melhor, os filhos ilegítimos não representaram necessariamente o isolamento desses indivíduos do convívio dos chamados legítimos. Del Priore (1995), salienta que tal situação era possível em uma concepção de casamento cristão que construía a figura feminina como algo magnificado e a criança como um ser sacralizado. Nesse sentido, o matrimônio tinha o poder de dar legitimação sistemática dos filhos das esposas, mesmo a concebidos antes do casamento, além da proteção à prole, o sacramento obrigava a coabitação e a indissolubilidade do ato. Assumir um filho ilegítimo da mulher tinha um significado diferente de reconhecer o filho ilegítimo do marido. No primeiro ato, podemos reconhecer um desvio dificilmente perdoado pela sociedade, no segundo havia a ideia de um desprendimento por parte da esposa, que acabava dando a esse individuo uma vida menos atribulado com a convivência da ?Eastardia? &ontudo apesar de coaEitação ser aOJo comum deYemos saOientar que os 97 aspectos morais sobre a ilegitimidade dos filhos, se refletiam de forma diferenciada entre homens e mulheres, mas devem ser relativizadas para as mulheres de ascendência africana. Para essas mulheres ou brancas pobres, a possibilidade de conviver com essas crianças ou mesmo agregá-las, representava uma mancha menor sobre as avaliações dos comportamentos que apresentavam mais suscetíveis às uniões informais e ao abandono dos maridos, criava dinâmicas de sobrevivência que as levava ao contato com a rua, como a possibilidade de ganhar o seu sustento desenvolvendo alguma atividade que dessem a elas condições de sobrevivência. Nesse sentido, o discurso sobre a não exposição dessas figuras a rua, ao contato com o masculino, não se refletia da mesma forma. Todavia, não significa dizer que, circular nesses espaços não as obrigasse a resignificar o sentido da moralidade, como pontuou Silva (2005), ao se referir a resignificação para esses grupos do sentido da honra33. Para Russel ? Wood (1981), negras e mestiças não estavam tão sujeitas aos preconceitos sociais como as brancas de posição correspondente modesta e, nesse sentido ?um fiOKo iOeJttimo não desonraYa a mãe no mesmo Jrau de uma muOKer Eranca? seMa porque estas eram as ideais para casar e, portanto, repositórias dos ideais de moralidade, e as mulheres de cor, vivenciavam a aproximação com a escravidão. Para Julio (2007), essas mulheres também se apropriaram dos discursos sobre modéstia e recato, para reivindicar para si a condição de status e poder. Outras tantas fizeram da sua honestidade o caminho para serem reconhecidas ou respeitadas. Nesse sentido, para estas mulheres, negras ou mestiças, agregar um filho ilegítimo ou assumi-lo, representava reivindicar outros comportamentos que atenuassem a ideia de ?imoraO? que Yiria Munto com eOe Essas consideraç}es me OeYam a compreender que formar uma percepção sobre as mulheres, nesse período, passa por reconhecer que não podemos colocá-las como subprodutos dos discursos e práticas culturais que se estabeleceram na época. As mulheres brancas da elite viviam sob um controle moral maior, não raro esses discursos se estenderam as do povo. Contudo, suas vivências, as levavam resignificar esses discursos e práticas culturais. O abandono, portanto, dos filhos ilegítimos não tinha para essas mulheres o mesmo significado. Assim, o Recolhimento foi, por longos anos, o único caminho possível para essas meninas. Ora, pobres, legitimas ou ilegítimas, por tempo determinado ou não, o que posso concluir dos pedidos encaminhados à Roda e, mais tarde, à Casa dos Expostos, era que uma 33 Ver capítulo 2 98 vez recolhidas, essas meninas representaram para a Santa Casa uma preocupação especial com o destino delas. 1.4.3 Porcionistas: homens ausentes, mulheres recolhidas. Outro grupo que constará nos quadros do recolhimento serão as porcionistas, demonstrando que não era apenas a orfandade um problema para a sociedade, mas qualquer mulher que estivesse longe da tutela do masculino. Com tanto que nunca mudasse de natureza, e fosse feito em parte que não prejudicasse ao bem publico, devendo ter proporções para receber aquele numero de recolhidas, que comportasse o rendimento capital próprio, e as mulheres honradas que quizessem ser porcionistas, e as casadas, cujos maridos tendo de ausentar-se da cidade precisassem de as dei[ar aOOi? (ASCMBA. Livro de registro, 1829, 86A, p.52) Desde o início da colonização a preocupação com a guarda das mulheres fez parte da prática e discursos da sociedade colonial. A figura masculina era reivindicada como aquele que tutela, ou seja, controla e cuida. Nesse sentido, o recolhimento também, devia, como evidenciou a fala do D. João VI, ao atender o pedido da Santa Casa da Misericórdia para construir o Recolhimento, cuidar para que as mulheres que não fossem órfãs, mas cujos maridos ou parentes tivessem que se ausentar pudessem ? Juardi-Oas? 'esta forma, não apenas as mulheres casadas eram colocadas sob a tutela do recolhimento, como as viúvas que não mais tinham a proteção da figura masculina e, cuja sociedade, não via com bons olhos um segundo casamento. Entretanto, destaco que, entre o ideal e o real, existiam infinitas possibilidades de vivenciar a viuvez. Silmária Brandão (2007), pontua que muitas mulheres romperam o lugar do privado, do espaço de suas casas, reservado às mulheres de uma maneira geral, e as viúvas em especial, para assumirem os negócios dos seus maridos e criarem seus filhos. Nesse sentido, transitavam entre o espaço privado e o seu ponto comercial, onde exercia a condição de autônoma e de autoridade. Não foram poucas mulheres que negociavam com clientes, fornecedores, empregados, fiscais municipais ou outros comerciantes para a manutenção dos seus interesses comerciais e da família. Cabe destacar que, apesar do segundo casamento não ser bem visto, algumas romperam com esse lugar, e se possibilitaram viver um segundo matrimônio. Pondero que, essa rigidez em relação à viúva, possivelmente deu-se, muito mais, em relação à mulher, 99 produto de uma relação formal, do que dos arranjos da mancebia. Uma vez que esta inseria-se dentro de rígidos códigos morais, a exemplo do respeito à memória do marido, que passava pelo resguardo da sua moral a partir da reclusão. Em relação à mulher casada, vários eram os fatores que levavam os homens a se ausentarem das suas residências, entre eles os serviços militares e outras atividades para a sua Majestade e, nessas ausências, frequentemente recorriam ao recolhimento como uma forma de garantia da conduta moral das suas esposas. Exemplo de como esta questão se fez presente no Recolhimento do Santo Nome de Jesus é o caso de D. Maria Joaquina. Apesar de não serem evidenciadas no documento as razões pelas quais esta entrou como porcionista, posso inferir que o fato de ser o marido capitão na Província da Bahia, e, portanto, servidor das necessidades militares, tenha justificado encerrá-la no Recolhimento da Santa Casa. Diz o termo da recolhida no Livro de Assentamento (1181): Neste se acha recolhida por porcionista Dona Maria Jaquina de S. Jozé desde 9 de outubro de 1799 por portaria do Prov que então servia Francisco Gomes de Souza, o requerimento de seu marido o capitão João Pinto Coelho, com a condição de impetrar este a conformação de sua Meza Real, e com effeito requerendo ao mesmo Senhor, foi servido madar expedir hum avizo com a data de 2 de fevereiro do anno próximo _____ pelo secretário de Estado o Exmo. D. Rodrigo de Souza Coutinho, no qual mandaca o dito Senhor, que o referente capt. João Pinto Coelho pudesse recolher a mencionada sua mulher em qualquer dos conventos professos desta Cidade, ou recolhimentos della, que bem lhe aparecesse; e por se achar já a mesma recolhida nesta Caza, nelle eleição seu marido, que fosse conservador, enquanto quisesse, e fosse sua vontade. ?Em 1804 foram recolhidas Maria Borges das Mercês? por porcionista por petição assinada por seu marido, pela necessidade de viajar. Assim como ?D. Maria Paulina da Silveira?, em 1801, cuja petição fora apresentava por seu marido Manoel Correia da Silva, em razão de viagem para a Costa da Mina. (LIVRO DE ASSENTAMENTO,1181). Essas duas citações retratam a mobilidade geográfica da população da Província da Bahia desde o início da colonização. Segundo Russel ? Wood (1985) e Gandelmam (2005) não podemos esquecer que essa população frequentemente era flutuante. Além de ponto de chegada de muitos imigrantes, era também ponto de partida para muitas regiões, seja para o exterior da colônia, como sugere a viagem de Manoel Correia da Silva. Além do que, era a Bahia uma cidade comercial, um entreposto de escoamento e recebimento de mercadorias. Vários caixeiros, comerciantes partiam para negociar as suas mercadorias e deixar as suas mulheres sozinhas era quase inevitável. O que possivelmente levava-os não só a recolher 100 as esposas como as filhas. Assim, dentro dessa categoria registramos a presença de pedidos dos pais consideravam importante recorrer a esses espaços destinados a reclusão. Em 16 de setembro de 1810 nesta cidade, apareceo presente Antonio José de Andrade, cazado com D. Francisca Isabel de Sta. Anna, por ella me foi entregue huma portaria do Exmo. Ins. Do Governo Geral,na qual determinava que recebesse neste Recolhimento D. Francisca Isabel de Sta. Anna e a huma filha que esta tem atualmente recolhidas e por ordem deste mesmo governo, um Sr. Raimundo Nonnato com a obrigação do referido assistir-lhes, com a mezada de dez mil reis mensalmente, escrava para o serviço e o necessário vestiário, visto a isso se ter obrigado pelo motivo, que fez presentes as porcionistas. Sahio em 1819. (ASCMBA. Termo de entrada das recolhidas, 1182) Pelo teor da petição, observo que não eram essas duas porcionistas de classe de menos privilégios. O que me faz acreditar que essas mulheres, provavelmente vinham de classes sociais com certo poder aquisitivo. Pela interferência do Governo, ou estavam em alguma condição especial ou pertenciam às chamadas famílias dos homens bons da sociedade. Não podemos esquecer também que fora as diversas necessidades que eram reivindicadas pelos homens para recolherem suas esposas e filhas, havia a condição da Santa Casa de que essas mulheres deviam ser sustentadas por sua custa, apresentando um fiador que garantisse esse pagamento estipulado pelo Recolhimento. Entre os anos de 1742 a 1860, existiram no recolhimento como porcionistas entorno de 85 mulheres nessa condição, cujos pedidos variavam do marido ao pai, do tutor a determinação dos governos da província ou general. Esses pedidos se acentuaram principalmente nos primeiros 30 anos do recolhimento, o que me faz retomar a observação de Russel ? Wood (1981), que esse espaço serYiu de destino para uma ?cOasse mpdia Eaiana34?, uma vez que essas mulheres tinham que ter algum recurso para se manter ou ter alguém que pudessem mantê-las no recolhimento. Chama a atenção a não caracterização da cor dessas mulheres que adentravam na categoria de porcionistas. No livro de entrada das recolhidas em 1774 no termo da interna D. /eonor /ima de $raJão consta ?muOKer do 7enente da ,nfantaria? (ASCMBA, 1181). Datado do mesmo período é o termo de D. Anna Antonia Brito, mulher do Tenente do Segundo Regimento. Ambos apresentando a ordem do governador dessa capitania para o recolhimento de suas mulheres. Entre 1832 a 1839 foram registrados no livro de concessão de dotes, 25 nomes acompanKados com o termo ?'ona? (BARMAN,2005)35. Contudo, um caso chama a 34 O autor usa esse termo para referi aos chamados grupos intermediários. Aqueles que se mantinham como profissionais liberais. 35 O termo ?'ona? por aOJum tempo eram ?tttuOos Konortfico? 'om aos Komens e 'ona as mulheres, indicando com o tempo, todas as mulheres, cuja família podia reclamar o status de honorável. 101 atenção, o termo da recolhida D. Vivencia Maria de Santa´Anna que é caracterizada como enjeitada desta Santa Casa, mas que consta acompanhada com o termo ?Dona?. Diz o documento que a ?,nJeitada desta 6anta &a]a de idade de  annos pouco mais ou menos e me aprezentou sua petição de 19 de junho de 1774, sendo fiador Manoel Fernandes de Luz. 6aKio para casar em MunKo de ? (BARMAN,2005). O que me leva a pensar, que, em alguns momentos, como sugere Barman (2005), a definição de Dona passou a indicar consideração, respeito, sem vantagem material ou poder real. Em relação a essa enjeitada, possivelmente, a presença de um fiador para sua manutenção, sinaliza que ela foi cuidada por alguma família de algum recurso, não retornando ao RSNJ na condição de exposta. De 1840 a 1845, observei ainda o registro de 10 nomes identificados com o mesmo procedimento, mas, em nenhum, encontrei a identificação da cor. A não sinalização da cor dessas recolhidas, não significa dizer que foram, de fato, todas brancas, poderiam ser mulheres pardas, mas devido a sua condição remediada, não declaravam sua cor ou mesmo não se reconheciam como pertencente a esse grupo. Não esqueçamos que a negação da cor era uma estratégia comum dos diferentes grupos sociais para atenuar a associação com a descendência africana. O estudo de Pontes (2000) permitiu pensar acerca de quem poderia ser esses oficiais que encaminharam pedidos de entrada para as suas mulheres. A autora considera, assim como Mattoso (1992) e Russel-Wood (1989) já salientaram, que houve uma população parda que, ocupando cargos públicos, como as forças militares, conseguiram romper com um lugar de status inferior, transformando - se nos cKamados Jrupos ?intermediirios? ocupando um OuJar de destaque nessa sociedade. O Recolhimento cumpriu um papel importante para esse grupo intermediário que se formava. A intervenção do governo da província e do general da província para a entrada dessas mulheres no internato sinalizou para o fato esse espaço representou grande importância para aqueles segmentos que não se enquadravam nas famílias de nomes da sociedade, e que, por isso, não poderiam acessar determinados espaços destinados a formação das mulheres. Ainda sobre a presença dessa categoria no RSNJ, outras reflexões se colocam: os discursos sobre a moralidade não recaiam apenas sobre as solteiras que buscavam alçar a condição de casada. Ao contrário, se a condição de casada possibilitava um estado de possível respeitabilidade dentro dessa sociedade, era cobrada a manutenção da noção de respeito, de mulher virtuosa. Exigia-se que elas apresentassem um comportamento que reforçasse a ideia 102 do recato e de honra, honra que, muitas vezes, estava ligada a noção de controle da sexualidade. Maria Beatriz Nizza da Silva sugere que, em relação aos homens casados, a busca de um lugar que acoOKesse as ?suas? muOKeres passaYa peOo medo do aduOtprio 6eJundo a autora, no século XVIII, não raro se viu a elaboração de regras para afastá-las da possibilidade da prática do mesmo: Ao contrair matrimônio escolha quanto for possível parelha na idade, condição, e saúde, e qualidade: porque das contrarias desigualdades se originam os desgostos, aborrecimentos e ausências, que depois vem a parar em adultérios. Um adágio popular está, portanto, na base desta regra: Se queres não casar mal, casa com igual. Seja muito amiga da honra, e bom nome, pois esta vale mais que muitas riquezas (...) Leiam e meditam exemplos de matronas castas, que antes escolheram perder a vida, que violar a fé conjugal (...) Nas ausências do marido convém observar mais recato e recolhimento (...) De nenhum homem aceite dádivas, sem titulo claramente honesto (...) Não se confie levianamente de parentes por consaguinidade, ou afinidade, ainda que a idade, e gravidade, e a ordem sacra os acredite (...) Poucas visitas, e essas diante de gente, e recebidas sempre com atenção ao decoro (...) ( SILVA, 1985, p.192) Esse discurso moralista em relação ao comportamento feminino provoca ainda outras reflexões. O significado do casamento para a sociedade da época e a função dele nessa sociedade. Segundo Sot (2006) desde o século XIII o matrimônio foi constituído pela Igreja Católica como monogâmico, indissolúvel e fundamentado no consentimento recíproco de dois indivíduos. Para ele, essa concepção de união revela como a Igreja construiu a ideia de casamento atrelado ao controle da sexualidade. O ato conjugal é um bem quando se destina a procriação, mas é sempre maculado pela concupiscência (procura de prazer), transformando ? o em um ato maO ?$ssim a se[uaOidade aparece sempre de mão dada com a mácula, antaJ{nica do saJrado? Vainfas (1989) acrescenta que não podemos esquecer que os discursos sobre os comportamentos dos indivíduos, homens ou mulheres, estavam ancorados em um contexto anterior da Reforma e Contra-Reforma. Ou seja, na tentativa de conter o avanço da Reforma protestante, a Igreja Católica, a partir do Concílio de Trento: Não se limitou a reafirmar dogmas e regras sobre o casamento a fim de difundi-los como norma geral. Foi além e preocupou-se, como jamais o fizera, com a vida das famílias, as relações entre pais e filhos, maridos e esposas, os sentimentos domésticos, a convivência diária nos mais variados aspectos. Embora o Concilio não tenha explicitado qualquer decisão acerca da família, o movimento da Contra ? Reforma revelar-se-ia muitíssimo cioso dessa importante esfera da vida social, multiplicando regras e conselhos para o bem-viver doméstico por meio de catecismos, sumas e manuais de confissão impressos em escala cada vez maior a partir do século XVI ( VAINFAS, 1989, p. 12) 103 Apesar de esses discursos serem direcionados para homens e mulheres, na prática ele estabelecia ações diferenciadas para esses indivíduos. Ou seja, se essas regras visavam o controle da vida sexual dos casais, tendo peso sobre a vida cotidiana da maioria de homens e mulheres, não afirmo que eles viveram esses controles da mesma forma. A reclusão feminina demonstra o quanto o controle se expressa de forma diferenciada. Segundo Vainfas Com alguma irreverência, muitos homens da colônia costumavam falar do sexo e das mulheres. Na grande maioria dos casos, limitava-se a defender a chamada fornicação simples, o direito de homens solteiros fazerem sexo com mulheres solteiras sem incorrerem em pecado, mas jamais afirmaram, ao menos na Colônia, a licitude da fornicação com virgens ou donzelas (...) e não raro os mesmos homens que julgavam não ser a fornicação um pecado mortal abriam explicita exceção para mulheres casadas ou parentas (...) errôneo desonrar jovens casadorias, leal aos costumes populares do casamento, fiel ao matrimônio. (VAINFAS, 1985, p.59) As mulheres sejam casadas ou solteiras eram repositórias dos valores da família. Mães e esposas ou futuras mães e esposas, sua boa conduta e fama não apenas a valorizava como valorizava também a figura masculina, sejam o marido ou o pai. A sua virtude e honestidade não pertencia apenas a ela, mas, também, ou principalmente, à família. Nesse sentido, os pedidos masculinos para o encerramento das mulheres estavam justificados. Em 25 de Janeiro de 1806, [...] diz Caetano José de Aguiar, homem branco, viúvo, morador na ladeira de Santa Tereza desta Cidade, que lhe tem hua filha legitima matrimonio por nome Victoriana Roza, de idade de vinte annos mais ou menos , a qual deseja conservar com aquela honestidade, e reputação que exige o seu sexo, e a de hum Pay de família e porque o suplicante ocupou o cargo de Meirinho da Intendência Geral do Ouro cujo emprego o impossibilita de estar em Casa e , que por estar esta sua filha só na mesma lhe possa suceder alguma infelicidade para --------------pede o suplicante o sustento. (ASCMBA. Termo de entrada das recolhidas,1182) Em 1804, foi recolhida por porcionista D. Antônia Madalena, por guarda da sua honra.36acrescento ainda, que atrelado ao medo de um possível adultério por parte das esposas, havia também o medo, como mencionado anteriormente, como nos grupos populares, dos raptos ou seduções das mulheres que se encontravam sozinhas. Segundo Nizza Silva (1985) percebo que, entre as classes populares, a prevaricação da mulher casada não constituía um delito tão reprovado quanto entre as camadas superiores. 36 O documento não nos dá mais informações sobre esse pedido. 104 É comum encontrarmos na documentação a referência a mulheres furtadas a seus maridos, como se elas fossem um objeto que se rouba a um proprietário. Mas, quando analisamos mais de perto esses documentos, vemos que muitas vezes a muOKer acompanKou YoOuntariamente o furtador aEandonando o Oar? 6,/9$ 1985, p. 196). Mattoso (1992), corroborando com o pensamento de Maria Beatriz Nizza da Silva (1985), destacam que os raptos e seduções, muitas vezes, foram utilizados como forma de forçar as famílias a aceitarem casamentos desvantajosos social e economicamente. Não podemos esquecer como salientamos, inicialmente, que essa prática se estendeu a todo o tipo de mulher e Jrupo sociaO 6eJundo a autora na capitaO %aiana ?raptos e estupros eram práticas correntes em Salvador, sobretudo entre a população de cor, majoritária. Quando o rapto envolvia dois jovens, a moça era enclausurada num asilo ou o casamento era precipitado para restaurar a Konra da famtOia o mais rapidamente posstYeO? 0$7TOSO, 1992, p. 199) Ferreira Filho (2002), em seu estudo sobre as defloradas no final do oitocentista, afirma que a prática de sedução não figurava no Código Civil apenas como crime contra o indivíduo, mas Contra a Honestidade das Famílias e do Ultraje Público ao Pudor. Ou seja, apesar desse estudo se concentrar para além do marco inicial dessa pesquisa, observo que a sedução feminina sempre foi avaliada a partir do ponto de vista não da possível vítima, mas da prática dos costumes que coloca a mulher como o objeto de alguém, pois um lado tinha o Komem ?aEusador? que e[ercia sua Yontade soEre a Yttima por achar que esta deveria servi-lo; do outro, estava um discurso que condenava essa mulher abusada por não mais servir para o perfil de esposa e mãe desejado. Verifico também que entre os anos de 1808 a 1834, foi significativo o número de porcionistas, cerca de 40 mulheres. O que se refletiu na proposta da reforma do estatuto do recolhimento, em 1842, um tipo de porcionista não se aceitaria mulheres por depósito ou em processo de divórcio. No livro de registro de 1823 a 1860, só encontraremos a identificação de 3 porcionistas. Ou seja, a Santa Casa, de fato, promoveu a saída ou indeferiu gradativamente a entrada dessa categoria de mulheres. Diversas figuras masculinas solicitaram a reclusão feminina, não raro, como veremos adiante, esses pedidos partiram das próprias recolhidas. A razão para tal pedido era prática, comum e necessária: o divórcio. 105 Em 27 de setembro de 1781 Ana Joaquina da Conceição, conseguiu sentença de divorcio perpetuo do seu marido Joaquim Tomás Gomes, pedindo para passar a viver em companhia de sua prima casada com José Joaquim de Sá, já que não pode mais permanecer no Recolhimento. Em 01 de julho de 1783 Anna Joaquina da Conceição diz que foi depositada no Recolhimento da Santa Caza por ordem da portaria do Ilmo provedor, que servio o anno passado e por que como consta o mandado junto está levantado o deposito por ter alcançado finalmente sentença e não pode e nem quer sair a suplicante do dito Recolhimento (ASCMBA. Documentos avulsos, 1830, 1A) O depósito de mulheres em casas de parentes ou em recolhimento enquanto durasse o processo do divórcio era frequente, no Brasil colônia. Segundo Maria Beatriz Nizza da Silva (1985), Mattoso (1992) e Ana Amélia Vieria (2000), era comum a interferência do Estado nas questões relativas à esfera privada. A desavença entre casais, em muitos casos, era resolvida com a ajuda de um representante do governo, principalmente se a mulher se encontrasse em situação crítica de abandono ou de violência. Contudo, ao que parece, as próprias mulheres também poderiam solicitar a sua reclusão enquanto durasse o processo, como sugere o pedido de Violante de S. Domingos, em 1782: Ao dezecete de janeiro de 1782 [...] apareceu a presente Joana Violante [...] e me apresentou huma petição que fizera ao Irmão Provedor atual o Tenete Coronel Innocêncio José da Costa [...] em quanto durasse o divorcio em que anda com seu marido, com a obrigação de sustentar-se a sua custa no dito Recolhimento [...] Logo apareceo o tenente Domingos da Costa Braga [...] dicou por seu fiador para della tomar conta. Sahiu em 20 de julho de 1782. (ASCMBA. Termos de entrada das recolhidas,1181) Sobre o andamento dos processos, tanto Mattoso (1992) como Maria Beatriz Nizza da Silva (1985), indicam que a condução de um pedido de divórcio não era fácil, muito menos rápido. Entravam nas avaliações dos pedidos tanto as questões econômicas, como as questões morais. Nesse sentido, a reclusão durante o processo do divórcio pode ser entendida como uma forma de manutenção da respeitabilidade dessa mulher. Apesar dos relatos dos livros de assentamento sobre os pedidos de depósitos não especificarem as razões que levaram o encerramento dessas mulheres, há sinais que remetem para o feito de que ambas as reclusões podem ter sido para resguardar a imagem dessas suplicantes perante a sociedade. Sobre a prática do depósito, Maria Beatriz Nizza da Silva (1985) afirmou que, eram depositadas tanto as mulheres como os filhos (as). Normalmente, o depósito era feito por uma autoridade 106 eclesiástica e, uma vez depositada, não poderia sair sem autorização, demonstrando o poder exercido sobre as mulheres.37 Em 1751 foi recolhida D. Theresa de Jesus Maria38, contra a sua vontade após mover uma ação de divórcio contra o seu segundo marido Francisco Manoel da Silva, primo do seu primeiro marido e seu administrador. Mulher rica e mais velha que o seu segundo cônjuge, Tereza acusou o marido de maus tratos e injúrias, justificando a ação de divórcio solicita contra ele. Corroborando com Maria Beatriz Nizza da Silva (1989), Manso (2000) afirma que essa condição deu a esta mulher, segundo os cânones morais e sociais, a separação. Contudo, ao mover a ação e mesmo depois de ter seu pedido atendido, Tereza de Jesus ficou depositada em casa de confiança e só mais tarde no Recolhimento do Santo Nome de Jesus. O depósito na casa de alguém determinado por uma autoridade parece ter sido a solução mais comum em caso de divórcios, os recolhimentos não parecem ter sido o espaço mais adequado. Todavia, na ausência de alguém confiável, esses espaços eram acessados, uma vez que as mulheres não poderiam viver a margem de uma autoridade masculina. O que contribuiu para a resistência em dar liberdade a elas. No entanto, ao contrário do outro caso já analisado, o de Violante de S. Domingos, Tereza de Jesus não aceitou a reclusão, argumentando que era um plano do marido para ficar com seus bens. E, ao longo da sua reclusão, encaminhou petições ao Rei explicando a injustiça e a trama que, em torno dela, se processou. Segundo o documento citado por Manso (2000) a suplicante afirmou: Excelentissimo e reverendissimo Senhor Donna Theresa de Jesus Maria que ahando-se a supplicante separada por sentença de divourcio e ficando por isso liberta para poder livremente viver onde quiser. Por não ser essa separaçam feita por adultéio mas por ciuicias feytas pello fugido seu marido para melhor lhe usurpar o cabedal e fugir no anno de mil settecentos e cincoenta e dous com amis de oytenta mil cruzados que usurpara da supplicante como He publico nam obstante isso se tornou a empedir a liberdade a suplicante pello prouedor e Irmãos da misecicordia desta cidade de hoem de vossa Excellencia reurendicima proferida contemplaçam da carta do excelentiddimo Secretrio de Estado fazendo recolher a supplicante por força entrou no Recolhimento da Misericordia recomedandoce a portteyra e portteyro que entam deyxassem usar da liberdade prendendo-se e injuriando-se nesta forma a suppicante contras as desposiçõens do direytto que nam premitte impedirce a liberdadde sem culpas justificadas, porque a supplicante as nam tem ser assim vexada injuriada e prejudica como se lhe tem impedido e uay a supplicante impedindo, nem finalmente os faça em termos de se fazer obra alguma por Ella, estando a supplicante separada por senttença de divorcio e naum recebendo a suppicante alimenttos a pertto de dous 37 Voltemos ao caso da recolhida Maria Tereza de Jesus37, a partir dos documentos minuciosamente estudados por 0anso   em seu artiJo ?0uMeres En EO %rasiO &oOoniaO: El caso Del Recogimiento De La Santa Casa 'e /a 0isericordia 'e %aKia $traYps 'e /a 'epositada 7eresa de -esus?. 38 Quem faz um estudo detalhado do processo é Manso (000) no artigo Mujeres em El Brasil: El caso Del recogimiento de La Santa Casa de La Misericordia de Bahia através de La depositada Teresa de Jesus. 107 annos por iuitar a grande uzurpasam que com a capa delles se fazia nos seus, nem ultimamente queria a suplicante estr comseruada no ditto recolhimento pellos grandes prejuízos que delle se lhe segue e achaques que padesia por ser mulher de mais de sessenta annos de idade// portanto// pede a vossa Excelencia como executr delegado ou comissário da ditta cartta lhe faça merc nam impdir a liberdade a supplicantte nem a mandar impedir pello ditto uevor e Irmaos da Misericordia por nam ser isso prometido por direito nem pella dita artta que nam conthm depossisam oEriJattoria para se? 'espacKo do 5euYerendo $rceEispo em que manda a suplicante recorrer a sua Magestade 39 Nesse último caso, observemos como as relações de gênero impunham à mulher uma luta contra uma estrutura patriarcal que a colocava como indivíduo sem direitos, mesmo diante do possível fato da suplicante ser a prejudicada com a perda dos seus bens, não coube a ele a sansão, mas a ela a situação de sentenciada. Manso (2000) nos chama a atenção de que Maria Tereza de Jesus foi duas vezes ousada na sua atuação: primeiro contraiu um segundo casamento, com um homem mais novo e de status inferior, uma vez que ela era a favorecida economicamente, e, em um segundo momento, não se conformou com seu estado de reclusão, o que possivelmente deve ter contribuído para as impressões que sobre ela se formaram. Sobre Tereza de Jesus, segundo documento citado por Manso (2000), escreveu o vigário geral: [...] os seus costumes Sam mal regulados por ter casado com um caixeiro: inferior em qualidades e merecimentos não se atreveo a sujeitar-se a que Ella continuasse nas mesmas desordens que antededentmente paraticava e deste principio proveu os desassossegos e inquietações que athe ao presente se vem seguindo e como se aumentara muito mais se Ella sair para fora da clausura e quem esta, venho sem duvida que o ser conservada nella He o mais conveniente e o mais acertado. A reclusão era uma punição a uma forma de viver ou às escolhas feitas por essa mulher. Outro documento que nos indica a busca desse espaço como uma sentença, punição cujo exemplo é o caso de Mariana Maria de Jesus. Em 1800, foi encaminhado o pedido a MA da Santa Casa da Misericórdia de Jozé Gómez Pereira, que afirmava: Comerciante, e morador da Cidade da Bahia, cazado a annos com Mariana Maria de Jesus, da qual tem dous filhos, que tractando sempre a dita sua mulher com todo o amor e decência, sem já mais lhe faltar cm coiza alguma pertencente ao seu sustento, e ornato, e nem praticar açção por onde a podesse desgostar, aconteceo que a mesma sua mulher abusando de todo este amor que o suppl lhe mostrava, e aproveitando-se da sua auzencia se prostituhio a seis annos cometendo adultério com R. Bernardo de 39 Documento citado no artigo de Manso (2000) no artigo Mujeres em El Brasil: El caso Del recogimiento de La Santa Casa de La Misericordia de Bahia através de La depositada Teresa de Jesus. Documentos encontrados no Arquivo do Tombo, em Lisboa 108 Mello Brandão, também morador na mesma Cidade. Vindo o supll. Assim injuriadado pela infidelidade praticada pela suppl com desprezo da fé conjugal a fim de fazer cessar a continuação deste crime, e de alguma forma reparar o seu proprio, não querendo querelar della por commizeração, e para não lhe....mais o seu delito, requereo unicamente a seis annos ao governador daquela Cidade, que a fizesse recolher em hum Recolhimento, e com effeito foi a supp recolhida ao da Misericórdia da dita Cidade, como se mostra pela certidão da Junta, onde se acha a seis annos, sempre assistida pelo supplicante. Mas a supplicante, incorrigível, e não satisfeita do horrozo crime que tem cometido contra seu marido, aborrecendo a clauzura, so para mais facilmente continuar impune na sua devassidão, pretende para o que lhe propoz a acção pelo juízo da Igreja, servindo ?se para isso de escogitar o meyo da civicias , para incobrindo o seu crime obter a separação de bens e poder viver sobre sy, e na sua liberdade, meio este, que soemente o eu dollo, e meio de viver com faculdade e facelidade de tornar a sua devassidão e mancebia, lhe podia sugerir porq. Não podendo o suppl. Diecar de viver separado della em razão do seu adultério, não se lhe pode opor a separação, que ella malleciozamente e foi procurar por aquele meyo, por este motivo, para ovitar as temíveis, otorpes concequencias a que a suplicada se direige. E porque, Senhor, não he da intenção de V.A. Real, que o supliante que tem promovido, e adiantado o Cabedal da sua Cazza, só a custa do sustento do seu trabalho e fagiga, procurado sustentar com desvello a honra e honestidade da sua família [...] seja obrigado a sofrer cntinuada injurias da suplicada e que essa tire utilidade do seu próprio crime, aproveitando-se dos bens adquiridos pelo suplicante, não obstante os ter perdido pelo comentimento do adultério, ficando em plena liberdade para a vista do suplicante e seus filhos continuar ....adulterio com escândalo publico. Requer o suplicante V.R.A ae digne pela sua real grandeza a conceder-lhe um decreto real para que fique no recolhimento em que se acha a sua mulher e honradamente viva a custa do suplicante. ( Grifo meu) (ASCMBA. Carta avulsa, Projeto resgate) 40 (Pedido indeferido) Desta sorte, a clausura foi utilizada, ao mesmo tempo para punir, como para evitar um processo de divórcio. Apesar de serem dadas a ambas as partes o direito de solicitarem o pedido de separação, ao que parece, e Maria Beatriz Nizza da Silva (1985), legitima a minha suposição, aos homens eram dados outros recursos, caso ele não quisesse efetivar o apartamento, entre eles a imposição da clausura como forma de punição e controle da mulher. José Wanderley Araújo Pinho (1918), antigo provedor da Santa Casa da Misericórdia, afirmou que as clausuras por esses tempos tinham esse papel penitenciário, tanto para as raparigas que erravam, como para as mulheres que faziam os maridos infelizes, indo, muitas vezes, por sentença da justiça disciplinar do arcebispo ou determinações régias para o 5ecoOKimento da 0isericyrdia $inda seJundo :anderOe\ PinKo ?o aduOtprio consistia a razão maior desses processos e dessas reclusões, prática comum em uma sociedade que exigia que a muOKer fosse Juardada com tamanKo recato? 40 Os documentos não deixam claro o razão do indeferimento, contudo, posso sugerir que, ao longo da existência do RSNJ, o grande número de recolhidas, a falta de pagamentos da estadia das porcionistas e a o comportamento das mesmas desde a forma de Yestimenta atp ?as reJaOias? que possutam como a presença de escraYos para servi-lo, criou uma diferenciação entre as internas que em alguns momentos, como sugerem algumas atas, uma tensão entre as recolhidas. 109 Remetendo-me a ideia de que caEia ao Komem ?corriJir? a muOKer seMa por desobediência ou por se recusar a cumprir seus deveres de esposa, mas não cabia a mulher, Mamais ?corriJir? o marido ou puni-lo de alguma forma. Essa lógica reiterava o poder do homem sobre a mulher, o poder do pai sobre o filho, do marido sobre a mulher. No entanto, não desconsidero que, apesar das leis não as favorecerem, obrigando-as a serem depositadas em locais apropriados ou com pessoas de confiança, mesmo quando era ela a requerente, o depósito pode ter significado, para algumas delas, o caminho para romper com uma relação de dominação ou de violência, quando se tratava de processos que alegavam as sevícias, ou seja, maus tratos. Esse foi o argumento que Mariana Maria de Jesus41 utilizou para ter a sua liberdade de volta diante do pedido de Jozé Gomes Pereira. Maria Beatriz Nizza da Silva (1985) ainda sugere que o apelo por maus tratos parecia comover mais as autoridades eclesiásticas e civis do que o argumento por adultério, quando se tratava dos pedidos perpetrados pelas mulheres. A prática de depósito foi amplamente utilizada por maridos em uma sociedade que não escondia o seu caráter misógino, não é de se admirar como sugestiona Wanderley Pinho (1919), que muitos irmãos e tutores escolhessem esse destino como forma de resolver as várias contendas que estivessem relacionadas a esses indivíduos. Segundo Wanderley Pinho (1919) não era só os dissídios com os maridos a razão dessas prisões. Havia o caso de irmãos zelosos da honra ou por razões de heranças, caso houvesse no legado mais dinheiro para elas. Em 1793, João da Costa Ferreira, por razões de herança, contra vontade, recolheu três irmãs no Recolhimento da Misericórdia. Em 1813, foram recolhidas por pedido do seu tutor, Ângela Maria de Caldas e Maria Venâncio de Caldas, filhas legitimas dos falecidos José de Caldas e Maria Venâncio do Espírito Santo, e que foram mantidas no recolhimento pelo cunhado e tutor, Ignácio Joaquim de Santos. Fora essa condição de casadas ou por zelo dos pais, identifico mulheres recolhidas na condição de porcionistas por pedidos das próprias autoridades que temiam pela condição de desamparo desses indivíduos, responsabilizando-se por elas. Ou seja, assim como as órfãs de número ou as expostas, a pobreza também figurou como justificativa para algumas dessas porcionistas. 41 Infelizmente não encontrei os pedidos dirigidos pelas recolhidas. As solicitações são relatos realizados pelo escrivão da Mesa Administrativa. Quando faz referência a alguma intervenção das mulheres envolvidas nas demandas, encontramos apenas anotações no pé de página ou do lado. 110 Em 1792 Maria de Tal, menina branca, donzela, filha legitima de Paulina de Tal, viúva, e do recolhimento não pode sahir sem que ele fosse ouvido. Uma petição que fez ao Dr. Ouvidor Geral do Crime Antonio Feliciano da Sa. Carneiro para puder recolher no Recolhimento desta Santa Caza. [...] Logo depôs me apresentou outra petição que a Meza fizera para o mesmo fim obrigando por caridade e zelo de vir andar a dita menina a mendigar e exposta as desgraças que se seguem de semelhante exercício para tratar e sustentar-la a sua custa, de tudo que necessitar.(ASCMBA. Termo das recolhidas, 1181) Em outros casos, as próprias mães recorriam a Ouvidoria Geral do Crime solicitando a reclusão de suas filhas na condição de porcionista. Em 1792, Marcelina Cipriano de Araújo conduzida pelo Escrivão da Ouvidoria Geral do Crime Estanislão Pereira, que por despacho do Dez. Ouvidor Geral do Crime proterido em requirimento que lhe havia feito Anna Maria da Conceição, may da mesma e outro da Mesa desta Santa Caza, que me forao prezentes, a vinha recolher em depozito no Recolhimento da mesma Caza ASCMBA,1181b) Em 1793, outra menina foi recolhida na condição de porcionista a pedido da mãe. Maria Joaquina de Castro, por intermédio do Desembargador da Ouvidoria Geral do Crime, podendo sair apenas com a ordem do dito desembargador. Essa solicitação chama a atenção por ter a mãe ser a responsável por todo o seu sustento. Esse último pedido, apesar de não especificar a razão da solicitação, como o primeiro, nos sugere que talvez tenha sido mais por questões morais do que por razões econômicas. Considero, ainda, que em alguns casos as próprias mulheres solicitaram os seus pedidos aos recolhimentos. Como já havíamos dito, a reclusão também deve ser vista como um recurso que as mulheres usaram para sobreviver em uma sociedade que as retirava a possibilidade de uma vida segura e digna. Sucumbi à reclusão, também pode ser vista como uma estratégia de sobreviver em um meio hostil a sua presença, que não apenas foi utilizado por elas próprias como por suas mães, como sugere os dois casos acima. Em 1792, a porcionista D. Maria Leonarda de Brito, conduzida pelo escrivão da Igreja Luis Alves de Miranda e por despacho do D. Cônego Vigário Geral encaminhou pedido a favor de D. Maria Leonarda, que seria sustentada a sua própria custa. Ainda no século XVIII, em 1778, apresentou a porcionista D. Antonia França de Valença Ortz sua petição na qual pedia ser admitida no Recolhimento, enquanto seu marido José Vianna fazia uma viagem fora desta cidade, com a obrigação de se sustentar. Observemos que várias foram as motivações e condições de entrada dessas meninas e mulheres no Recolhimento. Do argumento da pobreza ao desejo da guarda da honra, passando pelo desejo das internas, este espaço se constitui a partir de desejos e experiências muito 111 próprias. Estavam submetidas à reclusão, mas os lugares de onde vinham faziam com que dessem a espaço significados diferentes. Gênero, raça e mesmo status social se articulavam para definir esses sujeitos, que apesar de diferentes entre si, estão submetidos a uma tentativa de normatização do que deveria ser o comportamento feminino. Contudo, a normatização dos comportamentos dessas meninas e mulheres não foi resultado, apenas, do desejo dessa sociedade do que deveria ser a mulher e para que servisse a sua educação. Mas, resultou, também, da quebra de um padrão de comportamento dessas mulheres e meninas, como veremos a seguir. 112 2 VIVÊNCIAS E FORMAÇÃO DAS RECOLHIDAS DO SANTO NOME DE JESUS 2.1 PORTA ADENTRO: AS VIVÊNCIAS DAS RECOLHIDAS NO SANTO NOME DE JESUS O enclausuramento nem sempre representou, para as mulheres, a morte de suas vontades. Neste sentido, as recolhidas, ficou registrados nas discussões da MA, tinham criado dentro do recolhimento um conjunto de comportamentos que transgredia ao que se desejava como atitude de uma mulher recatada, criando uma dinâmica muito própria dentro desse espaço, inclusive utilizando as brechas abertas pelos estatutos para que pudessem exercer cargos de comando dentro da Instituição, apesar de estarem submetidas às ordens da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia. A Mesa reivindicava, para justificar sua relação com as recolhidas à idéia da tutela do pai sobre o filho, que, no caso das mulheres, não se limitava a uma relação apenas filial, mas se estendia a qualquer homem que viesse a ser responsável por ela. Algranti (1991) sugere que era dos homens, na sociedade colonial e imperial, a preferência pela tutela das mulheres. Na ausência deles ou de uma figura masculina confiável, as instituições totais como conventos e recolhimentos deveriam cumprir esse papel. O que me remete a pensar como os papéis de gênero foram construídos dentro dessa sociedade. Um lugar que ainda no século XIX, revelava em seu cotidiano a visão de tratadistas e moralistas portugueses dos séculos XVI e XVII e que acabava reafirmando uma concepção acerca da família e do papel da mulher. Sobre isso, Golfman (2005), afirma que na visão tratadista acerca da família e do papel da mulher, o paterfamilias devia ser uma espécie de mestre, responsável pelo bem-estar material de sua mulher, filhos e servos. Às mulheres, por sua vez, cabiam o universo doméstico, a prudência e discrição. Para Peteman (1993), essa visão só pode ser entendida se compreendermos que os séculos XVII e XVIII foram um período fértil para que através das ideias iluministas houvesse a legitimação desses espaços. A ideia do contrato social define quem deveria gerir a vida em sociedade: o masculino. Essa gerência dava ao homem direito sob a vida de outros indivíduos: mulheres, filhos ou qualquer um que estivesse sob a sua tutela. Ainda para essa autora, a teoria clássica do contrato social foi revolucionária, pois reivindicava a ideia de que 113 os indivíduos são naturalmente livres e iguais, ou nascem livres e iguais. No entanto, na medida em que essa afirmação foi construída, os contratualistas também, paradoxalmente, negaram essa liberdade a outro sujeito: a mulher. A subordinação era uma escolha dentro da ideia do contrato social para os homens. Para as mulheres a sujeição não só era uma alternativa, como era quase um caminho sem volta. A ideia que norteava o contrato afirmava que elas nasceram naturalmente frágeis, débeis e dependentes do sexo que apresentava uma maior capacidade: o masculino. Palmero (2004), por sua vez, acrescenta que o contrato social apresentou a legitimação e o reforço de uma sociedade patriarcal, bem como as bases do patriarcado moderno42. O Santo Nome de Jesus reproduzia bem essa relação, deixando evidente quem as mulheres deveriam obedecer. A Mesa Administrativa, através dos seus membros, representava a autoridade masculina. O Recolhimento foi uma representação de um pensamento masculino, concebido por um grupo de sujeitos históricos, os chamados homens bons, aqueles sociamente e economicamente reconhecidos, e que foram, muitos deles, irmãos da Misericórdia. Ao falarem e agirem em relação às mulheres recolhidas o fazia reivindicando a importkncia do ?Oustre da cidade o Eem dos poEres a ocupação dos ricos e o Eem comum? Todavia, aos homens da Santa Casa da Misericórdia cabia a administração geral, mas coube as recolhidas à ordem do cotidiano do estabelecimento, abrindo brechas para que essas mulheres pudessem exercitar poderes. Segundo o estatuto oficial do Santo Nome de Jesus, datado de 1776, a regente deveria ser Uma recolhida, a qual se fará mais recomendável pela sua conduta, e vida exemplar do que pela própria autoridade do lugar que ocupa de tal sorte, que os que lhe estão sugeitas lhe tenha como baliza, espelho [...]a ela devem pertencer o governo da Casa(...)donzelas e porcionistas será obrigada a vigiar com todo zelo[...] terá autoridade de admoestar,repreender,castigar[...] (ASCMBA. Estatuto Oficial RSNJ,1829) Ao que parece, em um primeiro momento, as regentes foram mulheres externas ao recolhimento, uma vez que a sua gerente devia ser branca, cristã-velha, de idade avançada, de boa reputação e posição social adequada. Critérios que não podiam ter sido atendidos pelas primeiras recolhidas, uma vez que o dito estabelecimento começou com oito recolhidas em 42 Por patriarcal, parafraseando a autora, podemos definir um sistema social de dominação que consagrou a dominação dos indivíduos do sexo masculino sobre o feminino. Etimologicamente remete ao poder dos patriarcas, dos chefes de família, como poder revestido de autoridade por parte de um aparato de legitimação que se alimenta de uma determinada mitologia que decreta a masculinidade como suprema. 114 idade43 não muito avançadas. Foi mais que a preocupação de buscá-las dentro do próprio recolhimento. (ASCMBA. Estatuto Oficial RSNJ, 1829, p.108) A regente carecia, ainda, ser auxiliada por uma porteira e uma mestra, sendo que ?regente, mestra e porteira farão Jrande união entre si? . Cabia à porteira ?nunca OarJar as chaves da portaria, nem dar a pessoa alguma para abrir, ou fechar e no caso de ter algum empecilho legítimo, as entregara à 5eJente? Era a mesma Juardiã das portas do recolhimento, pois todos deveriam passar pelos seus olhos ao entrar e ao sair e não podia consentir ?que pessoa aOJuma entre no recoOKimento [...]? (ASCMBA. Estatuto Oficial RSNJ, 1829, p.108) a exceção de mãe ou irmã de alguma recolhida por causa de moléstia ou por licença da Mesa. Cabia a ela, também, o controle das grades ou a entrada de escravas44 que não pertencia a alguma das donzelas. A mestra, por sua vez, deveria ser uma recolhida circunspecta e irrepreensível no seu modo de viver para que suas discípulas aprendam dela, não só tudo de sua disciplina, mas os bons costumes. Devendo-lhes todas prestar obediência, muito respeito, aceitando os castigos que merecem pelos seus crimes. Cabia à mestra, ainda, ensinar costura, renda, ler, escrever, doutrina cristã, frequência ao Santo Sacramento (ASCMBA,1829,p.109). Ainda que restrito, uma vez que estavam submetidas à MA, o poder dado às mulheres que exerciam esses cargos, permitiu que criassem condições de negociação ou burlamento das regras dentro do recolhimento. Em 15 de outubro de 1828, em uma sessão da Mesa Administrativa, o escrivão da Irmandade escreveu: Que havendo se deliberado em sessão do dia 24 do mês passado pelos fundamentos, que irão sabhidos, suspender do exercício de Regente do Recolhmento desta Santa Casa a Regente Emerciana Joaquina de St. André, mandando - se para a Prta na mesma data D. Rita Maria do Carmo Ribeira, tomar posse do emprego, e fazer executar as transferências a prisão de várias recolhidas, que esta mesma Mesa então julgou deverão ser punidas pelos erros e excessos, que haviam cometidos sem respeito aos seus deveres, e as pessoas que as dirigiam, e lugar da sua habitação, por constar outro fim que da impunidade pratica com elas, pela D. Emerciana, proteção que dava a algumas das mesmas recolhidas se originarão os insultos, desordens e partidos que haviam entre elas: Resolveu desta deliberação que não só a Regente como sua Irmã Ignacia joaquina de S. Anna, que exercia o emprego de mestra, contra a qual nenhuma liberação se tinha tomado, requeressem imediatamente as suas demissões dos ditos cargos, pessoalmente indo o provedor comigo, o escrivão e alguns membros da atual Mesa ao mesmo Recolhimento no seguinte dia para prevenir algum acontecimento por estas determinações, declarasse a primeria das 43 No Santo Nome de Jesus, a idade de entrada variou de 10 a 12 anos, sendo que em 1847 ficou estabelecido a idade limite de 10 anos para a entrada das filhas da casa, e o limite de 17 anos para as de fora. 44 Aliás, a prática de possuir escravos era comum nos recolhimentos da Bahia, ainda que segundo Russel ? Wood (1981, p.263 fosse esse costume durante o ,mpprio reMeitado por ' Pedro ,, ?que determinaYa que as recolhidas cuidassem de si próprias, como se fazia nos conventos de Lisboa, onde nem mesmo a mais nobre das recOusas possuta empreJada? 115 que querião sair sem demora dele, pedindo licença sair sem demora delle, pedindo licença para irem logo mandando os seu movéis para sua casa, que disseram, possuir, pois não queriam ser governada por outra, e não precisarem já do referido recolhimento.(ASCMBA. Livro de registro,1830, 87A) Assim, nem sempre as regentes do recolhimento demonstravam submissão à MA. Segundo Gandelman Como acontecia de fato com a organização dos poderes em demais instituições do Antigo Regime, os diversos grupos de administradores do recolhimento, das mesas as oficiais, encontravam-se posicionadas numa cadeia de hierarquias nem sempre muito claras, marcadas pela sobreposição de jurisdição e pela predominância de uma instância última de poder. (GANDELMAN, 2005, p.147) Contudo, ainda segundo essa autora, é preciso perceber que as distribuições de poderes e informações por uma rede composta por diversas unidades distintas, criou diversas instâncias nas quais havia brechas para inúmeras negociações acerca de regras e autoridades. No caso do Santo Nome de Jesus, vários foram os momentos em que as recolhidas demonstravam que, nem sempre, a dinâmica do recolhimento era conduzida segundo a vontade de uma instância maior. A ata de 15 de outubro de 1828 permite, ainda, a construção de outra interpretação. É notório que essas mulheres se empoderaram45 numa sociedade que as colocava em um estado constante de subalternidade. Na perspectiva de Soihet (1998) e da própria Algrant (1993), esses espaços de formação permitiram a algumas dessas mulheres reclusas em conventos e recolhimentos, que revertessem alguns dos propósitos punitivos e supostamente opressivos. Algrant (1993), afirma que não foram poucas as que perceberam que ali se desenhava a possibilidade de uma vida autônoma, frente aos rigores da família e da sociedade, inclusive permitindo o exercício do poder. No Estatuto de 1776, no capitulo 6º. A MA registrou que Todas as pessoas, que assistim no Recolhimento são nelle sujeitas a sua Regente, a quem devem estimar e obedecer em tudo, e por tudo o que ela ordenar, sem lhe replicarem, nem lhe responderem palavras alguma ofensiva ou com alteração, pois quando entraram por seu bem no mesmo Recolhimeno, logo se sugeitaram as suas disposições e quando destas percebam algum incomodo o poderão expor por escrito a esta Mesa, para lhe dar aprovação que merecer.(ASCMBA. Estatuto Oficial,1776) 45 Ana Alice Alcântara Costa (2000, p.9) define empoderamento como o mecanismo pelos quais as pessoas, as organizações, as comunidades tomam o controle de seus próprios assuntos, de sua vida, de seus destinos, tomam consciência de sua habilidade e competências para produzir e criar e gerir. 116 Todavia, é preciso lembrar que nem sempre a autonomia experienciada por essas mulheres nos cargos em questão, significa ruptura dos valores impostos pelo gênero dominante, o masculino. Ao contrário, em muitos momentos, elas repetiram as hierarquias de gênero, como também, reforçavam as relações raciais. O que me faz pensar, como destaca Saffiote (1991), que nas relações patriarcais de gênero e, no caso do Santo Nome de Jesus, não temos apenas relações de gênero, mas construções de gênero que foram alicerçadas pela ideia de uma figura masculina superior, encarnada pela MA. Contudo, quando essa Mesa não exerceu o seu controle, as recolhidas o fizeram dentro da mesma lógica de dominação ? exploração presentes no patriarcado. Onde se determina quem é o outro e o que ele faz. [..] Em uma ocasião em que havendo o provedor mandado-nos dar uns vestidos com que deveríamos ir a missa e acompanhadas por ele, a suposta superiora queria que descêssemos com a roupa que tínhamos nos corpo, e sem a formalidade que o próprio provedor tinha de observar, dando- se o fato de querer ela deter a maneira de coser os vestidos, nem ainda alinhavar, quanto mais cortar [...] (APEB. Cartas das recolhidas,5285) . Necessariamente, nas relações patriarcais de gênero, a figura do masculino pode não ser encarnada pela figura de um homem ou ter um homem presente, uma vez que o feminino pode manter a mesma lógica da dominação instituída pelo masculino. Devo salientar ainda, que essas relações patriarcais de gênero tomam uma tônica diferenciada quando elas se articulam, com o que Saffioti (1991) chama de três contradições sociais básicas: gênero, raça/ etnia e classe. As relações de poder se estruturam a partir de no mínimo, dessas três bases. No caso do Santo Nome de Jesus, a condição social, associado ao gênero e cor impultavam a esses indivíduos vivências diferenciadas. Em 28 de agosto de 1846, em relato a MA, disseram a recolhida Caetana e Olímpia, ao serem peJas fuJindo que YiYiam ?maOtratadas peOa reJente peOo despre]o em que YiYiam em razão de suas cores e por pesar sobre elas mais serviços no recolhimento, que haver ali o costume de mandar-se para a rua as escravas ganharem.? (ASCMBA. Documentos avulsos, Caixa 4B). O que nos leva a pensar, segundo Chartier (1995, p.42) Que nem todas as fissuras que corroem as formas de dominação masculina tomam a forma de dilacerações espetaculares, nem se exprimem pela irrupção singular de um discurso de recusa ou de rejeição. Elas nascem com frequência no interior do próprio consentimento, quando a incorporação da linguagem da dominação se encontra reempregada para marcar uma resistência. 117 Ora, essas mulheres não representaram uma ruptura com a lógica da sujeição feminina da sociedade colonial e imperial, mas dentro desse espaço demonstraram possibilidades de atuação feminina que se distanciava da ideia de moralidade e passividade que se esperava do gênero feminino. Não obstante, é no cotidiano do Recolhimento que as recolhidas demonstram que não há dominação sem resistência. Nas sociedades patriarcais a dominação se dá de forma assimétrica, desigual, linear e vertical e que existem relações onde o poder está congelado, saturado, não havendo mobilidade ou fluidez, mas existem também relações onde nas aberturas das frestas, esse individuo que se encontra subjugado, pode criar mecanismo de resistência a essa construção normatizadora do sujeito. No caso das recolhidas, essas resistências, muitas vezes EuscaYam aquiOo que )oucauOt Yai sinaOi]ar como ?ataque a uma tpcnica a uma forma de poder? isto é, ?em suma, o principal objetivo destas lutas é atacar, não tanto, tal ou tal instituição de poder ou grupo, ou elite, ou classe, mas, antes, uma técnica, uma forma de poder? (FOUCAULT,1995,p.237) O poder é uma ação sobre outras ações, como sugere Foucault (1979), não existem não sujeitos nessa relação. Uma vez que todos são ativos, daí pensar o poder como algo que circula. O que não significa dizer, que essas ações se deem em condições de igualdade. No RSNJ não são poucos os exemplos disso. Em 1806, a Mesa chamou a atenção para ?o péssimo comportamento que tem tido Bernadina Rosa Souza e Maria Ignacia (ASCMBA, 86A, 1806), ambas recolhidas, que excedem nas suas escandalosas ações, a servirem de maus exemplos às outras. Todavia, a MA não especifica quais são essas ações, mas que esses comportamentos eram feitos a oOKos Yisto como decOara a mesma: ?E[cedendo ainda mais ao fazerem patentes as loucuras do seu proceder na vizinhança, com ações indecorosas que não são ofensivas apenas as suas pessoas e se informa ao crédito do Recolhimento (ASCMBA, 86A, 1806, p.103). Ainda seguindo essa perspectiva de que não há dominação, sem reação, Goffman (1961) afirma que as Instituições totais são constituídas por uma equipe de dirigentes, de um lado e, do outro lado, existe um grande número de controlados, os internatos. Para ele, sobre esse grupo se exerce todo um conjunto de ações onde se busca a mortificação do ?Eu?. O ?Eu? é sistematicamente mutilado na tentativa de homogeneizá-lo, adestrá-lo, domá-lo. Nesse sentido o disciplinamento torna-se uma técnica de poder, o caminho pelo qual se configura os dispositivos de dominação como regimentos, supervisão, punição e formação para o trabalho, obrigando o internado a renunciar as suas vontades. Essa renuncia não se dá de forma pacífica. No caso das recolhidas do Santo Nome de Jesus, a reclusão podia representar o 118 afastamento do convívio social, mas não representou adequação ao que se desejava para as mulheres do recolhimento: recato. Em 1858, a Mesa traçou o seguinte perfil do recolhimento As recolhidas em geral, salva pequenas exceções, vivião vagando pela casa do Recolhimento, sem ocupação que fosse útil a se ou a Misericórdia, que já com ellas despendia muito além da forma consignada pelo Bemfeitor João de Mattos e Aguiar, sendo a única ocupação a que se entregavão a das janellas, onde freqüentes vezes era a decencia completamente sacrificada, e vizinhaça honesta assas escandalizada. [..] Não tinham refeitório regular, porque o refeitório era unicamente freqüentado pelas recolhidas de menor idade, tomando as maiores suas rações, uma pra a seo sabor temperarem ?nas, e em seos próprios cubículos, comerem-nos, e outras para venderem ?nas pro preços miseráveis a sujeitos já com isso afreguezados. Salvar as vezes em que tinham de apresentar-se em acto publico ou nas janellas; andavam em desgrenhadas, com os vestidos soltos, sem meias, nem sapatos, de maneira que m ocasião de qualquer visita imprevista da Administração corriao a esconder-se, e pelas frestas ou fechaduras das portas conservão-lhes a espeiar e a gargalhar como fizeram no dia mesmo da pose da Mesa ...achando ?se presente o presidente da província.(ASCMBA. Livro de registro, 1858, 93A) Observemos, portanto, que no cotidiano do recolhimento, não apenas aquelas recolhidas que, de alguma forma, estavam legitimadas para exercer uma posição de coação buscaram estabelecer dinâmicas próprias para si, como as próprias internas procuravam ensejar, no dia-a-dia, práticas que iam de encontro ao que era estabelecido pelos estatutos. Em 1776, a MA, na busca de dar mais moralidade a instituição e determinar quem de fato deveria dirigir o recolhimento, escreveu na abertura dos Registros dos capítulos que afirmaYam as normas para o ?Eom JoYerno do 5ecoOKimento? Por constar a esta Meza por experiências propiras e exatas informações, que tem tirado, achar-se o Recolhimento das donzelas que administra com pouca ou nenhuma observância dos estatutos, que lhes farão dados para o seu governo na conformidade de compormisso desta Casa da Misericórdia, e dos louváveis documentos, que para eles instituídos quais se acham alguns inteiramente abolidos, outros relaxados pela inconstâncias dos tempos e de diferentes gênios das ruas habitadoras de cuja desordem tem havido algum escândalo a que apresente a Meza tem obrigação de acudir, por bem sossego que ilação e observância a rigoroza obdiencia, que se deve exercitar no dito Recolhimento para seu credo e boa reputação de todas as pessoas que nelle se conservão e houverem de assistir pelo tempo futuro, por cuja razão determina-se observem de hoje em diante inviolavelmente no mesmo Recolhimento. .(ASCMBA. Livro de registro, 86A, p.144) A Irmandade da Misericórdia deixava evidente, ainda, quem deveria ser o responsável pela administração do Recolhimento e como essa relação devia se estabelecer. 119 Porque é importante que tenha a direção plena de um estabelecimento aquela a quem se incumbe a obrigação de sustentar, vigiar. Este direito, pois, a Mesa exerceo sempre de uma maneira absoluta e sem limitações: exercedo-o como o direito de pai para filho, ancorando, como deveria considerar , que entre ella e as recolhidas se davão idênticas relações. Assim sempre ella admittio, dirigio, empregou ou despedio as Recolhidas, como julgou mais útil a estas sem que houvesse, quem provesse em duvida o seo direito; e sempre exerceo-o por se só, sem assistência da Junta.(ASCMBA. Livro de registro, 86A, p.144) A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia estava legitimada enquanto tutora dessas mulheres. A dinâmica do cotidiano revela que essa tutoria não retirava delas a possibilidade de reinventar esse espaço. E, nesse sentido, o poder não pode ser pensado como algo estático, incorporado em uma Instituição, mas na perspectiva de Foulcault (2007), onde as relações de poder não se passam apenas ou fundamentalmente no nível do direito, nem da violência; nem são unicamente ou basicamente contratuais ou, exclusivamente, repressivos. O poder é algo que diz NÃO, que impõe limites e que castiga. Porém, o poder também circula, ou melhor, só funciona em cadeia e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam, mas estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação; ninguém é alvo inerte ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão. Foucault (1979) ainda acrescenta que ?1ão e[iste aOJo unitirio e JOoEaO cKamado poder, mas unicamente formas díspares, heterogêneas, em constante transformação. O poder não p uma coisa p uma pritica sociaO? e se pensarmos em poder como uma pritica sociaO uma relação social no século XIX, ao mesmo tempo em que se moldava a mulher, tornando-o útil para a sociedade, (BUCHENAU, 2007, p.2) 46 criava-se também a possibilidade de reação desses individuo, ou mesmo a utilização de estratégias de reação à dominação masculina que, muitas vezes, não provocou conflito, mas que permitiu a esse indivíduo demarcar um lugar. Esses espaços, teoricamente, inquestionáveis como modelos de lugar da educação feminina, não conseguiram refrear a capacidade do indivíduo de opor-se diante de uma conjuntura de força sobre si. Na Ata de 87 A, de 1827, sobre o governo do Recolhimento, a Mesa fez a seguinte apreciação: Não podem os nossos corações deixar de se constranger ao ouvir, que na maior parte do congresso desta cidade se trata com muita freqüência da grande dissolução com que se vive nesse recolhimento, tanto mais freqüente, quanto mais escandaloso são os atos da dissolução. Quem presumiria que em sua casa aonde deveria resplandecer regularidade, boa harmonia, obediência, respeito, estimulo da honra, pudor e bom 46 Segundo Buchenau (2007, p. 2) Uma lição mais importante para as mulheres é aprender sobre seus deveres, e, além disso, amar esses deveres, os deveres incluem tarefas domesticas, mas não necessariamente ler ou escrever numa idade muito prematura. A natureza domestica da educação de mulheres enfatiza o papel de mãe e dona de casa. Alem disso o único dever que uma mulher tem é ser esposa. 120 nome. Não se acha senão uma anarquia de liberdade, igualdade, devassidão de escândalo, de pecado, e ofensas agravantes contra Deos .(ASCMBA. Livro de registro, 87A, p.206). As mulheres ao comporem os quadros dessas instituições normatizadoras, como recolhimentos e conventos e, especificamente, o RSNJ, vistos e tidos como capazes de adestrar as mulheres na simplicidade, modéstia, virtude, valores naturalizados para o gênero feminino, resignificaram esses locais a partir de suas vontades e, para tanto, o transformaram também em um espaço de exercício do poder feminino. Daí, a importância da polêmica ideia de poder de Foucault para entendermos como o enclausuramento dessas mulheres nem sempre representava a morte de suas vontades. Os conventos e recolhimentos nem sempre foram as opções das mulheres para sua formação, mas era a escolha mais adequada para uma sociedade colonial e imperial, misógina e que compreendia esses locais como uma forma de impor-lhes um conjunto de gestos e símbolos normatizadores dos seus papéis sociais. Ou, ainda necessários aos interesses daqueles que decidiam pelo enclausuramento. Como exemplifica Manso (2000), em seu estudo sobre o Caso da Recolhida D. Maria Teresa de Jesus, depositada no Recolhimento do Santo Nome de Jesus contra a sua vontade em 1761 Diz Francisco Manoel da Silva, homem de negocio da Praça da Cidade da Bahia natural da villa de vianna casado com Dona Thereza de Jesus Maria viúva do sargente mor Manoel Fernandes da Costa que tratando-a em o tempo de anno e meyo que viverão no consorcio com mayor Estimação de forma que hera a dita sua muher quem governava e despunha de todos os bens do cazal a seu arbítrio entrou a mesma a odiar-se com o supplicante, e a reconcialiar-se com seu genro Joam Lopes Fiúza, e seu filho Manoel Fernandes da Costa com os quaes se não tractavão nem coomonicava por demandas que trazião sobre bens do casal já desde o tempo de sua viúves...Desta dita reconceliação que a dita mulher fez com o dito seu filho, e genro sem sciencia do supplicante e da ma vontade que a mesma tinha já condebido pela refferida prohibição e o ódio que o genro e filho da dita sua mulher tinha ao suplicante tanto pelo cazamento como por seguir a afectivamente as demandas justas que com o cazal trazião fazendo manifesta as injustiças dellas resultou por induzimentos dos ditos genro, e filho a mulher do supplicante devorciar-se delle, e com efeito por ordem do juízo Eclesiástico foy levado por deposito (ASCMBA. Livro de acordos, 15). Como afirma Emmanuel Araújo (2004), esses espaços revelavam uma necessidade de controle das manifestações da sexualidade feminina, pois ali as mulheres deviam por espontânea vontade, renunciar aos prazeres sensuais. Em 1745, o provedor D. Borges de Barros decide a favor da expulsão da Regente Dona Tereza de Jesus em decorrência das culpas abaixo declaradas: 121 Além de descumprir com suas obrigações, com demasiada imprudência, tinha com recolhida, intima amizade_____ do governo da Casa com tanta fraqueza que expulsa para nunca mais _______lugar. Para a recolhida madará _________com prisão no cárcere por tempo de um anno. (ASCMBA. Livro de acordos, 15). Notemos que, uma vez não sendo vontade dessas mulheres a reclusão, era inevitável que elas criassem espaços próprios dentro desses estabelecimentos, extravasando sentimentos, ideias, poder dos quais eram podadas em casa dos pais. Em 1806, o reverendíssimo Cônego Matheus de Lima Passos escreveu: É melhor que se estabelecesse um uniforme universal, invariável para todas as recolhidas, sem de serva, de pessoa, seja ela quem quer fosse... despir desse exterior rico, pompozo e vaidoso com este uniforme evita o luxo, vaidade, ambição, emulação e outros males. (ASCMBA, Livro de registro, 1806, 86A ) Mesmo fechadas no recolhimento, nos momentos de liberdade, essas mulheres utiOi]aYam seus ?recursos? femininos e a aparrncia era um deOes para atrair aquiOo que desejava para si, muitas vezes exteriorizando a sua sexualidade. Nesse sentido o exercício da sexualidade, o seu uso tornava-se um artifício de poder. Era o seu corpo, com todos os treMeitos e siJnificados do ser ?feminino? que e[pressaYam seus deseMos 2 que ia de encontro que almejava de uma mulher, principalmente na condição de recolhida. Em outro sentido, podemos entender esse poder feminino como ?contra poder? ,sto p ao mesmo tempo em que se procurava gerir a vida dessas mulheres para que se tornassem boas mães e esposas, aproveitando, aperfeiçoando gradual e continuamente suas capacidades, revelava a resistência dessas recolhidas nos diversos momentos em que podiam exercer a condição de líder, a condição de formadora, a condição da negociadora e, inclusive, do exercício da violência sobre o outro. Em 1831, em depoimento a Mesa sobre o comportamento de Maria de Jesus, afirmou Francisca Maria da Conceição [...] Maria de Jesus não compareceu tanto na oração da manhã como no terço a noite, e que nunca assentiu no serviço enfermaria da porte que lhe compete, e que sendo considerada como inimiga da Regente, procura sempre se esquivar a obediência que lhe é devida, não se apresentando nem a sahida, nem a entrada de recolhimento por ocasião da licença de que ultimamente gozou e que lhe constou também ter ella Maria de Jesus na própria pena da Regente, por ocasião da advertência que lhe faria insultar, disendo que só se satisfaria em lhe dar um tiro se pudesse e que se seus olhos fossem balas a muito a tinha atravessado. (ASCMBA, Correspondência avulsa,1831). 122 A construção desse poder feminino dava-se na vivência do cotidiano. Essa mulher recolhida não é um indivíduo do espaço público. Ao contrário, é no espaço privado que ela estabeleceu e exerceu o poder. Foi negociando o seu dia-a-dia, as suas vontades e necessidades diárias que, foi construindo as relações de poder. Maria Izilda de Matos, em Cotidiano e Cultura (2002), quando afirma que o cotidiano não é estático, mas se apresenta como um espaço de resistência ao processo de dominação. Para a Heller ?apesar da aOienação inerente a vida cotidiana, é sempre possível a configuração de novas atitudes, já que o cotidiano envolve uma margem de liberdade na qual a própria ordenação da cotidianidade pode se transformar em uma ação poOttica? +E//E5  apud MATOS, 2002, p. 26) Concordo com DIAS (1995), é na percepção do cotidiano que, muitas vezes, as mulheres demonstraram facetas não atribuída a uma imagem estereotipada e convencional dos papéis sociais femininos como a ?fiJura da senhora bondosa, dedicada à própria família, KospitaOeira? 'istanciando-se da análise de Gilberto Freyre, que segundo Adriana Reis (2000), produziu um quadro estático. Em busca da ideia de uma historia ideal, ele explicita uma tentativa de domínio de um grupo sobre o outro, em um processo de hierarquia rígida. O ideal de mulher enclausurada, casando virgem, responsável pelo lar, como fora assinalada pela historiografia, ignora que essa população agia, reagia e possuía regras de conduta próprias. Em 1846, a Mesa escreveu [...] Tem a Mesa o desgosto de participar que três recolhidas Rosa Leopodina,Caetana Donata e Olympia Maria fugiram na noite do dia vinte e seis de julho de 1846 [...] arrombamento de uma grade do Recolhimento que deita para a ladeira da Misericórdia por onde evadiram as dirás recolhidas, as quis lhe descobriu em casa de Hortencio Gomes, morador da mesma Ladeira, conseguindo que a primeira casasse com o referido. (ASCMBA. Livro de registro,1844, 89A). Os recolhimentos revelam toda uma prática de resistência que suas recolhidas podiam desenvolver contra um ideal de mulher ou contra uma forma de poder que lhe imputavam o adestramento. Não podemos deixar de entendê-lo dentro de um contexto mais amplo de movimentos ligados a economia e política que lhes fazia repensar sua organização e práticas. Destacamos, ainda, que as mulheres viveram com esses espaços uma relação de contradição que passava da subordinação a resistência de forma dialética. Essas relações nos mostram que esses espaços, em muitos momentos, foram para algumas delas, como viúvas, órfãs, enjeitadas, mulheres de maridos ausentes espaço de conforto e resistência frente a uma vida de pobreza e poucas possibilidades. Em 1842, D. Maria Anunciação suplicou a MA 123 Branca, e posto que casada, todavia sem marido, por este ter ausentado por motivo algum, há onze annos. Tem três filhas, as quais tem mantido com esmolas dos fieis e por lucros de sua costura, admiti-la no recolhimento desta Santa Casa, Carolina, maior de onze anos 47 Essa diversidade de solicitações levou a Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia, em alguns momentos, devido ao grande número de recolhidas e a inadequação do espaço do recolhimento para a acomodação dessas mulheres, a adotar critérios de dispensa a começar pela idade, uma vez que, nem sempre foi possível casar essas moças. Na Ata de 1843, na reforma do compromisso da Santa Casa e no Estatuto do Recolhimento 1776, no art 9º, a MA determinou que as recolhidas que excederem a idade de quarenta anos de idade pudessem sair para a casa de seus parentes. Já em 1832, a Casa havia deliberado que as porcionistas que não pagassem o valor de cento e cinqüenta reis anuais deviam ser entregues aos seus fiadores e que não fossem admitidas no recolhimento donzelas ou órfãos maiores de doze e nem nele se conservasse depois de completar a idade de vinte anos, ficando aos cuidados da Mesa promover sua saída quer casando ou proporcionando-lhe algum meio de subsistência. Estabeleceu ainda, no art. 9º, que as recolhidas que excedessem a idade de quarenta anos, uma vez obrigadas a sair pelo estatuto, devido às condições econômicas da Santa Casa, não tivessem parentes ou não quisessem sair, só podiam ficar na condição de visitadas e recebiam o benefício de 4 mil reis mensais, sem rações e vestuário (ASCMBA, 1832),deviam viver do beneficio dispensado pela Casa da Misericórdia. A preocupação em estabelecer critérios de dispensa e permanências para as recolhidas revela as condições físicas do recolhimento ou a grande procura que este estabelecimento sofria as condições econômicas da Mesa Administrativa. Demonstram também a incapacidade da Mesa em controlar os constantes escândalos que se estabelecia no recolhimento devido a não observância das regras do mesmo, da ausência de um projeto pedagógico de formação dessas mulheres e da ideia de um Recolhimento que mais parecia uma dispensa de mulheres do que um espaço formador. Segundo a Sessão de 1843, ?1esta circunstkncia48 não sei como é possível haver em um recolhimento ordem, economia, asseio, bem como adaptar-se um plano de educação e tão necessário às moças que são destinadas aos cuidados domésticos e à prática das virtudes da família? $6&0%$ /iYro de correspondrncia 1834, p.107). Em julho de 1844, a Mesa 47 Pedido indeferido. 48 Nos livros de correspondências consultados no ASCMBA não foram poucos o registros da falta de condições estruturais do Recolhimento e do comportamento inadequado das suas recolhidas. 124 ainda registrava as condições de amontoamento que se encontravam as recolhidas encarceradas nas paredes do dito edifício. Obstante se tem continuado a enchê-lo de gente sem atenção a falta de meios indispensáveis para vesti-la, mante-las com decência! Não há presentemente ali outro algum gênero de ensino, como se faz mister a educação de moças,que se prepararão para serem mães de falia,e que pelo menos as faças tomar amor ao trabalho,cumprindo portanto dar-se a tal respeito alguma providencia,a qual deve entrar na reforma que precisa haver no Recolhimento (ASCMBA. Livro de correspondência, 1834, p.107). Do final do século XVIII até a segunda metade do século XIX, a Instituição assistiu a uma série de situações que levaram ao questionamento da sua condição de formador do caráter feminino. Entre 3 de novembro de 1717 e 24 de agosto de 1721 foram despedidas do recolhimento Benta Pereira de Brito e a Regente Victoria Correia de Sá49. Em 16 de dezembro de 1753, as recolhidas Josefa de Souza, Rosa Maria de Sant´Anna Joaquina de Miranda foram convidadas a deixar o asilo devido a andarem fora da hora em desalinho, recebendo cartas românticas50. A MA ainda destacou que viviam as [...] internas a fazer a limpeza dos taheres nas hombreiras das portas e janelas do interior, de modo que algumas se notão mui cavadas, fazer dos concertos que tem soffrido o edifício, as cisterna do pateo era o deposito de todos os cacos, até mesmo dos vasos immundos, que se quebravão, sendo destarte a Santa Casa obrigada a uma despeza constante de renovação de utensílios e desentulho da cisterna, por essa indesculpável relaxação. No mais tudo correspondia a elestes costumes desgraçados. (ASCMBA. Relato da Mesa Administrativa, 1858) Diante disso, a MA se questionaYa: ?E poderia neJar-se ao chefe de família o direito de despedir, quanto mais de mudar de casa, a uma filha rebelde, cujos maus costumes pudessem por em risco a Eoa ordem e a reputação do resto da famtOia"? (ASCMBA. Relato da Mesa Administrativa, 1858) $ primeira tentatiYa de conter os ?aEusos? estaEeOecidos no Recolhimento, foi tratada no estatuto de 1800, que agrupou uma série de regras para a condução das recolhidas que ia das proibições à fala nas grades, comer nos refeitórios, as funções na cozinha. Observemos que esse primeiro registro era mais geral, sendo publicado outro em 1806, que tratou de situações mais específicas como o ensino das meninas, que deveria ser contemplado com ensino de costura, renda, leitura, escrita. 49 Em ambos os casos, apenas é citado os nomes, mas, não as motivações. 50 Não há relato dos conteúdos das cartas. 125 2 cuidado com as recoOKidas menores ?tendo todo desYeOo não consentindo que andem por sua, outra parte, perturbando a comunidade nos dias de serviço, não devem estar ociosas. (ASCMBA. Estatuto do RSNJ, 1806). A observância das orações mentais, lições espirituais, ação de graças. Do consentimento das visitas, apenas permitido pela Mesa. Das punições que passavam pela perda do desjejum e prisões, em caso de, por exemplo, fazer aceno a alguém. Das vestimentas, que não deveriam ostentar luxo, uma vez que deveriam respeitar uma as outras. Essa última determinação da Mesa revela uma preocupação com as diferenças sociais que se estabeleciam entre as recolhidas, uma vez que os órfãos poderiam ser sumamente pobres, mas as porcionistas poderiam pertencer a extratos sociais mais abastados. A preocupação da Mesa em minimizar os possíveis escândalos e diferenças entre as recolhidas com regras mais rígidas e mais específicas, não impediu que, em 1832, a regente encontrasse Joanna Maria a conversar com Justiniano Francisco Boticudo, no ralo da Portaria. Após o fato a Mesa deliberou: Foi marcado o dia 23 do corrente para se conhecer deste e outros factos. Ficou dterminado a formação de uma comissão para reformular um novo compormisso e estatutos do Recolhimento. Sairão eleitos os Brigadeiro Masso Ferreira de Alves Guimarães, Paulo José de Mattos Azevedo e Brito, José Francisco Cardozo de Moras para fazer as participações necessários. (ASCMBA. Relato da Mesa Administrativa, 1858) Dando prosseguimento ao levantamento do caso, a 27 de maio de 1832, o provedor e Exmo. Presidente Honorato José de Barros Paim, escrivão e irmãos consultores da Mesa relataram: Sobre a recolhida Joanna Maria de José que fora achada na madrugada do dia 16 do corrente a conversar na porta do ralo, e de outros fatos, e a vista das contestes depoimentos das testemunhas, e declaração da mesma recolhida, que sendo ouvida nada produzio em sua defeza antes confessou o fato de que era argüida, decidio-se unanimente e sentença que fosse expusa do Recolhimento e entregue a seus parentes e posto que as testenhunas do referido sumário fizesse também culpa as recolhidas Luiza Romana da Fonseca Bulcão, Candida Maria do Sacramento e Isabel Maria Villas Boas de conversarem continuamente das janellas para a rua com pessoas certas e determinadas, contudo afirmando a Mesa que as mencionadas recolhidas de abstenhão de um procedimento tão escandaloso quando contrariar a sua Pia Instituição_____pela mesma Instituicção, que fossem asperamente repreendidas perante a Regente. Constanto assim que as deixarão de fazer as acusações precisas. (ASCMBA. Livro de Registro, 88A, p.233) 126 Em 1833, das três fugas relatadas nesse ano no recolhimento, uma das internas citadas estava envolvida. Registra a Mesa Administrativa que com Participação da regente, da qual se reconhecerem culpadas Joana Batista Tavares, Isabel Francisco Villas Boas e Maria Isabel Tavares, que fossem despedidas na forma da lei e que a Claudina do Sacramento fosse asperamente reprimida pela regente. (ASCMBA. Livro de Registro, 88A, p.272) Em 1840, a atual regente pediu para sair por não ?ter força moraO necessiria para continuar a reger visto que a desobediência, intrigas de algumas recolhidas, apesar de muito castiJadas continua sendo OeYado ao conKecimento p~EOico? (ASCMBA,1840). Diante de um contexto de tamanho afrontamento às ordens estabelecidas, a Mesa promoveu várias intervenções nos estatutos, a fim de dar ao mesmo mais rigor no controle das recolhidas, como o ?enYio de trrs em trrs meses a reOação nominaO da conduta das recoOKidas informações mensais sobre a conduta e adiantamento das discípulas, notando as faltas que fa]em?. (ASCMBA,86A). Assim, procurou a Mesa ocupar o tempo e preparar melhor as recolhidas, recomendando as lições da moral cristã e toda assiduidade no trabalho diário. É nesse contexto de questionamentos da ordem estabelecida, do controle das recolhidas, da dificuldade de dar um destino a essas mulheres que, em 1853, a Mesa, pela primeira vez, sinalizou para a necessidade de entregar a direção do recolhimento a uma Congregação religiosa, as Irmãs de Caridade, cuja vinda era defendida, desde 1850, pelo Bispo da Bahia, D. Romualdo Seixas, que segundo Mattoso (1992) anunciou, neste ano, a fundação da Sociedade de São Vicente de Paula, com o objetivo de angariar fundos para a vinda dessas Irmãs. Em 1853, o Bispo cobrou da Casa a quantia oferecida pela mesma para a vinda das Irmãs que deveriam trabalhar no Hospital da Caridade e no Recolhimento. Todavia, as dificuldades financeiras da Casa adiariam a vinda dessas mulheres para o ano de 1857, exatamente no dia 21 de dezembro: A Mesa da Santa Casa apressou-se em agradecer a VS. A prontidão e boa vontade com que se restou a promover a vinda das seis Irmãs que tem de dirigir o Recolhimento da mesma Santa Casa, e bem assim a da Irmã Superiora, as quais todas se achão já nesta cidade brevemente terão de entrar no exercício das funções para que forão convidadas (ASCMBA. Livro de registro, 93A). Segundo Ibanez (2003), a Companhia das Irmãs de Caridade ou Filhas de São Vicente de Paulo, Servas dos pobres, nasceu em 29 de novembro de 1633, apoiada por Luiza de 127 Marilac, e teve como idealizador o camponês Vicente de Paulo, nascido em Pouy, no sul da França, em 1581, e viveu em uma época de guerra, peste, fome, o que permitiu que desenvolvesse suas atividades ligadas ao serviço daqueles que mais necessitava. As primeiras Caridades (ou confrarias da Caridade) foram organizadas por S. Vicente de Paulo, em 1617. Eram formadas por mulheres de meios relativamente modestos, que seduzidas pelos ensinamentos de Vicente queriam se dedicar ao serviço dos pobres e dos doentes das suas aldeias ou paróquias. Quando as Confrarias apareceram em Paris, ocorreu uma adesão das senhoras da nobreza ou da alta burguesia, que viam nelas uma forma de amenizar os conflitos sociais que se estabeleciam naquela época na França51. Entretanto, as obrigações familiares, dessas mulheres, ou por não dizer, a sua condição social, dificultava os serviços humildes nas casas dos pobres, o que fazia com que obrigasse suas criadas executar os serviços com os pobres. Mais tarde, um grupo se mulheres do meio rural propõem-se a servir os pobres gratuitamente. A partir daí, Luisa de Marillac (Mademoiselle Lês Grãs), ajudou São Vicente na organização da associação que levava o nome de Companhia das Filhas da Caridade. Inicialmente, esse trabalho de ajuda ao próximo começou em uma França marcada pela necessidade de um povo carente, mais tarde essa congregação se estabelecia onde seus serviços fossem solicitados. Em Salvador, no século XIX, era uma cidade próspera, mas cheia de contradições, de constantes crises sociais e de abastecimento, formada por comerciantes, ambulantes, escravos e, também, mendigos, menores abandonados e desordeiros de toda sorte52 e, portanto, necessitada do serviço que as Filhas da Caridade, segundo Adriana Reis, vieram exercer: Funções em hospitais, casas de caridade e colégios de educação. Nos hospitais, elas tratavam dos enfermos, dos velhos, dos alienados e das crianças expostas. As de caridade prestavam socorros gratuitos, inicialmente em seu domicilio. Recebiam meninas para o trabalho em comum; as de mais tenra idade iam para as escolas, asilos ou creches, onde também eram acolhidas as órfãs de pai e mãe. Nas casa de educação ensinavam religião, literatura, pronúncia, escrita, as línguas portuguesa e francesa, composição literária, contabilidade, geografia geral e especial, regras de civilidade, música e o trabalho doméstico: costura, bordado, marcas etc. ( REIS, 2000, p.105) 51 Segundo Souza (2007) as guerras de religião na França havia tornado o país continuamente devastado, o campo sem cultivo, as fortunas arruinadas, um sem-número de famintos e miseráveis refugiavam-se em Paris, aumentando de modo assustador a população da Capital. 52 Ver capítulo 1 128 É interessante notar que, para além da riqueza do currículo proposto pelas Irmãs, como argumenta Adriana Reis (2000), as Irmãs de Caridade, ao contrário, dos conventos e recolhimentos, muito criticados na época, trazia uma nova proposta que incluía a relevância do aprendizado da doutrina católica, associado às regras de civilidade, estabelecendo um meio termo entre educação laica e religiosa. Assim, para Adriana Reis (2000), as Irmãs de Caridade atendiam a um projeto da Igreja, em conjunto com a elite para melhorar a educação feminina. Em um momento em que as mulheres estavam sujeitas aos outros discursos que reiYindicaYam uma maior ?OiEertação da muOKer? uma maior sociaEilidade, influenciados pelas ideias de civilidade, que estavam presentes nos teatros, bailes, romances e jornais, dificultando a realização dos ideais católicos sobre a mulher e a família. Ao introduzir a presença dessa congregação no RSNJ, em 31 de agosto de 1856, a Mesa tinha por objetivo transformar o perfil do recolhimento que, segundo a Ata de 1858, parecia ?uma casa sem moraOidade sem ordem sem costumes de família, dispendiosa, de nenKum modo promissora refuJio de ociosidade e dos Ytcios que OKes são conseqentes?. (ASCMBA. Livro de Registro de Correspondência, 93A) E se perJuntaYam: ?'eYia continuar este estado de coisas"? Em 28 de dezembro do ano de 1856, entraram as Irmãs na administração do recolhimento. Tratando de por em prática as modificações que eram desejadas pela Mesa nos atos religiosos, no ensino, no trabalho, procurando, segundo a MA, por fim aos abusos que mais se envergonhavam como a frequência nas janelas. Contudo, as recolhidas não só não aceitaram as transformações promovidas no recolhimento, como saliento em meu estudo sobre A revolta das Recolhidas53, como foram capazes de promoverem a sua insatisfação publicamente contra a presença das Irmãs de Caridade. Sobre essa revolta ocorrida em 28 de fevereiro de 1858, diante de uma Bahia que vivenciava um período marcado por conflitos sociais intensos e de crises econômicas e políticas, como as ocorridas entre os anos 1807 a 183554 pelos levantes dos escravos, ou as de 1822 a 183755, caracterizadas pelas críticas as pretensões centralizadoras do novo governo e a falta do que comer, as mulheres do Recolhimento, durante o sermão da quaresma, na Igreja da Misericórdia, apareceram nas janelas gritando e pedindo socorro, dizendo que as Irmãs as agrediam fisicamente. 53 Em 2006 desenvolvi, a titulo de especialização, um estudo sobre a Revolta das Recolhidas do Santo Nome de Jesus, ocorrida em 28 de fevereiro de 1858, onde problematizei a representação da civilidade feminina na Bahia no século XIX, a partir do estudo desse motim. 54 Revoltas de negros na Bahia da nação haussa (Revolta do Malês em 1835) 55 1822-1823 guerras da Independência. 1831-1832 revoltas federalistas. 1837-1838 a Sabinada 129 Um fato de pouco importância,entretando,serviu como válvula de escapamento aquela revolta contra Sinimbu: a resistência oposta pelas internas no reclusário de mulheres, mantidos pela Santa Casa de Misericórdia,a resolução da Mesa de transferir,como medida disciplinar para o convento da Lapa,por se recusarem as mesmas a abodecer as Irmãs de caridade,as quais se confiara a direção do estabelicimento.Com o intuito de forçar,pelo escanda-lo,a administração a não prosseguir no deliberado,as recolhidas mais exaltadas,depois de quebrarem moveis e agredirem as religiosas,puseram-se a chamar por socorro,sendo logo invadido o preésio,que ficava ao lado da capela da dita corporação,por indivíduos que se aglomeravam nas proximidades, procurando maltratar as irmãs,no que foram obstados por tercerios. Os atos de violência generalizaram ?se por toda a cidade;as casas de caridade foram atacadas,as Irmãs de caridade tiveram que abrigars-e nas casa vizinhas até que a policia as protegesse? JULIR PHX ( AGUIAR, 1985,p. ) Este evento ocorreu em um momento em que o recolhimento passava por críticas que iam desde a sua estrutura até o comportamento das recolhidas, visto como inapropriado para aquela Instituição. Esta Instituição parece que presentemente não é uma verdadeira Casa de educação religiosa, moral e civil [...]. Segundo a única ocupação a que se entregavão a das janellas, onde freqüentes vezes era a decência completamente sacrificada e a vizinhança honesta assas escandalizada. (ASCMBA. Relatório de João Mauricio Wanderley 31 de março 1858) A primeira tentativa de punição foi a expulsão dessas mulheres para conventos de freiras, mas diante da recusa das recolhidas que viam essa punição com o mais severo dos castigos, pois ocuparia uma posição social inferior, além de perderem seus dotes, critério fundamental para que pudesse ser atrativa para o casamento e, na iminência de outro escândalo, a Mesa resolveu casá-las rapidamente. As Irmãs, por sua vez, retiraram-se da Misericórdia. Para Mattoso (1992), esse conflito pode ser visto a partir da proposta educacional das Irmãs de Caridade, que desde 1853, na Bahia, dirigindo o Colégio Nossa Senhora dos Anjos, chamavam a atenção, em uma sociedade extremamente estratificada, optarem por colégios socialmente mistos, admitindo alunas de estratos sociais inferiores. O que colaborou, segundo a autora, para suscitar uma desconfiança em determinados setores da sociedade. Já no Recolhimento do Santo Nome de Jesus elas buscaram transformar as recolhidas, segundo suas aptidões, em boas criadas, costureiras e boas mães de família. Todavia, é necessirio questionar porque ou como se determinaYa essas ?aptid}es? para as muOKeres do RSNJ? Seriam essas funções destinadas a todas ou adequadas para determinados grupo de mulheres que se estabeleciam no Recolhimento? João Reis (1992), pensando na relação entre 130 o Motim do ?Carne Sem Osso e Farinha Sem Caroço? e a revolta das recolhidas, afirma que nem freiras, nem o presidente da província souberam se acomodar à ideologia paternalista baiana56 1ascimento por sua Ye] o define como um cKoque de mentaOidades: ?Era um misto de ignorância e de revolta para com essas estranhas, que não compreendiam. [...] As Irmãs de Caridade eram influenciadas pelas ideias dos Oa]aristas da purificação da reOiJião? (NASCIMENTO, 1992, p. 130). Por outro lado, há que se pensar que as várias motivações que levaram essas mulheres ao enclausuramento as faziam compreender esse espaço de forma muito particular. Quando em 28 de fevereiro de 1858, as internas Idalina, Christina, Carmozina de Mattos, Maria da Glória e Odorica se insurgiram contra as Irmãs de Caridade, não o fizeram gratuitamente. Pelo menos, 4 delas eram mulheres de cor, sendo que duas delas evidenciavam sua ascendência africana: &Kristina 1unes de 0attos era ?descrita como caEra caEeOos enroscados pretos testa aOta nari] Jrosso OiEios finos? ,daOina ;aYier de 0attos cerca de  anos, cor tigresa, cabelos crespos, lábios grossos. E Damiana e Lucinda consideradas pardas. Todas elas eram oriundas da Casa dos Expostos, abandonadas na Roda dos Expostos. Ora, segundo a proposta das Irmãs de Caridade, deveriam torná-las, as recolhidas, úteis segundo suas aptidões. O que nos leva a perguntar o que significava tornar úteis segundo suas aptidões em uma sociedade onde a cor da pele limitava e definia os espaços de atuação dos indivíduos. Esses indivíduos, nessa sociedade marcada pelo binômio liberdade x escravidão. Segundo Meireles (2010), por exemplo, o africano era associado a escravo mesmo quando com essa denominação/condição coexistiam outras como a condição jurídica. Nessa sociedade o indivíduo de ascendência africana nunca deixava de ser pretinho ou preto bruto. O mulato era visto com aversão por ser portador de uma suposta arrogância e pretensões. Ora, a partir dessas percepções do que era a sociedade brasileira, as recolhidas sabiam o que significava ser transferida como servas para conventos. No Santo Nome de Jesus, como vimos no perfil das recolhidas, ser serva estava ligada a uma condição menor, responsável por todas as atividades da Casa, devido a seu status (forra ou captura), não podemos desconsiderar que a cor foi menos importante para definir esse lugar para essas mulheres, principalmente, por serem algumas delas mais marcadas pela 56 E deve-se entender as relações paternalistas segundo a concepção de Macário (2005) modalidade de autoritarismo, em uma pessoa que exerce poder sobre a outra combinando decisões arbitrárias e inapeláveis, com elementos sentimentais e concessões graciosas. Estaria ainda fundado em uma valorização positiva do patriarcado. Ou seja, havia na sociedade brasileira a prática de um indivíduo investido de poder,ser visto e se considerar como o protetor de quem o cerca,dando e obtendo deles carinho, amizade, afeto em troca da fidelidade, do respeito e da companhia. 131 ascendência africana. Saliento, que para algumas delas, a condição de servas não era o fim estando no RSNJ, uma vez que poderia sair dali como casada; em outro espaço, nada disso seria garantido. Em 23 de março de 1858, escreveram: Digne-se senhor a vir a esta Casa, não consentindo em nossso aviltamento e perigo contra nossa honra. Veja o que fizeram as ditas irmãs e ouvimos pessoalmente vera as espancadas pelos referidos mesários. A quem se quer reduzir a servas de pessoas estranhas e que nenhum interesse pode ter por nós e nada sabem que possamos aproveitar, antes nos privarão daquilo que nos estatutos ordenam em beneficio nosso. (APEB. Cartas Recolhidas,1858) O medo delas era a retirada do dote e a possibilidade de casar. Nesse sentido, mesmo reconhecendo que os documentos até aqui trabalhados não nos deem riqueza de detalhes sobre a ação dessas internas, ainda assim nos permite corroborar com a afirmação de Anna Amélia Vieira Nascimento (2002) de que, o Santo Nome de Jesus representou para muitas mulheres a possibilidade de romper com um lugar de pobreza e abandono onde estavam inseridas, uma vez que o matrimônio, ainda que fosse com um parco funileiro, oficial, entre outros, representava estar sobre a guarda masculina, a possibilidade de não viver uma pobreza desamparada, sem o auxílio de ninguém. Para uma mulher sozinha essas vicissitudes poderiam ser ainda mais intensas. Se pensarmos na questão da cor, como veremos a seguir, para algumas delas, essa junção de pobreza e cor as levava ter muito menos possibilidade de reconhecimento social. As definições da MA sobre o que era o Recolhimento do Santo Nome de Jesus, demonstram que para algumas, esse espaço era a violação de suas vontades, impostas por dinâmicas de relações de gênero que dizia ao homem o que fazer com suas mulheres, fosse elas mães, esposas, filhas ou irmãs. Em 3 de novembro de1717, a Recolhida Benta Pereira Brito foi despedida da Casa, após ter repetido diversas vezes querer shair ______do Recolhimento por não ser a sua tenção casar na forma que o fazem as mais recolhidas. Mas antes que era a sua vontade ir para casa de sua may Maria de Luiza de Brito, a que replicando _______ e Provedor lhe teria ________ para ver _______algum dia mudaria e despachou a sentença que tinha feito de tudo, a fim dessa _____________e não era a sua intenção casar como já avisou antes, convinha desligar para o bom exemplo no Recolhimento (ASCMBA. Livro dos Acordos, 14) Em 28 de fevereiro de 1829, uma recolhida, de nome não identificado, aproveitou o tumulto de trabalhadores que saiam do recolhimento para fugir, pintada de negro, revelando 132 como esse espaço pode ter representado opressão, escolha não feita ou que não mais satisfação das suas necessidades. Nesse sentido, a experiência de clausura das mulheres nem de longe representou subserviência, nem tão pouco o binômio resistência x submissão. Ao contrário, essas mulheres viveram dentro dos espaços de clausura, como o RSNJ, a contradição do que era ser mulher em uma época onde se ditava um perfil e um lugar para elas. Contudo, esse lugar e esse perfil, não foram versados para todas, mas para algumas. Nesse aspecto, para além da imposição de regras de conduta de como deveriam ser, elas também experimentaram a contradição de viver esse discurso, mas serem vistas de forma diferenciada quando marcadas pela cor. No caso do RNSJ, observemos que, apesar de tentar haver uma homogeneidade na forma de tratar essas mulheres, com frequência, suas diferenças se impunham para demarcar lugares ou para definir lugares. Levando-me a pensar, como o RSNJ, construiu sua proposta educacional, a partir do século XIX, uma vez que desejava moralizar e ocupar essas mulheres. 2.2 EDUCAR NO SANTO NOME: CONSTRUÇÃO DE UM PROJETO Partindo do princípio de que, no século XIX, ocorreu uma sistemática preocupação no 5ecoOKimento do 6anto 1ome de -esus com a eOaEoração de um ?pOano educacionaO? para as recolhidas. Tal fato deveu-se, principalmente, como salientado nos capítulos anteriores, a um conjunto de fatores que ora serviram como pano de fundo para essa discussão, ora foram fundantes para pensar um projeto educacional que aliou formação doméstica e preparação para o trabalho. Nesse sentido, o que identifico como fundante foi a compreensão, por parte da MA de que, retirar as internas do conte[to de ?desordens? que KaYiam construtdo dentro desse espaço demandava formação ou atividades que as retirassem do ócio. Em 31 de março de 1858, a 0esa escreYeu: ?Era diftciO que pessoas KaEiOitadas, de longa data, à ociosidade e às desordens se entregassem voluntariamente ao trabalho e a ordem, mas não era isso imposstYeO? A ideia de uma formação moral para essas mulheres era também uma questão constituía esta demanda, coisa que para a MA ainda não acontecia dentro desse espaço. Em 28 de dezembro de 1856, entraram as Irmãs de Caridade na administração do recolhimento. 133 Tratando de por em prática os regimes que eram de desejar. Os atos religiosos, o ensino, o trabalho, a ordem interior foram introduzindo, à proporção que a Caza, então em concerto, ia dando facilidade a empreza, e a para e passo procurarão extirpar os abusos que mais envergonhavam como a freqüência na janela. (ASCMBA. Livro de Registro, 93A) Outro fator não menos importante foi à mudança no perfil das recolhidas57, com a entrada, cada vez maior, das chamadas filhas da casa, ou seja, as meninas da roda, que contribuíram para que, mesmo que não declaradamente, a Instituição se voltasse para a possibilidade de dar a população do internato uma formação que permitisse viver em uma sociedade onde a conjunção de condição econômica, gênero e cor não viabilizava grandes futuros para os indivíduos. Ou seja, se ser mulher, pobre e de cor não representava grandes vantagens no mercado matrimonial, como salienta Russel Wood (1989) e Vainfas (1989), uma vez que afirmam, que apesar do casamento não ter sido um privilégio dos brancos abastados, nem dos brancos livres menos abastados, havendo casamentos de libertos, escravos e pardos livres realizados entre mulheres forras e escravos em vários períodos, não se pode afirmar que foram em grande número. O que não significa dizer que as uniões entre esses grupos não existissem, mas que as uniões informais parecem ter sido mais preponderantes. Para esses autores, um conjunto de fatores interferia na frequência dos matrimônios: diferenças regionais, tipos de ocupação e conjunturas, aliados à imagem da mulher branca como ideal de parceira para o casamento que, por muito tempo, persistiu no Brasil. Samara (1988), em seu estudo sobre A família negra no Brasil, pondera que, apesar dos registros escassos, um terço da população escrava e ou liberta era casada ou vivia em uniões consensuais estáveis, por isso havia uma orientação da Igreja Católica para que se oficializassem os casamentos entre escravos. Era visto como uma obrigação que evitaria a concupiscência e a promiscuidade. O que não significa dizer que na prática esses casamentos ocorreram em grande número, contudo, também não podemos ignorar que eles ocorreram. Apesar de olhares ponderados sobre o número de casamentos oficiais realizados entre as pessoas de cor, no caso de Samara (1988), em particular sobre os escravos e libertos, os autores, Samara(1988), Russel - Wood (1989) e Vainfas (1989) concordam que esse tipo de união representava uma dificuldade, de maneira geral, para indivíduos fossem eles brancos ou de cor, devido ao custo do casamento, a dificuldade de encontrar um cônjuge elegível a partir de um quadro de valores estabelecidos para certos grupos e a pobreza nas áreas urbanas. Entre esses quadros de valores estabelecidos estava inserida a condição econômica e a condição 57 Ver capítulo 4 134 racial. Maria Beatriz Nizza da Silva (1989) e Samara (1988), pontuam que os casamentos interraciais existiram, mas enfrentavam muita resistência. Essas uniões eram mais ignoradas quando aliadas à condição racial, entrava a condição econômica. Havia uma busca por pretendentes elegíveis. A presença das mulheres de cor no RSNJ e o encaminhamento para o casamento passaram por uma atuação sistemática da Santa Casa em tornar essas mulheres prendadas, aptas ao casamento, pretendentes elegíveis. Aliado a isso, não se pode ignorar que essa formação buscou responder, também, a situação econômica da Santa Casa da Misericórdia da Bahia. Segundo Russel - Wood (1989), durante o século XVIII, a Instituição passou por vários problemas financeiros. O esfacelamento do Império português de ultramar se fez sentir com intensidade na ajuda a assistência das atividades da Santa Casa. As obras da Instituição eram mantidas pelas diversas doações que a mesma recebia que iam desde a ajuda do governo a doações de particulares. Considerando as vicissitudes que a própria economia baiana passou durante esse período e o século XIX, espaços como o Recolhimento do Santo Nome de Jesus sentiram dificuldades de ordem econômica, não apenas com o aumento do número de indivíduos que o procurava, como também pela dificuldade de manter as internas. Em 27 de maio de 1769, a Mesa pontuou grandes dificuldades para a efetivação dos dotes, visto à falência de algumas das cobranças58. Em outro relato, os irmãos da Misericórdia ofereceram informações de como o problema financeiro, de alguma forma, sempre rondava as ações da Santa Casa: [...] e fazendo toda a mais despesa precisa,e necessária cm 25 recolhidas no recolhimento. Della muito não entravão a Regente, Mestras e porteira, no que sem dúvida experimentava a referida consignação, grande prejuízo, porque se achava cobrando os juros________na conformidade da _____ como pelo grandes cabedaes, que se achavão perdidos, com outros mal parados, porque metidos em execuções durarão estas muitos, e muitos annos, sem esta Casa receber redimento algum, como sem duvida se tem experimentado, o que com tempo se devia reparar, por se não ir confundindo cada vez a mais, de sorte viesse tempo, que não tevesse remédio esta chaga, e que atendendo ao Estado em que se achava a mesma Casa e a que João de Mattos Aguiar, Instituidor do mesmo recolhimento, não determinara numero certo de recolhidas, senão que se admitissem aquelas, que coubessem no rendimento do patrimônio que ele deixava e por este se achava hoje diminuto pelas razões acima expressas, era favorável o parecer se diminuísse o número de recolhidas de ser, que o de 25 que se achava, se reduzisse ao de 20. (ASCMBA. Livro de Registro,86A) 58 Alguns documentos registram não apenas as dificuldades de cobrar os dotes que, em vida, alguns benfeitores deixavam, em verbas testamentárias, para algumas recolhidas, bem como finanças da Santa Casa da Misericoridia destinada ao pagamento dos mesmos, mas que não rendiam a contento, como loterias. 135 Em 1778, a Santa Casa explicitou a dificuldade do pagamento dos dotes59, assim como recusou o aumento do valor do dote, sugerido pelo provedor. Em 1837, sobre a solicitação de entrada de duas infelizes no Recolhimento do Santo Nome de Jesus, a Mesa foi taxativa: [...] a beneficencia, e o amparo dos infelizes é a essencia das instituições de caridade: as mesas __________possuidas deste santo principio talvez excedessem as regras da prudencia na sua aplicação, admitindo número derecolhidas desporporcionado aos comandos da Casa, ligando-nos assim um conflito doloroso entre as que já se achão abrigadas, e outras, que procuram o amparo: é sem dificil a nosa posição; mas devemos sufocar os sentimentos do nosso coração. (ASCMBA. Livro de Registro, 88A) Em 1832, a Casa deliberou que as porcionistas que não pagassem o valor de cento e cinquenta reis anuais deveriam ser entregues aos seus fiadores; não fossem admitidas no recolhimento donzelas ou órfãos maiores de doze e nem nele se conservasse depois de completar a idade de vinte anos, ficando aos cuidados da Mesa promover sua saída quer casando ou proporcionando-lhe algum meio de subsistência. Estabeleceu ainda, no art. 9º, que as recolhidas que excedessem a idade de quarenta anos, uma vez obrigadas a sair pelo estatuto, devido às condições econômicas da Santa Casa, não tivessem parentes ou não quisessem sair, só poderiam ficar na condição de visitadas e receberiam o beneficio de 4 mil reis mensais, sem rações e vestuário, (ASCMBA, Livro de Registro, 1832, 89A), ou seja, deveriam viver do beneficio dispensado pela Casa da Misericórdia. Em 1844, diante do amontoamento das recolhidas que se fazia nesse espaço, a MA reclamava da dificuldade de mantê-las. Todavia, se consideramos esses aspectos como um fator para a mudança no recolhimento, ou melhor, para que o internato passasse a ser, cada vez mais, uma casa de permanência com um projeto educativo, não menos importante, apesar de colocarmos como pano de fundo para repensá-lo, são as discussões que se processaram no século XIX, onde se deesenvolveu um debate sobre a importância da formação para os indivíduos, e entre eles, as mulheres. Nesse aspecto os conventos e os recolhimentos foram alvos de grandes criticas como espaços formadores. As ideias que se edificam no século XIX foram influenciadas pelas transformações urbanas e novas formas de pensar trazidas pelo Renascimento, as luzes e, mas tarde, o 59 Segundo os livros de registro de correspondência, 86 A e 88 A, os dotes foram estimados em 100 mil reis, sendo sugerido em 1832 o pagamento de 400 mil reis para as que se casassem. Para as filhas de Irmãs pobres e órfãs desvalidas continuasse dar o dote de 100 mil reis. 136 processo de industrialização. A educação tomou um lugar importante na reflexão dos pensadores europeus. A noção de progresso estava associada à idéia de civilidade, ocasionando a associação desta última com o grau de instrução presente em uma sociedade. Portanto, a noção de civilização estava associada para além dos fatos políticos ou econômicos, religiosos, técnicos, morais e sociais, as realizações, atitudes, comportamentos de pessoas em JeraO 1esse sentido as /u]es institutram um indiYtduo ?cidadão? ciYiOi]ado capa] de refletir as idéias de moralidade, delicadeza e polidez da sua época e para, além disso, seguidor das leis. A educação torna-se o caminho de formação para esses novos indivíduos. Pensar a formação dos se[os era pensar como seria ou deYeria ser os noYos ?cidadãos? do mundo civilizado. Entretanto, o homem que teve uma educação formal garantida, era um indivíduo público e, como tal, deveria ter um conhecimento elaborado sobre os mais diversos assuntos, assim como um comportamento que possibilitasse assegurar gestos condizentes com a educação de uma pessoa civilizada. O homem, o cidadão, como aquele que circular, no meio público, não deverá fazê-lo sozinho, é necessário uma companhia, uma esposa, uma metade, um suporte: a mulher. O dilema então se coloca para os novos séculos: a educação medieval reduziu a maior parte das pessoas à imitação dos gestos do trabalho e da oração, não se preocupou com a distinção entre os saberes de um ou outro sexo, assim como não definiu quais os saberes que deveriam ser dados a um ou a outro e onde a educação era tão rara para ambos os sexos, o que fazer com as novas exigências de um ser mais bem formando, quando se pensava nas mulheres? Segundo Sonnet (1991,p.141) Os séculos seguintes confrontados com a nova exigência de produzirem quadros para os Estados e para a Igreja, operam a distinção evidente, enquanto não é admitida a igualdade das inteligências e das funções femininas e masculinas. Aos filhos das elites, nobres e depois burguesas, a cultura clássica, a do colégio e universidade, a que se não descodifica senão com o conhecimento do latim, a que abre a esperança de belas carrerias, civis e eclesiástica. As raparigas, tanto do povo como de gente importante, os saberes, e sobretudo os saber ? fazer confinados aos universo domestico, os que se adquirem em casa com a mãe, que mantem e salvaguardam as casas cristãs. Haveria pelo menos que ensinar qualquer coisa a mais as futura esposas dos letrados, para que elas pudessem compreender e manter uma conversa. Nos século XVIII e XIX, a discussão sobre a formação dos indivíduos tomou novos rumos, não apenas construindo uma diferenciação entre os sexos, como manteve uma 137 diferenciação social. Inicialmente, a formação educacional resumia-se a trilogia: ler, escrever e contar. E, que não era para todos. A partir desse período, há um alargamento da formação dos indivíduos. Contudo, em relação à mulher, a sua formação não seria dada para sua emancipação, mas para a servidão ao homem, independente da sua condição social. Segundo Maria Antônia Lopes (1989), por muito tempo, o discurso normativo sobre o feminino se pautou em um discurso cristão que estabelecia duas grandes exigências para as mulheres: a proibição do convívio entre elas e os homens e a necessidade absoluta da clausura feminina para possibilitar essa mesma segregação sexual. Para a autora, o princípio da justificativa dessa segregação se fundamentava na ideia do perigo que a mulher encerrava. Lembremos que ela fora construída pelo pensamento clássico e judaico- cristã como naturalmente má, ser incapaz tanto físico como intelectualmente. Aristóteles já havia afirmado que a muOKer era ?um Komem incompOeto portanto um ser imperfeito? Maria Antônia Lopes (1989) acrescenta que essa mensagem incutiu no imaginário dos homens que a maldade era inerente às mulheres e, em ambos, a imagem da inferioridade do feminino ?,ntrinsecamente mi a muOKer representaYa um periJo para os Komens 'i]ia o padre Antonio Vieira (1608 ? 1697), mulher e fazenda são duas cousas que mais apartam do Céu e os dous laços do Demônio, em que mais almas se prendem e se perdem? &onsideraYa- a, ambiciosa, vaidosa e sensual e, por isso, fonte de perdição? LOPES, 1989, p.18) Não obstante, não foi apenas o discurso religioso que construiu a ideia do ser feminino como inferior e maléfico. Médicos e juristas também a caracterizavam como inferior, corrompidas pela natureza. A lei portuguesa consagrava esta ideia ao retirar os direitos das mulheres e submetê-las ao poder de outro. A sociabilidade, nesse contexto, era recusada. Maria Antônia Lopes (1989) acentua que, as mulheres cuja inserção social lhes dispensava o trabalho produtivo eram facilmente apartadas dos elementos masculinos. Contudo, existiam grupos, cujas condições econômicas tornavam impossível esse afastamento. Nesse sentido, não podemos afirmar que para os grupos populares, a insistência da clausura doméstica tenha sido, efetivamente, vivenciada. Todavia, era fato que a clausura foi o modelo proposto por todos os que se dedicavam a pensar a educação feminina. ?&omo ser periJoso e friJiO que era a muOKer tinKa de manter-se fechada: em casa do pai, em casa do marido, em casa dos filhos, se viúva, ou no convento quando freira ou como recolhida se lhe faltasse a guarda masculina de um marido que se ausentou ou morreu. Sempre um espaço restrito e controlado. E aquela que se aYentura a maiores espaços perdia irremediaYeOmente a estima sociaO? /2PE6  1989, p. 25). 138 A educação feminina se restringia a manutenção do seu recato. Saber ler, escrever, não representava uma preocupação necessária às mulheres. As prendas domésticas atenderiam às necessidades que correspondiam a elas e que faziam parte dos dois espaços vistos e ditos como naturais para o feminino: a casa familiar e o convento. Tanto em um, como no noutro se exigiam os mesmo papéis: a dedicação exclusiva ao esposo (divino ou terreno) a quem se entregava toda a vontade, a quem dedicava todos os anseios necessários, a quem no fundo, se glorificava. Exigia-se, em ambos, o silêncio, a austeridade, o trabalho, a dedicação. Essas qualidades lhes conferiam a justificação da sua existência. É necessário também situar essas discussões dentro de uma ideia direta da relação da mulher com a natureza. Homens e mulheres eram criaturas criadas por Deus, portanto natureza e, em algum momento, coube ao homem a cultura, a inventividade, o conhecimento. A mulher, por sua vez, não se desatou do seu estado natural, continuou presa as suas limitações. Mesmo quando no Renascimento reivindicavam a instrução, essa instrução não a desarticulou seu estado natural, ou seja, da ideia de um estado natural. Ao contrário, argumentou-se que essa natureza poderia ser corrigida. Os vícios da maior parte das mulheres deste século e dos séculos precedentes não proviam, puramente, da natureza, mas da sua falta de cultura. Pensadores como Éramos de Rotedã, representante do Humanismo, defenderiam a educação das raparigas em nome do bom entendimento no seio dos casais e na sociedade onde homens e mulheres foram chamados a viver juntos. Lutero, na Reforma, também reivindicaria a alfabetização de homens e mulheres. O Concilio de Trento, seguindo a linha de argumentação da Reforma, veria na alfabetização dos sexos uma forma de reconquista religiosa e moral da sociedade nos ensinamentos cristãos. Não seria a educação para libertar a mulher, mas para torná-la um instrumento de evangelização. Conventos tornar-se-iam nesse período um bom espaço de formação e, para as que não podiam acessar os espaços dos conventos como um espaço de formação, as congregações tornavam-se uma alternativa. Destacamos que nessa prática, a clausura estava acentuada, a educação feminina não se daria longe da ideia do resguardo. A boa mulher e a boa mãe cristã eram gestadas nos espaços privados. Esse modelo de formação que perdurou por todo século XVI e XVII, e boa parte da primeira metade do século XVIII, especialmente em Portugal, na segunda metade do século XVIII e século XIX, no Brasil, não sofreu grandes transformações, mas apresentou novas preocupações sobre a formação desses indivíduos, principalmente no que se refere aos espaços de formação destinados ao feminino e a ideia de enclausuramento. 139 O século XVIII caracterizou-se por uma ruptura com o Antigo Regime. Aspectos como a velha ordem feudal, a servidão e os diversos tributos cobrados para a sustentação de uma nobreza, era questionamento pela emergente burguesia comercial. A nova ordem capitalista que se configurava necessitava de outro cenário político para o seu desenvolvimento. A burguesia lutava pela defesa da liberdade, direitos individuais e sociais. Nesse sentido, novas formas de pensamento viriam a justificar o desejo desses novos tempos. Era o século das Luzes. Castele define esse período: [...] o século das luzes também denominado ilustrado, teve papel importante na construção de um pensamento que valorizava a noção de progresso com base no desenvolvimento da razão, da ciência e do indivíduo como ser racional capaz de tomar decisões e conquistar sua liberdade, ou seja, um ser capaz de escolher. O filosofo alemão Emanuel Kant sintetizou parte dos princípios iluministas, ao afirmar em ? 7em coraJem de serYir-te do teu próprio entendimento! Eis a fine]a das /u]es ?)a]ia-se referencia as luzes em oposição ao período medieval, no qual o conhecimento era limitado pela Igreja Católica e o pensamento religioso estava acima da razão. Aquele período era conhecido como o da escuridão, o das trevas, e o novo período que nascia era iluminado pela razão. (CASTELE, 2000, p. 327) Nesse contexto de formação de novas ideias, a educação revelou-se um tema fascinante, principalmente, para os Ilustrados. Segundo o autor, estes acreditavam que era através da educação que a sociedade seria reformada, diziam eles: Na medida em que ela é a veiculadora de regras, de códigos e de normas de conduta validas universalmente para todos os indivíduos, com o fim de adequá-los ao ideal de Renascimento em contraposição aos cânones da religiosidade medieval. Assim ela é posta cada vez mais no centro da vida social. A ela é delegada a função de homologar as novas classes e grupos sociais, conduzir a produtividade social, construir em cada homem a consciência de cidadão, promover emancipação intelectual, desprendendo o homem dos laços que o aprisionava a valores espirituais e eternos (RODRIGUES, 1994, p. 41) Todavia, para as mulheres, apesar de transporem o dilema de educá-las ou não, os pensadores das Luzes reafirmaram a distinção entres os sexos: homens e mulheres não deveriam aprender as mesmas coisas ou ter a mesma formação. Para o homem a educação representava a sua emancipação e liberdade, para a mulher era apenas a formação um pouco melhor da complementaridade do outro, no caso, do homem. Banditer (1989) afirma que o Iluminismo foi uma época de emancipação e de mudança das velhas estruturas, mas não 140 representou a inclusão das mulheres nesse processo de mudanças e, Rousseau, foi um dos grandes responsáveis por reafirmar a mulher no modelo de complemento para o homem. A educação de Sophie é um exemplo. O discurso de Rousseau não se orientava no sentido de tornar-lá uma mulher independente ou livre como deveria ser Emilio. Ao contrário, Sofia deveria ser uma mulher civilizada, mas não o bastante para que se assemelhe a um homem. Segundo Baniditer, Rousseau ao tratar a educação de Sofia, lhe assegura um único mptodo: ?seJuir o caminKo traçado peOa nature]a? 6endo a muOKer ?naturaOmente o complemento, o prazer e a mãe do homem, a educação visará a essas três finalidades, numa compOeta faEricação de uma nature]a feminina adequada? %ANDITER, 1989, p. 243). Seria a mulher ignorante de tudo? Não, mas aprenderia apenas aquilo que lhe convém saber. Naturalmente coquete e amante dos belos trajes, a pequena Sophie aprenderá, de bom grado, anda muito jovem, a usar a agulha e a desenhar. Não será forçada nem a ler nem a escrever antes que sinta necessidade disso, isto é, quando pensar nos meios de bem governar sua casa. Incapaz de julgar as coisas da religião, Sophie seguirá a de sua mãe, antes de abraçar a do esposo. Mas das coisas do céu só lhe será ensinado o que serve a sabedoria humana, por exemplo,? a suportar o mal sem murmurar. (BANDITER, 1989, p.243) Rousseau também estabeleceria a maternidade como um caminho natural para as mulheres, assim como seria o casamento. A futura mãe rousseniana não poderia ser voluntariosa, orgulhosa, enérgica ou egoísta. Em nenhum caso ela deve se aborrecer ou mostrar a menor impaciência, pois a mãe em Rousseau ignora o principio do prazer e a agressividade. É preciso, portanto, preparar a jovem para ser essa doce mãe de sonho, que amamenta e educa os filhos com pacirncia e doçura ]eOo uma afeição que nada desencoraMa? %$1',7E5 1989, p.244) A mulher ideal rousseana foi então preparada para desempenhar a sua função natural, não poderia fugir a sua natureza. Limitada aos cuidados do marido e do filho. Ao limitar as suas funções, Rousseau também sugeriu que esta deYeria continuar encOausurada: ?a muOKer deve ser a única a mandar em casa, é mesmo indecente para o homem informar-se do que ali se passa. Mas a mulher, por sua vez, deve limitar-se ao governo doméstico, não se imiscuir no que ocorre fora, manter-se fecKada em casa? %$1',7E5  p   Notemos que no século XVIII se acentuou a discussão sobre a educação feminina, essa preocupação, no entanto, não era para tornar essa mulher uma cidadã como o homem, um 141 sujeito de direitos, mas girava em torno da importante função que aquela desempenharia para a formação dos futuros filhos, dos futuros cidadãos. Segundo Sonet (1991), os iluminados argumentavam que a ignorância feminina as levava aos vícios e comprometia a evolução da sociedade. Todavia, destacamos que a ignorância aqui não estava associada aos conhecimentos elaborados da ciência, da cultura. Mas, sobretudo, de um modo de ser, de uma conduta moral. A contribuição das mulheres estava no seu próprio comportamento, em um modelo que deveria representar, de boa mãe, de boa esposa, de boa filha, daquela que guardava os costumes e os ensinava. Daí o mínimo de leitura, o treino em dominar a escrita para o essencial, das contas para poder dirigir uma casa. A educação seria um dos meios de ?adestrar as muOKeres nas Yirtudes? a educação feminina teria então um sentido moral, não se distanciando, ainda nesse período do caráter moralizador que a teve durante o século XVI e o XVII, onde os conventos foram seu principal espaço. Entretanto, os iluministas criticavam os conventos. Acreditavam que nesses espaços a educação tinha um caráter aleatório. Além de não serem adequados para formação das mulheres seja para a conjugalidade, seja para serem as futuras mães, uma vez que visavam à vida religiosa. Uma vez admitida a necessidade de reformar ? ou mesmo de formar simplesmente ? a instrução feminina, o debate das Luzes centra-se na questão do seu lugar, casa paterna ou instituição, e subsidiarimante na escolha dos professores e dos conhecimentos a transmitir. A reflexão desenvolve-se em torno das critica do convento, lugar onde as raparigas, privadas de ar puro, nada aprendem e estiolam- sem falar no absurdo de confiar a religiosas , estranhas a experiência conjugal, o cuidado de formar futuras esposas e mães. O século XVIII inclina-se para a educação familiar, mas como esta nos meios privilegiados pode ser assegurada com bons resultados, é necessário que um sistema de educação publica supra as deficiências dos países. ( SONNET, 1991, p. 149) A partir das Luzes, alargou-se a ideia de onde as mulheres deveriam ser adequadamente formadas para além dos Conventos e recolhimentos, os colégio laicos internos, escolas elementares se tornam alternativas. Contudo, esses espaços parecem ter compartilhado de um trato educacional comum, isto é, a educação feminina passava por tudo que se estabelecia no quotidiano ou constituía um, de uma mãe de família: a cozinha, os cuidados com as crianças mais novas, a manutenção da roupa da casa e de vestir, o manejo do fio, das agulhas, da lã, dos tecidos. Portanto, fossem conventos, recolhimentos ou colégios 142 laicos, a educação voltada para o doméstico era um projeto comum. Entre o século XVI e o XVIII, ?o saEer permitido ao seJundo se[o não conhece extensão qualitativa, penas uma extensão quantitativo, devida a multiplicação das escolas de raparigas. No final da Idade Moderna, as fileiras da população feminina escolarizada aumentaram, mas as estudantes continuam, a saber, pouco. Qualquer escola que se freqüente, ninguém se arrisca a sair de lá sábia. Tanto o convento como a escola elementar oferecem apenas uma experiência limitada do saber, quer pelo tempo que lhe é consagrado quer pelo escasso leque de conhecimentos proposto. Só a educação familiar bem orientada é susceptível de produzir mulheres de cultura comparável a que o colégio despensa aos rapazes. A bagagem da comum mortais não se prende com curiosidades acadrmicas esti cKeia de Yerdades piedosas e de traEaOKo de aJuOKa? ( SONNET, 1991, p. 168) É notório, portanto, que no século XVIII e, afirmo que boa parte do século XIX, não retirou a mulher da condição de tutelada. Ao contrário, ao instituir uma educação que não visava a emancipação da mulher, o século das Luzes, que caracterizou esse período, assim como o discurso humanista que o acompanhou, deixou bem evidente para quem deveria servir essa emancipação. Ter Luzes era atingir a maioridade, onde qualquer homem ousava usar a faculdade de entendimento que lhe era naturalmente dada. A mulher, por sua vez, constituía- se a metade do gênero humano, nas palavras de Rousseau ?a preciosa metade da 5ep~blica que fa] a feOicidade da outra metade? ?2 termo metade deYe ser antes tomado num sentido funcional: a mulher coopera na reprodução da espécie, é a esposa e mãe, filha e irmã, ela possui um estatuto na famtOia e na sociedade? &$61$%E7  p   Maria Antônia Lopes (1989) ainda acrescenta que, muitas vezes, as mulheres foram afastadas das letras para que não pudessem ter acesso a leituras que pudessem despertar mais do que era ?permitido? a eOas $ssim estas deveriam aprender certas matérias porque era companheira do homem, e devem facilitar e tornar agradável a sua vida, uma vez que era a primeira educadora dos futuros homens. Na concepção da época, para a mulher não interessava a abertura do espírito e clarificação das ideias que a educação podia proporcionar. Todavia, era necessário algum conhecimento para o proveito masculino, mas conhecimento em demasia tornava-as perigosas ou inúteis. A segunda metade do século XIX foi marcada, ainda, pela consolidação de uma classe burguesa, que imprimiu novos conceitos de convivência em oposição ao da fidalguia. Nessa nova prática social, os espaços de sociabilidade foram cada vez mais, públicos. A casa, antes fechada ao convívio familiar, abrir-se-á para receber pessoas. Segundo Lopes essa 143 preocupação com esse espaço, até então familiar, dar-se-ia desde a mais alta nobreza ao mais pobre burguês. A decoração destas casas sem meios para maiores requintes consistia em prover a sala de cadeiras, mesa, placas para colocar as velas. Os que tinham maiores possibilidades atapetavam o chão com alcatifas de penas de papagaio, forravam as paredes de papel, montavam vistosos cortinados, compravam espelhos, faziam-se retratar em grandes quadros. A sala onde se recebiam os convivas era, naturalmente, o compartimento eu mais cuidados exigia. As mulheres tinham-na tomado, abandonando os seus recônditos aposentos e os homens estranhos a família habituaram-se a ver aí um atraente espaço de sociabilidade. (LOPES, 1989, p. 73) Nesse sentido, a mulher foi convidada a aprender novas regras de comportamento. A nova sociabilidade urbana que se estabeleceu, principalmente na Europa, como na França, requereu um ser feminino que sabia agradar e conversar. Surgiram obras que pretendiam ensinar modos de comportamento em sociedade. Os manuais de boa conduta e etiqueta eram leituras obrigatórias para mulheres e homens. Segundo Schwarz60 esse novo gênero literário, beneficiou-se de uma maior alfabetização e do desenvolvimento da imprensa e imprimiu as regras e modelos de sociabilidade. Ao mesmo tempo em que demonstrava quais as elites pertenciam o indivíduo e que tipo de comportamento não se poderia ter ?&omportamento nobre e cortês passa a serem comparados ao modo camponês, rudes, e a postura oposta à deste p recomendada e ensinada a aduOtos e crianças? 6&+:$5=, 1997, p.16) As regras iam das mais gerais da vida social cotidiana: o guardanapo substitui o lenço durante as refeições; o garfo deixava, aos poucos, de ser utilizado exclusivamente para se tomar sopa [...] e fazia às vezes das mãos no manuseio dos alimentos. (SCHWARZ, 1997, p. 7) as direcionadas a grupos específicos: Para as mulheres os conselhos são diretos [...] não fica bem esticar a conversação. É melhor ser simples, breve, evitar frases longas e palavras difíceis. Contar piada, prática tão comum já nas reuniões da época, e também objeto de reflexão: não deve contar a mesma piada mais do que três vezes, em uma mesma reunião, e muito menos rir antes dos demais (SCHWARZ, 1997, p. 15). 60 J. I. Roquette, cônego português, foi autor do código de bom-tom identificado publicado em 1845 que, (já em sexta edição em 1900) procurava normatizar os rituais do Brasil Imperial e se tornou leitura obrigatória para aqueles que almejavam ser bem sucedidos na sociedade. Relançado em 1984, este manual introduziu regras de como comportar-se em festas, eventos da sociedade, artes de bem viver, inspirado em manuais franceses. 144 Esse contexto de debate e transformações que se impões na Europa, de uma forma geral, influenciados pelo movimento iluminista do século XVIII, e aos acontecimentos como a Reforma Protestante, Revolução Francesa, formação dos Estados Nacionais e industrialização, acabou por fortalecer a idéia de uma formação geral, também impactou, influenciou as formas de pensar a formação dos indivíduos no Brasil, ao mesmo tempo em que estabeleceu as diferenças que deviam separar o mundo dos homens do mundo das mulheres. Para Schwarz, o cônego Roquette61 criou Reofilo e Eugenia estabelecendo que para o primeiro ficasse a polidez e urbanidade, a distinção da fala inteligente e correta, para as mulheres um falar suave, um ar reservado; a atitude deveria ser modesta e silenciosa; O homem deveria ter a atitude cerceada, o controle sobre as mulheres deveria ser mais rigoroso: ?6e caOarem caOa-te também [...]. Se te divertires, não mostres senão uma alegria moderada; se estiYeres aEorrecida dissimuOa e não drs a conKecer? 6&+:$5=  p  Observemos portanto que a ciYiOidade que desponta iniciaOmente na Europa prop}e ?o mais absoluto controle das emoções e sentimentos, além de estabelecer, regular a propriedade de cada se[o? 6&+:$5=, 1997, p. 27). A civilidade pressupõe conter as manifestações espontâneas, não contemplando a existência social do individuo que dá expressão a impulsos e emoções livremente. A ideia de civilidade também cumpria a função de instituir papéis, o controle sobre a mulher tem uma atenção especial no discurso da civilidade porque este também visava à formação de boas esposas e mães. Por isso, era mister o controle sobre o feminino que, como já foi demonstrado poderia ser estabelecido desde do controle do corpo,das suas expressões, a sua forma de pensar. Segundo Oliveira (2008), em boa parte do período oitocentista, a mulher foi formada e constituída em uma ordem social patriarcal, legitimada pela religião cristã, que transmitiu o silenciamento feminino em todas as esferas sociais, desde menina era ensinada a ser mãe e esposa, sua educação, se limitou a aprender a cozinha, bordar, costurar, tarefas estritamente domésticas. Tal educação se justificava por carregar o estigma da fragilidade, da pouca inteligência, o que contribuía para mantê-la afastada dos espaços públicos. Araújo pontua que, dentre os recolhimentos de que se tem noticia no Brasil, o primeiro a elaborar um documento sobre a educação feminina foi de Pernambuco dirigido pelo bispo Azeredo Coutinho e publicado em 1798. ?'e acordo com esse documento as 61 Ibid 145 meninas deviam aprender os princípios da religião, uma vez que esses poderiam protegê-las dos ?defeitos ordinirios de seu se[o? pois para o %ispo ?elas nascem com uma propensão violenta de agradar, ao que logo se seguiu o desejo de serem vistas; os homens procuram pelas armas ou letras conduzir-se ao auge da autoridade e da glória, as mulheres procuram o mesmo peOos aJrados do esptrito e do corpo? (ARAUJO, 2001, p.50). Essa educação que se estabeleceu dentro dos recolhimentos estava associada a uma concepção tridentina, que figurou durante muito tempo em Portugal. Segundo essa concepção o matrimônio era necessário, apesar de não ser o estado ideal, uma vez que o estado ideal para a mulher era o de casta, virgem, pura. Como a humanidade precisava se multiplicar, o casamento era para a mulher o local onde deveria desempenhar a suas funções. Contudo, deveria apresentar determinados comportamentos para que a vida conjugal prosperasse: [...] deveria ser companheira, econômica, honesta, religiosa, sem vaidade, deveria preocupar-se com seu lar e não se interessar por fofocas e pelas coisas da rua, a casa era seu lugar. Deveria confortar o marido e guardar e multiplicar tudo o que ele conseguisse com o esforço e trabalho. Ao marido, em contrapartida, caberia o abastecimento da casa e o tratamento dispensado a esposa deveria ser o melhor possível, pois ela era o seu consolo e seu porto seguro (SAMPAIO, 2008, p. 5) Observamos, portanto, nesses discursos como as relações de poder foram sistematicamente legitimadas, ao ponto de serem naturalizadas. A mulher não é inferior porque fora retirada dela a possibilidade de crescimento, mas porque apresentava uma natureza que a limitava. Educá-la, para além das suas aptidões naturais era não respeitar a sua constituição. Nesse sentido, os papéis de gênero continuaram formados a partir de um discurso de inferioridade da mulher. Na medida em que havia a certeza da inaptidão da mulher para o intelectual, esse indivíduo foi destinado às atividades manuais e do privado. No momento em que foi necessária a defesa de algumas competências a mais, além dos afazeres domésticos, essas competências foram defendidas com cautela, como as Cartas para Cora, que José Lino Coutinho62 escreveu para sua filha um tratado sobre a educação feminina. As Cartas sobre a educação de Cora, seguidas de um Catecismo moral, político e religioso, retrataria bem a inquietação que se estabeleceu no século XIX sobre a formação 62 O deputado Lino Coutinho, baiano, que 1826 faz uma sistemática defesa da vulgarização da educação no país, e da educação das meninas. Ele propõe que em cada convento religioso se abrisse uma escola de meninas, na qual se aprendesse a ler, escrever e contar, além do catecismo da doutrina cristã e outras habilidade do sexo feminino 146 feminina. Lino Coutinho, segundo Adriana Reis (2000), demonstrava no seu discurso a sua formação de médico e filosofia, formado em Portugal, portanto influenciado pelas discussões e ideias sobre formação e espaço de atuação para as mulheres. Dizia ele: ? deseMaYa a muOKer patrícia libertada do jugo da ignorância, em que o sistema opressor mantinha, negando-lhe inteOiJrncia queria apta para entrar na Yida forte e noEiOitada peOo traEaOKo? 5E,6 2000, p. 139). Contudo, Lino Coutinho não dissociou a ideia de uma mulher ilustrada da sua função de boa mãe e esposa. As ?Cartas de Cora?, marcam outro momento da educação no Brasil. Publicadas no Segundo Reinado, onde encontramos uma proposta de modernização da sociedade brasileira, influenciada pelas ideias francesas de civilização, demonstram bem a tentativa de uma passaJem de uma educação diferente da tradicionaOmente reOiJiosa uma ?educação para formar a mulher e prepará-la para os novos desafios da ciYiOi]ação? $ muOKer nesse pertodo foi vista como uma peça importante no processo de construção de uma nação civilizada que era reivindicada a partir da presença da Família Real no Brasil. Uma civilidade que reivindicaria para si apoiar as novas ideias da época sobre educação, as discussões médicas e o contra-discurso religioso. O século XVIII, no Brasil, fora marcado por uma educação exclusivamente destinada para a educação doméstica, só algumas mulheres, segundo Silva (2000) aprendiam latim e música, por estarem nos conventos. As demais, deveriam se preocupar com o funcionamento do futuro lar. Com a presença da Corte no Rio de Janeiro, o aumento dos espaços de sociabilidade, bem como uma maior prática de convivência social, através dos bailes e teatros, as mulheres foram chamadas a terem um mínimo de cultura para que pudessem se trajar, falar, comer e acompanhar seus maridos. Era um tipo de educação que não visou possibilitar uma ?OiEerdade? Era uma educação para aJradar dar aparência. Saber ler, saber francês, tocar piano e dançar eram uma educação da aparrncia do ?Eom-tom? que se estaEeOecia no %rasiO do século XIX. Por outro lado, muitas mulheres se aproveitaram desse discurso de necessidade de melhor formá-las, a fim de instruir os futuros cidadãos para construir espaços de reflexão sobre a educação feminina. Na Europa, Mary Wollstonecraff (1742) se destacou com as suas influências liberais sobre o que deveria ser destinado às mulheres, conforme relato de Silva (2008, p.5): 147 Defendia uma educação plena para a mulher, que lhe possibilitasse desenvolver não apenas os dotes femininos de uma imaginação romântica, mas também o raciocínio lógico e a habilidade física. . Mary publicou a sua obra mais importante, A Reivindicação dos Direitos da Mulher (1790), onde defendia uma educação para meninas que aproveitasse seu potencial humano. Com esta obra lança as bases do feminismo moderno. Ela via a educação como um caminho para as mulheres conquistarem um melhor "status" econômico, político e social. Além de defender que elas tinham direito à educação, afirmava que, da igualdade na formação de ambos os sexos, dependia o progresso da sociedade como um todo. No Brasil, Nísia Floresta, em 1833, publicou o documento, pelos Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens, obra, que segundo Duarte63 (2006) não pode ser considerada uma adaptada da produção de Mary Wollstonecraff, mas, inspirada nela, uma vez que a autora aponta os principais preconceitos existentes no Brasil em relação à mulher, identificando na colonização portuguesa as causas desse preconceito, fazendo, assim como Mary Wollstonecraff, uma defesa da instrução feminina, ainda que não desvinculasse a mulher dos seus papéis naturais. Afirmava Nizia Floresta (1989, p.36) : Os homens parecem concluir que todas as outras criaturas foram formadas para eles, ao mesmo tempo em que eles não foram criados senão quando tudo isto se achava disposto para seu uso. Eu não me proporia a fazer ver a futilidade deste raciocínio, mas concedendo que ele tenha alguma ponderação, estou certa que antes provará que os homens foram criados para o nosso uso do que nós para deles. È verdade que o emprego de nutrir as crianças nos pertence, assim como a eles unicamente pertence o de gerá-los: se este último lhes dá algum direito a estima e respeito publico, o primeiro nos deve merecer uma porção igual, pois que o concurso imediato dos dois sexos é tão essencialmente necessário a propagação da espécie humana, que um será absolutamente inútil sem o outro. Em oposição a essas novas ideias que se colocavam no século XIX, a Igreja Católica também revisitou seu discurso sobre a mulher. Segundo Adriana Reis (2000), a Igreja que, durante séculos, construiu dois mitos antagônicos para representá-la: Eva e Maria. A primeira causadora de todos os males; a segunda, como um ser puro e respeitável que foi muito cultivado no Brasil colonial, saltou da Santa ? mãezinha para a difusora da educação e bons costumes. Contudo, nos dois modelos, seja de santa-maezinha, seja de transmissora da educação e bons costumes, ela continuou presa à figura do pater famílias, obrigada a obedecer às ordens dos maridos e dos pais. Ressalto ainda, que essa imagem de educadora, divulgada durante o Império, reafirmara o discurso sobre a imagem de Maria. A Igreja, aceitou o discurso de ser feminino mais educado, mas continuou invocando um modelo de mulher. ?1ão p por acaso que o spcuOo ;,; seri dedicado j deYoção a 0aria 0aria, o modelo que 63'uarte  saOienta em seu artiJo ?1isia )Ooresta %rasiOeira $uJusta: a pioneira do feminismo ErasiOeiro? a idpia de uma antropaJia OiEertiria? apreendendo e assimilando as novas idéias que eram propagadas nos livros estrangeiros que aqui chegavam, mas, dando um tom das suas experiências e contexto brasileiro. 148 deYeria ser seJuido peOa muOKer? Em noYemEro de  um artiJo soEre a educação da feminina, no periódico o Noticiador Catholico (1858), expressava bem o que deveria ser: Um espírito bem reguldo, uma razão bem desenvolvida, mas encoberta por um véo de simplicidade, e modéstia, um rosto, em que d`entre graças ressurta o pejo, um coação vasado ao molde da virtude, exalendo-a como aroma lá dos Céos...com isto sim, he que uma mulher fará a felicidade do esposo, a quem não menos dirigirá com seus conselhos, que encantará com sua presença: a felicidade dos filhos, cujas almas ainda tenras ierá infiltrando gotta a gotta os sentimentos rectos, a felicidade dos servos a quem tratará humana, respeitosa, e caritativamente. Ainda nesse período, o discurso médico, no Brasil, também influenciados pelo racionalismo iluminista francês, as ideias de progresso e civilização e os avanços científicos nas ciências naturais, foram representantes do projeto de civilização da sociedade brasileira. Na defesa desse projeto a divulgação das ideias higiênicas influenciava não apenas as discussões sobre saúde pública, salubridade, reordenamento urbano, mas, também, a saúde da mulher e a infância. A mulher, alvo do discurso médico, sofreu uma sistemática racionalização e padronização dos seus costumes. Segundo Reis, no espaço doméstico, a mulher tinha direito ao desalinho. Não foram poucos os viajantes que registraram o modo ?desOei[ado? das senhoras em seus espaços privados. Entretanto, com a abertura do espaço privado, associada às novas ideias de higiene e cuidado, criou-se novas dinâmicas para a abertura da casa ao receber, novas regras de asseio para o lar, comer com moderação, amamentar, manter a simplicidade, ser ilustrada para educar os seus filhos. É interessante destacar no discurso médico do século XIX, que mesmo pontuando a necessidade de uma nação civilizadora, ele criticou as formas de socialização praticadas pela Corte portuguesa no Brasil, através dos bailes e teatros, pois não aceitavam a mulher celibatária, essa não servia aos novos tempos. Contudo o seu discurso imbuído de um forte cariter moraOista tamEpm imprimia um ideaO de muOKer ?saJrado? que envolvia a saúde, maternidade e casamento. Nesse sentido, a mulher muito instruída também poderia desenvolver males físicos. O discurso médico, então se mostrava conservador em relação ao gênero feminino. Esses discursos produziam novas subjetividades. Como afirma Foucault (1979), partindo da ideia de poder disciplinar, através da normatização dos costumes, procurava-se empreender um perfil de sujeito feminino que atendesse as novas demandas da sociedade. Entretanto, nos cabe uma reflexão: apesar desses discursos parecerem universais em relação ao que deveria ser a 149 mulher, na teoria, de fato o eram. Na prática, esse ideal, pelo menos quando se fala de determinadas formações ou do acesso a determinados espaços para essa formação, era destinado para um público especifico: as mulheres da elite. Quando se falam da formadora dos futuros cidadãos, não foram todas que cumpriram esse papel. O que nos cabe pensar: em um século onde sistematicamente a formação do individuo tornou uma preocupação constante, como ficava o acesso para as mulheres do povo ou para as menos favorecidas? Segundo Vasconcelos (2005) e Amanda Silva (2008), a educação no Brasil ao longo do século XIX foi dualista, não apenas em termos de gênero, mas também em termos de classes sociais e raça/etnia. O que se tinha pensado até então como educação para as mulheres, atendia a uma lógica de elite: uma mais refinada para o casamento; e, a outra, mais preparada nos afazeres domésticos. Nesse último aspecto, ambas eram conhecedoras, e estavam preparadas para as atividades das agulhas, bordar, costurar, pintar. Mas, cabia à primeira, não propriamente a execução e, sim, o acompanhamento, a direção das atividades que outras iriam praticar. Enquanto que, as mulheres dos grupos sociais subalternos eram treinadas nos trabalhos da agulha e da cozinha como uma forma de ter uma possibilidade de sustento em uma sociedade onde as contradições sociais eram extremadas. Soares (2007) chama a atenção que no século XIX as domésticas eram escravas, embora houvesse negras livres e libertas que se alugavam para trabalhar em algumas dessas atividades. Havia ainda uma preferência pelas crioulas, pois estavam socializadas com os costumes da terra, uma vez que eram nascidas no Brasil. Segundo a autora, a manutenção de domésticos era algo que não estava disponível para todas as famílias, mas para as da elite. O que levava a maioria das famílias ao sistema de aluguel, exigindo certas qualidades pessoais e profissionais. Demonstrando como essa sociedade resistia a executar atividades que fizessem referência à escravidão. Reafirmando essa idéia, de que a educação feminina no século XIX, cumpriu objetivos diferentes, dependendo da classe social e condição de cor, Sirlene Silva Costa (2005) destaca em seu artigo A mulher no ensino formal que em 1813, algumas academias apresentavam instrunção feminina onde seria ensina a língua portuguesa e inglesa, toda a qualidade de costura e bordado e em outras aulas eram as escravas e as crias que recebiam ensinamentos práticos para o serviço domestico de seus senhores, ou das necessidades do mercado, demonstrando como algumas atividades não deveriam ser exercidos pelas mulheres da elite. 150 2.2.1 Ocupação e Controle O fato é que, como demonstrarei nesse tópico, a Santa Casa da Misericórdia da Bahia objetivou empreender uma proposta educacional para as internas do RSNJ. Um projeto que passava pela ideia de controle dos comportamentos e ocupação dos corpos e que se deu, principalmente, no século XIX. Acredito que essa proposta sofreu influência das ideias que povoaram a Europa, formulada principalmente pelos iluministas, sobre a educação feminina, a formação de uma mulher mais prendada para desempenhar seus papéis de esposa e mãe, de comportamentos para civilizados, bem como, de indivíduos úteis à sociedade. Controle, moralidade, civilidade e formação para o trabalho não serão definidos aleatoriamente na construção da proposta educacional do Santo Nome de Jesus, ao contrário buscam responder ao cotidiano das recolhidas, a condição dessas mulheres e a sociedade da época. Na abertura da primeira parte do Estatuto do recolhimento datado de 1776, a MA deixa eYidente o que ?deYeriam ser oEserYados para o seu Eom JoYerno? &onstando de  capítulos, este primeiro registro versou basicamente sobre a conduta moral e dos comportamentos que deveriam apresentar as recolhidas, assim como das regalias que as recolhidas deveriam ter e quem poderia ter: Nenhuma pessoa, que por qualquer modo ou razão se achar vivendo dentro do dito recolhimento, além de donzela órfã do no. Deles poderá ter em sua companhia dentro do mesmo recolhimento mais do que sua escrava ou serva, sendo pessoa, que a deva ter pela sua qualidade, a qual serva, ou escrava será honrada, e de conhecido procedimento aprovado, por esta Meza, e nunca sairá porta a fora da portaria a fazer serviço algum, e quando a tal pessoal de presente tenha mais algumas escravas, sem especial licença desta Meza, as lançará foram dentro do tempo de um mês, que para isso lhe concedem por equidade. (ASCMBA. Estatuto do recolhimento, 1776, Cap.1) Nesse sentido, a Mesa teve a preocupação de reafirmar a necessidade de impedir o contato das recolhidas com a rua. Conforme descreve o Estatuto: Concedem, porém a qualquer das donzelas, que possa ter uma escrava ou servente de fora que lhe possa fazer os serviços que lhe tornem necessário na rua, e estas, nunca entrarão dentro do Recolhimento, nem nele poderão pernoitar da portaria de baixo para dentro. (ASCMBA. Estatuto do recolhimento 1776, Cap.4). Esses primeiros capítulos permitem algumas indagações sobre as preocupações da Mesa. Primeiro, estabelecer regras que de fato pudesse controlar as atitudes das recolhidas. Como vimos nas discussões anteriores, às recolhidas nem sempre apresentaram um 151 comportamento condizente com o que seria esperado de um espaço que deveria imprimir um adestramento dos comportamentos das mulheres. Nenhuma das pessoas que de presente vivendo no Recolhimento e viverem para o futuro poderão falar nas grades ou portaria dele com pessoa de fora, sem licença da Regente, não sendo pessoa suspeita, excetuando as escravas de dentro, que essas poderão receber na roda, e portaria, tudo que as de fora levarem. (ASCMBA. Estatuto do recolhimento 1776, Cap.7). Nesses primeiros capítulos, a preocupação da Mesa era, de fato, com a vigilância das recolhidas. O contato com a rua ou com pessoas de fora deveria ser expressamente proibido ou como vimos cortados, retirados das recolhidas, uma vez que uma das principais críticas ao recoOKimento era ?o ficar nas ManeOas e a troca raç}es com pessoas Mi afreJui]adas? (ASCMBA. Estatuto do recolhimento, 1776, Cap.7) No capítulo 9º em relação a isso, a Mesa tomou a seJuinte decisão: ?7odas as recolhidas donzelas com sua regente, mestra e porteira todos os dias indispensavelmente comer no refeitório donde as rações serão em comum, sem alterações ou diminuição de umas para as outras e mais preparos necessirios? (ASCMBA. Estatuto do recolhimento, 1776, Cap.8) Para Golfman (1969, p.18), as instituições totais ao estabelecerem que as pessoas deveriam movimentar-se em conjunto, o faziam não para a orientação ou inspeção periódica, mas para faciOitar a YiJiOkncia ?)azer com que todos façam o que foi claramente indicado como exigido, sob condições em que a infração de uma pessoa tende a salientar-se diante da obediência visível e constantemente examinada dos outros? Pode-se analisar também, esses primeiros dispositivos do Estatuto do Recolhimento do Santo Nome de Jesus inseriu-se dentro da lógica da discussão de Michel Foucault em ?Vigiar e Punir?. Isto é, da ideia de poder disciplinar que tem atrás em si uma relação direta com a prática de vigiar e disciplinar. Conforme relata o Estatuto: A reg, mestra do recolhimento terão especialmente de visitarem todas as semanas as cellas do Recolhimento, e mais pessoas, que vivem no recolhimento a respeito do aceio, limpeza dellas, dos corredores, evitando com todo rigor e castigo que cellas do quarto de baixo ficam por cima do hospital das mulheres, não saiam águas tanto pelo prejuízo, que recebem as miseraveis enfermas do dito Hospital, como por não apodrecer as madeiras. (ASCMBA. Estatuto do recolhimento, 1776, Cap.11) Ora, ao estabelecer regras que deveriam reger o comportamento das recolhidas, a Casa procura instituir práticas que diminuíssem os atos ?iOtcitos? das recoOKidas $ ideia não era 152 necessariamente punir, mas criar um conjunto de mecanismos que evitassem que essas mulheres pudessem continuar a praticar ou praticar comportamentos que desabonassem a sua honra. Voltemos à citação do relatório de 1858, na definição do comportamento das internas: ?6endo a ~nica occupação a que se entreJaYão a das janellas, onde frequentes vezes eram a decência completamente sacrificada, e a vizinhança Konesta assas escandaOi]ada? No final do século XVIII, o escrivão relataria: Quando não eram facilitadas a entrada de pessoas estranKas uma Ye] que a porta do internato ficaYa ? desamparada para entrar quem quiser? (ASCMBA. Estatuto do recolhimento, 1776, Cap.8) Diante desses fatos, a Mesa foi taxativa em : ?EnYio de trrs em trrs meses reOação nominaO da conduta das recoOKidas para conKecimento da 0esa? Em  soOicitação de informação mensal sobre conduta e adiantamento das discípulas notando as faltas que fazem. Nesse sentido, organização, controle, registros deveriam ser atitudes para disciplinar os indivíduos. (ASCMBA. Estatuto do recolhimento, 1776, Cap.8) Notemos, também, que esses primeiros registros respondiam, em um primeiro momento, a uma demanda do que a sociedade esperava de um recolhimento. Cuidar para que as mulheres, ao serem evitadas com o contato com o espaço público, pudessem manter as suas virtudes. Nesse sentido, o recolhimento estaria cumprindo sua a função moral ao oferecer ao mercado matrimonial mulheres adequadas ao casamento. Portanto, a preocupação desses primeiros dispositivos não era, necessariamente, com uma instrução formal das recolhidas, mas com o controle dos seus comportamentos. Ainda nessa primeira parte do estatuto ao contemplar a disciplina das recolhidas foi determinado que as donzelas e encostadas ?Yisitari com toda Konestidade e reconKecimento evitando tudo o que pode deslustrar o seu crédito e reputação como são escândalos, correspondências ilícitas, intrigas, disputas, aberrações e descomposturas suas com as outras? (ASCMBA. Estatuto do recolhimento, 1776, Cap.8) ?E acrescentam que a reJente seria oEriJada a YiJiar com todo? ]eOOo e Eem procedimentos de todas as que lhe estão sugeitas, evitando todo o escândalo, ou outra qualquer ação que possa diminuir ou preMudicar o seu crpdito e Konra? $o OonJo dos  anos, as regentes não foram capazes da manutenção dessa ordem, como estiveram envolvidas em alguns escândalos. Como foi o caso anteriormente mencionado, de D. Emerenciana Joaquina de Santo André e sua irmã ,nicia -oaquina de 6anta¶ana que ocupaYa o OuJar de mestra no recolhimento. (ASCMBA. Estatuto do recolhimento, 1776, Art.8) 153 É notório que nessa primeira parte do Estatuto a Mesa agia em cima daquilo que as recolhidas propiciaram dentro da Instituição. A normatização, elucidar as normas do Recolhimento era para a Irmandade um caminho para construir outra imagem para aquele espaço e para aquelas mulheres. Não prejudicar o seu crédito, denota bem a que tipo de mulher deveria ser destinado o casamento: a honrada aos olhos da sociedade. Em 1799, a &asa reJistrou em um OiYro de nome suJestiYo ?6eJredos ,nternos? um caso aparente de lesbianismo e de envolvimento das recolhidas com padres. Nas páginas 64 e 65, das poucas coisas que pude ler, devido à ação do tempo no documento, na abertura do te[to ?padres que foram e[puOsos por enviarem cartas românticas a muOKeres? Sobre o caso de lesbianismo, páginas 122 e 123 do documento, constam a descrição: ? E[puOsão do EstaEeOecimento desta 6anta &asa a 5eJente 'ona 7ereza de Jesus por culpas abaixo declaradas: Além descumprir com suas obrigações, com demasiada imprudência, tinha com recolhida, intima amizade________do governo da casa com tanta fraquesa que expulsa para nunca mais ____________do lugar. Para a recolhida madará BBBBBBBBBcom prisão no circere por tempo de um ano? Anos depois, não por acaso, na continuação do estatuto de 1806, a Mesa deixa explícito as consequências desse tipo de envolvimento: Sendo crime de alcovitaria detestável, péssimo e gravemente aborrecido e por trazer o principio de toda deformidade. Ordenamos a pessoa moradora no recolhimento que induzir a outra do mesmo recolhimento para que tenha amores ilícitos e pecaminosos com homens ou mulheres para fora ou para dentro do mesmo recolhimento, oferecendo-se para lhes ganhar a vontade, mandar lhe criados, fazer- lhes e mandá-los ou pondo outros quais quer meios para esse fim. Tendo a regente noticia ou suspeita bem fundada fará logo prender aqui tivermos cometido este crime e os depois de se certificar, que o caso é verdadeiro, sem demora o fará saber a Mesa para impor a sanção que o crime dessa natureza merece. (ASCMBA. Estatuto do recolhimento, 1806, Art.13) A preocupação da Mesa Administrativa em estabelecer em um artigo específico sobre os possíveis envolvimentos das recolhidas indica que, não raro, esses espaços de clausura tornaram-se palco de amores, seja entre as mulheres, seja entre estas e os homens. A preocupação de explicitar no estatuto a proibição desse tipo de envolvimento sugere que possivelmente não foram tão raros esses casos. Apesar de que, em relação à possível relação 154 de lesbianismo apenas esse é mencionado. Contudo, em relação ao contato com o masculino, pelo menos três foram colocados de forma explicita ou implícita64. Immanuel Araújo (2004) coloca que a forte pressão que se demonstra sobre a necessidade de adestrar a sexualidade feminina, assim como seus comportamentos, reflete que nem sempre a coisa se passava assim, da explosão do desejo da mocinha virgem a senhora casada era diftciO controOar ?2s ref~Jios do pecado eram os de sempre: o mato, a rede, a cama mas as ocasi}es YariaYam? Pensando, particularmente, no lesbianismo, Brown, por sua vez, destaca que essas vivências, por muito tempo, foram consideradas difíceis de acontecer entre as mulheres. A visão que preponderou sobre a sexualidade humana foi falocêntrica. - ?as muOKeres tinKam de ser atraídas pelos homens e os homens tinham de ser atraídos pelas mulheres e não havia nada numa mulher que pudesse despertar o deseMo se[uaO de outra muOKer? %52:1  p  A autora ainda acrescenta que do Direito a Medicina, passando pela mentalidade popular, as relações sexuais entre as mulheres eram ignoradas. O que, para Brown, é no mínimo curioso, uma vez que escritos bíblicos, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino já pontuavam contra as relações entre as mulheres, sinalizando a existência dessas práticas. Afirmava Santo $JostinKo ?$ssim as muOKeres transformaram suas reOaç}es naturais em reOaç}es antinaturais porque as próprias muOKeres cometeram atos YerJonKosos com muOKeres? %52:1  p 15). A ignorância deliberada, segundo a autora, pode ser explicada pela concepção de que inevitavelmente as mulheres tenderiam a reverter essa atração em direção aos homens. Uma vez que eles seriam por natureza, mais belos, portanto, inspirando mais desejo. Ou era um exercício para as jovens depois satisfazerem melhor seus maridos. Ou apenas tentavam desafiá-los, uma vez que eram naturalmente inferiores. Essas visões, segundo a autora, em alguns momentos levaram, no século XVI, a estabelecerem penalidades mais leves para a prática sexual entre as mulheres do que a homossexualidade masculina. Todavia, salienta que, em outros momentos, foram fortemente condenados, quando identificados. Para a autora essa dubialidade em torno das práticas sexuais femininas, em alguns momentos, era fruto do próprio desconhecimento da vida sexual das mulheres. Por outro lado, não falar, ou nomear, significava não influenciar as mulheres ao exercício das suas curiosidades. Os crimes de sodomia masculina eram lidos em voz alta, aos das mulheres eram preferíveis não fazer nenhuma uma menção. 64 Presentes na parte II , no tópico sobre Porta adentro: as vivências das recolhidas no Santo Nome de Jesus. 155 Immanuel Araújo (2004) ,ao contrário de Brown ,pondera que, nesses espaços, onde o enclausuramento foi severo, muitos casos que foram lidos como práticas homossexuais, não passavam de aproximações entre as mulheres que buscavam umas nas outras trocas de confidências, experiências, maior afetividade, compreensão do sofrimento comum, uma mistura de cumplicidade, refúgio e solidariedade. Ou mesmo, o exercício da curiosidade em torno da sua sexualidade. Segundo ele, enquanto o casamento não acontecia, as meninas e adolescentes praticavam como podiam. O exercício da sexualidade feminina é explicado através do masculino. Ele continua sendo o centro do mundo feminino. Seria esta uma leitura androcêntrica e heteronormativa da sexualidade da mulher que não permite a compreensão dessas que não seja pela perspectiva masculina. Não se considera a simples busca das mulheres em satisfazerem desejos e prazeres pessoais, que de forma alguma estavam relacionados ou foram ocasionados por suas relações com os homens. Destaco, ainda, que a dificuldade de identificar as relações homossexuais entre as mulheres, parte não apenas do não registro dessas relações nos documentos históricos, como, sinaliza Brown (1989), Lessa (2010) e Ana Maria Brandão (2003), da dificuldade de se reconhecer, na época, esses envolvimentos como possíveis, bem como, o próprio olhar contemporâneo, ainda guiado por um olhar binário sobre o exercício da sexualidade. Se os papéis de gênero se dividem entre homem e mulher, o olhar sobre as relações que os indivíduos acompanham, está acoplada as esses papéis de gênero. A heteronormatividade impõe-se como o único caminho possível, uma vez que os seres humanos recaem sobre duas categorias distintas e complementares: macho e fêmea. Esse olhar, para Lessa (2010), tem impedido, que alguns estudos, identifiquem as diversas formas de relações empreendidas pelas mulheres nas suas vivências amorosas. Ser ou não ser uma prática homossexual, essas aproximações entres as mulheres não retira a relevância do fato de que, ao longo do tempo, frente ao controle da sua sexualidade de várias formas e em diversos níveis, escolheram, se submeter aos padrões misóginos a elas impostos ou reagiram, seduzindo ou transgredindo. Se forem aproximações furtivas ou casos de amores, não é possível afirmar, o fato é que as mulheres foram criando estratégias para experimentar os seus desejos. O fato de preocuparem-se em condenar demonstra que esses casos não eram ignorados, mas sistematicamente punidos, quando descobertos. Na experiência do RSNJ o que observo em relação à presença destas práticas foi não apenas a preocupação de nomear como crime de alcovitaria, mas de empreender ou pelo 156 menos orientar as regentes para que se procedesse ao controle das internas nos mínimos detalhes, como deixa subentendido no capítulo 16º : ?4uando Yir aOJum suMeito tratar de casamento com alguma recolhida, o ajustar na grade e na presença da Regente, e na sua falta, daquela que a nomear, e se algum pedir licença para falar ao outro, lhe concederá, ficando sempre à Yista deOa? 65. $crescenta ainda ?o confessor mpdico cirurJião ou outro quaOquer Komem por causa justa, será acompanhado da Regente, no seu impedimento, da mestra ou porteira até sair, sem nunca o desacompanhar, e se for obreiro que ande fazendo alguma obra no recolhimento, a regente nomeará uma de maior capacidade, e de boa conduta, para que acompanhe por todo o tempo que ai se demora? 66 Observemos que, essas primeiras regras do recolhimento, assim como nos de Lisboa, Porto e Rio de Janeiro, foram dirigidos para oferecer normas para o funcionamento e cotidiano do recolhimento. Contudo, a preocupação se estabeleceu, principalmente, como coloca Algranti (1997), na sua observação sobre os estatutos do recolhimento do Rio de Janeiro datado de 1739, com o princípio da clausura e da formação religiosa, demonstrando que, em muitos momentos, o recolhimento não conseguiu se distanciar do modelo de vida religiosa feminina imperante ainda na época. A partir do século XIX, a M.A pontuou que era necessário reformá-los. Na sessão do dia 13 de setembro de 1843, a Mesa faz uma reflexão sobre as condições físicas e de quantidade de pessoas no recolhimento, sinalizando que não era possível por ordem em um estabelecimento mal montado, mesmo com alguma capacidade administrativa. Destacava que para o recolhimento existia um estatuto, porém mais religioso. Segundo a Mesa, em 1806, já se expressou que eOe seria ?ine[equível conforme a opinião de um dos seus revisores, e de experiências assim o mostrou, de modo que é preciso alterá-los, ou antes, substituir-Oos por outras mais reJuOadas? (ASCMBA. Livro de Registro de Correspondência, 87 A e 88 A) Em 1806, a M.A apresentou o que denominaremos de segunda parte dos Estatutos do Recolhimento, aprovado em 22 de junho de 1806. A partir daí, identificamos uma gradativa elaboração ou iniciativas de um plano de formação que contemplava certo conhecimento, mas que continuava a enfatizar a questão da moralidade, o que se dava, principalmente, através dos ensinamentos religiosos. Em 15 de dezembro de 1839, o Irmão 1º. Mordomo 65 Ibid 66 Ibid 157 [...] lembrou a Mesa à conveniência que achavas em convidar um missionário, que advertido as recolhidas, mestras e regentes de seus direitos, e os seus deveres conseqüentemente, por meios de práticas evangélicas (amorigeração) de que tanto necessita o recolhimento que a força de medidas coercivas não tem podido alcançar. Outro aspecto que devo ressaltar nessa preocupação da Instituição em traçar um plano de conduta para as recolhidas era a ideia de que a ociosidade era um mal para as mulheres. Não podemos esquecer que uma das principais críticas feitas pela Mesa Administrativa ao Recolhimento era a inexistência de qualquer gênero de ensino ou atividades para essas mulheres, o que, segundo a mesma, contribuía para que vivessem a se entregar a coisas não adequadas para elas, como o conversar nas janelas. Não era à toa que ainda nessa segunda parte a Mesa reafirmou a proibição das mulheres chegarem às grades dos recolhimentos. Nesse sentido, era necessário preencher o tempo das recolhidas. O que se fará com a instituição do ensino das aJuOKas ?&ostura e renda? Para faciOitar os ensinamentos cristãos ou mesmo para administrar economicamente a sua casa, havia o aprendizado da leitura e escrita. Segundo Gandelma, os recolhimentos tinham como objetivo o espaço da conjugalidade e da domesticidade como principal objetivo, nada mais natural que os exercícios temporais fossem voltados para as coisas que as transformassem em uma mulher Konesta e uma Eoa mãe de famtOia? *$1'E/0$  p   Em  de outuEro de , deOiEerou que fosse aproYado ?uma mestra pra o recoOKimento para ensinar fiar, próprias de pessoas destinadas para casar? (ASCMBA. Livro de registro, 87A) Apesar dos estatutos do Recolhimento do Santo Nome de Jesus não deixarem explicitamente, como Gandelman (2005) afirma que deixaram os do Rio de Janeiro e Porto, ensinar ?tudo o que pertence j criação de uma perfeita muOKer? $ JradatiYa presença desses ensinamentos nessas primeiras regras de condução do Recolhimento sugere que tudo que era empreendido visava a formação moral dessas mulheres. Uma característica fortemente reivindicada pelos pensadores sobre a educação das mulheres fossem eles católicos ou iluministas. Uma mulher mal formada era, para alguns deles, a causa de todos os males da sociedade. Fenelon, segundo Amanda Silva (2008), responsabilizou a falta de educação das mulheres por todas as desgraças e pestes do mundo. Defendeu a educação para a mulher, mas de forma limitada, inclusive negava a participação política. Essa educação, além de ser uma educação repressora, haja vista voltar-se principalmente para os cuidados do lar e obediência do marido, determinava quem deveria ter conKecimento ?0eninas não precisam ser siEias precisam aprender a JoYernar e oEedecer sem questionar? 2 ?aprender a JoYernar? estaYa 158 destinado a um tipo de mulher, a mulher da elite e estava restrito a governar o seu lar. Nessa mesma linha, a autora ainda acrescentava o pensamento de Comenius67 ?o ensino não p para aguçar-OKe a curiosidade mas a Konestidade e a Eem aYenturança? Os pensamentos do século XVII foram muito utilizados nos séculos posteriores, principalmente no século XVIII e XIX. Não é por acaso que na segunda metade do século XIX havia uma preocupação constante com aquilo que as mulheres liam, principalmente devido, para alguns grupos sociais, a vulgarização da educação, com o acesso à prática de leitura. Em 10 de março de 1833, a MA traçou o perfil da formação e em que deveriam ser empregadas. Diz a Mesa: ?$ necessidade de aumentar o recoOKimento retirando as enfermarias para aumentar aquelas casas precisas, especialmente para aulas oficinas. Aulas de ensino mútuo (63 alunas) , 32 em aulas de costuras, 13 de cozer meias, 14 de fiar carrinho, 13 de marcar , tecer, 2 instruidas. Nosso bem razoável aumento dos dotes para 400 reis cruzados por que esta quantia já convida alguém a tomar o estado, especialmente, de sua esposa, humanamente bem formada nos sentimentos da religião, e da moral, instruída nos mistérios mais precisos as mães de família das que tanto dependiam a boa educação dos filhos, consequentemente o bem, a moral e a religião do Estado?. (ASCMBA. Livro de Registro, 87 A) A partir do que foi apresentado, posso sugerir , assim como sinaliza utilizar Gandelma (2005) como proposta para a educação das meninas do RMRJ, que o RSNJ também procurou preparar as órfãs para ?tudo o que pertence j criação de uma perfeita muOKer?. Essas internas foram JradatiYamente preparadas para a ?Yida no spcuOo? $ afirmação da Mesa de que ?dependiam deOas a Eoa educação dos fiOKos? refOete como esses espaços foram incorporando os novos discursos e papéis que as mulheres deveriam desempenhar no século XIX. A educação das meninas então foi dividida, segundo Gandelma (2005), em lavores de mão juntamente com os serviços da casa, às propostas mais antigas de exercícios temporais presentes nos recolhimentos, dentro do modelo de conjugalidade de uma sociedade ainda largamente baseado na oralidade. Esses exercícios estavam resumidos em: bordar, fiar e cozer; e a segunda relacionada aos serviços de casa, e a terceira relativa ao ensino de leitura, escrita e operações básicas. Em relação a essa última as operações básicas, não encontramos registro de que foram instituídos nesse primeiro momento no Recolhimento. Gandelman (2005) ainda acrescenta que essa concepção de educação para meninas onde os lavores manuais, ou seja, as atividades manuais foram excessivamente exaltadas 67 Comenius é um pensador do século XVII, pioneiro na proposta de uma educação democrática, que incluísse a todos, pobres, ricos, homens, mulheres, inteligentes e menos capazes. Na sua Didática Magna prega um ensinar ?tudo a todos totalmente?. Essa obra marca o início da sistematização da pedagogia e da didática no Ocidente 159 porque elas ratificavam o lugar das mulheres na conjugalidade, como do exercício desse lugar no espaço privado. Para a autora, se pensarmos que a partir da Contra- Reforma um ideal de família foi instituída pelo concilio de Trento, a mulher não ociosa e confinada no espaço privado, doméstico possibilitava a preservação da honra e salvação das almas. Era um exercício das virtudes femininas. A autora destaca ainda que esses lavores deveriam ser encarados como a ocupação das mulheres honradas. Na Grécia e em Roma, eles já eram utilizados para impedir que as mulheres caíssem na ociosidade. Vasconcelos (2005) ratifica essa ideia ao afirmar que essa educação também fez parte da educação da elite. A educação doméstica, que por muito tempo foi utilizada pelas classes mais abastadas para educar seus filhos e filhas, principalmente fiOKas priYiOeJiaYa tudo que fosse OiJado ao manuaO ?%ordar coser marcar cortar dançar trabalho com agulhas, caia a ouro, prata, matiz, e escama de peixe, tricot, filot, flores, obras de fantasia recortar estofos e outros traEaOKos manuais? (VASCONCELOS,2005, p.80) Cabe aqui uma reflexão do que representava esses trabalhos manuais para os diversos grupos sociais. Uma vez que não podemos esquecer que essa sociedade era marcada pela vivência da escravidão. Muitos dos trabalhos manuais eram associados à coisa dos escravos, a função de negros, mas era notório também que a depender de quem o desempenhava e, em que condições desempenKaYam esse estiJma era ?iJnorado? ou diminutdo E o que parece em relação aos ensinamentos dos trabalhos manuais destinados para as mulheres da elite. Para esse mesmo grupo, o aprender a costurar ou cozinhar, ou fazer flores, não seria qualquer aprendizado, mas algo mais refinado. Ou mesmo, para esse grupo de mulheres esse ensino era destinado para saber governar bem uma casa. Leite (1997) pontua que esse tipo de aprendizado teve um significado prático para as elites. Ou seja, em caso de infortuítos poderiam ser usados para a sua manutenção ou mesmo de sua família. Para as dos grupos populares, e como vimos no perfil das recolhidas, serão as que constituíram o maior número das mulheres reclusas, esse tipo de ensino, muitas vezes, representava o único aprendizado que recebiam, e tinha como objetivo a sobrevivência. Como demonstra a descrição no pedido registrado em 1842, pela MA. Segundo a mesma, Maria Anunciação, costureira, argumentava não poder mais manter suas três filhas nem com as esmolas dos fiéis nem com os lucros de sua costura. Ora, a solicitante demonstra como essas atividades, de algum modo, serviram, de fato, como manutenção daquelas pessoas que, por alguma razão, ao longo de suas vidas, passaram a ser as únicas responsáveis pelo seu sustento e de outros. 160 No caso do Santo Nome de Jesus podemos pensar que para algumas mulheres, principalmente, as de cor, aquelas que entravam no recolhimento na condição de servas ou mais tarde, as várias expostas que eram destinadas a esse espaço, acessavam através dele uma possibilidade de ocupar um estado na sociedade, como permitia a elas algum tipo de formação que era negada à maioria das classes populares. Em 3 de março de 1855, a Mesa registrou um ofício endereçado ao Escrivão da Mesa da Irmandade de São Vicente de Paula, a respeito da admissão de duas meninas da Santa Casa da Misericórdia no Colégio dirigido pelas Irmãs de Caridade. Nesse Colégio eram ministradas, segundo D. Romualdo Seixas aulas de língua nacional, francês, geografia, história, música, desenho e prendas próprias do servo. Diz o ofício: Desejando melhorar por todos os meios possíveis a educação e instrução das recolhidas da mesma Casa, resolveo pedir a Ilma Mesa da Irmandade de São Vicente de Paula a admissão de duas recolhidas no Colégio dirigido pelas Irmãs de Caridade, ficando a cargo do Colégio as despesas de sustentação e instrução e da Casa vestuário, camas e outros. ( Jornal Nothiciador Catholico, 1858) A partir do século XIX tal era o interesse e disposição da Mesa em bem educar suas recoOKidas que cKeJou ao ?requinte de contratar dona 9irJinia %oconnini para ensinar m~sica e piano, como noções de dança às recolhidas, acrescentando um tipo de aprendizado somente e[iJido em reOação js MoYens de eOite da cidade? NASCIMENTO, 2002, p.47). Esse tipo de aprendizado, no caso do Recolhimento do Santo Nome de Jesus, se distanciou da leitura que Leite (1997) faz em relação à presença desse ensinamento em recolhimentos. Para essa autora, ?a Oeitura o canto e o maneMo dos instrumentos musicais completavam a educação das moças. A música, principalmente no piano, era cultivada de modo diletante pela maioria das reclusas, funcionando quase sempre como uma espécie de alimento para o esptrito? /E,7E  p.45). No caso do Recolhimento do Santo Nome de Jesus, acreditamos que, pelo perfil da professora escolhida à música e dança fora influenciada pelas mudanças nos novos tempos, das noYas sociaEiOidades dispensadas js muOKeres dos ?conKecimentos? que as muOKeres deveriam ter para transitar nos novos espaços. O que levou a Instituição a destoar das severas críticas da Igreja Católica em relação à introdução desses aspectos na educação. Em 1848, no Noticiador Catholico, Antonio de Macedo Costa, em um artigo sobre a educação da mulher escreYeu: ?8ma educação sy de sons, e de movimentos julgo em muito a baixa da cathegoria da mulher, esse ente destinado a amaciar os espinhos da vida do homem aqui na Terra, não pode, absolutamente o digo, não 161 pode preencher este seu fim só com dotes mesquinhos?. (ASCMBA. Livro de Registro de correspondência, 89A) Demonstrando que não estava mesmo longe das discussões da época sobre a educação ou cuidado das mulheres, em 1835, a Mesa questionou em ata, o estado de reclusão em que se achavam as internas. Afirma a $ta ?o estado de reclusão em que se acham as recolhidas sem gozarem do ar livre do campo tão saudável, aos corpos humanos e mesmo, resolveu que no tempo do verão as recolhidas nos domingos e santos pudessem sair e passear nos subúrbios nas manhãs, ou tardes em companhia da Regente, Mestra e Mesários que fossem nomeados?. (ASCMBA. Livro de Registro de correspondência, 88A) Observa-se, portanto que, ainda que vigiadas, a reclusão total dessas mulheres em algum momento passou a ser questionada, não para possibilitar algum tipo de sociabilidade, mas, talvez influenciados pelas novas ideias mpdicas que recomendaYam ?passeios? para a cura dos males ou para fazer o bem ao corpo. Devo acrescentar ainda, que os homens que decidiam sobre o andamento e a educação das recolhidas eram pessoas do seu tempo, influenciados pelas novas socializações. Portanto, circulavam nos espaços onde as novas regras ou ideias sobre o feminino estavam presentes. O que justificaria essa inovação na educação das meninas recolhidas. Outro fator que demonstra que o Recolhimento não esteve incessível às novas discussões sobre a educação feminina no século XIX, foi à ênfase dada à necessidade do aprendizado da leitura e escrita das recolhidas. O estatuto de 1806 sinalizava a leitura e escrita como um dos ensinamentos que deveriam ser destinados às recolhidas. Foi na metade do século XIX que observamos um intenso debate e investimento do recolhimento para que essa aprendizagem se edificasse. Em 2 de setembro de 1829, o provedor Coronel João Ladislão de Figueiredo e Melo, soEre a ?mi escrita das recoOKidas e a preocupação com o ensino de costura que ainda não acontecia?. (ASCMBA. Livro de Registro de correspondência, 87A) Em janeiro de 1830, duas mestras se ofereceram para ensinar as primeiras letras, respondendo a solicitação feita nos periódicos da época. Em 25 de abril de 1830, foi contratada Ana Joaquina da Anunciação para o lugar de Mestra de Primeiras Letras, esta possuía o titulo aprovado pela província. Mas, 16 de junho de mesmo ano, a MA ainda registrava a ?discussão soEre o maO que ia ao Recolhimento sobre a instrução primária, porque de oitenta recolhidas que existiam, somente nove sabiam assinar o seu nome. Remediar com a proposta da criação de uma escola pelo methodo de ensino mútuo e nomeando para o lugar de 162 mestra $nna -oaquina da $nunciação? (ASCMBA. Livro de Registro de correspondência, 87A) Segundo Ribeiro (2000), nos 322 anos em que o Brasil foi colônia de Portugal, a educação feminina esteve, geralmente, restrita aos cuidados com a casa, o marido e os filhos. Tanto mulheres brancas, ricas ou empobrecidas, como as negras escravas e as indígenas não tinham acesso à arte de ler e escrever. Uma vez que a mulher era vista como pouco preparada para determinadas leituras ou conhecimento. Sendo essa concepção retrata em versos recitados na &oO{nia como a ?0uOKer que saEe muito p muOKer atrapaOKada para ser mãe de famtOia saiEa pouco ou saiEa nada? ?0uOKer Konrada deYe ser caOada? Portanto, o acesso das mulheres à leitura deveria ser então para usou fruto de alguns livros, como os livros de reza. A partir do século XIX, como vimos antes, o letramento das mulheres era necessário para a formação dos futuros membros da sociedade. Ao mesmo tempo, no caso do Brasil, com a chegada da Coroa portuguesa à Colônia, ocorreu uma sistemática tentativa de se distanciar dos modos provincianos da Colônia. A mulher não precisava ser bastante culta, deveria, pelo menos, saber falar e portar-se. Fazer pequenas leituras, ter conhecimento de poucas coisas, mas algum conhecimento para circular com ares de dama. Por outro lado, devemos nos lembrar que isso não era pensado para todos e todas da sociedade. Por que, então, a instrução na leitura e escrita foi importante para as classes menos favorecidas, como era o caso da maioria das recolhidas do Santo Nome de Jesus? Ao final do século XVIII, não apenas as ideias Iluministas influenciaram uma concepção de educação como o próprio processo de industrialização reivindicava outro perfil de trabalhador. Vicent (1980 apud Bastos, 1999) salienta que o ensino mútuo nasceu com o processo de industrialização, com a função de transmitir rapidamente e com poucos gastos a todos os alunos os saberes e o saber-fazer, nada científico, mas algo que possibilitasse a esse trabalhador ser um bom executor de tarefas. Lins (2000), ao comentar a introdução do método mútuo ou lancasteriano, na Inglaterra, explica que ele respondia a uma concepção burguesa de educação. Não se fazia mister dar uma formação científica as classes trabalhadoras. Somente uma educação elementar ou primária seria compatível com todas as atividades dessa classe, uma vez que serviria para cultivar o espírito e manter os indivíduos em harmonia, como afirmava Adam Smith (1723 ? 1790). Nesse sentido, leitura, escrita e aritmética eram suficientes para o aprendizado desse grupo. 163 Outro fator que fazia o Ensino Mútuo tão atrativo era a ideia de ordem, disciplina que existe implícito na sua prática. Foulcault (2001), em sua obra Vigiar e Punir destaca que o aluno no ensino mútuo estava preso a um verdadeiro sistema militar, que o leva a agir somente mediante a ordem e submete-o a um condicionamento destinado a torná-lo um cidadão dócil e obediente. Para além das facilidades econômicas propostas pelo método, uma vez que ensina em pouco tempo um grande número de alunos, sem necessitar de muitos mestres uma Ye] que se pode usar os monitores ?0estres nas suas pryprias escoOas e outras escoOas? A partir desses aspectos podemos pressupor porque a MA optou pelo método do ensino mútuo. Além da economia que representava esse tipo de ensino, ele se propunha a desenvolver as características necessárias para a formatação do comportamento das recolhidas: docilidade e obediência, qualidades que uma mulher deveria apresentar. Para além dessa busca da Mesa de imprimir um comportamento adequado nas recolhidas, na reforma do compromisso da Misericórdia da Bahia, em 1842, a MA começou a evidenciar as influências das novas ideias que circulavam na Europa e chegaram ao Brasil. Nesse ano, o responsável por pensar a reforma do compromisso da Santa Casa da Misericórdia afirmou: Nas alterações, que ousei fazer, quando redigi as matérias dos differentes capítulos, servi-me d´algumas idéas, adquiridas no curso de minhas viagens, momente na Grã- Bretanha, França, e Hollanda, onde examinei muitos estabelecimentos de Caridade; e admiti doutrinas de Authores philatrópicos, que tem modernamente escripto sobre Instituições Pias, e tendentes a melhor o homem nas classes menos felizes da sociedade. Mr Foderé, no seo Ensaio histórico, e moral sobre a pobresa das Nações: o Barão De Gerando, em suas Institutas de Direito Administrativo; Mr. Colgunhoun, no seo Tratado sobre a Policia de Londres; O Barão Dupin, na sua História da Administração dos Socorros Publicos; e Mr. Duchatel, na sua obra Da Caridade em suas relaçõs com o estado moral e bem- estar das classes inferiores; são estimáveis fontes, donde pode haver-se copia de conhecimentos úteis sobre casa de Piedade. (ASCMBA. Proposta de Reforma do Compromisso da SCMBA, 1842) A introdução do método mútuo não foi aleatória. Ao contrário, havia uma sensibilidade da Mesa sobre as modificações que ocorriam nos novos tempos e o reconhecimento de que algum tipo de educação deveria ser dado aos grupos menos favorecidos para que pudessem responder às modificações do tempo ou, até mesmo, adaptar- se a eles. Ainda na discussão sobre a proposta da Reforma do Compromisso da Santa Casa da Misericórdia no que tange o aprendizado das recolhidas, o autor salienta que assim como acontece nos países civilizados, as distribuições de prêmios para aquelas que se sobressaírem em alguma das Escolas, produziu um grande estímulo, não apenas para as recolhidas como 164 para o desenvolvimento da indústria privada, assim como para o estímulo do gênio. Destaco, ainda, que ao distribuir as recolhidas em 3 escolas, parecia ser para as donzelas, a educação mais adequada e crer ?que a utiOidade do ensino que indico não seri contestada por ninguém: pelo menos tenho a me favor a prática, e exemplo das melhores casas pias, destinadas a fim idêntico?. Art 133. Haverá dentro do Recolhimento 3 Escolas, regidas por mestras, que habitem dentro, ou fora delle; a saber: Uma de Primeiras letras, onde as recolhidas de todas as classes aprendão o Cathecismo da religão, e a ler, escrever, e contar. Outra de costura, onde aprendão a cozer, cortar vestidos, bordar, fazer tapetes, flores, rendas, toucados, e outras obras de modistas. E a terceira de Trabalho, onde aprendão a fiar, tecer, marcar, cozer obras d´alfaiate, fazer meias, e sapatos finos de mulher, engomar, lavar, e etc. Instruções, dadas pela Mesa, regularão as horas das aulas, sua duração, obrigação das mestras, methodo correcional, e o mais que for mister para a boa ordem das Escollas, e proveito das Recollhidas. (ASCMBA. Proposta de Reforma do Compromisso da SCMBA, 1842) A utilização de determinados termos, como classes, assim como a divisão do que deveria ser ensinado, e o ensino de uma atividade prática, principalmente a costura, eram coisas previstas no ensino mútuo. Assim, como as premiações. Segundo Lasege (1999), os fundadores do método mútuo, Bell e Lancaster, não acreditavam no simples desejo de aprender como motivação suficiente para o grande número de alunos. Assim apelavam para a emulação. Para favorecer essa emulação foi instituído um conjunto de procedimentos combinados com sanções positivas e negativas. O RSNJ reconheceu essa prática como forma de estimular as recolhidas ao desenvolvimento do aprendizado de determinadas funções oferecidas pela Instituição. O art. 134 previa: A mesa estabelecerá prêmios, que devão ser distribuídos por aquellas Recolhidas, que se sobresahirem em qualquer ramo das primeiras letras, costura ou trabalho. Para o que, far-se-há, no dia da Visitação de N. Sr.a. uma exposição de todos os objectos executados, ou fabricados pelas recolhidas, que concorrem aos ditos prêmios. (ASCMBA. Proposta de Reforma do Compromisso da SCMBA, 1842) Vale ressaltar que, mesmo ofertando apenas uma educação básica para as classes menos favorecidas, o método lancasteriano/ mútuo representou o caminho inicial para pensar em educação para as classes populares no Brasil. Contudo, reforçou não apenas um aprendizado manual para esse grupo, uma vez que preconizava a separação entre um saber mais elaborado de um saber-fazer, assim como ratificou os papéis de gênero. Ofertava-se a escrita, a leitura, o contar para ambos os sexos, mas sugeria o desenho linear para os meninos 165 e costura para as meninas. A defesa dessa educação restrita para mulheres, ao mesmo tempo em que procurou justificar o lugar dela no mundo privado, paradoxalmente, possibilitou que ela rompesse o lugar do silêncio e usasse a palavra escrita para expressar-se. No caso das recolhidas do Santo Nome de Jesus, não raro elas se utilizaram desse conhecimento para reivindicar a possibilidade de falar. As cartas escritas pelas recolhidas eram, no mais das vezes, os seus caminhos da comunicação com um mundo que cerceava a fala das mulheres. No caso da Revolta das Recolhidas do Santo Nome de Jesus, em 28 de fevereiro de 1858, para justificar as suas atitudes, as recolhidas utilizaram a escrita para isso, encaminhando três salvo-condutos68. Um para a Mesa, um para o Presidente da Província e o outro para o Provedor. Em outros momentos, utilizaram a escrita para pleitear a sua liberdade quando julgavam que não deveriam estar naquele estabelecimento. Como foi o caso de Maria Roza Azevedo Gomes, em 1819. Esta porcionista tentou sair do recolhimento prestando várias causas nos seus requerimentos, e até ao governo provisório, ao que Mesa não assinou, finalmente, fugiu com o auxílio da regente. Ao possibilitar a escrita para as mulheres, na visão do homem, era necessário para viabilizar a formação dos futuros homens, seus filhos. Para as mulheres representou a possibilidade de se expressar e de romper com o silêncio a elas impostos. Na reforma do estatuto do Recolhimento, em 19 de janeiro de 1858, promovido pelas Irmãs de Caridade, um dos capítulos introduzidos referia-se as cartas 'i]ia: ?Todas as cartas mandadas ou recebidas pelas recolhidas serão entregues a superiora, que poderá abrir, ler, reter ou mandar seJundo mais Musto OKe parecer? O acesso à leitura e a escrita permitiu, em aOJuma medida que essas muOKeres ?OiEertassem? seus deseMos e opini}es ?Era necessirio então condu]ir encaminKar determinadas Oeituras como uma maneira de ?corriJir? esptritos tão YoOuntariosos e ? débeis? (ASCMBA. Ata do SCMBA, 1858, 93A) Entre as leituras permitidas as recolhidas encontravam-se o ?0ercador de )eiras? e ? $s &artas $mericanas? manuais de Eom comportamento que tinKam como finaOidade educar moralmente as recolhidas de forma a moldá-las de acordo com o perfil de mulher, desejado pela sociedade baiana. Uma mulher preparada para desempenhar o papel de mãe e esposa, de servir, restrita ao espaço doméstico e acima de tudo, religiosa. Entre os exercícios espirituais das recolhidas estava a visita ao coro: 68 Esse salvo-conduto foi uma carta escrita em 23 de março de 1858, já referida nesse trabalho, onde as recolhidas explicavam o acontecimento do dia 28 de fevereiro de  e assinaYam como ?$s recoOKidas da &asa da 0isericyrdia? 166 [...] o templo He casa de Deos, especialmente deputado para Jesus a Jesus divino louvorez, por isso He muito importante que haja toda a reverência, respeito, humildade, devoção e se desterrem desse lugar todos os abusos...Esteja com toda a devoção, respeito e reverencia, para não só agrade a Deos NSr. Mas também com seu exemplo mova e edifique as maiz. (ASCMBA. Estatuto do Recolhimento do RSNJ, 86 A) Civilizada, como veremos, mas não distante dos ensinamentos católicos. Ora, se o recolhimento buscou civilizar essas mulheres, formando comportamentos e exercícios espirituais, as orações também fizeram parte das obrigações das internas. Nesse sentido, observemos que os manuais de comportamento adotados pela Santa Casa, caminharam com as normas religiosas. 167 3. MANUAIS QUE MORALIZAM, TRABALHO QUE OCUPA 3.1 OS MANUAIS: O MERCADOR DE FEIRAS E AS CARTAS AMERICANAS Antes de iniciar a análise dos referidos manuais destaco que segundo Elias (1994), no século XVIII, os iluministas acreditavam que os povos não estavam suficientemente civilizados, uma vez que a civilização é um processo em construção e que, portanto, deve prosseguir. Mas como prosseguir? Através do [...] cuidado com as condições morais e espirituais do homem. Sendo uma das metas do progresso a perfeição da natureza humana, seria preciso priorizar os relacionamentos ensinando a humanidade a conviver em sociedade. E isso se faria num primeiro momento mediante a aprendizagem do controle dos instintos, como diria EOias das ?Eoas maneiras? e num seJundo momento num kmEito maior por meio da organização e da intervenção do Estado e suas exigências legais (AMO, 2000, p. 8) Desenvolveu-se então um aparato de reJras de ?Eoa educação? 8m cydiJo que se impunha, e, portanto, deveria ser seguido, para todos que desempenhavam as funções sociais importantes. Nesse sentido, essas normas de conduta social, não apenas, podem ter determinado fases do processo civilizador, além de se instituírem elementos diferenciadores, como foi instrumento de poder, especialmente aqueOe e[ercido soEre o corpo ?2 corpo se torna cada vez mais refém das boas maneiras, é sobre ele (o corpo) que as normas de ciYiOidade se e[ercem com maior riJor? ?$s e[press}es corporais são fortemente regulamentadas, racionalizadas, a fim de impedir as suas manifestações espontâneas e desordenadas? P,7$66,/*$, 2000, p. 1). O século XIX reabilitou os manuais de civilidade, tomando para si, diante das transformações pós-revolução francesa, de preparar os indivíduos para as novas condições sociais, econômicas e políticas. Nesse sentido, os códigos ofereciam conselhos sobre refinamento no mundo que se apresenta, condenando os exageros e imprimindo um compromisso com a ética e a moral, mas sem eliminar as distinções sociais. As pessoas mais simples tinham acesso a essas noções de civilidade, segundo Pitassilga (2000), através da ampliação da escola primária e a incorporação do ensino das noções de civilidade, isso dar-se-ia pela ideia de educação, polidez, civilidade por serem condições necessárias ao progresso e regeneração social. Uma vez que esses manuais 168 imprimiam a noção de ?saEer estar no seu OuJar? Ou seja, noções de ordem, hierarquia, respeito, obediência, decência, moderação, pudor, asseio, que, entre outros aspectos, conformava os indivíduos para o que seria habitualmente destinado. Nesta perspectiva, compreendo os dois manuais que foram adotados no Recolhimento do Santo Nome de Jesus como diretrizes para a ideia de conformação das mulheres em determinados papéis, e com determinados comportamentos. Para Pitassilga (2000), a adoção desses manuais para as escolas de primeiras letras, como normalmente era praticado, buscava um projeto de civilizar e europeizar o Brasil, no século XIX, no sentido de que os indivíduos deveriam apresentar um mínimo de formação e de boas maneiras. Lembremos como afirma Amo (2008), que a partir do século XIX, o Brasil vivenciaria um projeto que buscava civilização e europeização. A intenção de civilização passava pelos vários momentos da vida brasileira, desde as relações políticas e econômicas, chegando às relações sociais. Os manuais de civilidade respondiam a essas expectativas ou, pelos menos, indicavam a homens e mulheres como deveriam ser. O que também não significa que essas regras foram efetivamente interiorizadas pelos alunos e, especificamente, as recolhidas. 3.2 SIMÃO DE NANTUA OU O MERCADOR DE FEIRAS O Mercador de Feiras foi o primeiro livro adotado pelo Recolhimento, por volta de 1829. Na abertura do livro encontra-se uma oEserYação: ?$ primeira esJotada desde Mi Ki muito tempo, não tinha sido suprida; entretanto, é está uma obra excelente para a educação moraO da mocidade? &$6752  p  2 editor continuou afirmando que se o homem mais esclarecido conhece melhor os seus interesses e os seus deveres, é evidente que promovendo a instrucção fazo mais importante serviço ao gênero humano e a civilisação. Assim vemos o affindo com que os amigos da humanidade procuram diffundir a instrucção. Neste empenho, porém distingue-se a nação franceza. Nenhuma outra se conhece que tenha accumulado mais riqueza scientifica, nem que a haja derramado com tanta profusão. ( CASTRO, 1875, p.2) O século XIX, de fato, foi marcado por uma grande ênfase na instrução, como observamos no capítulo anterior, na Europa. Criação de bibliotecas, jornais, tradução de livros e ampliação do comércio dos mesmos, sinalizavam que a ideia de civilização que se formava no Velho Continente era uma necessidade. Essa civilidade não se dava de forma natural, ao contrário, dava-se através de discernimento e método. 169 É dentro dessa conjuntura que se figurava na Europa que podemos entender quando, em 1817, na França, uma sociedade denominada Instrunção Elementar, criou um concurso de Oiteratura para premiar a oEra que se ?offerecesse a mais accommodada para ensinar as maximas de moral christã e prudência social, que devem dirigir os homens de todas as condiç}es? &$6752  p  6eJundo o autor o proJrama e[iJia que a oEra que fosse premiada mostrasse como funciona a felicidade do homem. Felicidade do homem depende absolutamente do cumprimento de sues deveres, - que da carta constitucional e da legitimidade tem vindo aos francezes muitos benefícios; e que emfim a obediência as leis é condição essencial para que o cidadão possa gozar completamente da segurança pessoa da justa liberdade e da propriedade ( CASTRO, 1875, p.3) Em 28 de fevereiro de 1817, a Sociedade Instrunção Elementar conferiu o prêmio à obra intitulada ? Simão de Nantua? ou 2 0ercador de )eiras, autor M. de Jussieu, por julgar que ela reunia em si, os requisitos solicitados pelo concurso. Para Castro (1875), o esgotamento da obra em suas quatro edições, bem como a recomendação para a instrução popuOar e tradução para as diYersas ?OtnJuas cuOtas? Mustificou a sua tradução para o português, nas palavras do autor: Convencido, pois, da utilidade da obra, e sympathisando com os povos que fallam e prezam a língua portugueza, ouso offerecer-lhs n´este imperfeito trasladouma parte do interesse e da graça do original. Possam realisar-se amplamente os votos de Simão de Natua, sejam seus conselhos sempre escutados com docilidade e amor do bem ( CASTRO, 1875, p.4) Pelo exposto, noto que essa obra nasceu com um objetivo definido: ensinar aos diferentes indivíduos as condições necessárias para conviver em sociedade, respondendo aos novos padrões de civilidade, mas sem esquecer a moral cristã. O que me remete à reflexão de Pitassilga (2000) sobre os planos de estudos em Portugal, entre os séculos XVIII e início do século XIX, onde ocorreu uma sistemática ênfase às noções de civilidade e moral cristã. Ou seja, mesmo a civilidade tendo sido assumida desde 1772 como matéria de ensino nas escolas portuguesas, a formação religiosa não fora esquecida. Ao contrário, religião e civilidade compunham a formação dos discursos desses manuais. Junto aos manuais foram adotados os catecismos e as orações faziam parte da dinâmica desses espaços. A moral estava fortemente associada à religião católica no Império português. Segundo Pitassilga (2000), um dos catecismos de religião e moral da época 170 questionaYa: ?4uaO p o fundamento da lei moral? Amar a Deus, sobre todas as coisas, ao pry[imo como a nys mesmos? 2ra em +istyria de 6imão de 1antua, o temor a Deus é destacado O homem pio e justo põe somente em Deus a sua fé, e só nélle confia achar o seu refugio. Ah! Quem não sentisse a necessidade desta fé e deste refúgio? Qual creatura humana, a não ter a alma insesivel e pervetida, se não sentiu nas angustias desta vida impellida a prostrar-se diante do auctor de toas as coisas? [...] Ah! Como me condoo dos que não sabem adorar, nem querem pedir a Deus[...] Santas orações, quando bem não tendes feito!. Sou homem e paguei, o como tal a minha divida e tributos a humanidade. Mas quando rezei a minha oração da manhã, achei-me melhor e mais forte durante o dia, quando rezei a da tarde repousei mais socegado durante a noite. Quando a felicidade me sorriu, pareceu-me maior depois de dar graças (JUSSIEU, 1875, p. 243) Em relação aos ensinamentos cristãos, o autor dava ênfase à observância dele para a formação de homens e mulheres virtuosos. Jesus Chirsto dizia ele, que tornasse a embainhar a espada e disse-he, que quem ferisse com ferro, com ferro morreria. Comprehendeis vós, meus irmãos, todo o sentido d´estas palavras? Ellas não significam somente que a espada vingará o mal que tiver feito a espada. O ferro aqui é a imagem do vicio e das paixões. O nosso Divino Mestre quis dar uma lição a todos os homens, e ensinar-lhes que os vivios são castigados pelos mesmo vivios, e as paixões escondem debaixo de um veu seductor um veneno que mata. Isto é, o orgulhoso será humilhado pelo triumpho dos outros. O invejoso será dilacerado pela desesperação que lhe causará a fortuna alheia. (JUSSIEU, 1875, p.130) No RSNJ essa disposição não foi esquecida na apresentação do capitulo 13, denominado: ?dos e[erctcios espirituais? do Estatuto do recoOKimento do inicio do spcuOo XIX: Não há couza tão importante ao christão, qual seja a oração, porque nenhuma couza lhe he mais crucial, do que respeitar, venerar aquelles, sobernao Senhor, que he o cridor, e conservdor de todo o universo: de conferir a Deos com repetidas acções de graçaos beneficios que delle tem recebido, e de impor necessantemente o seu socorro incontinhuas necessidades que o apressem. A oração he hum thesouro infinito de toda a sorte de bem e requezas. He allimento espiritual das suas almas: he um meio admiravel, para satisfzer o ardor, que temos no serviço de Deos: he hum asilo favoravel para nos acolher quando somos combatidos das tempestades dos nossos inimigos e todo e genero de tentações [...] corrigir nossa vida, reformamos os nossos costumes. (ASCMBA. Livro de Registro de Correspondência, 86A) Os manuais adotados pela Santa Casa da Misericórdia não feriam seus preceitos religiosos. Ao contrário, reforçava uma conduta moral de acordo com os princípios religiosos vigentes. Homens e mulheres e, em especial, as mulheres, deveriam cuidar da sua vida 171 espiritual e da família, uma vez que eram as propagadoras dos ideais cristãos dentro da família. Outro aspecto a observar, na obra adotada pela Santa Casa de Misericórdia para as recolhidas, era a ênfase nos exemplos. Os indivíduos aprendiam pelos exemplos. Esse manual não apenas ensinava como deveriam ser os comportamentos de homens e mulheres, como faz do seu personagem, o contador das histórias, um exemplo de pessoa, uma modelo a ser seguido. Quem é Simão de Nantua afinal? Um modelo de comportamento: Simão de Nantua, que andava de feira, havia mais de quarenta annos, com um &aYaOOo carreJado de mercadorias não tinKa enriquecido n¶este emprego, mas havia ganhado experiência, que vale tanto como ouro, pois tinha bons olhos e bons ouvidos, via muita terra e muita gente, ouvia muitas cousas. Era dotado de juízo claro e justo...aquele que o ouvia não perdia o seu tempo, porque dizia coisas sensatas e proveitosas, pois antes que fallasse tinha visto, ouvido, e meditado muito (JUSSIEU, 1875, p.4) Prosseguindo a definição do personagem, o autor dá a tônica sobre o que abordaria na narração do livro: educação, instrução e trabalho. Afirmou ele sobre Nantua: Posto que não rico, todavia o seu pequeno commercio lhe havia proporcionado meios de educar uma numerosa família e de viver folgadamente. Ora, como os seus desejos não excediam a sua possibilidade era perfeitamente feliz, pois dizia elle: - só p Yerdadeiramente poEre o que deseMa mais d que pode ter? $pesar de sua idade aYançada continuaYa a traEaOKar e a discorrer peOas feiras porque di]ia : ? a ociosidade e a preguiça são os maiores inimigos da saúde e da felicidade (JUSSIEU, 1875, p. 4) Sobre a instrução na vida de Simão de Nantua, o autor destacou: ?6eJuiu a profissão do pae mercador de feiras ou EufarinKeiro &om modesta instrução, via melhor as cousas, e julgava de tudo com mais discernimento e acerto. O gosto que sempre conservou a lição de bons livros lhe offerecia um útil e deleitoso passatempo; e se os seus negócios o consentiam, às vezes escrevia as suas próprias reflexões. Esta instucção dói a única herança que Simão recebeu de sua família; mas herança que vale mais do que dinheiro, porque offerece meiso de o ganhar, enquanto a ignorância só conduz a perdel-o? -866,E8  p  A partir daí o autor faz a sua maior defesa: ? 9ys mandaes Yossos fiOKos a escoOa" Pois mandae-os que n? nisso OKe fareis o maior serviço. Se não ?souEerem nada serão sempre dependentes dos outros e muitas Ye]es OoJrados? (JUSSIEU, 1875, p. 5) 172 Precisamente nos capítulos V e VI o autor, através das histórias contadas pelo personagem de Simão de Nantua, pontuou a sua percepção sobre a necessidade de ministrar um mínimo de educação para os indivíduos através do método do ensino mútuo. Chegando a Besanço tomamos agasalho por duas noites em uma casa de pasto modesta...A casa tinha três filhos, sendo dois rapazes, dos quaes o mais velho não tinha menos de onze annos, e uma menina de sete para oito annos. Simão de Nantua, que toda a sua vida gostou muito de creanças, logo ganhou affeição...lembrou-se de perguntar ao mais velho se sabia ler e escrever. O rapaz respondeu com alguma vergonha que não sabia nada d´isto. (JUSSIEU, 1875, p. 20) Questiona então, a mãe, que deveria ser responsável por observar a educação dos filhos. Mostrando-lhe a necessidade da educação dos meninos e quem deveria enviar-lhes a escolas de ensino mútuo: ?6ão escoOas onde as creanças se ensinam umas as outras mutuamente a ler, escrever e contar, e onde se aprende o evangelho, o cathecismo, tudo o que p preciso que as creanças saiEam para Yirem a ser dyceis Eons cKristãos e Eons s~Editos? (JUSSIEU, 1875, p. 21). Ele ainda salienta que um rapaz que sabe ler e escrever acostumado a trabalho e a ordem, não seriam jogadores nem vadios, e teriam recebido princípios e probidade. Percebamos que em nenhum momento o autor desvincula a instrução da necessidade de uma atividade profissional. O principio do ensino mútuo era possibilitar o mínimo de formação à classe trabalhadora, a fim de desempenhar melhor suas funções. A educação aqui não é para a construção de um homem reflexivo, apesar do próprio Nantua ser um homem desse tipo. Não. A instrução elementar deveria servir para fazer o homem comum lidar com eficiência com as novas transformações do seu dia-a-dia. Nesse sentido, eles seriam instruídos para serem bons cidadãos, cumpridores dos seus deveres, ordeiros. Simão de Nantua retrata isso em relação ao homem, uma vez que a este se destina o seu discurso: ?1a manKã seJuinte Simão de Nantua e eu, tomamos cada um pela mão um dos rapazes para irmos com eles à escoOa do ensino mutuo? JUSSIEU, 1875, p. 21). O que dizer da mulher? Sobre a educação das meninas: ?$s meninas não Yão à escola dos rapazes, diz Simão de Nantua; mas há outra para ellas, onde aprendem a ler escrever e contar, e a coser e bordar por differentes modos. A essa pode ir Pede a tua mãe que te mande Oi? (JUSSIEU, 1875, p. 23) Em outras palavras, notemos, através dessa obra, até onde deveria ir a educação das recolhidas. Sem instrução não deveriam ficar, mas nada que extrapolasse aquilo que deveria pertencer ao gênero feminino. Esse autor reafirma o que já estamos discutindo sobre as novas ideias do Iluminismo a favor da educação. Constrói bem os lugares dos indivíduos a partir da 173 ideia dos atributos naturalizados do que pertenceria ao masculino e ao feminino. Reforçam-se os papéis e nega-se à mulher a possibilidade da participação na elaboração do mundo ou, pelo menos, se tenta. Ainda sobre as mulheres, o autor pontua, na história de uma menina laboriosa, e de outra dissipada, como os atributos femininos eram fugazes: ?/emEraes-vos de Cathrina Gervais, e de Coleta Michaud? Não sabeis que ambas deixaram a sua terra para irem estabelecer-se em Paris? Eu as encontrei ahi, e d´ellas mesmas souEe o que Kes aconteceu depois que dei[aram a sua terra? -866,E8  p  A primeira, boa rapariga, sem formosura, nem pretensões, mas sisuda, amiga do trabalho, inclinada a piedade. Foi para Paris com o objetivo de ganhar dinheiro para ajudar seu pai enfermo. Curiosa, procurou aprender tudo que podia e, reconhecida por isso, não demorou a encontrar um emprego melhor. Colleta, por sua vez, era muito bonita, e sabia disso, então usava esses atributos a seu favor, nem mesmo cumpria seus deveres espirituais. Só se preocupava em se vestir para dançar no domingo. Seus trabalhos eram maus feitos, logo deu a perder nos maus costumes. Terminando os seus dias em um asilo para mulheres perdidas. O autor apresentou os comportamentos que uma mulher não deveria ter. O próprio título do capítulo sugere que uma mulher trabalhadora era por todos estimada e reconhecida. Ao contrário daquela que achava que seus atributos naturais a levariam muito longe. Uma mulher, portanto, não deveria apenas cultivar a aparência, mas o seu espírito e o seu comportamento. Assim, por meio da leitura as recolhidas aprendiam a se comportar e, quiçá, não ?estranKar? ou questionar as normas que regiam o cotidiano da instituição, pois podiam verificar, ao compará-las com o proposto pelo manual, que aquela estava dentro dos padrões utiOi]ados para serem muOKeres ciYiOi]adas $ sintonia com o proposto em o ? 2 0ercador de Freiras? e as normas do 6anto 1ome fica eYidente quando Yerifica-se que na reforma do compromisso da Santa Casa de Misericórdia da Bahia, em 1842, a Mesa estabeleceu no art 129: Todas as recolhidas, sejão expostas, orfãs, ou porcionistas, usarão do mesmo uniforme, que constará de ? vestido simples, e lenço aos hombros-; sendo-lhes vedade o uso de qualquer enfeite, ou adorno. O vestido será de panno escuro, a arbitrio da Mesa, com tanto que não seja de lã. (ASCMBA. Livro de Correspondência, 89A) 174 O controle das vestimentas das recolhidas tanto pode demonstrar uma tentativa da MA em não enfatizar as diferenças de recursos entre as recolhidas, uma vez que algumas poderiam ser sumamente pobres, as porcionistas poderiam vir de esferas sociais diferenciadas, como a preocupação em, por meio das vestimentas, moldar comportamentos e evitar, quem saEe a e[istrncia de ?&oOetas 0icKauds? entre as recoOKidas No inicio do século XIX, o Reverendíssimo Cônego Matheus de Lima Passos escreveu, em 1806, sobre as recolhidas, em citação já trabalhada69 que não o aJradaYa ?saEer a distinção de trajar, que se apresentem as do governo e as porcionistas. Melhor que se estaEeOecesse um uniforme uniYersaO e inYariiYeO? 70. Em 1842, figurou no estatuto do recolhimento a forma como as internas deveriam vestir-se. Em 1830, a Mesa já dava sinais de que não desconsiderou as observações do Cônego Matheus de Lima e Passos, realizada 1806, e foi taxativa sobre a forma de vestir das recolhidas: Essas roupas deveram ser usadas para tos públicos, vigorosamente como vão o ______, confissões, ir as grades e festas e receberem as Mesas quando as forem visitar. Diariamente e na escola usarão de seus vestidos de chitaa ou paninho brando liso, e não mais, sempre de sapatos pretos e meias brancas, sem se dar ou algum outro enfeites de luxo. (ASCMBA. Ata da SCMBA, 19) A história de Simão de Nantua destacaria bem para essas mulheres o que representaria a preocupação com a aparência. Diz Simão: ?9ede meus fiOKos a differença que Ki reOatiYamente a felicidade de um comportamento honesto e laborioso, ou extravagante e dissipado. Vede também como a formosura é um bem deploravel quando se lhe dá maior importância. A belleza do rosto não tem valia senão em quanto é imagem da belezza d´alma. Lembae-vos a história de Colleta para entreter o horror que deve inspirar o vicio, pensae muito na Kistoria de &atKarina para Yos animar cada Ye] mais a Yirtude? JUSSIEU, 1875, p.42) O comportamento virtuoso é pontuado para as mulheres. Para os homens, o autor destacou a importância de saber portar-se em público, assim como cultivar qualidades que lhes imprima respeito. Nesse sentido, o trabalho foi enfatizado como importante para os homens e mulheres. A ociosidade era creditada a causa de todos os males para ambos os casos. O emprego em alguma ocupação era o caminho tanto para homens como para mulheres livrarem-se de algum tipo de mal. O autor não desconsiderou o caminho do casamento, o 69 Página 114, Parte II da dissertação. 70 Citação na página 175 ?naturaO? para as muOKeres $o contririo esse seria o ideal, o trabalho, o labor, mais um atributo nas mulheres dos grupos remediados ou quando para essa houvesse a ausência de alguém que fosse por ela. Deveria também ser um atributo observado nos pretendentes escolhidos para as mulheres. O homem não poderia deixar o seu lugar de provedor. Eis ahi onde conduzem a vaidade de quem se envergonha da sua condição, e a temeridade de querer sair d´ella sem ter para isso habilitações precisas. Se tivesseis prudentemente continuado o officio de vosso pae, terieis ficado com os sues freguezes, e hoje serieis um horado mestre do vosso officio, livre e indecente. Todos os officios são honrados, quando servidos com honra, probidade e dão proveito: só é humilde e baixo o que é desonesto ou inutil. Nenhum offico deshonra o homem, às vezes o homem p que desKonra o seu offico?  8m Komem Yadio ou ocioso p um ente sem prestimo, pezado em quanto vive, e quanto morre allivia o mundo d´um pezo inutil. Deus poz-nos aqui para traEaOKarmos e sermos uteis uns aos outros? (JUSSIEU, 1875, p.30) Ana Amélia Vieira Nascimento (2002), em seu artiJo soEre ?)ormação de famtOias de médios extratos sociais pela Santa Casa de 0isericyrdia da %aKia? articuOou a contribuição da Santa Casa de Misericórdia, através do encaminhamento de mulheres para o casamento, atraYps do 6anto 1ome de -esus e afirma que os maridos das internas seriam: ?oficiais mecânicos, funileiros, sapateiros, ourives, tanoeiros ou enfermeiros do Hospital da Misericórdia, fiel de cartórios, empregado e administradores da Fábrica de Tecidos em Valença. Infelizmente, não encontrei o documento que a autora sinaliza em que constam informações sobre os que desejavam casar com as internas, contudo, posso inferir que ter uma profissão era um requisito importante, não destoando da ideia de que o provedor do lar era de fato o homem, como situa o manual de Simão de Nantua. Permitir que uma mulher trabalhasse só era sugerido até a espera do matrimônio. 3.3 AS CARTAS AMERICANAS O segundo livro adotado pela Santa Casa de Misericórdia para a educação das meninas recolhidas foi as ?Cartas Americanas?. Esse livro de Theodoro José Biancardi, publicado pela primeira vez em 1809, pode ser identificado como um romance epistolar71, onde, através de 71 Romance epistolar é um livro escrito usando-se uma técnica literária que consiste em desenvolver a história principalmente através de cartas, embora também sejam usadas entradas de diários e notícias de jornais. O nome 176 uma novela se descrevem os usos e costumes de Lisboa. Versando sobre os mais variados assuntos, tais como luxo, escravidão, modas, educação das mulheres, teatros, jogo, demandas, influência das artes e ciências nos costumes dos povos, governo e administração dos franceses em Portugal. Segundo Souza (2008, p.3) O enredo desse romance epistolar trata do envolvimento amoroso entre Plácido e Emília, no período em que as tropas francesas invadiram a capital portuguesa. Plácido, enviado a Lisboa por ordem de seu pai, que intentava separá-lo de Emília, se correspondia com a namorada que esperava no Brasil e com os amigos Venâncio e Leandro. Este livro foi sugerido em 21 de julho de 1844, depois de uma intensa discussão da Mesa sobre a necessidade de um plano de educação para recolhidas. Inserido no ensino de primeiras letras, chama atenção pela riqueza das discussões propostas e pela complexidade com que se propõe fazê-lo. O que causa certo questionamento é o porquê a Mesa ter adotado uma obra que, ao contrário da obra de Simão de Nantua, apresentava uma complexidade maior de discussões e informações. Os novos tempos demandavam novos olhares, como o processo de escravidão, que começava a ser questionado por interesses econômicos e os novos ventos das idéias civilizadas. Acreditamos que, em algum momento, a própria Santa Casa passou a refletir essas contradições. Além de ter entre as suas recolhidas mulheres de cor, assistiu a uma clientela que oscilou entre ser pobre e remediada, o que, possivelmente contribuiu para pensar na formação desses indivíduos de forma mais completa. O que contribuiu para os sucessivos investimentos na educação das recolhidas, inclusive com a adoção de uma obra como a de Theodoro José Biancardi (1809) que, segundo 6ou]a   dissertaYa soEre poOttica Kistyria fiOosofia entre outros assuntos e ?noticiava o que ocorria em Lisboa nos anos de 1807 e 1808, com a partida de D. João VI para a América portuguesa e as futuras consequências para o povo português. O protagonista comentava as resoluções políticas e as notícias da imprensa, transcrevendo alguns trechos e parafraseando- os ironicamente? %,$1&$5',  p   Apesar de achar essa obra mais complexa nas discussões, principalmente se destinada às mulheres, onde as leituras, não lhes deviam dar ideias, ela não se distanciou da proposta da obra de Simão de Nantua, numa tentativa de construir ou sugerir modos de vida para homens e mulheres. As Cartas Americanas para, além disso, viabilizavam conhecimento de disciplinas epistolar vem do latim epistoláris, relativo à carta, epistola. O objetivo desta técnica ao ser criada era dar maior realismo a uma história. 177 que, normalmente, observa-se na educação masculina, ou ainda, quando presente para as mulheres, eram para aquelas que formavam um grupo feminino privilegiado, como as mulheres da elite. O que me remete as discussões de Adriana Reis (2000) sobre as Irmãs de Caridade que, na fundação das casas de caridade, se propunham a trabalhar, ensinaYam ?reOiJião leitura, pronuncia, escrita, as línguas portuguesa e francesa, composição literária, contabilidade, geografia geral e especial, história, regras de civilidade, música e trabalho dompstico costura Eordado marcas etc? 5E,6  p  . A adoção do livro de Biancardi e, mais tarde, a contratação das Irmãs de Caridade, em 1856, para administrar o Recolhimento da Santa Casa da Misericórdia da Bahia, bem como, as outras obras assistências da Misericórdia, demonstra o quanto a Mesa buscava uma formação que estabelecesse um meio termo entre a civilidade e a moral cristã. Na ata de 31 de março de 1858, que discutiu sobre a vinda das Irmãs de Caridade, a MA deixou evidente o perfil que desejava para o recolhimento a partir da suas novas administradoras Era ?Preciso era que eOas fossem dotadas de reOiJiosidade Eons costumes KiEitos de ordem e de economia amor ao traEaOKo prendas ~teis inteOiJrncia para diriJir?. (ASCMBA. Correspondência Avulsa, 1858). O que demonstra o quanto a MA estava interessa e disposta a empreender uma nova educação para as recolhidas. Nesse sentido, a adoção de manuais de civilidade, como os de Biancardi e Mrs Jussieu, estava justificada. As mulheres, como afirmou o Arcebispo da Bahia, conforme citações em Reis deviam ser formadas: Com virtuosa e ilustrada educação era indispensável para serem boas mães de família [...] o programa de ensino das filhas de São Vicente de Paulo, que abrangia todos os conhecimentos sagrados e profanos, não com o objetivo de formá-las para figurar nos liceus e academias, mas para realizarem os cuidados domésticos, além dos cuidados físicos e higiênicos, incluindo o exercício, o repouso e o recreio conveniente as diversas idades (REIS, 2000, p.106) Essas reflexões me habilitam a pensar um pouco sobre as discussões da obra de Biancardi e como ele versará sobre os costumes da época. A exemplo do Capítulo VII, onde Biancardi, propõe-se a refletir sobre os males ou não que as artes e ciências poderiam provocar aos costumes. Segundo ele Fallando comigo, este homem estimável da litteratura antiga e moderna, soltou de passagem algumas expressões em descrédito das sciencias, e das artes, e querendo eu sondar o dundo das suas idéas sobre este objecto, discutio-se a matéria, e chgou a 178 afirmar sem rebuço que erao sempre viciosos os povos que prezavão as sciencias; e virtuosos e justos os que não sahiao da ignorância. ( BIANCARDI, 1809, p.14) Apesar de concordar que as Ciências e as Artes têm levado os homens a se corromperem, Biancardi fez uma reflexão sobre a situação administrativa portuguesa e ponderou: ?1ão entendas meu fieO amiJo que defendo as artes e sciencias ou que iJnoro os males de que ellas tem sido origem. Admiro os milagres do espírito humano, e só me parece justo que se clame contra os nossos furlestos desvarlos.( BIANCARDI, 1809, p. 28). Para justificar a sua ponderação sobre as ciências e as artes, ele as comparou com a religião, que nas mãos de alguns transformam em doutrinas da intolerância e soberba. Afirma: Sei que os homens tem subilizado inutilmente em todas as sciencias, e emprego as invenções e artes no supérfluo, e prejudicial, e sei que as maiores descobertas tem desgraçadamente servido, muitas vezes, para a vexação da nossa espécie. (...) Se a arte da nevegação aperfeiçoada levou ao nosso desgraçado paiz homens bárbaros que forão o flagello das nações que os hospedarão, igualmente os podea levar de costumes doces, e amáveis, os povos que tanto tempos não virão mais que roubos e crue]as? %,$1&$5',  p Para Biancardi (1809), os males não estariam nas artes ou ciências em si, mas nas Yirtudes dos Komens ?$ Yirtude dos &idadãos consiste na conformidade das suas açç}es com as Oeis em que YiYe? 1esse sentido, o autor exalta as virtudes vistas como masculina com a sua capacidade de criar leis que, uma vez seguida, beneficiaria a todos. Não seria, então, a presença ou ausência das ciências e artes que levariam à construção de uma sociedade ?confOituosa? mas a falta das virtudes humanas e não observância das leis seriam as motivações para a construção dos conflitos em sociedade. Observemos que foi um discurso destinado aos homens, uma vez que são eles os chamados a serem cidadãos, homens públicos. Para as mulheres, Biancardi (1809), destaca que não seria o conhecimento o valor maior, mas o cultivo das virtudes: De que serve pois tanto recato no vestido, e tão pouco no coração? Se não lhe para enganar alguns espíritos superficiaes, não sei para que seja util. Quanto a mim pouco me importara que uma filha minha trouxesse o peito descoberto, se interiormente lho escudasse a virtude. ( BIANCARDI, 1809, p.54) O autor, ao longo do texto, não desconsidera a importância do recato no vestir, mas enfatiza que aliado a ele era necessário a educação para o feminino. Uma vez que era ela que levaria a mulher a avaliar ou evitar promessas de paixões mentirosas. Segundo ele 179 De ordinario porém despreza-se a educação das filhas, não se lhe prepara o coração com maximas sans e uteis, contra as promessas fingidas, dissimulação, e enganos dos homens, e pretende depois na idade das paixões remediar tudo prohibindo a moda. Que loucura! Com taes methodos derrma´se a hypocrisisa, mas não se formão corações virtuosos. (BIANCARDI, 1809, p.55). O autor parece temer a possibilidade das mulheres serem enganadas ou encantadas pelas histórias de amor. Nesse sentido, o caminho estaria na educação das meninas, mas que educação propõe? Na procura de definir o que seria a educação ideal para as mulheres, Biancardi (1809) problematiza através dos seus personagens, Plácido e Venâncio, a sua visão sobre a educação moderna e o que chamava de antiga. Na primeira, enfatiza que é saudável a comunicação entre os sexos, para aprimorar a sua percepção sobre os homens a fim de que não fossem facilmente ludribiados. Notei meu amigo, durante a minha demora em Lisboa, que, exceptuando algumas casas de criação antiga, tinhao os dois sexos muita communicação entre si, e vejo que no resto do Reino tem, geralmente, muito pouca. Esta educação differente deve influir diversamente no moral das mulheres, e da corte, menos melindrosa, he talvez a mais saudavel (BIANCARDI, 1809, p. 56) No contexto de uma sociedade portuguesa, onde aparentemente as mulheres começavam a ter mais contato com o masculino, esse tipo de formação possibilitava que ela fosse menos ?inocente? em reOação aos Komens 1ão ser enJanada por eles. Deveria se pensar: ?quais das duas educaç}es por ti comparadas offerece menos occasioes de deOinquir e he mais apta para conservar o pejo72? %,$1&ARDI, 1809, p. 59). E, nesse sentido, o autor é categórico na observação da educação antiga onde os papéis femininos estão bem definidos e harmoniosos: Nas casas que tu chamas de criação antiga, a Mai de familias cuidando solicita e contente, da economia doméstica, e desprezando frivolas recreações, de que resulta quase sempre o desgosto dos verdadeiro prazeres do sexo, dará a suas filhas a importante lição do dempenho dos deveres sagrados, de que se entregou pelo casamento, e empregando nos discursos familiares, mas conformes o procedimento, insinuará facilmente suas almas o amor do recolhimento e da modestia. Com este saudavel preparo a natureza, a idade das paixões, lhes faz sentir que tem uma doce necessidade para satisfazer, --------- o amor pela razão, e pelo habito constante da honestidade [...] O espirito da donzela recolhida deve uma distancia immensa, e o arrojo de lançar nos braços delles. A menor liberdade lhe parecerá um crime, e o horror do ultimo passo lhe impedira o primeiro. Ajunta ianda a vigilancia dos pais, o temor do justo castigo, e da perda irreparável da honra, que tem nos corações bons um poder invencível, e eu duvido que tantos obstaculos te não mostrem difficultosa a seduccção, que inculcas como facil. (BIANCARDI, 1809, p. 59-60) 72 Segundo o lexicógrafo Aurélio Buarque Ferreira (2009, p.1531) Pejo, segundo significa pudor,decência, recato, acanhamento, timidez. 180 O discurso sobre a mulher dar-se sobre a sua sexualidade. O medo revelado pelo autor das Cartas Americanas não estava longe dos medos da Mesa em relação às internas: da desonra, do exercício da sexualidade feminina. A mulher deveria ter seu corpo treinado, ocupado, domesticado através das atividades que lhe ensinasse qual o seu verdadeiro papel. Naturalmente frágeis, era preciso a vigilância constante dos outros para que elas não sucumbam. Não deveriam esquecer para que servia o seu corpo e o sexo: reprodução da espécie. O ser feminino é sugerido para servir e facilitar as realizações dos filhos e marido. Voltava então, o autor sua impressão para a Educação Moderna: As senhoras da moda occupadas de bailes, partidas, e theatros, quando não quebrantão a fé conjugal, são pelo menos negligentes e desordenadas. Perdendo a noite em passatempos ruinosos, ou pouco decentes, perdem a manhã a refazer pelo sonno as forças do corpo, e a tarde a preparar adornos, que excitem o bom gosto, ou custo a inveja das concorrentes, e distribuidas assim as horas do dia ______necessariametne o governo da casa e a educação dos filhos a domesticos, quase sempre velhacos e ignorantes (BIANCARDI, 1809, p.60) Cabe a reflexão de Nicholson (1991) sobre esses espaços de sociabilidade que se abria para as mulheres como reflexo das transformações que se davam nas relações de convivência de determinados grupos sociais que elegiam esses locais não apenas como divertimento, mas como lugares de ostentação e demarcação de posição social. Para o autor, os bailes eram condenados pela possibilidade das donzelas estarem sempre cortejadas pelos homens e pela excessiva preocupação das mulheres em adornar seus corpos ou deixá-los à mostra, induzindo a uma situação de sedução e cobiça. O teatro, por sua vez, não apenas enfatizava essa prática uma Ye] que e[iEia as muOKeres pintadas e fantasiadas como as coOocaYa a ?moYer-se, falar, dançar cantar aEraçar EeiMar cometer aduOtprio incesto e mesmo assasstnio no paOco? (NICHOLSON, 1991, p. 342). Mesmo o teatro repetindo os estereótipos que se tinha em relação às mulheres, não obstante, a figura feminina foi representada entre o obedecer, desafiar OeYar a meOKor ou ?ser Yttima das assunções e das práticas injustas dos seus universos dominados pelo homem? Observemos, portanto que os manuais de conduta terão um papel importante na construção das identidades de homens e mulheres. No caso destes dois manuais escolhidos para compor a educação das internas do Recolhimento do Santo Nome de Jesus, através da 181 sua leitura na Escola de Primeiras Letras, era a porta de entrada desse tipo de material para a domesticação dos indivíduos, eles estabelecem bem o que cabia a cada um dos gêneros. A formatação do feminino e do masculino dava-se a partir do corpo. As regras são pensadas tanto para a parte física dele, ensinando um sentar, um portar-se, um vestir, um falar, como para a mente. Embute um discurso que, a partir das diferenças biológicas, portanto, físicas, estabelece-se quem deveria fazer o quê ou ser o quê. Biancardi explicita isso ao fazer uma refOe[ão soEre as muOKeres: ?$ nature]a fa]endo indispensiYeO j união dos dois se[os e dando a um delles a superioridade eterna do outro. Por toda a parte se vê o animal, fraco, inquietado, perseguido, e até devorado peOo forte? %,$1&$5',  p  Porém, ele também pondera, e aqui cabe pensar na influência iluminista, que o acesso à educação poderia tirar esse ?EeOo se[o? desse estado de iJnorkncia tornando-a uma companheira para o homem. Menos me irritarião as injustiças dos homens, se a natureza na formação da mulher a privara de todas, ou da maior parte das qualidades, que constituem a excellencia de nossa especie. Não está provado que no homem o espirito he mais penetrante, ou mais vasto, ou mais brilhante. Em todas as sciencias contamos mulheres illustres; e se he maior o numero dos sabios, também he maior o dos applicados: e talvez a differnça de educação nos possa dar a razão da superioridade de espirito, de que tanto nos vangloriamos (BIANCARDI, 1809, p. 117) Devemos então pensar que, mesmo tendo o acesso à educação, essa mulher não se liberta do seu papel de servir ao homem. Ao contrário, é preparada para continuar servindo. Nesse sentido, Pitassilga (2000) e Foulcaut (1969) sinalizam que os manuais de conduta implicavam em uma normalização das práticas sociais. A civilidade tinha uma função normalizadora, modeladora da consciência de homens e mulheres a partir das normas de comportamento sociais, consideradas legítimas. Essas normas têm aspectos comuns aos gêneros, mas também estabelecem diferenças entre eles. As Cartas Americanas chamam a atenção pela riqueza das discussões propostas, inclusive discussões dos aspectos do governo e administração francesa em Portugal. Levando- me a questionar para que ou para quem esse tema fosse encaminhado. Tanto em ?Simão de Nantua? como em as ?Cartas Americanas? no uso da palavra cidadão, assim como a defesa da propriedade privada, o sujeito utilizado é o homem, é a ele que é direcionado o discurso sobre direitos e deveres. Isso nos faz lembrar a observação de Peteman (1993) que nem a Revolução Francesa, nem as ideias iluministas pensaram a mulher como sujeito de direito. Mesmo nos 182 manuais, elas existem quando as discussões referem-se ao comportamento e aos cuidados com os outros. Os manuais ratificam os espaços do feminino e do masculino. Do privado, para a mulher e, do público, para os homens. Nesse sentido, a civilidade e a normalização serão vivenciadas de forma diferenciada por homens e mulheres. Se todos deveriam ser ?adestrados?, seJuindo as reJras estaEeOecidas no sociaO para a muOKer o ?adestramento? representava honrar o pai, o marido, o outro. O que necessitava o Recolhimento do Santo Nome de Jesus no século XIX? O resgate do seu prestígio, da sua honra. E que só poderia ser conseguido através da civilidade e normalização das internas. Afirma a Mesa, em 31 de março de 1858, sobre o estado que se seguia na Instituição: ?2 que era pois o recoOKimento" 8ma casa sem moraOidade sem ordem, sem costumes de família, dispendiosa, de nenhum modo promissora, refúgio da ociosidade e dos vícios que lhes são consequentes. Devia continuar este estado de coisas?? (ASCMBA. Relatorio da Mesa Administrativa, 1858) A adoção sistemática de intervenções na formação das internas demonstra o quanto a MA desejava mudanças e buscava corrigir essas situações no recolhimento. Assim como queriam possibilitar alternativas de vida para as recolhidas, caso não alçassem a condição de casadas, como veremos a seguir. 3.4 TRABALHAR ENQUANTO O CASAMENTO NÃO VEM Ao longo da existência do Recolhimento do Santo Nome de Jesus as transformações na formação das internas foram sistemáticas, e se deram, principalmente, no século XIX. Observemos, também, que essas modificações não foram aleatórias, ao contrário, responderam a um conjunto de fatores tais como os comportamentos das internas e o que isso representava para elas e para o internato, assim como as modificações no cenário do século XIX e as discussões sobre um novo perfil ideal de mulher desejado para o oitocentos e que circularam, principalmente, em torno do tipo de educação destinado para o gênero feminino, e que colocou para a Instituição a necessidade de mudança73. Para pensar nas transformações que ocorreram no RSNJ devemos primeiro lembrar que, o investimento em educação buscou responder ao desejo de modificar o comportamento das recolhidas, aliado a isso, sugiro que dois outros fatores contribuíram de forma direta para 73 Ver discussão no capitulo 2 183 fazer a instituição direcioná-las ao exercício de funções que pudessem lhes dar algum sustento, caso não alcançassem a condição de casadas. Quais são? O tempo de permanência dessas mulheres no RSNJ e a introdução de uma nova classe de recolhidas, as expostas, que se não modificaram o perfil étnico/racial do internato, solidificou essa transformação. Para mim, esses dois pontos, tempo e cor, serão dois fatores importantes para pensar nos destinos das recolhidas. O destino74 dessas mulheres era uma preocupação que, não raro, se fez presente na discussão da Mesa Administrativa. Nos livros de registros de entrada das recolhidas, de 1741 a 1808, das 155 internas, apenas 4 são classificadas como expostas e 28 identificadas pela cor. Sendo 22 brancas e 6 pardas. E dessas 6 mulheres, 3 eram servas. Ao voltarmos ao Estatuto, servas eram mulheres forras ou capturas75, e que por esta condição adentravam no recolhimento. Considero que três das mulheres de cor estavam nessa condição. Já de 1808 a 1834, como já observei na descrição do perfil das recolhidas, das 245 recolhidas registradas, 44 estavam na condição de servas, denunciando, que apesar do pouco registro, nesse momento, da cor das recolhidas, o termo serva já remete quem eram elas. Ou seja, o século XIX foi realmente um período onde a Santa Casa foi obrigada a refletir sobre as novas condições que se impunha ao RSNJ, uma vez que não tinha mais uma clientela órfãs apenas brancas, nem que ficavam apenas 4 anos. Educar e ocupar apresentava-se, nesse contexto, como uma solução viável para essas internas. Em 26 de setembro de 1844 a MA ponderou sobre a situação do recolhimento: Ponderando-se que a vista de grande numero de donzelas, que existem no Recolhimento onde segundo o compromisso não se pode conservar, sendo maior de vinte, convinha se procurar arranjos para algumas de maior idade, que ali se achao, e podem ser aplicadas para servirem como criadas em casas de famílias capazes, ou como servas em conventos de freiras. (ASCMBA. Livro de Registros, 88A) E, em 1847, dando continuidade a essa discussão, a Mesa travaria essa questão através de uma correspondência não identificada, apresentando as ideias de Mr. Todori. O documento começa dessa forma: ?Ideas de Mr Todori, médico, sobre a educação, destino e trabalho em que devem ser empregadas as donzelas pertencentes aos hospícios de caridade; na sua obra ?Ensaio +istyrico e 0oral sobre a pobreza das nações? capt ? Segundo o mesmo: 74 Como vimos no capitulo que trata sobre o perfil das recolhidas expostas 75 Os documentos sugerem que não raro recebeu africanas e africanos encaminhadas pelas autoridades locais para serem internadas ora no recolhimento, ora na casa dos expostos (as) 184 [...] as raparigas, porém não são menos merecedoras da nossa sollicitude; a sorte dellas He verdadeiramente pior que a do outro sexo; e, a menos, que delas se fação esposas dos colonos militares de que venho lhe falar, podem as mesmas com difficuldade aspirar a casamentos hum pouco mais vantajosos. (ASCMBA. Documentos Avulsos, Caixa 3A) Conforme Hufton (1999), independente das origens sociais, a partir do momento em que nascesse de um casamento legítimo, qualquer rapariga passava a ser definida pela sua relação com um homem. No extrato acima, apesar de não identificar a legitimidade ou ilegitimidade para a aspiração do matrimônio, ficou explicito que, para as órfãs, o marido era a legitimação de um estar na sociedade. Mas, se o casamento não ocorresse? Responde o documento: Mas, adaptando geralmente o filans proposto de fazer educar os expostos no campo até a idade de dez annos, poderão haver desde então muitas que achem onde acommodar-se em qualidade de servas de estabelecimentos rurais. Quanto a sua educação nos Hospicios, devem ser exercitdas em aprender o trabalho de cozinhar, o de lavar, engomar, e de fazer todo o serviço do governo de huma casa, para nellas encontrarem recursos os eu procurão bons domésticos, cujo numero hoje, por causa da persidade dos costumes, vai diminuinção progressiva. Pelo que as mais graças, concerne, ou aquellas que não tem disposição para ser empregadas em qualidade de servas, tornar-se necessário preciso, que, em seu próprio interesse e no da Casa, continuem a se empregadas em coser, bordar, fazer renda, fazer meia, fiar, tecer, na confecção de diversos objetos de comércio, de que pode ser encarregada o Hospicio pelas fábricas e manufacturas da vizinhança; mas sem jamais permitir que suas educandas vão trabalhar em tais fabricas porque ali poderia elle bem cedo todo o fruto da educação, que tivesse esforçado em lher dar. (ASCMBA. Documentos Avulsos, Caixa 3A) Ao que parece, a Mesa na proposta da reforma do estatuto datado de 1844 levou em consideração essas reflexões. Uma vez que não apenas sugeriu a instituição de uma escola de trabalho, onde se aprenderiam fiar, tecer, marcar, cozer obras de alfaiate, fazer meias, sapatos finos de mulher, engomar, lavar e etc. Como deveriam expor esse trabalho para que pudesse ser vendido, e o resultado dele serviria como pecúlio que seria empregado na Caixa Econômica76. Outro fator que demonstra que a Mesa estava interessada em dar outros ?rempdios? js recolhidas, a fim de possibilitar a sua subsistência, diminuindo os custos da Casa foi apresentada m 1856, quando a mesma mandou buscar as Irmãs de Caridade, não apenas para moralizar o estabelecimento, administrando-o, mas para promover o emprego delas em coisas úteis. 76 Ao que parece esse pecúlio que deveria ser depositado na Caixa Econômica servia como acréscimo ao dote dessas mulheres, podendo ser retirado quando não mais pudesse viver no Recolhimento ou casassem. 185 Jugai agora Ilmo Srs., em vossa sabedoria, se convirá transplantar para o meio de nós esta saudável instituição, que de certo se Acimara e lançará raízes em nosso fertilíssimo solo e acabará por dar-nos hum viveiro de optimas enfermeiras e diretoras para os nossos hospitais e estabelecimentos de caridade. (ASCMBA. Comunicado da Mesa Administrativa , 1846, Caixa 03B) 8ma Ye] que seJundo eOes ?Ki certos detaOKes de serYiços que sy as muOKeres os podem desempenhar. A paciência, a docilidade, o carinho, e mesmo certa minúcia em alguns arranjos, não podem ser, de maneira alguma, bem executados por indiYtduos do outro se[o? (ASCMBA. Comunicado da Mesa Administrativa, 1846, Caixa 03B). Em 1847, diante da demora da chegada das Irmãs de Caridade a MA determinou que Enquanto não decide a referida vinda, sejão empregadas como enfermeiras do hospital somente as recolhidas, e não tem aqui notado desvantagens nessa prática, que dando emprego a recolhidas muitas vezes ociosas e facilitando seus casamentos, concorre para reduzir o número dellas e por conseqüência as despezas da casa. (ASCMBA. Correspondência Avulsa, Caixa 3B) O trabalho das Irmãs de Caridade chamava a atenção da Mesa e, mais tarde, nas próprias casas de caridade que foram fundadas como o Colégio dos Anjos e administraram o Sagrado Coração de Jesus77 não apenas por sua formação, mas por darem uma formação para o trabalho. Na reforma do Estatuto proposta pelas Irmãs de Caridade e aceito pela Mesa datado de 1857 no capitulo 5º, estaYa e[pOicito: ?$ superiora determinari os traEaOKos manuais para tornarem-se conforme aptidão que tiverem boas criadas, costureiras e boas mães de famtOias? (ASCMBA. Livro de Atas 19A: Modificações do Estatuto de 1857). Ainda, segundo a modificação que se processou no Estatuto, com a presença das Irmãs de Caridade, pontuou a MA: A superiora determinará o trabalho de cada recolhida, cujo produto será a favor da Santa Casa. Todavia concordando a Superiora poder-se-há permittir que na ordem dos trabalhos, se marque as recolhidas de dezoito annos para cima, uma tarefa, acabada a qual ellas poderão trabalhar ao seo próprio beneficio, ou receber da Casa uma gratificação pelo que fizerem na differença do tempo. (ASCMBA. Livro de Atas 19A: Modificações do Estatuto de 1857) 77 Segundo Mattoso (1992) a primeira congregação feminina que chegou ao Brasil, a das Irmãs de São Vicente de Paula, ou irmãs de Caridade. Atuaram junto a doentes e mulheres jovens da capital. Em 1853 fundaram o Colégio Nossa Senhora dos Anjos, com 160 alunas, internas e externas, que receberam a mesma educação, moças pobres ou órfãs das camadas livres entravam em contato com as moças de família, o que gerou um descontentamento na sociedade baiana. Encontrei ainda, no histórico do Colégio Sagrado Coração de Jesus que nesse mesmo ano passaram a administrar essa instituição, sendo afastadas em 1984. 186 Na carta que enviaram à Mesa, em 23 de março de 1858, reclamando das Irmãs de Caridade, as recolhidas evidenciam a dimensão das atividades que praticavam dentro do recolhimento e reivindicavam para si o direito, que subentendiam que, em algum momento, foi exercido por elas, de terem o resultado do seu trabalho utilizado em seu benefício. Protestavam as recolhidas: Entretanto que entre nós há quem saiba fazer flores tendo aprendido por mandado da administração em conventos de freiras. Por nós é feito tudo que é bordado, papeis picados, toalhas crespadas, as flores para a Igreja, as toalhas dos altares, as alvas, os amitos e tudo mais . Se no dia da posse nova não apresentarmos prendas por que além de nunca haver este costume, vivemos ocupadas todas o ano com roupas do hospital tanto nova como em consertos; e o tempo que nos resta é para fazermos algumas costuras e termos alguns vintens para pagarmos as nossas roupas lavadas e das meninas que se achão a nosso cargo. (APEB. Cartas das Recolhidas, 5285) A partir dessa fala das recolhidas, posso inferir que possibilitar às internas desenvolverem atividades que pudessem dar-lhes algum recurso foi uma forma do recolhimento permitir às mesmas pagar por atividades que, possivelmente, eram consideradas, por algumas, funções não muito dignas, como aqueles realizados na lavanderia. Em 23 de março de 1858, as recolhidas reclamavam contra as Irmãs de Caridade devido não ter tempo ?para fa]er aOJumas costuras e termos aOJuns Yintpns para paJarmos nossa roupa lavada e das meninas que se achão a nossa carga, porque somos obrigadas a tratá-Oas como nossas fiOKas?. (APEB. Cartas das Recolhidas, 5285) As recolhidas já haviam reclamado do modo como as Irmãs de Caridade as tratavam ?a querer que dormtssemos e nos lavássemos como pretas da costa em Eandos? 1uma evidência de que não toleravam tratamentos que as aproximassem das práticas dos escravos. E acrescentam: ?-i tinKam feito deitar aEai[o as diYis}es de muitos cuEtcuOos e pretendia acabar com todas, e ficar a casa só com salões para dormitórios, tanto de pessoas menores, como das maiores?. (APEB. Cartas das Recolhidas, 5285) A citação nos remete a ideia de Foucault (2007), no artigo ?2 oOKo do poder?, o controle da sexualidade se inscreve na arquitetura. Em uma organização do espaço que permita entre outras coisas, o controle dos desejos, a limitação do contato, mas se a arquitetura, a organização do espaço é importante para a atuação do olhar, ao tornar tudo visível, a vigilância e a dominação são efetivamente praticadas. 187 Ainda, no inicio do século XIX, talvez por resistência de alguns mesários, em relatório não identificado com data precisa, a Mesa justificou e reafirmou algumas ações para o número de recolhidas que se acumulavam no internato. Dizia ele: Estas irregularidades não tinha comparação com a de conservar-se as mulheres de fora assalariada, havendo no recolhimento um viveiro dellas, de onde se podia escolher com acerto as que fossem precisas, e com as devidas habilitação para todos os serviços pertencentes a Santa Casa, a Meza a quem ponderei semelhante abuso, decedio que no futuro não fossem mais admitidas mulheres de fora para o serviço interno da Casa dos expostos e enfermeiras do Hospital, onde havia externas assalariadas, preencendo-se logo com recolhidas os lugares que aquellas deixassem, quando sahissem ou fossem despedidas. (Grifo nosso) (APEB. Cartas das Recolhidas, 5285) Notemos na citação acima que a Mesa buscou no emprego das recolhidas nas atividades laboriosas, com alguma remuneração, a solução para a quantidade de recolhidas que se amontoavam no internato, como viram no exercício do trabalho uma forma de adequação dessas mulheres a um comportamento esperado ou, mesmo, como citam na justificação da contratação das Irmãs de caridade o desenvolvimento de qualidades próprias do sexo feminino. Observemos, ainda, que o trabalho não se tornou o fim para as recolhidas em detrimento a possibilidade de casar. Ao contrário, ele seria o meio, um caminho para atrair futuros pretendentes. O que nos leva às reflexões de Hufton em sua discussão sobre Mulheres, trabalho e família quando afirma que para as mulheres solteiras o objetivo de desenvolver uma atividade laboriosa era evidente: ?ao mesmo tempo em que poupaYa a sua famtOia os custos da sua alimentação, empenhava-se em acumular um dote e em adquirir aptidões de trabalho que atratsse um marido? +ufton , p. 27) . Seguindo essa vertente, Hufton afirma ainda, que no século XVIII, na Inglaterra, a obra Present for Saivng Maid destinada às adoOescentes di]iam: ?quem não tens dotes e esforça-te por suplantar pelo espírito as deficiências da fortuna. Nesse caso, não podes esperar casar com alguém que também não trabalhe e só um louco tomaria como esposa uma mulher cujo sustento tivesse de ser ganho exclusivamente com seu traEaOKo? (HUFTON, 1991, p.26) O encaminhamento das internas para o desempenho de determinadas funções reforçava a ideia de que, o trabalho, gradativamente começou a ser visto como um caminho de ganho para os grupos mais remediados. O que não significa dizer que, mesmo nessas condições, estes aceitassem desempenhar qualquer tipo de atividade, principalmente quando essas os aproximavam das funções exercidas por escravos. 188 Entre 1848 a 1855, foram empregadas no Hospital da Santa Casa de Misericórdia 14 internas na condição de enfermeiras, sendo três identificadas como pardas. Não encontrei identificação de cor das outras e apenas duas foram denominadas de expostas. 3 recolhidas destinadas a direção da Casa dos expostos, duas empregadas como servas no hospital, sendo que uma é identificada como exposta e parda. Em 1846, a Mesa registrou que Caetana Donata deveria passar do cargo de servente a enfermeira de comidas, no Hospital. Angélica Augusta Cândida de Castro e Anna Amélia Xavier Alves deveria ser contemplada com um ordenado de 200 mil reis e ração igual a que se dava à rodeira. Sobre essas inserções das recolhidas, destaco que a MA informou que elas foram encaminhadas para essas funções, de acordo com suas habilidades. Ou seja, a Casa impôs critérios para a escolha das mulheres que iriam compor o quadro de funcionárias de suas instituições, e acredito que a Santa Casa pode ter utilizado a cor para pensar na ?eOeição de quem tinKa KaEiOidade? para determinadas funç}es afinaO o termo serva já deixava subentendido que eram ocupações de pessoas de cor. Notemos que, as primeiras tentativas da MA de encaminhar as internas para o trabalho não rompeu com a ideia de reclusão. Ao contrário, essas experiências se deram dentro dos espaços da Instituição, sob o jugo da Santa Casa da Misericórdia, sob o controle daqueles que deveriam ser responsáveis por elas. A ideia de ?cOausura? não se depreendeu dessa nova realidade que se apresentava para as internas. A prática da MA reforça aquilo que Hufman pontua sobre a ideia de trabalho para as mulheres, na medida em que ser cuidada por um homem, seja o pai, o irmão, o marido não se tornava realidade para todos os grupos sociais. Uma vez que essa regra foi mais perceptível entre as mulheres das camadas altas e médias, as mulheres pobres deveriam ser tuteladas de alguma outra forma. Os patrões, muitas vezes, cumpriam essa função, exerciam esse papel. Se, no período anterior ao casamento, uma mulher não conseguia arranjar um trabalho que a mantivesse na sua propria casa, havia que encontrar um ambiente protector alternativo que a acolhesse. Ela tinha de ir para casa de um patrão que assumia o papel de figra protectora masculina e passava a ser responsável até que ela se mudasse para outro trabalho, regressasse a casa ou se casasse. O salário que lhe pagava refletictia o fato de ela ser alimentada e alojada. Idealmente, ela gastaria o mínimo possível desses salários, que ficariam a guarda do patrão, que lhes entregava quando ela deixasse a sua casa. (HUFTON , 1991, p. 27) A Santa Casa, em seus encaminhamentos das recolhidas para o trabalho não abriu mão nem de ter seus gastos ressarcidos por essas recolhidas, nem de administrar aquilo que 189 elas ganhassem. A abertura, mais tarde, de um livro caixa de lançamento daquilo que as recolhidas arrecadavam com suas atividades demonstra isso. A MA não exerceu um papel de patrão em relação às recolhidas que, de alguma forma, desenvolveram atividades ligadas a Santa Casa, mas não abriu mão de exercer o seu papel de tutor. Essa ideia leva-me a outra reflexão que esteve presente no século XIX, no Brasil. Segundo Rizzini (2004), a partir do II Reinado, os projetos educacionais se dirigiram para a ideia de formação de ?cidadãos ~teis a si e a Pitria?. Isto é, trabalhadores disciplinados, tementes a Deus e ao Estado. Ainda, para a autora, essa bandeira levantada neste período, está envolta no conceito de progresso e civilização que, como vimos, passava pela educação das camadas populares. No século XIX, em várias províncias ocorreu uma ?intensa discussão acerca da necessidade de escolarização da população, principalmente das chamadas camadas inferiores da sociedade? constitutdas peOos neJros OiYres OiEertos ou escraYos  tndios e muOKeres ?,ntensos foram os deEates e a constituição de leis para o ordenamento legal da educação escoOar? (RIZZINI, 2004, p.15). Educar o povo siJnificaYa ?adquirir os princtpios pticos e morais necessários a convivência social e a meOKorar os seus? costumes. Nesse aspecto, o elemento trabalho entrava como característica fundamental para o disciplinamento das classes populares. A innoculação intima do amor ao trabalho é um mote que aparece insistentemente nos reJuOamentos dos asiOos e nos escritos de seus defensores ?$ oEedirncia o respeito à hieraquia e a promoção da civilidade dos costumes constituem objetivos importantes dos internatos para desvalidos. (RIZZINI, 2004, p. 163) Com isso, não quero dizer que o encaminhamento para o trabalho, bem como a formação para ele, como se dava no século XIX para os meninos, que eram dirigidos aos mestres de ofícios para aprenderem uma profissão ou aos arsenais da marinha, fosse algo parecido para as mulheres. Ao contrário, para elas, os asilos, privilegiaram uma formação para uma vida doméstica, priYada 2 e[erctcio ?de uma atiYidade OaEoriosa? era ?toOerado? por necessidade. Mesmo quando, no século XIX, imperou o discurso de indivíduos úteis à pátria, as mulheres foram vistas como contribuintes de uma melhor educação dos filhos, como uma cuidadora do lar. O exercício de uma função, de uma atividade, era importante para as das classes populares, fosse não para criar uma independência para elas, ou para torná-las, mesmo na adversidade, respeitáveis para suas famílias. 190 Sobre a ideia de trabalho feminino, pontua Sullerot (1975), que era comum pensar que o abandono das mulheres nas ruas, fossem elas jovens, necessitadas ou envelhecidas poderia levá-las a prostituição. O que teria levado a ver o trabalho como um bom preventivo à essa ocupação. Isso fica subjacente nas discussões da MA, além de ser uma preocupação que perpassou o século XIX, no Brasil. Para os meninos pobres e desvalidos, facilitar a sua educação industrial era o caminho para que não se desviassem do amor ao trabalho e não se tornassem maus e prejudiciais cidadãos. Para as mulheres, os recolhimentos e asilos deveriam empreender uma educação para a domesticidade feminina. Ou seja, mesmo que viessem a exercer uma função, não era vista como trabalhadora, mas como afirma Pinto As atividades por elas exercidas no contexto doméstico e no seio da economia informal foram excluídas da categoria trabalho e consideradas, tão só, como funções e responsabilidades, de acordo com a ideologia que confinou as mulheres ao lar e ao seu papel de mãe e de esposa. (PINTO, 2008, p. 128). O trabalho remunerado era entendido como um meio de assegurar a autonomia da muOKer que não tinKa quem a sustentasse OonJe de uma Yida ?desreJrada? $ atiYidade laboriosa não deveria ferir a sua honra, nem sua conduta frente à sociedade, mesmo sendo pobre. Segundo Scott (1995), nesse momento, longe de ser considerada uma trabalhadora, ela era vista nesse papel, como em uma condição temporária. Uma vez que deveria trabalhar em curtos períodos de sua vida, abandonando o emprego remunerado depois de casar ou de terem filhos, voltando ao trabalho, mais tarde, no caso dos maridos não serem capazes de sustentar a família. O trabalho feminino, portanto, jamais deveria afastá-las das funções consideradas naturais para o seu sexo, funções que também exerceria como boa esposa e mãe. Ao pensarmos nas recolhidas do RSNJ, a sua educação e seu encaminhamento para o exercício de uma função não fugiu em nada da ideia de cuidadora nem a educação dada para as ?aJuOKas? Segundo Scott (1995), no século XVIII, o trabalho de agulhas era sinônimo de trabalho feminino e continuou a sê-lo no século XIX. Para além dessas funções, Figueiredo (1961), em relação ao Brasil colônia, e a experiência das Minas no século XVIII, afirma que a mentalidade portuguesa era patente na definição dos papéis sexuais na América portuguesa. Onde aos homens eram dados os ofícios mecânicos, seja pela justificação de ser esse sexo mais especializado, seja por estas exigirem mais esforço físico e, nesse sentido, caberia ao sexo masculino o seu desempenho. Para as 191 mulheres caberia, nas ocupações lícitas as funções exclusivamente femininas tais como cozinheira, lavadeira ou criada utilizada em serviços domésticos. No campo da informalidade, no comércio ambulante, na distribuição de gêneros de consumo ligeiro, predominou as mulheres pobres e forras. Algumas denominadas Jenericamente como neJras do taEuOeiro ?1eJras e muOatas forras ou escraYas Yendiam Yirios Jrneros comesttYeis? $o adentrarmos no spcuOo ;,; seJundo 0attoso (1992) essa prática continuou a persistir. Observemos que, mesmo entre essas, que estavam no campo da informalidade, as atividades exercidas, perpetuava a ordem de gênero. O que caberia aos homens e o que caberiam as mulheres, sendo que a estas, eram associadas às atividades que fossem extensão do privado, do espaço doméstico, aquelas atividades consideradas femininas. Compreendemos, ainda, que, nesse contexto de escravidão, outro fator se constituirá como diferenciador na construção da divisão do trabalho, não só entre homens e mulheres, mas entre as mulheres. A questão racial, em uma sociedade que degradava as funções manuais associadas ao escravo, impunha, também, entre as recolhidas uma divisão de trabalho que passava por essa distinção. No caso do RSNJ, em 1847 na escolha das funções que as internas poderiam exercer nas diversas instituições mantidas pela Santa Casa, ficava proibida a função de rodeira 6eJundo a 0$ por ?ser incompattYeO com a quaOidade de recoOKidas aOpm de ter actual prestado bons serviços? O que me remete a uma importante discussão da MA sobre a necessidade de dar destinos as recolhidas. Nela fica explícito o conflito da Mesa em encaminhar as recolhidas para determinadas funções, como as de servas, por estas carregarem o estigma da escravidão. (ASCMBA. Livro de Correspondência, 90A) Diz a MA, na proposta de reforma do compromisso da Santa Casa, em 1845, comentando o capítulo 16, que se referia sobre a reforma no Recolhimento do Santo Nome de Jesus: Prescrevi o modo pelo qual deva dar-se um estabelecimento a recolhida exposta, ou órfã, que chegar, sem ter casado, a idade legal. He um erro grave conservar por termo indefinido dentro do recolhimento as donzellas, que não achão maridos; semelhante pratica, além de não aproveitar a recolhida, que mal pode achar, na clausura, emprego que habilite a viver do seo trabalho, ou alguma feliz occurrencia, que melhore a sua fortuna; He prejudicial a classe das menores, que, carecendo alias de educação, tem de menos os lugares que aquellas occupão. O arbítrio de emprega- las como Servas, esta em uso nos Paizes civilisados. Se não há esperança de que as Donzellas pobres se prestem a isso, por causa da errada creança de que servir He só próprio de escravos, tempo vira, e não muito distante já, em que ellas dexarão de ostentar essa repugnância. As taxas sobre os escravos dentro das povoações notáveis, as necessidades indispensáveis da lavoura, e o progresso da civilisaçao hão de por fim resolver o pobre a servir, quando outro emprego não ache. Tal He a 192 condição de quem nasce sem ter, ou não pode adquirir alguma propriedade. Em todos os tempos, é mesmo entre as Nações mais livres, e onde a riqueza acha-se mais derramada, ou dividida, a servidão He o apanágio de quem não tem outro meio de vida. Não pode haver igualdade de fortuna, nem de riqueza. A única Lei agrária, diz um moderno Philosopho, e Campeao da Liberdade, em França, He a dos Cemitérios, ou que dá 160 centímetros de terra para a sepultura de cada um de nós ( Grifo meu). (ASCMBA. Documentos Avulsos, 1854. Caixa 03) Ora, apesar da MA não deixar evidente neste registro, quais das recolhidas destinaria para essas atividades, caso essa função fosse adotada como destino para as internas, suponho, pela própria divisão de condição dentro do recolhimento, onde o papel de serva era destino as mulheres de cor e onde caberia a elas todo o serviço da casa78 que, em algum momento, quando a Santa Casa cogitou a possibilidade de empregar essas meninas como servas em conventos ou criadas em casas de particulares, aventaram esses papéis para as mulheres racialmente diferentes. Fazendo um paralelo com Fraga Filho (1996), onde ele afirma que em relação à Casa Pia do Santíssimo Coração de Jesus, fundado em 1820, no meados do século XIX, especificamente em 1849, enfrentou o problema de ter, nos seus quadros, mulheres de diversas cores: doze brancas, dez pardas, cinco índias, cinco cabras e cinco crioulas, o que levou a Instituição a ter problemas de integração dessas recolhidas fora do recolhimento. A concorrência do trabalho doméstico escravo diminuía a oportunidade de vida independente da Casa Pia. Fraga Filho (1996) aventa que, em algum momento, esse destino realmente fora pensado para as recolhidas de cor. Nesse sentido gênero e raça se cruzam para definir, também externamente quais as atividades possíveis para essas mulheres. A divisão do trabalho então, não é apenas sexual, incorporada e justificada culturalmente, mas construída a partir dos lugares que racialmente esses indivíduos ocupam na sociedade. A divisão do trabalho dentro dessa sociedade alicerçou-se também em uma pratica sócio-racial de separação entre os indivíduos, onde a estruturação dos grupos sociais se misturava com o ?feticKismo da cor e das feiç}es? 'essa forma, podemos entender a preocupação da Mesa em salientar que era necessário, para os indivíduos pobres, no caso das internas, rever a associação do ato de servir, com a escravidão. Em 31 de março de 1846, em reposta um pedido dirigido pela MA, à regente do recolhimento, sobre o envio de 141 internas para uma apresentação na quinta feira santa, foi demonstrado como a relação com essas mulheres racialmente diferentes era delicada em uma 78 No capitulo II há uma discussão sobre isso 193 sociedade que vivenciava o contexto da escravidão, com todo o seu estereótipo em relação ao negro. Afirmou a Regente: Só 80 pessoas tem hábito nesta caza, depois disso nas pessoas mencionadas tem 2 malucas, huma aleijada, huma corcunda, duas quase tizicas, huma que vive anos na cama, outras crioulas, cabras que são empregadas nos serviços da caza, não costumao aparecer...Tem sido her sempre 120 a 130 pessoas as quais tenho cuidado de procurar branca e pessoas sizudas do melhor comportamento, para ou prostarem com dignidade hum acto tão respeitozo como o religioso. ( grifo) Voltando ao documento de 1845, outras indagações são provocadas. De um lado, reafirma a noção até então explicitada de que, de fato, a Santa Casa de Misericórdia procurou ampliar a possibilidade de destinos das internas frente ao tempo de permanência dessas mulheres no Recolhimento, amenizando ou buscando amenizar os gastos com elas, buscando meios para que as mesmas pudessem sobreviver longe da proteção da Casa, como a citação de 1845 demonstra. Do outro, o internato ao promover a discussão sobre o emprego das meninas na condição se servas, aparentemente, longe da associação da cor que, até então, marcava a idpia de serYidão respondeu ou foi ?cutucado? peOas refOe[}es e modificaç}es do seu tempo Isso se reflete na própria construção da proposta pedagógica de aliar educação e civilidade, bem como a adesão a um projeto de construção de nação que, no século XIX, buscava se assemelhar aos modelos dos países considerados civilizados, tais como França e Inglaterra. Nesse sentido, a própria dinâmica da escravidão não apenas era questionada como força de trabalho, como era incompatível com um capitalismo que se transformava e as ponderações da M.A sobre a servidão refletem bem essa situação. Devemos lembrar, ainda, que no inicio do século XIX diversas foram às tentativas da Inglaterra de acabar com a escravidão, uma vez que estava inserida no processo de Revolução Industrial e lutava para ampliar seus mercados consumidores e a América era um potencial para a mesma. Em 1845, foi aprovado o decreto de Bill Aberdeen, que autorizava a Marinha inglesa a prender qualquer navio negreiro que cruzasse o Atlântico, e a julgar o traficante segundo as leis inglesas. Em 1850, pressionados pela Inglaterra, o governo brasileiro promulgou a Lei Eusébio de Queiros, que proibiu definitivamente o tráfico de escravos, com punições rigorosas para os traficantes. Essas questões, acredito, ampliaram na sociedade a discussão sobre a manutenção do trabalho escravo, assim como ficava implícita que sua prática, em uma sociedade de tantas desigualdades sociais, retirava a possibilidade da 194 aplicação da massa de pobres, que se avolumava nos centros urbanos das províncias, nas atividades que por ventura eram exercidos pelos escravos. Todas essas questões possivelmente influenciavam a forma de pensar dos chamados homens bons que formaram a chamada Mesa Administrativa da Santa Casa de Misericórdia e, que eram responsáveis pela manutenção do RSNJ. Em 1870, três anos após a extinção do internato de mulheres, o RSNJ, a Santa Casa de Misericórdia, abriu um termo de locação de serviços de expostos. Apesar de essas meninas terem sido encaminhadas depois do tempo de existência do internato, suponho que, pela ocasião de entrada no asilo dos expostos, em algum momento estiveram no recolhimento antes da sua extinção, em 1867. Além disso, o Asilo da Misericórdia da Santa Casa foi criado para receber as meninas que não haviam chegado à maioridade. Segundo o termo: Serviços da Exposta Margarida Angelica de Mattos e Angélica Maria de Mattos. Aos dezessete dias de mês de Março de 1870, na Casa dos asylos das Expostas, ao Campo da pólvora...compareceo as Expostas Margarida de Mattos e Angelica Maria de Mattos, esta com 17 annos de idade, tendo entrado no asylo com 5 annos em janeiro de 1856, e aquela com 19 annos, tendo entrado igualmente para o Asylo na mesma data, com 6 annos e ambas brancas, naturais da Bahia (...) E Antônio Vicente da Costa, casado, empregado publico, contatado a recebr as expostas acima distas em sua casa, utilizando-se dos seus serviços ( excpto externos, serviços vulgarmente chamados de rua, nos quais não poderá emprega-las). Mediante salário de seis mil reis mensais. &ondiç}es do presente contracto ? 'uração a Oocação por todo tempo eu faOtar para a maioridade da exposta. 2º. Corrente as despezas da alimentação, roupa, calçado da exposta, curativo. 79 Ainda nesse período, entrou /auriana -oaquina de 0attos ?depositada em  de Maneiro de 1851, no Asylo, cabra, aplicar em serviços como tomar conta de criança, varrer a casa, e[ceto os serYiços de rua?80. Tais empregos demonstram que a Santa Casa, em algum momento, recorreu àquilo que ela acreditava que poderia ser um destino para essas mulheres, como as funções de criadas, como previa a reforma do compromisso da Santa Casa, de 1842. A preocupação em possibilitar às recolhidas outros remédios ou mesmo conhecimento de algum ofício que mais tarde pudessem sustentá-las, não se restringiu apenas às funções em espaços controlados pela Santa Casa. Ao contrário, a MA também cogitou ou se utilizou do incipiente processo de industrialização que se processou no Brasil a partir de 1844, que segundo Sampaio (1975) e Prado Júnior (1994) em alguma medida foram beneficiados pelo 79 Livro de locação de serviços de expostos de 1870 80 Idem 195 cunho protecionista da Tarifa Alves Branco, mas, sobretudo pela recuperação das exportações brasileiras, base do sistema econômico. Para Sampaio (1975), o crescimento da exportação e os estímulos concedidos pelos governantes as indústrias têxtil através de descontos aos produtos exportados em sacos de fabricação nacional devem ter influenciado consideravelmente para a instalação das primeiras fabricas têxteis. Junto a esses fatores, Vicentino (1998) pontua que com o fim do tráfico de escravos, um imenso capital fora liberado para esse empreendimento. Fora isso não se pode esquecer que as províncias estabeleciam uma vida cada vez mais urbana, cobrando e organizando uma dinâmica de infra-estrutura e de ?serYiços? e de OoMas que atendessem a esse novo dinamismo. Nesse sentido, podemos compreender o pedido dirigido a Santa Casa de Misericórdia em 1 de dezembro de 1845, onde o comerciante de flores, João Batista Obese propunha à MA o envio de 10 meninas entre 10 e 12 anos para ir com ele para o Rio de Janeiro, a fim de se empregarem em sua fábrica de flores. Segundo Obese Vem propor a esta Santa Casa, receber della dez meninas, preferindo brancas de dez a doze annos de idade, para aprendises floristas as quais por espaço de quatro annos devem ser conservadas no estabelecimento, como aprendises, sem perceber? estipêndio algum, sendo sustentadas, vestidas e tratactas pelo supplicante, que também fará despesas necessárias para o seu transporte d´sta Provincia ao Rio de Janeiro para depois dos ditos 4 anos vencerem salários, com offciaes no mesmo estabelecimento, ou deixa-Oo conforme resoOYer esta 6t &asa? ( Grifo nosso) (ASCMBA. Correspondência Avulsa, 1846) O suplicante justifica a sua solicitação apelando, justamente, para a possibilidade de, no futuro, essas meninas ganharem suas vidas com meios honestos, assim como, estariam se preparando de forma adequada para serem mães e esposas. Diz Obese: [...] essas meninas adquirem um meio certo e honesto de vida, que muito lhes pode aproveitar, quando o amparo e imediato não tiverem por qualquer circunstância desta Santa Casa, de maneira que não só ganhão amor ao trabalho, como que de fucturo se tornão assim boas mães de família, deixando a sociedade em que por ventura se vive no claustro. (ASCMBA. Correspondência Avulsa, 1846) Algumas questões chamam a atenção nesse requerimento: a idade das recolhidas entre 10 a 12 anos, a cor das meninas, brancas, e a forma como se empreenderia o exercício da atividade, na qualidade de aprendizes em um regime de internato. Essas características remetem à noção que se estabeleceu no século XIX, em relação à orfandade onde o emprego 196 desses indivíduos em oficinas se concretizava como um caminho que poderia formar os tão almejados cidadãos úteis e civilizados para a sociedade. Matta (2000) em seu estudo, ?Casa Pia Colégio dos Órfãos de São Joaquim: de recolhido a assalariado?, afirma que, no século XIX, a preocupação com a formação de uma mão-de-obra especializada respondia não apenas os anseios de uma burguesia mercantil, em minimizar os problemas sociais gerados pela crescente população de jovens desocupados, e na de contar com uma fonte de mão-de-obra treinada, mas, sobretudo, ordeira e confiável. Esse autor refere-se, especificamente, à formação dos desocupados masculinos, especialmente, meninos e jovens. Contudo, acredito que em relação às mulheres, a prática de empregá-las em espaços como esse, cumpriu uma função importante de adestramento e, em alguma medida, controle, muito mais do que para o sexo masculino. Isso é revelado não apenas na proposta de Obese, como na preocupação da MA que se seguiu: Essa proposta com quanto à primeira vista se apresente vantajosa, por isso mesmo que tende de aliviar a mesma Santa Casa de hum peso, ela com tudo não o hé, se attender as objeções que se offerecem para o seu desenvolvimento- Em primeiro lugar parece um pouco bárbaro o acto de se arrancar dês inocentes meninas do seio de sua pátria, onde He provavel, que ao menos terão parentes adherentes e afins, por qualquer motivo, seja obrigada a desfazer d´lla para serem tranferida para hum pays que He estranho, vendo a ser realização de tal projeto nada menos que hum quase exílio, sem outro crime que não seja da indigência. (ASCMBA. Documentos Avulsos, 1845) Contudo, ela ponderou: Dado porem o caso que a Santa Casa encarando a questão por qualquer ouro lado consista no transporte dessas clausuras innocentes; quem as conduziria? Haveria huma família honesta e caridosa que se encarregasse de conduzir esse coro de anjos? Eis hua dificuldade! Vivam como fardos entregues a huma marinhagem bruta e de valsa? Não. Ilm Mesa certa que não há de querer por em risco a pureza de dês pudibundas virgens no mar das tormentas, nem do foco de imoralidade da rua do ouvidor. . (ASCMBA. Documentos Avulsos, 1845) Em relação à cor das recolhidas, retomo a ideia de que, cor e gênero interagiram como marcadores para o encaminhamento dessas mulheres para o exercício de determinadas funções, refletindo ou ratificando as ideias de uma sociedade que associavam determinadas funções a condição de escravos. Nesse momento, uma das justificativas para a escolha de mão-de-obra era a compreensão de que os negros não estavam preparados para realizar determinadas funções. O que me leva a pensar que, para determinados espaços, onde as 197 funções fossem consideradas mais especializadas ou delicadas, e onde as mulheres poderiam ser utilizadas, mesmo entre elas, haveria uma preferência pelas mulheres brancas Voltando aos estudos de Matta (2000) sobre a formação de mão-de-obra livre na Casa Pia e Colégio dos Orfãos de São Joaquim, é que, se no caso desta instituição, mesmo destinada para acolher indivíduos pobres e em nível de indigência, não significou que não tivesse exercido uma preferência por determinados grupos de cor. Ainda que, em outros momentos, a cor não tenha sido impedimento para a entrada de outros grupos raciais, como foi o ano de 1865 em diante, evidenciando a crise da escravidão, não se pode negar, que, por muito tempo, a cor foi um empecilho, mesmo diante do abandono desse indivíduo. Revelando que esses exercícios de assistência não ficaram a parte do processo de discriminação racial presente em sua época. A Casa Pia e Colégio de Órfãs de Salvador foi uma grande formadora de mão-de-obra livre, a preferência por muito tempo de determinado tipo de órfãos ou jovens, assim como o perfil solicitado por Obese a Santa Casa de Misericórdia revela que esse preconceito não esteve ausente na escolha dos perfis dos trabalhadores que comporiam, mais tarde, a massa de operários urbanos assalariados de Salvador. Quem também nos trás um olhar sobre como a questão racial entrecortará a discussão sobre a formação de uma massa de trabalhadores livres no século XIX, é Azevedo (2004). Segundo a autora, a partir da independência do Brasil ocorreu uma frenética discussão sobre a necessidade de formar uma população homogênea e integrada num todo social. Era necessário formar um povo social. A noção de povo social trazia consigo uma idéia de população instruída e afeita ao trabalho. Nesse sentido, o negro e seus descendentes serão vistos como uma barreira, uma vez que esse inimigo domiciliar carregava consigo a imoralidade que impregnava a sociedade, além do seu baixo nível mental e cultural. A solução estava, para alguns, em inserir esse mal necessário na sociedade, mediante o adestramento, mas para outros na imigração dos europeus acostumados com os novos rumos de trabalho mais especializado. Contudo, para tantos outros, embora negros e mestiços fosse considerados de baixo nível mental, isso não se colocava como obstáculo para uma futura incorporação a sociedade brasileira. Como pontua Azevedo (2004), tratava-se de simplesmente de tornar ocupados os ?desocupados? ou manter ocupados aqueles fossem alforriando, de modo a se instituir um controle estrito e cotidiano do Estado sobre as suas vidas. 198 Saliento que esses discursos sobre o trabalho livre e a inserção dos negros e descendentes nele ou não, passava pela discussão, como já pontuamos, da necessidade de formação de cidadãos úteis à pátria. O discurso do amor ao trabalho, no século XIX e que, por muitas vezes, foi invocado pela MA, para transformar as recolhidas, não era por acaso. Nas ideias emancipacionistas que se colocavam para o Brasil estava implícito o ordenamento, discipOinari]ação do ?e[- escravo e seus descendentes, bem como dos pobres nacionais em JeraO? 1esse sentido, o trabalho cumpriria um importante papel. Não o trabalho no sentido experienciado na escravidão, mas uma idéia que imprimisse positividade. O intuito era moralizar o trabalho para que, no futuro, os escravos fossem substituídos por trabalhadores livres. Nesse sentido, todos deveriam ser reconhecidos ou sentirem-se como braços úteis na construção da nação. A mulher, afirma Azevedo (2004), também foi inserida nesse discurso. Segundo a autora, Nisia Floresta Brasileira Augusta Faria, feminista, fez uma defesa em Opúsculo Humanitário, em prol da afirmação da mulher como ser social tão atuante e necessário em termos produtivo quanto o homem. Não apenas como aquela que pode trabalhar, mas como aquelas, que uma vez desenvolvido o amor pelo trabalho imprimiria as futuras gerações essa disposição em compor os braços livres da futura nação. Uma vez que, um dos papéis da mulher é educar seus filhos, ela os educaria também desenvolvendo o amor pelo trabalho. Em 1852, a Santa Casa não apenas corroborou com essa afirmação, como apresentou interesse na busca dessa mão de obra para o exercício de determinadas atividades. Em tempo obtive permissão para empregar quinze daquelas na Fábrica de Tecidos em Valença, as quis escolhidas dentre as muitas que para isso se oferecerão e eu mesmo acompanhando da Rodeira, fui leva-las e entrega-las a Directora daquela Fábrica, onde com excepção de duas que voltarão por doentes, se achão muito insatisfeita e do mesmo modo com ellas a Directoria e os proprietários da Fábrica. O bom comportamento dessas meninas deo lugar a que me fossem pedidas mais sete, de 14 a 15 annos para o serviço dos teares, e não querendo mandar nenhuma contra a vontade, ordenei a Regente que soubesse se alguma queri por seo gosto ir; Dias depois, indo saber da resposta, apareceo-me o mesmo número de sete, que se pretendia e tão animadas que apesar da aproximada idéia que lhes dei da diferença do trabalho, nenhum recusou, e então, feitos os precisos e muitos decentes arranjos, para ellas, forao também conduzidas por mim a Valença. Essas, porém desde logo pareceo que se ajustaraao para se não prestarem os trabalhos, figindo alguma moléstia que não tinhão com o uncio dim de voltarem para a cidade. Quando me derão a noticia desta circunstancias, fui fpela terceira vez a Valença, com a idéia de chamá-las ao cumprimento de seios deveres. (ASCMBA. Documentos Avulsos, 1852). 199 Nesse espaço, para além da idade, ficou evidenciado o perfil desejado pelo contratante, 1852: Há dois meses pouco mês ou menos que eu recebi do recolhimento sete moças de 16 a 24 annos. P ______ entrar-se ellas sujeitar-se aostrabalhos e disciplina do nosso estabelecimento e tendo depois de muito paciência com elas me convencido que sua educação e costumes e idade são próprios para que se _______ e mesmo que ellas ficando farão mal as meninas que lá estavão. Por isso peço licença que as 7 moças sejao recebidas no recolhimento outro. E que sejão substituídas por 10 a 13 annos inteOiJentes sadias e Erancas ou muOatas cOaras quando a 0esa acKar coYeniente? João Manoel Carsoa, Director . (ASCMBA. Documentos Avulsos, 1845) Do quadro de mulheres enviadas para a fábrica de tecidos em Valença, entre 1850 a 1860, no total 21 internas, 14 eram brancas, 6 eram pardas e 1 era cabra. E todas expostas. O que demonstra, não apenas, a preferência por determinas grupos de mulheres, como a preocupação específica com determinada orfandade, no caso, as expostas, uma vez que, elas estavam mais suscetíveis as mazelas do mundo, visto que, uma vez terminada a proteção da Santa Casa sobre elas, para onde poderiam ir? Retomamos a discussão que fica subjacente em Matta (2000) e Célia Azevedo (2004), ocupar significou também dar uma solução ao grande número de desocupados que tanto incomodava as elites locais. Fraga Filho (1994), salienta que o discurso da elite refletia-se nas práticas que seriam adotadas pelas autoridades na cidade de 6aOYador ?'ispostos a por um fim a YadiaJem as autoridades se mostraYam decididas a acabar com as reuniões de menores em diversos pontos da cidade. A intenção era retirar a juventude das ruas, circunscrevê-la no âmbito das oficinas, da escola, do orfanato e do serviço miOitar? )5$*$ FILHO, 1994, p.126). Acrescenta ainda o autor que, se nesse momento, a noção de trabalho passou a ser vista também como a base para a riqueza e, nesse sentido, o trabalho era a base da produtividade, era o gerador de riqueza, pobres e entre eles mulheres e miscigenados passaram a ser visto como força indispensável para a produção de riqueza, frente a um sistema escravista que não mais se sustentaria no século XIX e que, incorporá-los, portanto não significava apenas dar destinos aos vadios, mas torná-lo produtivos. Incorporá-lo significou também, estabelecer a fronteira entre a civilização e a barbárie, o permitido e o intolerado. Nesse aspecto, o encaminhar para o trabalho, como a MA buscou fazer, em alguns momentos ou introduzir essa prática dentro do recolhimento, introjetando o sentimento do amor pelo trabalho, era mais um caminho para formar os sujeitos necessários a pátria que se desejava construir. Segundo o autor: 200 Logo após a independência, a repressão a vadiagem e a ociosidade emergência como uma das principais metas das elites brasileiras. Aos olhos destas a construção do Estado brasileiro passava pela constituição de uma sociedade que tivesse no trabalho seu valor fundamental (FRAGA FILHO, 1996, p. 210). Para a gente ociosa da rua estava a força da Lei em obrigar essa população em exercer alguma atividade ou empregá-la em alguma função. Para meninos e meninas, e acrescento as mulheres, as instituições de caridade exerceriam um importante papel em prepará-los com esse novo olhar sobre o trabalho. Embora a MA tenha buscado outros destinos para as internas, essa procura nunca foi dissociado da escolha de lugares que oferecessem algum tipo de proteção para as mesmas. Isso é perceptível no encaminhamento delas para a Fábrica de Tecidos em Valença, uma vez que essa funcionou para as meninas como um espaço também de internato e controle da sua moralidade. Em 1856 de abril, João Monteiro Carson afirma: Desejo-lhe a melhor saúde. Há tempos que o Manoel Gomes Francisco procurou _____ Maria de Mattos. Humas das meninas da Santa casa para se casar com Ella, que não ________por saber que ele tinha huma ________em casa, sendo remediado. Este mal procedimento pedio outro no qual se achou a moça na classe de castigo. Moral em que se conservou alguns meses. E conforme nossos regulamentos, huma moça não se pode casar senão depois de hum ano de bom comportamento. Por isso neguei a segunda vez, porem hoje achando a Fábrica parado pelo desastre de _______ E tendo fazer algumas disposições temporária de todas as moças da Fábrica, dispensei com a demora.Visto que ultimamente tem a moça comportado bem e por isso peço licença para realisar o casamento. ( Grifo nosso) . (ASCMBA. Documentos Avulsos. Caixa 4A) Outra questão que retomo e que está presente nessa citação é a afirmação do casamento para as recolhidas como destino ideal. A existência e procura por outros destinos, não fez a Santa Casa abrir mão de casar essas meninas. Um número considerável de recolhidas encaminhadas para a Fábrica realizou os matrimônios. Das 28 recolhidas conduzidas a Fábrica de Tecidos em Valença, 13 se casaram. Sendo que 11 casamentos se realizaram após o retorno dessas mulheres ao recolhimento. Essa informação demonstra que, mesmo quando na sociedade, as práticas econômicas abriram espaço para a inserção da mulher no mercado de trabalho, não deixou de reafirmar qual o papel era considerado ideal para esse indivíduo: o de mãe e esposa. O trabalho era não o caminho natural, mas necessário a partir das condições econômicas e sociais desses indivíduos como foi visto em Hufma (1999) e como afirma Ana Amélia Vieira Nascimento (1986), na caracterização da cidade de Salvador no século XIX. 201 Grande número de mulheres, companheiras dos chefes das famílias ilegítimas, também exerciam profissões compatíveis com a função doméstica. Eram elas: ganhadeiras (geralmente de cor preta), costureiras, quitandeiras, engomadeiras, sendo a profissão de costureira a mais numerosa, e auxiliadas por agregadas da mesma profissão. Que soma de sacrifícios não seria exigido de uma mulher que ficasse Yi~Ya ainda MoYem para conseJuir amparar e criar os fiOKos"? 6e na Freguesia de São Pedro, algumas viúvas não mencionavam sua profissão, sinal de que eram da elite e continuavam amparadas. Outras apresentavam profissões ou de ganhadeiras ou de costureiras. (NASCIMENTO  p ? Esse espaço foi utilizado pela Santa Casa, assim como pelas recolhidas, como local para a aquisição de futuros pretendentes ao casamento. A própria fábrica indicou essa possibilidade nos seus regulamentos como evidenciou a citação de 1856 e o oficio encaminhado pelo administrador da Imperial Fábrica de Tecidos de Todos os Santos em 1861: Emprega 90 raparigas, e 90 homens de todas as idades e todos fracionais das quais dá casa e da mesa, vivendo todos em uma só família, recebendo educação primária aquellas que precisão,e moral tanto quando se pode encontrar nos collegios d´educação superior. Todos os annos, no dia aniversários da Fabrica, verifica-se alguns casamentos entre opperarios que se affeiçoão, os quais sempre fará protegidos, pelos antigos proprietários, e continuou a ser pelos antigos proprietários, e continuam a ser pelo actual, e pode diser com satisfação, que até hoje se tem sido muito felizes, achando-se a maior parte empregado na Fábrica e os que se tem retirado vai vivendo bem (grifo) (APEB. Fabricas. Serie Colonial/Imperial, 4602) A descrição da Fábrica, em 1861, não apenas reafirma isso, como possibilita perceber que para além das recolhidas irem para trabalhar, ganhando algum pecúlio sobre seu serviço, este espaço não se distanciou de uma lógica de supervisão, controle, adestramento dos seus comportamentos. Isso justificaria porque em 1852 a direção da Fábrica exigiu a troca das recolhidas que não desejavam desenvolver o trabalho para o qual foram contratadas. Retomemos a citação do ano citado: ?Em tempo tiYe a permissão para empreJar quin]e meninas daqueOas na )aErica de tecidos em Valença, as quais escolhidas dentre as muitas que para isso se oferecerão e eu mesmo acompanhado da Rodeira, fui levas e entrega-las a Directoria daquella Fábrcia, onde com excepção de duas que voltarão por doentes, se acham satisfeita e do mesmo modo com ellas a Directora e dos proprietários da Fábrica. O bom comportamento dessas meninas deo lugar o que me fossem pedidas mais sete, de 14 a 15 annos para o serviço dos teres, e não querendo mandar nenhuma contra a vontade, ordenei a Regente que soubesse se alguma queria por seo gosto ir (...) essas porem desde logo pareceo que se ajustarão para senão prestarem os trablahos, figindo algumas moléstias que não tinham com o único fim de voltarem para a Cidade. Quando me derão a noticia destas circunstâncias, fui pela terceira vez a Valença, com a idéia de chamalás ao cumprimento de seos deveres (...) parecesse que tinha conseguido o fim desejado, voltei(...) ellas recorrerão a outros meios, que 202 foi o de quererem associar as outras meninas ao seo partido (...) este procedimento desgostou o Director Senhor Coronel Carson, que veio a cidade dizer-me que não querendo aquelas moças prestar nenhum trabalho, e tendo dele ausentar-se do Imperio, por alguns mezes, não desejava que ellas ali ficassem, e se eu concordasse, ele tornaria a fabrica para traze-las, e na sua volta tomaria igual numero de dez a on]e annos como as primeiras com que todos estaYão satisfeitas? grifo) (ASCMBA. Atas da SCMBA, 18A) A aparente pouca idade dos indivíduos, homens e mulheres, que trabalhavam nesse espaço, denota que ele realmente funcionou dentro da lógica que muitos asilos se propunham no século XIX. Formar trabalhadores livres ordeiros e disciplinados, mas a reação das recolhidas fugia a essa lógica. Principalmente se pensarmos que, como mulheres, ela deveriam ser subservientes. Ao mesmo tempo, esse trecho nos sugere que, possivelmente, a reação das recolhidas poderia ser fruto do não habito ao tipo de atividade realizada, mas, sobretudo a um disciplinamento que, através de horas de trabalho, elevava o individuo a exaustão do seu corpo. Esse documento, ainda que incipiente, sugere algumas respostas as indagações que Lima (2000) no seu artigo sobre o trabalho feminino nas fábricas de tecidos do final do século XIX e inicio do século XX em Minas Gerais. Os estudos sobre a presença feminina no processo de industrialização brasileira não pode ser negado, incidindo seus estudos sobre o coletivo, o discurso de classe, os movimentos feministas e anarquistas. Do outro, pouco tem se revelado sobre as praticas cotidianas as quais as mulheres estavam inseridas 'as quest}es que ?nos aMudem a compreender a sua inserção a partir do seu cotidiano e das relações nas quais estavam submetidas dentro da fábrica, e do processo que contribuiu para a formação da identidade dessas muOKeres operirias? LIMA, 2009, p. 2) No caso dessa experiência em particular, que é um momento muito mais incipiente de formação de uma mão ?de- obra fabril, do que o que vai se revelar no período estudado pela autora apresenta como as relações de gênero dentro desse espaço são perpassadas por uma postura patriarcal, tanto da Santa Casa, como da Fábrica. Eles demonstram uma relação de autoridade frente às recolhidas, que, nesse espaço, não são vistas como operárias, mas como tuteladas. O que me faz pensar que a fábrica, assim como o recolhimento, parafraseando Rago, estabeleceu uma relação pedagógica, paternalista, de subordinação da mulher frente ao homem, da mesma maneira em que se dava no interior do espaço doméstico. Para Rago, ?o pai, o marido, o líder devem ser obedecidos e respeitados pelas mulheres, incapazes de assumirem a direção de suas Yidas indiYiduais ou enquanto Jrupo sociaO oprimido? 5$*2 1985 p.67-68). Concordo com Rago sobre essa subordinação visível, que, muitas vezes, deu 203 lugar a reações coletivas, como a citada no documento anterior ou individual, tal foi o caso de Angélica Augusta de Mattos. Em officio de 14 de abril de 1866 comunicou a Administração da Imperial Fábrica de Tecidos Todos os Santos de Valença, ter essa recolhida ( Maria Angelica Augusta de Matos) ter se ausentado, ocultamente d´aquele estabelecimento no dia 8 deste mês das 9 para as 10 da noite, seduzida por um antigo empregado dali, surpreendida por sua má conduta, declarou a mesma a administração que lhe constava intecionarem casar-se: e que com a sahida desta ultima, um que tal mal recompensou os __________ d`aquele estabelecimento em favor das outras que se acha e que todas casarão e vir um bem, ficava o estabelecimento desonerado de toda a responsabilidade. . (ASCMBA. Documentos Avulsos, 4A) Em 1856, em um dos primeiros problemas apresentados pela Fábrica em seu funcionamento, o diretor da Fábrica demonstrou a preocupação de manter, em especial, as mulheres: Também peço licença a Vs para remetter 6 a 7 das moças da Stanta Casa para ficar no recolhimento enquanto não seja pronta a ________que deve ser ainda alguns meses, pois ellas ca sendo quase só não posso dar lhes attençao necessária para me responsabilisar pela conduta dellas . Por rasao das minhas occupaçoes. E antes quero governar cem moças com serviço regular que com quase cem vadias. Duas ou três vão as csas das suas madrinhas. 19 não podiam ser suspeitas, para esperarem até que a Fabrica trabalhar, as mais quero com sua licença remetter por pessoa de confiança para o recoOKimento? (ASCMBA. Documentos Avulsos, 4A) A preocupação do diretor da fábrica em não deixar as recolhidas por sua própria conta, sem alguém que pudesse ficar responsável por elas, não apenas demonstra o quanto esse espaço foi também um local de conformação das identidades de gênero, uma vez que ao tutelar, ao se colocar como tutor dessas mulheres, a fábrica, reivindicava um ideal de comportamento, uma conduta adequada para o que acreditava deveria ser uma mulher, ao passo que indica, ou mesmo sugere, que essa conformação nem sempre ocorreu de forma tranqüila. Parafraseando Louro (1997), a fábrica era uma instituição constituída pelos gêneros, masculino e feminino, que em uma relação desigual de poder se formavam, mas também, resistiam. Uma vez que, como destaca Lima (2000, p.8), a fábrica, pensando nos seus administradores e fundadores era masculina. Eram eles quem determinava, conduzia, mas, suas trabalhadoras eram mulheres. Nesse sentido, a fábrica é atravessada pelos gêneros. Em 1846 e 1861, após a abertura da fábrica, os proprietários a descrevem: A fabrica achar-se montada com 2000 fusos e 50 teares perto de cem operários nacionais livres, de um e outro sexo, mas só trabalha presentemente com pouco mais da 4º. Parte das máquinas produsindo diariamente seis contas varas; logo que tenha seus operários adestrados n´este ramo da industria há de produzir duas mil varas diirias de tecidos aperfeiçoadas e aOJum fio? Nos primeiros annos dos trabalhos da fábrica, raiou a esperança d´um futuro prospero. A matéria prima era abundante no mercado ? barata a venda dos productos, e a preços razoáveis e animarão a dar maior desenvolvimento no estabelecimento.( grifo ) (APEB. Fábricas, Série Colonial/ Imperial ,4602) 204 Pela descrição da Fábrica observemos que ela foi um importante espaço para o encaminhamento de homens e mulheres, ainda que a Bahia vivenciasse um ínfimo desenvolvimento fabril, uma vez que para a maioria dos estudiosos o efetivo surto industrial, ocorreu no final do século XIX e princípios do século XX. Para Sampaio (1975) em um país de estrutura agrário-escravocrata com um mercado restrito, e em uma conjuntura de decréscimo dos preços dos produtos exportados tornou impossível o surgimento de indústrias e a sua sobrevivência. Isso talvez justifique a não continuação da oferta de mulheres do recolhimento para a Fábrica a partir de 1860. As recolhidas que permaneceram na fábrica, ficaram nesse local uma média de 1 a 4 anos, retornando ao internato para a efetivação do estado de casadas ou não. Em 1858 a Santa Casa, após a Revolta das Recolhidas, em 28 de fevereiro do mesmo ano, na execução de uma lista com os nomes e idade das internas, registrou a existência no recolhimento 40 recolhidas de 20 a 40 anos, 31 recolhidas de 15 a 19 anos, 61 recolhidas de 10 a 14 anos e 54 meninas de 4 a 9 anos. Ao todo, foram identificas, nesse período, 186 internas. Sendo que entre as de 20 a 40 anos estavam distribuídas da seguinte forma: TABELA 7 - NUMERO DE MULHERES POR IDADE IDADE NÚMERO DE MULHERES 20 anos 7 21 anos 2 22 anos 1 23 anos 1 24 anos 1 25 anos 4 26 anos 3 27 anos 7 28 anos 5 29 anos 1 30 anos 2 31 anos 1 34 anos 3 39 anos 1 40 anos 1 FONTE: ASCMBA. Lista das recolhidas, 1858 205 A pouca idade de algumas delas, cerca de 54 ao todo, remete a pensar que, com a epidemia de cólera ocorrida no ano de 1856, obrigou o Recolhimento a abrir suas portas para as meninas de menor idade, como deixa subentendido o pedido do Presidente da Província dirigido a outros asilos de caridade a fim de aliviar o número de desamparadas sob tutela da Santa Casa de Misericórdia. Escreveu o presidente: Va. Que Capital mencionado para esse a cargo da Meza administrativa do Collegio do Ilmm Coração de Jesus, para que sob esta mesma invocação, que consagra a estensão do Amor de Deos pelos homens, como case da Charidade Christão, procure estender os benefícios de sua instituição o maior numero d´orfãos desamparadas, recebendo as que se achao recolhidas na Casa da santa Misericordia, no Collegio N. Senhora dos Anjos, e no recolhimento de S. Raymundo, por perderem seus Paes ou protetectores, na provação calamitosa que passara a província.(ASCMBA. Documentos Avulsos, Caixa 04) Bem, como não posso desconsiderar que, em relação às expostas, ocorreu sempre uma relativização da idade de entrada desse grupo. Voltando ao documento de 1858, o que nos chama atenção é a idade das recolhidas mais velhas, o que explicaria porque a Santa Casa preocupou-se tanto em dar outros destinos a essas mulheres, uma vez que o casamento, para algumas, já não se apresentava mais como possibilidade em uma sociedade, como afirma Maria Beatriz Nizza Silva (1984) e Mattoso (199), as nubentes deveriam ser jovens. Das recolhidas, cujo destino consegui identificar, alguns aspectos destacam-se, outros corroboram com a ideia de que quanto mais jovem, mais facilidade teriam para realizar um matrimônio. Das identificadas, 21 delas se casaram entre a idade de 14 a 21 anos, sendo principalmente expostas, havendo uma predominância de pardas entre elas. Sendo que, 4 delas, foram para a Fábrica de Tecidos, em Valença. E, uma, foi encaminhada como enfermeira. E tinham a idade de 14 a 19 anos. Quando avançamos nas idades, os destinos variavam, identificando apenas um casamento, a da recolhida Gracinda Maria Rosa de 23 anos, branca. Constança Bibiana de Jesus, de 27 anos, branca, e Maria José Jesus, de 25 anos, sem destino. Jeronima Maria Gomes, 30 anos, desligou-se. Ignez Carolina de Mattos, 28 anos, Maria Ignacio dos Santos, 26 anos, Umbelina Carolina Roza, 27 anos, Guilhermina Maria do Amparo, 24 anos, foram encaminhadas para tomar conta de parentes. Paula Joaquina, de 27 anos, encaminhou-se para empregar-se no Colégio Gratidão. As outras, os destinos não foram identificados. Ressalto que, para a Santa Casa, ficava cada vez mais evidente que, na ausência, de tutores para essas mulheres, da família, assim como do casamento, habituar-lhes 206 ao trabalho era uma forma de possibilitar que vivessem com honestidade em uma sociedade de poucas oportunidades. Em 5 de setembro de 1860, a Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia resoOYeu que ? no interesse de KaEituar as recoOKidas ao traEaOKo e economia reaOi]ando assim, um pensamento comum a toda a Mesa, apresentou as bases, ou antes, o projeto de regulamento interno para as salas de trabalho, cuja instalação havia marcado para o dia corrente?(ASCMBA. Ata do SCMBA, 19A) Dizia o Regimento sobre as salas de trabalho de 8 de setembro de 1860 Art 1º. Haverá duas salas destinadas ao trabalho das recolhidas uma para que tiverem até 15 anos, e outra para as maiores de idade. Art 2º. Cada uma das ditas salas terá uma Inspectora de escolha da Regente do Recolhimento, e aprovação do Provedor, mordomo, podendo qualquer dellas ser mudada quando convier. Da mesma forma de nomeação e servindo ambas de baixo da direção da Regente. Art 3º. Para Inspectora da 1º. sala poderá ser nomeada qualquer das 2º. , dentre as que se distinguirem. E sua prudência, caridade e bom procedimento. Art.4º. Nas de trabalho farão s recolhidas todo o serviço de costura, bordão, renda, ou qualquer outro, a que se queirão applicar, ficando em seus cubículos, ou outro lugar, sem permissão da Regente, que a dará em caso de impedimento físico, ou nos que adiante. Art 5º. Os dias de trabalho devão todos os que não forem guardados pela Igreja, e as horas, das 8 da manhã às duas da tarde, das 4 as 6 da tarde fora desse tempo permitr o trabalho nos cubículos, menos somente a noite Art 6º. A hora de acabar e começar deverá ser anunciada e 1 sineta tocará trez vezes para 1º. Salla e quatro para 2º. Art.7º. Todos os instrumentos de trabalho deverão ser fornecidos pelo estabelecimento, e os aviamentos das obras, sahirão da caixa geral. Art 8º.Comportar-se de maneira incomode as demais Art.9º Os meios de correção pelas faltas de comendimento, ou de irregularidade no trabalho... serão admostação pela Inspetora, advertência, pela regente, reclusão e multa numa parte do produto do trabalho, pelo respectivo mordomo, sobre comunicação da regente. Art.10º. O desapparecimento de qualquer utensílio, ou peça de trabalho, sujeitará a indenização pelos seus ganhos aquella, com quem elle se deve. Art.11o. Os trabalhos serão ou adquiridos pelo recolhimento pelo intermédio da Regente, ou enviados pela mesma, e distribuídos pela Regente; de todos se dará entrada e sahida em livro próprio; uns e outros reverterão em beneficio das que fizerem, com excepção dos que perteceram ao mesmo Recolhimento, hospital, casa dos expostos e capella, os quais continuaram a ser feito gratuitamente. Art12º. As recolhidas que não souberem fazer o trabalho, a que se quiserem aplicar serão nele dirigidas pelas inspetoras, ou por outras de nomeação da Regente, e so em falta absoluta de quem ensine dentre as recolhidas, admitir-se-hão mestras externas de nomeação do mordomo com acordo do escrivão e apoio do provedor. Art13º. O produto do trabalho das aprendizes será dividido entre ellas e as que as ensinarem, se forem estas recolhidas, e as mestras externas serão pagas pelo estabelecimento. Art14º. Nenhum trabalho, que não for enviado pela Mesa será entregue, sem que fique pago o seu custo Art.15º. o recebimento dos custos do trabalho adquirido pela recolhimento será feito pela Regente em presença da recolhida a que pertencer. Art.16º. As recolhidas receberão mensalmente o produto de seus trabalhos na presença do provedor, 1º. Domengo de cada mez e depois da missa. 207 Art.17º. haverá uma caixa geral para compra de linha, metros, aviamentos. Da quantia de cem reis de cada mil reis, que receberem as recolhidas pelo seu trabalho. Art.18º. Essa caixa estará a cargo da Regente, que della dará conta privativamente do modormo e por intermédio de quem se fará todas as compras. Art. 19º. A assiduidade no trabalho e o bom procedimento nas respectivas salas dará direito a ter preferência nas concessões de visita, passeios e distrações. Art. 20º. Os aniversários das instalações das salas de trabalho serão dias de festas para as recolhidas. Art.21º. Com missa, exposição de melhores trabalhos, leitura do relatório fazendo menção honrosa das que mais sobre sahirem de sua aplicação, progresso, e bom comportamento. Art.22º. E que seis das recolhidas de cada uma das salas, que mais houverem distinguido, repartindo igualmente com estas qualquer saldo que por ventura existir na caixa geral. (ASCMBA. Documentos Avulsos, Caixa 05) Observemos que, nesse regimento, para as salas de trabalho das recolhidas havia uma preocupação com o controle do tempo dispensado pelas internas que se empregavam nas atividades, bem como a ideia de controle, punição que ia desde a reclusão à perda do ganho do seu trabalho. O disciplinamento ficava posto como condição indispensável para o andamento desse espaço. Nesse sentido parece tentar assemelhava-se a um espaço fabril, especialmente o têxtil, se aproximou da lógica de organização dos conventos. O fato é que o tempo era organizado não apenas para produzir, mas também para controlar, ocupar. O que possivelmente respondeu à necessidade do Recolhimento que acabara de vivenciar a experiência da Revolta das Recolhidas, de 1858. O controle e ocupação convergiram para manter mentes e corpos centrados em coisas úteis, não permitindo que as recolhidas realizassem ou promovessem situações desagradáveis. Em 1853, a Regente Candida Maria de Souza levou ao conhecimento da Mesa que tratando a Santa Casa de habilitar uma sala de ensino que trouxesse de volta as recolhidas que foram para o convento da Soledade para serem instruídas, pois, com esse fim, foram para lá ?adquirirem instrução depois Yirem KaEiOitar as de ci? Em  de setemEro de  a 0esa $dministratiYa ?decide peOa contratação de uma mestra para aOi ensinar a traEaOKar em caOçados? A partir de 1862, o Recolhimento do Santo Nome de Jesus caminhou gradativamente para o seu fim. A preocupação da MA em dar algum destino às internas que por muito tempo ali permaneceram estendeu-se até 1867, quando em 7 de janeiro foi extinto o Recolhimento. Não sei ao certo se todas as meninas de mais idade foram efetivadas em atividades profissionais. O que pude constatar é que, ao longo do seu percurso, a formação para isso foi possibilitada, ainda que, a Santa Casa, nunca tenha aberto mão de realizar o propósito do seu 208 idealizador João de Mattos Aguiar: casar essas meninas, tornando-as mulheres de família e boas mães. Ainda em 1862, antes do fim do Recolhimento, na transição do Antigo, Recolhimento do RSNJ para o novo, Asilo da Santa Casa da Misericórdia, o provedor escreveu: Por escritura publica de fevereiro de 1862 foi efetuado a compra do prédio ao Campo da Povora. 29 de Junho de 1862 dar-se a passagem dos expostos e das recolhidas menores de 16 anos. Uma casa pequena passou a externato para meninas pobres, regido por uma das Irmãs de Caridade, que lhes ensina religião, primeiras letras, costura. Cabe aqui mencionar a utilisada do novo regimento de educação dada aos expostos, que além do que aprenderam de português e escrita, aprendem a fabricar flores de pano, bordam de muitas maneiras, fabricam seus sapatos e tudo isso fazem imaginar sem imaginar que lhe seja aviltante, como autrora supunha o antigo Recolhimento. (ASCMBA. Ata do SCMBA, 19A) É notório, que em toda o processo de mudança ocorrido dentro do Recolhimento, a MA buscou atender às transformações da época em relação às novas concepções que se formou em torno de um determinado grupo social, livres e pobre, adequado-os, nesse caso, as mulheres, as novos discursos sobre cidadãos úteis à pátria, assim como, procurou dar destino à crescente demanda de mulheres que se aglomerava no internato. E, nesse contexto, alguns trechos dos documentos, nos mostraram, que esses destinos, como essa formação para o trabalho, em muitos momentos foram de encontro aos interesses das asiladas, uma vez que, o casamento, estar casada representava para as mulheres um reconhecimento social. Era adquirir um status social. O que para mim, também foi compartilhado pela Mesa Administrativa. Ainda no final do termo de extinção do antigo recolhimento, consignado à cappela da Santa Casa da Misericórdia, o provedor afirmou: Verificando-se pelos respectivos livros, relativos as pessoas do antigo Recolhimento que nenhuma recolhida alli mais existia, por se ter casado grande número, saída , fallecido algumas e terem as outras requerido e conseguido desligar-se da Santa casa sem mais direito de voltar, algumas mediante a entrega feita de metade do dote devdo, outras com o dote inteiro e as mais com pensão mensal de oito mil reis para sua subsitencia, mas com direito finalmente ao dote quando se casar e tudo com a clausula expressa só ter vigor em quanto a Mesa não deliberar o contrario, sendo no momento desta contempladas as recolhidas Maria José de Jesus e Rita Joaquiana de Mattos que pediram e conseguiram ser admitidas no Recolhimento de São Raymundo, mediante a quantia de oito mil mensal, tudo em conformidade com as ultimas deliberações da Mesa de Junta, um rigor, relativamente as meninas recolhidas, passei a visitar os cômodos, autrora por ellas ocupados e verificando estar sem effeito e estabelecimento desocupado, mandei fecha-lo e recolher as chaves a secretaria da Casa, dando por extinto o antigo Recolhimento.ASCMBA, Termo de Saída das Recolhidas, 1186) 209 Guacira Lopes (1997) ao refletir sobre a escola como um espaço de atuação dos gêneros, onde eles são constituídos e se constituem, pergunta-se: Qual o gênero da Escola? Lima, parafraseando a autora, em seu estudo sobre a Fábrica Têxtil em Minas Gerais, também se pergunta: Qual o gênero da Fábrica? Ao refletir sobre o Recolhimento do Santo Nome de Jesus, faço essa mesma pergunta: Qual o gênero do recolhimento? Com certeza respondo que o gênero predominante nesse espaço foi o feminino ou os femininos, recortados por categorias como status social e raça. Contudo, ao pensar a formação dessas identidades não posso dissociá-la da sua relação com o masculino. O que se travou dentro do recolhimento do Santo Nome de Jesus são relações de gênero que se constituíram e se engrenaram em um espaço vivido pelas mulheres, mas pensado dentro de uma lógica masculina. Vimos, também, que várias foram as razões para a reclusão das mulheres do RSNJ. Nesse sentido, infiro que a clausura teve para essas mulheres significados diferenciados, principalmente, quando a pobreza era a motivação inicial, uma vez que essa condição transformou esse espaço no caminho possível de sobrevivência para elas, fossem de cor ou não. Por outro lado, não posso minimizar que se para algumas, a pobreza foi a grande motivação do seu recolhimento, para outras, a reclusão independeu das suas vontades, o que as motivaram na busca dos meios para tornarem a ter a sua ?OiEerdade? 210 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo dos recolhimentos assim como os conventos constitui-se de grande importância para compreendermos as diferentes dinâmicas e estratégias utilizadas na formação das mulheres. Contudo, se por um lado eles são reveladores dos processos de normatização utilizados para moldar o feminino, revelam também como as mulheres viveram a clausura. Assim como é possível, através do seu estudo, articular o que a sociedade e as mulheres buscavam. Uma vez que esses estabelecimentos eram expressões dos anseios das populações locais, e que algumas mulheres utilizaram como estratégia de sobrevivência em um contexto de dificuldades financeiras. Nesse sentido, ao estudar esses espaços, observamos como eles vão ser significado e resignificado pelas experiências específicas de homens e mulheres. É com esse objetivo que busquei estudar o Recolhimento do Santo Nome de Jesus, instituição pouco observada pelos historiadores baianos (as), sendo citado apenas quando se refere a Revolta do Carne sem Osso, Farinha sem Caroço, uma vez que, o motim realizado por suas recolhidas, em 28 de fevereiro de 1858, foi considerado o estopim para essa revolta. Entretanto, o estudo aprofundado desse espaço revela que ele teve grande importância na formação e encaminhamento de meninas órfãs para o casamento, tornando-se uma instituição desejada e importante para a sociedade da época. Apesar de frisar a importância desse espaço enquanto local de formação. Não compreendo essa formação como estática, longe da ação das suas internas. Ao contrário, o estudo do RSNJ, demonstra que ao compreender as dinâmicas cotidianas que perpassavam as paredes do recolhimento, nos deparamos com situações de conflitos e negociações que não apenas influenciam a ordem desse internato, como foi fundamental para se pensar no tipo de educação que era destinada a elas. Revelando que, mesmo nesses espaços normatizadores, criados dentro de uma lógica masculina do que deveria ser a clausura para as mulheres, elas criaram estratégias de ação e articulação. Por outro lado, não ignoro que esses espaços não estavam alheios as transformações da época. E o século XIX, foi um período marcado por novas percepções sobre o viver em sociedade e os papeis dos seus indivíduos. No caso do recolhimento do RSNJ, nesse período, houve uma intensa discussão da M.A sobre as adequações das recolhidas aos novos padrões cobrados as mulheres. Ao mesmo tempo, em que, assistimos uma radical mudança no perfil das internas, com o acesso cada vez maior das mulheres de cor ao estabelecimento, 211 contribuindo para que a Santa Casa cogitasse preparar as internas para o trabalho, de modo que tivesse algum sustento na ausência da figura masculina. E nesse sentido, várias foram as medidas empregadas no internato de modo que as internas pudessem ter um conhecimento adequado para poderem sobreviver, caso o casamento não ocorresse. O que demonstra como essa sociedade lidou de forma ambígua com a condição das mulheres. O trabalho não deveria ser o fim para elas, contudo, se estivesse em jogo a honra, o controle sobre a sexualidade feminina, trabalhar honestamente era o caminho viável para mantê-las longe dos perigos de mundo. Essas questões me levam a recupear as observações de Algranti (1992) e Carneiro (2005) que o estudo desses espaços deve ser sempre empreendido a partir de duas questões básicas: o significado das instituições, que permite captar as imagens e representações sobre as mulheres, e o cotidiano no interior dos recolhimentos e conventos, a fim de se recuperar quem eram como viviam, e os motivos dos enclausuramento dessas mulheres. Acrescento, parafraseando Algranti (1992), que as relações que são empreendidas dentro desse espaço não são unilaterais, ao contrário, em meio a tentativa de normatizar o feminino, existem vozes que soam baixinho, descontinuas, e abafadas pelo farfalhar dos hábitos, prisioneiras das memórias e dos sentimentos que as conduziram a reclusão. E se misturam a própria construção desses espaços e dos discursos daqueles que o fizeram necessário. 212 FONTES PRIMÁRIAS APEB. Correspondência da Ouvidoria do Crime, 174-179 ___. Correspondência das Recolhidas da Santa Casa da Misericórdia. Secção Religião, 5285 ___. Correspondências ± Fábricas- Série Colonial / Imperial ± 4602/4603 ( 1829 a 1886) ASCMBA. Atas da Junta da Mesa e Junta 1834 ? 1888 _____.Carta da Superiora francesa (27/ 04 /1858) ____. Carta de renúncia do Provedor (28/02/1858) _____.Correspondência avulsa da Irmã Brignot (23/02/1858) _____.Correspondências avulsas Caixa 1 A (1799 -1833) _____. Correspondências avulsas Caixa 1 B ( 1831-1833 _____. Correspondências avulsas Caixa 1 C (1837-1840) _____. Correspondências avulsas Caixa 02 (1840-1846) _____. Correspondências avulsas Caixa 03 B (1847-1849) _____. Correspondências avulsas Caixa 04 A (1850 -1859) _____. Correspondências avulsas Caixa 04 B (1853 -1856) _____. Correspondências avulsas Caixa 04 C (1856-1857) _____. Correspondências avulsas Caixa 05 (1858- 1860) _____.Livro 11º. dos Expostos 1201 ( 1813 a 1821) _____. Livro 12º. dos Expostos 1202 (1821 ) _____. Livro 13º. dos Exposto 1203 _____.Livro 1º. dos Expostos 1204 (1832 a 1836) _____. Livro 2º. dos Expostos 1205 (1836 a 1843) _____.Livro 3º. dos Expostos 1206 (1843 a 1854) _____. Livro 4º. dos Expostos 1207 (1854 a 1864) _____. Livro contendo as verbas de disposições testamentárias de João de Mattos e Aguiar 199 B (1731-1732) _____. Livro de Acordos da Mesa Administrativa da Santa Casa de Misericoridia, 14 (1681-1745). _____.Livro de Acordos da Mesa Administrativa da Santa Casa de Misericoridia, 15 (1745-1791). _____. Livro de Atas 17 A (1834 ? 1846) 213 _____.Livro de Atas 18 (1846 ? 1856) _____.Livro de Atas 19 A (1857 -1875) _____.Livro de conta do benfeitor João de Mattos 212C _____.Livro de lançamento de capitais das recolhidas 1192 (1863 a1870) _____. Livro do Termo de Assentamento das Recolhidas 1180 ± 1184 _____. Livro do Termo de Saída das Recolhidas 1186 _____.Livro dos Segredos 175 _____.Livro Tombo 1º. 1829 _____.Livro Tombo 2º. 1862 _____. Livros de Registros de Correspondência 86 A ( 21/09/1776 a 02/1817) _____.Livros de Registros de Correspondência 87 A ( 16/03/1817 a 02/04/1832) _____. Livros de Registros de Correspondência 88 A ( 13/004/1832 a 12/10/1843) _____. Livros de Registros de Correspondência 89 A ( 14/09/1843 a 14/19/1846) _____.Livros de Registros de Correspondência 90 A ( 1846 a 1848) Livro danificado _____.Livros de Registros de Correspondência 91 A ( 1848 a 1852 ) Livro danificado _____.Livros de Registros de Correspondência 92 A ( 1852 a 1856) _____.Livros de Registros de Correspondência 93 A ( 1856 a 1861) _____.Termo de Entrada das Recolhidas 1180 (1742 a 1759) _____.Termo de Entrada das Recolhidas 1181 (1759 a 1808) _____.Termo de Entrada das Recolhidas 1182 (1823 a 1860) _____.Termo de Entrada das Recolhidas 1184 (1840 a 1849) BIANCARDI, Teodoro José. Cartas americanas. 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